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144 Unidade III Unidade III 7 DIETOTERAPIA EM PACIENTES COM HIV/AIDS E NAS DOENÇAS OPORTUNISTAS 7.1 Definição A síndrome da imunodeficiência adquirida (sida ou aids – acquired immunodeficiency syndrome) é a manifestação clínica avançada decorrente de um quadro de imunodeficiência causado pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH, HIV - human immunodeficiency virus) (LAZZAROTTO; DERESZ; SPRINZ, 2010). Desde o início da década de 1980, a identificação de HIV/aids constitui um desafio para a comunidade científica global, pois é considerado um problema de saúde pública de grande magnitude e caráter pandêmico que envolve diversos fatores sociais, atingindo os indivíduos sem distinção social, econômica, racial, cultural ou política (PERUCCHI et al., 2011). De 1980 a junho de 2020, foram identificados 1.011.617 casos de HIV no Brasil. O país tem registrado, anualmente, uma média de 39 mil novos casos nos últimos cinco anos (BRASIL, 2020). Os grupos de risco para contrair HIV são: trabalhadores do sexo (relação sexual sem preservativo), pessoas que injetam drogas (compartilhamento de agulhas e seringas), transmissão vertical de mãe para filho, transplante de órgãos ou doação de sangue (BROWN; PEERAPATANAPOKIN, 2019). O uso da terapia antirretroviral combinada (Tarv, também denominada terapia antirretroviral potente), a partir da introdução dos inibidores de protease (IP) em 1996, tem proporcionado a supressão sustentada da carga viral e a reconstituição imunológica, diminuindo a morbidade e a mortalidade e, como consequência, o aumento da expectativa de vida dos indivíduos infectados pelo HIV (LAZZAROTTO; DERESZ; SPRINZ, 2010). No entanto, observou-se que a terapia antirretroviral é acompanhada de alterações metabólicas como dislipidemia, resistência insulínica, hiperglicemia e redistribuição da gordura corporal, fatores de risco para a doença cardiovascular. 7.1.1 Mecanismo de ação dos antirretrovirais Quando ocorre a infecção pelo vírus causador do HIV, o sistema imunológico começa a ser atacado, levando à imunodeficiência. O sistema imunológico fica debilitado e o indivíduo fica mais suscetível a infecções. E é no primeiro estágio, chamado de infecção aguda, que ocorre a incubação do HIV (tempo da exposição ao vírus até o surgimento dos primeiros sinais da doença). Esse período varia de duas a quatro semanas. No estágio II, denominado fase assintomática, ocorre replicação ativa do vírus e destruição das células T helper CD4, sem manifestações aparentes. Contudo, com o passar do tempo, evolui para infecção com sintomas e o sistema imunológico começa a ficar debilitado. No estágio III surgem doenças (candidíase oral e linfoadenopatia) e ocorre declínio da função imunológica. Neste estágio, por causa da baixa imunidade, o paciente fica suscetível a doenças oportunistas (pneumonia, sarcoma), que recebem esse nome por se aproveitarem da fraqueza do organismo. No estágio IV o paciente é portador da aids. O individuo que é infectado pode levar até 15 anos para desenvolver a doença (BRASIL, s.d.). 145 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Célula hospedeira Enzima viral Inibidores da transcriptase reversa: *NNRTI *NRTI Transcriptase DNA pró-viral reversa Transcrição Enzima viral protense Inibidores da protease Núcleo RNA viral RNA viral Mecanismo de ação dos antirretovirais Figura 31 – Ciclo de replicação do HIV e mecanismo de ação dos antirretrovirais. O HIV, através de suas glicoproteínas de superfície, adere à célula hospedeira e introduz seu material genético no citoplasma da célula. A enzima viral transcriptase reversa transforma a dupla fita de RNA viral em DNA pró-viral, que migra até o núcleo da célula hospedeira unindo-se ao seu material genético. Ocorre o processo de transcrição, pelo qual se formam novas moléculas de RNA viral, as quais migram até o citoplasma e, por ação da enzima viral protease, se unem aos demais componentes virais, havendo a formação de um novo HIV. Dessa forma, as drogas da classe dos inibidores da transcriptase (análogos de nucleosídeos – NRTI ou não análogos de nucleosídeos – NNRTI) inibem a primeira fase da replicação viral através da inibição da enzima viral transcriptase reversa. As drogas da classe dos inibidores da protease impedem a ocorrência da última fase da replicação viral por inibirem a enzima viral protease Fonte: Valente (2005, p. 872). 7.1.2 Desnutrição e HIV O vírus da imunodeficiência humana (HIV) e a desnutrição são multifatoriais. Ambos estão relacionados entre si, causando danos progressivos ao sistema imunológico. O HIV compromete o estado nutricional, e a ingestão inadequada de nutrientes debilita ainda mais o sistema imunológico, aumentando a suscetibilidade a infecções oportunistas. O HIV pode causar ou agravar a desnutrição, provocando redução da ingestão alimentar, aumento das necessidades de energia e má absorção de nutrientes. A desnutrição é uma das principais complicações do HIV e é considerada um importante fator prognóstico nos pacientes com estágios avançados da aids (DAKA; ERGIBA, 2020). A síndrome de wasting (síndrome consumptiva) é caracterizada pela perda de peso não intencional de 10% em 12 meses, perda de peso não intencional de 7,5% em período superior a 6 meses, 5% de perda de massa celular corporal (MCC) em 6 meses, IMC < 20 kg/m2. A síndrome de wasting é multifatorial e envolve fatores como redução da ingestão alimentar, comprometimento no processo de digestão e absorção de nutrientes, hipermetabolismo, catabolismo proteico acelerado, doenças oportunistas – que estão associadas – e efeitos da medicações. As intervenções nutricionais são essenciais no tratamento do HIV/aids, pois a dieta e a nutrição podem melhorar a adesão e a efetividade da terapia retroviral, além de contribuírem com a melhoria das anormalidades metabólicas. Suplementação nutricional, redução de citocinas inflamatórias e terapia hormonal são o tratamento para controlar a síndrome de wasting, que atinge cerca de 20% dos pacientes no momento do diagnóstico. 146 Unidade III O objetivo do tratamento nutricional é melhorar o estado nutricional, diminuir o comprometimento funcional da desnutrição (fadiga muscular, estado do paciente acamado, incapacidade de trabalhar), melhorar a tolerância ao tratamento antirretroviral, aliviar os sintomas gastrointestinais da (náusea, diarreia, inchaço) e melhorar a qualidade de vida (OCKENGA et al., 2006). Lembrete Quando ocorre a infecção pelo vírus causador do HIV, o sistema imunológico começa a ser atacado, levando à imunodeficiência. O sistema imunológico fica debilitado e o indivíduo fica mais suscetível a infecções. 7.1.3 Interação entre drogas e nutrientes A terapia antirretroviral pode causar reações no organismo, como doenças oportunistas. A tabela a seguir destaca a interação dos alimentos com a medicação. Assim, é possível recomendar a administração mais adequada dos medicamentos e sugerir condutas dietéticas, caso necessário (BRASIL, 2006). Quadro 27 – Descrição dos antirretrovirais Droga Interação com o alimento Possíveis reações adversas Recomendações/ administração Recomendações dietéticas/suplemento Zidovudina (AZT) Dieta rica em gordura diminui a absorção do fármaco Anemia Depleção de zinco e cobre D/N/V/A/AL/EH Com ou sem alimento, evitando os muito gordurosos Pode necessitar de suplementação de zinco Didanosina (DDI) Alimento diminui a absorção do fármaco Diarreia Aumento do ácido úrico Aumento dos triglicérides Aumento da glicemia Neuropatia periférica Aumento da PA 30 min antes ou 2h após refeição Mastigar o comprimido completamente ou diluir em água Não usar com antiácidos de Al ou Mg Evitar álcool (aumenta incidência de pancreatite) Efavirenz (EVF) Alimento gorduroso aumenta a absorção do fármaco Dislipidemia D/N Lipodistrofia Com ou sem alimento Evitar alimento gorduroso Não coadministrar com erva de São João (Hypericum), cápsula de alho, Ginseng, Ginkgo-biloba,Equinácea Indinavir (IDN) Alimento diminui a absorção do fármaco Nefrolitíase Aumenta glicemia Diabetes Lipodistrofia D/N/V Dislipidemia 1h antes ou 2h após refeição com água e/ou chá Ingerir no mínimo 1,5 litro de água por dia, de preferência junto com a droga Não coadministrar com erva de São João (Hypericum), cápsula de alho, Ginseng, Ginkgo-biloba, Equinácea Nelfinavir (NFN) Alimento melhora a absorção do fármaco Dislipidemia Lipodistrofia Diarreia Com alimentos Não coadministrar com erva de São João (Hypericum), cápsula de alho, Ginseng, Ginkgo-biloba, Equinácea 147 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Droga Interação com o alimento Possíveis reações adversas Recomendações/ administração Recomendações dietéticas/suplemento Amprenavir (APV) Alimento gorduroso aumenta a absorção do fármaco Dislipidemia Lipodistrofia Com alimento gorduroso Não coadministrar com erva de São João (Hypericum), cápsula de alho, Ginseng, Ginkgo-biloba, Equinácea Rifampicina (RMP) Alimento diminui a absorção do fármaco Aumenta ácido úrico Hepatotoxicidade Diminui vitamina D Diabéticos em uso de sulfonilureia têm aumento de glicemia 1h antes ou 2h após refeição, com 1 copo de água Pode ser com pequena quantidade de alimento se ocorrer irritação GI Diminuir purinas Pode necessitar de suplementação de vitamina D Evitar álcool para diminuir toxicidade Adaptado de: Brasil (2006, p. 39-40). Quadro 28 – Descrição das principais drogas para profilaxia e/ou tratamento de infecções oportunistas Droga Interação com o alimento Possíveis reações adversas Recomendações/ administração Recomendações dietéticas/ suplemento Anfotericina B Perda de potássio Anemia Insuficiência renal Via intravenosa Aumentar potássio Assegurar ingestão hídrica Dieta rica em ferro, se anemia ferropriva Azitromicina Alimentos melhoram a tolerabilidade Intolerância gastrointestinal Dor abdominal Diarreia Cápsula ou suspensão: 1h antes ou 2h após refeição Não tomar com antiácidos ou suplementos de Al e Mg Dapsona Não usar na anemia severa Anemia hemolítica Anemia e neutropenia Intolerância grastrintestinal Aumenta glicemia Administração com alimento diminui a irritação gástrica Suplementar com doses profiláticas de ferro, vitamina C e ácido fólico Sulfametoxazol + Trimetoprima Sem interação importante Interfere no metabolismo do folato Anemia hemolítica Não usar em anemia megaloblástica por deficiência de folato Diabetes em uso de sulfonilureia: anorexia, dor abdominal, náusea, vômitos, neutropenia, anemia, trombocitopenia, intolerância gastrointestinal, hipercalemia, hepatite e hipoglicemia 1h antes ou 2h após refeição com 1 copo de água. Se houver irritação gastrointestinal, ingerir com alimento Assegurar ingestão hídrica maior que 1,5 litro por dia para evitar cristalúria. Pode necessitar de suplementos de folato Aciclovir Nefrotoxicidade. Náuseas, vômitos, anemia, neutropenia e trombocitopenia Oral: com alimento e 1 copo de água IM/IV Ingerir de 1,5 a 2,5 litros de água por dia Adaptado de: Brasil (2006, p. 42). 148 Unidade III 7.2 Síndrome lipodistrófica do HIV Esta síndrome é caracterizada por alterações na distribuição da gordura corporal. Sua etiopatogenia ainda não é bem clara, não apresenta método diagnóstico padronizado e sua prevalência exata é desconhecida. A importância desse quadro se deve a sua repercussão e impacto (físico, psicológico e clínico), podendo estar associada aos fenômenos de arteriosclerose precoce, diabetes melito e outras patologias. Lipodistrofia, ou metabolismo anormal e deposição de gordura, inclui lipoatrofia (perda de gordura subcutânea) e lipohipertrofia (ganho de tronco gordura) e forma mista (associação de lipoatrofia e lipohipertrofia). As principais alterações da distribuição de gordura corporal relacionadas com esta síndrome são: acúmulo de gordura (obesidade abdominal, aumento do perímetro torácico, hipertrofia mamária, aumento da gordura lateral do pescoço, giba de búfalo e lipoma generalizado ou localizado), perda de gordura na face, nádegas e extremidades e alterações mistas (WILLIG; WRIGHT; GALVIN, 2018). Podem ainda ter outros transtornos metabólicos, implicados ou não com esta síndrome, tais como: alterações do metabolismo da glicose (resistência periférica à insulina, hiperglicemia, intolerância à glicose e diabetes melito); alterações do metabolismo dos lipídios (hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia – aumento de low density lipoprotein – LDL-c e diminuição de high density lipoprotein – HDL-c) e aumento de apoliproteína B. Quadro 29 – Componentes da síndrome lipodistrófica do HIV Dislipidemia ↑ Colesterol total ↑ LDL colesterol ↓ HDL colesterol ↑ Triglicérides Alterações glicêmicas Glicemia de jejum alterada (pré-diabetes): glicemia de jejum 100-125 mg/dl / ADA* Intolerância à glicose: glicemia 2 horas após sobrecarga oral com glicose 140-199mg/dl / ADA* Diabetes melito: glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl ou glicemia 2 horas após sobrecarga oral com glicose ≥ 200 mg/dl / ADA* Resistência insulínica Lipodistrofia Lipoatrofia: redução da gordura em regiões periféricas (braços, pernas, nádegas) e proeminência muscular e venosa relativas Lipohipertrofia: acúmulo de gordura em região abdominal, gibosidade dorsal, ginecomastia e aumento das mamas em mulheres Mista: associação da lipoatrofia e da lipohipertrofia Doença cardiovascular Resistência insulínica * American Diabetes Association (ADA – Associação Americana de Diabetes) Adaptado de: Brasil (2006, p. 3). Não há muitas evidências no tratamento nutricional no controle dessas alterações metabólicas, mas o monitoramento nutricional com exames e orientações de mudança de estilo de vida, incentivando a prática de atividade física e mudança na alimentação (alimentação saudável) auxiliam no controle de perda de massa gordura e formação de muscular. Também é importante o cuidado com a saúde 149 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA emocional, sobretudo os estados de desânimo e depressão. A manutenção de práticas alimentares saudáveis deve ser enfatizada. Evitar alimentos gordurosos, frituras, alimentos que contenham gordura saturada e hidrogenada e ovos (gemas) ajudam no controle do colesterol e na manutenção da saúde. Os doces e massas em excesso aumentam os níveis de triglicérides e a glicose sanguínea circulante (BRASIL, 2006; CUPPARI, 2014). A alimentação saudável deve fornecer carboidratos, proteínas, lipídios, vitaminas e minerais, que são nutrientes necessários ao bom funcionamento do organismo. A diversidade da alimentação com todos os nutrientes necessários auxilia na manutenção da saúde. Quadro 30 – Nutrientes importantes para uma alimentação saudável Nutrientes Características/funções Alimentos que os contêm Proteínas Molécula complexa composta por aminoácidos unidos por ligações peptídicas Envolvidas na formação e manutenção das células e dos tecidos do corpo e dos órgãos Leite, queijos, iogurtes, carnes (aves, peixes, suína, bovina), miúdos, frutos do mar, ovos, leguminosas (feijões, soja, grão-de-bico, ervilha, lentilha) Castanhas (castanha-do-pará, avelã, castanha-de-caju, nozes) Gorduras Grupo de compostos químicos orgânicos que compreendem os triglicerídios, fosfolipídios e esteroides São fontes alternativas de energia Influem na manutenção da temperatura corporal Transportam vitaminas lipossolúveis Dão sabor às preparações e sensação de saciedade Azeite, óleos, margarina (insaturadas) Manteiga, banha de porco, creme de leite, maionese, toucinho (saturadas) Sorvetes industrializados, gordura vegetal hidrogenada Carboidratos Grupo de compostos formados por carbono, hidrogênio e oxigênio Uma das fontes de energia mais econômicas Asseguram a utilização eficiente de proteínas e lipídios Cereais (arroz, milho, trigo, aveia), farinhas, massas, pães, tubérculos (batata, batata-doce, cará, mandioca, inhame)Açúcares simples Vitaminas Substâncias orgânicas necessárias em pequenas quantidades para crescimento e manutenção da vida Segundo sua solubilidade, classificam-se em hidrossolúveis: vitaminas do complexo B (B1, B2, B6, B12), ácido fólico e vitamina C; lipossolúveis: vitaminas A, D, E e K Essenciais na transformação de energia, ainda que não sejam fontes Intervêm na regulação do metabolismo Favorecem respostas imunológicas, dando proteção ao organismo Verduras, legumes e frutas, como espinafre, vinagreira, acelga, rúcula, alface, capeba, almeirão, gueroba, tomate, beterraba, cenoura, jerimum ou abóbora, jatobá, caju, cajá, maçã, mamão, laranja Minerais Compostos químicos inorgânicos necessários em pequenas quantidades para crescimento, conservação e reprodução do ser humano, sendo os mais conhecidos: cálcio, ferro, magnésio, zinco e iodo Contribuem na formação dos tecidos Intervêm na regulação dos processos corporais Favorecem a transmissão dos impulsos nervosos e a contração muscular Participam da manutenção do equilíbrio ácido-básico Frutas, verduras, legumes e alguns alimentos de origem animal (leite, carnes, frutos do mar como fontes, principalmente de cálcio, fósforo, ferro e zinco) e castanhas Adaptado de: Brasil (2006, p. 3). 150 Unidade III 7.3 Alteração do metabolismo ósseo 7.3.1 Osteoporose Embora as causas ainda não estejam claras, as alterações do metabolismo ósseo aumentam o risco de baixa densidade óssea e osteoporose, e muitos têm menor densidade mineral óssea do que o esperado para idade. Os fatores de risco incluem baixo IMC, histórico de perda de peso, baixo teor de vitamina D, uso de esteroides, história de nucleosídeo, uso de inibidor da transcriptase reversa e tabagismo. A densidade óssea deve ser monitorada por meio de exames de rotina, como absortometria de raios X de dupla energia. Atualmente, o manejo nutricional na alteração do metabolismo ósseo está focado na prevenção com recomendação dos seguintes aspectos: manutenção do peso ideal, prática regular de exercícios físicos, ingestão adequada de cálcio e vitamina D (suplementar quando necessário), tratamento com bisfosfonatos, estímulo à alimentação saudável e exposição ao sol, descontinuar ou ir reduzindo o tabagismo, álcool e cafeína, além do tratamento medicamentoso, se necessário (WILLIG; WRIGHT; GALVIN, 2018). 7.4 TN em HIV/aids A TN deve ser indicada quando: • houver perda de peso significativa (45% em 3 meses); • o IMC for < 18,5 kg/m2. A decisão de suspender a TN, assim como a transição da alimentação (via oral, enteral, parenteral), deve ser avaliada caso a caso, considerando a evolução nutricional e clínica de cada paciente. O objetivo da TN é: • Detectar, prevenir e reduzir a ocorrência de problemas nutricionais. • Auxiliar na preservação de massa corporal. • Prevenir perda ponderal e recuperar o estado nutricional. • Fornecer aporte adequado de nutrientes (para evitar deficiências nutricionais). • Auxiliar no alívio de sintomas e complicações (infecções oportunistas), bem como no manejo dos efeitos associados à medicação. • Promover educação nutricional para facilitar o processo de adesão do paciente e, consequentemente, colaborar para a melhor qualidade de vida. 151 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA A TN compreende as recomendações nutricionais (macro e micronutrientes), avaliação do estado nutricional e indicação de suplementos alimentares, nutrição enteral e parental (de acordo com as necessidades, sinais e sintomas de cada paciente), interação medicamentos e nutrientes e aconselhamento nutricional. Tabela 53 – Recomendações de energia e proteínas para adultos com HIV Estágio Energia Proteína Estágio A: assintomático, peso estável 30 a 35 kcal/kg de peso atual/dia 1,1 a 1,5 g/kg de peso atual Estágio: sintomático com complicações, necessidade de ganho de peso 35 a 40 kcal/kg de peso atual/dia 1,5 a 2 g/kg de peso atual Estágio C: infecção oportunista (CD4 < 200) 40 a 50 kcal/kg de peso atual/dia 2 a 2,5 g/kg de peso atual Estágio C: desnutrição grave Iniciar com 20 kcal/kg de peso atual dia, aumentar gradativamente (para evitar a síndrome da realimentação) Aumentar a oferta gradativamente conforme a evolução de calorias Obesidade 20 a 25 kcal/kg de peso ajustado Utilizar peso ajustado para o cálculo das necessidades proteicas Exemplo de aplicação Com base no conteúdo apresentado anteriormente, descreva qual a função do nutricionista no tratamento nutricional do HIV. • O aconselhamento nutricional dever fazer parte do cuidado integral do paciente. • Orientar os pacientes e seus cuidadores sobre o papel da nutrição e da dieta na restauração e manutenção da saúde e os princípios de uma alimentação saudável. • Realizar avaliações iniciais e periódicas do estado nutricional do paciente e desafios para manter ou restaurar o estado nutricional, bem como desenvolver e atualizar estratégias relacionadas à nutrição com pacientes e cuidadores. • Fornecer suporte para manutenção e recuperação da função imunológica por meio do planejamento e da implementação de estratégias com pacientes. • Auxiliar no desenvolvimento de estratégias relacionadas à nutrição para gerenciar os efeitos colaterais das medicações (anorexia, perda de peso, obstipação, diarreia/má absorção, intolerância à lactose, esteatorreia, náuseas, vômitos, disfagia, diminuição do paladar, esofagite). • Manejo nutricional nas comorbidades (dislipidemia, resistência à insulina e diabetes, hipertensão, osteoporose, anemias, anorexia e sintomas gastrointestinais). 152 Unidade III • Apoiar o tratamento médico do HIV, promovendo a adesão ao tratamento e as visitas regulares à clínica; discutir com a equipe multidisciplinar sobre o impacto psicossocial da perda de peso, lipodistrofia ou ganho de peso não planejado com pacientes. • Fornecer educação para os pacientes e cuidadores sobre o impacto potencial das interações medicamentos-nutrientes sobre o estado nutricional com terapia antirretroviral, outros medicamentos, terapias de medicina complementar e alternativa, nutrientes suplementares, ervas e outras terapias. • Orientar sobre a importância na mudança de estilo de vida. • Atualizar o conhecimento e avaliar as pesquisas sobre tratamentos com e sem nutrientes para melhorar o estado nutricional e metabolismo de nutrientes, variando as orientações de terapias. 7.5 Cuidado nutricional nas doenças do sistema nervoso (paralisia cerebral, epilepsia, doença de Alzheimer e Parkinson) 7.5.1 Paralisia cerebral – conceito A paralisia cerebral (PC) descreve um grupo de distúrbios de movimento permanentes, mas não imutáveis e/ou postura e da função motora, que são devidas a uma interferência não progressiva, lesão ou anormalidade do desenvolvimento – cérebro imaturo (ROSENBAUM et al., 2007). O diagnóstico de paralisia cerebral é feito principalmente com base na função motora e distúrbios de postura que ocorrem na primeira infância e persistem até o final da vida; eles não são progressivos, mas mudam com a idade. Os distúrbios motores da PC são frequentemente acompanhados por distúrbios de sensação, percepção, cognição, comunicação e comportamento, por epilepsia e por problemas musculoesqueléticos. 7.5.2 Classificação da PC A classificação da PC pode se baseada em diferentes critérios. Uma das classificações mais comuns e fáceis de uso é o GMFCS (Sistema de Classificação da Função Motora Grossa) (PALISANO et al., 2008). Esse critério classifica a gravidade motora dos portadores de PC e descreve cinco níveis de função motora: • Nível I: anda sem limitações. • Nível lI: anda com limitações. • Nível III: anda utilizando um dispositivo auxiliar para locomoção. • Nível IV: automobilidade com limitações; pode utilizar tecnologia de apoio com motor. • Nível V: transportado numa cadeira de rodas por terceiros. 153 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA GMFCS nível I GMFCS nível II GMFCS nível IV GMFCS nível III GMFCS nível VFigura 32 – Ilustração do sistema de classificação da função motora grossa (GMFCS) Adaptada de: Palisano et al. (1997, p. 9). 7.5.3 Etiologia da PC A etiologia da PC é complexa, fatores pré-natais parecem ser responsáveis por quase 75%, enquanto fatores neonatais são responsáveis por 10% a 18% de todos os casos de PC. Uma série de fatores podem causar danos ao sistema nervoso central (SNC) em um estágio inicial de seu desenvolvimento. Os fatores de risco se enquadram nas seguintes categorias: preconcepção, condições da mãe, pré-natal, (estão relacionados a gravidez), perinatal, bem como fatores de risco no período neonatal e infantil. A figura a seguir mostra os fatores de risco associados a cada uma dessas categorias (SADOWSKA; SARECKA-HUJAR; KOPYTA, 2020). Fatores de risco PC Pré-concepção Doenças sistêmicas da mãe Desnutrição Utilização de estimulante e drogas Infecções Sistema imunológico Desordens antes da gravidez Fatores físicos e químicos Tratamento de infertilidade Abortos espontâneos Fatores socioeconômicos Pré-natal Sangramento da mãe Descolamento da placenta Gravidez múltipla Infecções intrauterinas Drogas Hipóxia intrauterina Ruptura prematura da placenta Reprodução assistida, fertilização in vitro Toxemia Perinatal Nascimento prematuro Parto instrumental Indução de parto Trabalho de parto prolongado Asfixia Aspiração do mecônio Macrossomia fetal Gemelaridade Idade materna Neonatal e crianças Síndrome da dificuldade respiratória Suporte respiratório, utilização de oxigênio Infecções generalizadas, como meningite Hiperbilirrubinemia Hipoglicemia Hemorragia intracraniana Convulsão neonatal Figura 33 – Fatores de risco para PC Adaptada de: Sadowska, Sarecka-Hujar e Kopyta (2020). 154 Unidade III 7.5.4 Nutrição e paralisia cerebral A maioria das crianças com paralisia cerebral tem dificuldade em se alimentar via oral, problemas gastrointestinais como refluxo gastresofágico e constipação. A alimentação oral é um processo complexo que requer uma habilidade de sucção e uma coordenação de mastigar e engolir. Crianças com paralisia cerebral tem dificuldade para sugar, mastigar e engolir. A incapacidade do desempenho de sucção e alimentação via oral em bebês pode ser um detector precoce de imaturidade do sistema nervoso central. A dificuldade na alimentação pode causar a desnutrição e crescimento inadequado (TAMILIA et al., 2014). Além do déficit de crescimento, as consequências de desnutrição incluem função cerebral diminuída, deficiência na função imunológica e diminuição da força muscular respiratória. O comprometimento do estado nutricional em crianças com PC é comum, mas são mais evidentes nos pacientes com aumento da gravidade das deficiências motoras (KUPERMINC; STEVENSON, 2008). A disfagia orofaríngea é observada em crianças com PC e é conhecida por influenciar não só seu estado nutricional, mas também sua saúde respiratória e estresse parental. Pesquisadores de Oxford em seu estudo descobriram que 20% dos pais relataram a alimentação como estressante ou desagradável, com aumento das taxas de estresse, ampliando a gravidade da deficiência motora grossa (KUPERMINC; STEVENSON, 2008). As dificuldades alimentares podem causar a aspiração de alimentos e líquidos para as vias aéreas, o que é grande causa de morbidade e mortalidade na PC. A prevalência de aspiração em crianças com PC é alta, cerca de 68-70% (WEIR et al., 2011). Ocorre aspiração quando há interferência no sincronismo do processo da deglutição/respiração. A aspiração é definida quando há passagem do alimento por dentro do vestíbulo da laringe, passando abaixo das pregas vocais para dentro da traqueia e dos pulmões (DODRILL; GOSA, 2015). Devido aos problemas de mastigação e deglutição, é necessário que a alimentação seja adaptada a essas mesmas dificuldades (cortada em pequenos pedaços, triturada, mole ou passada). Os princípios de uma alimentação saudável deverão ser sempre seguidos, apesar de ser necessário modificar a textura e adaptá-la às dificuldades do paciente, o que nem sempre acontece, já que muitas vezes a alimentação torna-se monótona e pouco diversificada. Essa monotonia alimentar leva a uma carência de nutrientes essenciais para o bom funcionamento do organismo, podendo conduzir a diversas situações clínicas (deficiência de micronutrientes). 155 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Quadro 31 – Recomendações para alimentar crianças que apresentam disfagia Recomendações quanto à postura Posição adequada da criança na hora da alimentação (não pegar a criança pela nuca) Pescoço e tronco alongado Pélvis estável e simétrica, em posição neutra Verificar suporte respiratório Recomendações quanto à estimulação oral Estimulação oral não nutritiva, com dedo, colher ou brinquedos Estimulação nutritiva com utensílios adequados (bico, colheres) Dessensibilização, início da estimulação de “fora para dentro”, com toque no rosto, no lábio e depois na boca Sucção não nutritiva em bebês Explorar ao máximo áreas da face e boca: acariciar, escovar e apertar Recomendações quanto à alimentação Tamanho e quantidade de alimento adequado Verificar o ritmo da alimentação Tipo de tamanho dos utensílios adequados Adequação da textura/consistência do alimento Adaptado de: Borges e Mello (2004). DRGE = doença do refluxo gastroesofágico Maturação neurológica — Deglutição descoordenada — Mordida tônica — Reflexo de vômito hiperativo Disfunção alimentar — Hipotonia — Sucção débil — Ausência de lateralização da língua — Protusão da língua — Vedamento labial ineficiente — Aquisição alimentar inadequada Posicionamento alterado — Equilíbrio alterado — Posturas anormais — Assento inadequado Déficit de comunicação — Inabilidade de expressar fome, sede e preferências — Pais frustrados — Depressão dos pais Comprometimento motor — Inabilidade para servir-se — Falta de acesso aos alimentos Crescimento deficiente — Estresse de pacientes e cuidadores — Piora da qualidade de vida — Comprometimento da saúde global — Infecções respiratórias — Hospitalizações Medicações — Peristaltismo alterado — Constipação — Hiporexia Atividade reduzida Apetite diminuído Tipo de dieta — Custo dos alimentos/espessante — Consistência — Nutrientes Disfagia Baixa ingestão Constipação DRGE Figura 34 – Fatores envolvidos com as manifestações digestórias na paralisia cerebral e suas consequências Fonte: Araújo, Silva e Mendes (2012, p. 462). 156 Unidade III 7.5.5 Curvas de crescimento para pacientes com PC Os padrões de crescimento de crianças com PC podem ser notavelmente diferentes das crianças que não têm PC. O crescimento das crianças com PC é influenciado pelo Sistema de Classificação da Função Motora Grossa e pela capacidade de alimentação, por isso é aconselhável não comparar seus dados (parâmetros) antropométricos com os gráficos de crescimento padrão. Por conta desse motivo, Brooks et al. (2011) desenvolveram gráficos crescimento específico para pacientes com PC estratificados pela capacidade funcional (GMFCS) e tipo de alimentação (via oral ou gastrostomia) no gráfico de nível V do GMFCS. Saiba mais Para observar os gráficos de crescimento, leia: BROOKS, J. et al. Low weight, morbidity, and mortality in children with cerebral palsy: new clinical growth charts. Pediatrics, Elk Grove Village, v. 128, n. 2, p. 298-308, 2011. 7.5.6 Intervenção nutricional A intervenção nutricional personalizada deve levar em conta o estado nutricional global da criança, a capacidade de alimentação (varia de acordo com o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa) e as necessidades de energia estimadas (REMPEL, 2015). Uma estratégia nutricional deve ser desenvolvida para melhorar os aspectos da alimentação oral, incorporar as prioridades das famílias para alimentação e definir prazos para avaliação e eficácia do plano de reabilitação nutricional oral. A próxima etapa é estabelecer a necessidade de micronutrientesconforme a necessidade de cada criança. A necessidade de proteínas e micronutrientes são semelhantes à das crianças que não têm PC. Deve-se atender às necessidades de vitamina D e cálcio para os ossos, especialmente para crianças que não deambulam. No entanto, não há uma recomendação específica para determinar a necessidade de energia para crianças com PC, o que ocorre por causa de sua heterogeneidade, a alta variabilidade da atividade motora e as variações na composição corporal (RIEKEN et al., 2011). Observe a seguir as metas para intervenção nutricional para crianças com PC e comprometimento do estado nutricional: • Ingestão de alimentos de acordo com a atividade motora: segura, confortável e prazerosa para atender às necessidades nutricionais e energéticas. • Proteínas e micronutrientes: necessidades semelhantes de crianças da mesma idade que não têm PC para atender às necessidades de cálcio e vitamina D adequadas à idade. Não há necessidade específica da quantidade de energia, mas as necessidades energéticas são menores para as crianças que não deambulam quando comparadas com crianças em PC da mesma faixa etária. 157 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA • Monitorar peso em um intervalo de 2 a 4 semanas. • Objetivo: peso > 20º percentil (nos gráficos específicos para PC). Os registros alimentares não são fidedignos para calcular a quantidade da ingestão alimentar, pois a família e os cuidadores dos pacientes com PC normalmente superestimam a ingestão da criança e subestimam a quantidade de comida que é colocada para fora (a criança cospe). No entanto, os registros alimentares podem ser úteis na identificação dos alimentos que são ofertados e, assim, é possível orientar alimentos de alta densidade energética para aumentar as calorias das refeições (laticínios, polímeros de glicose, suplementos) (WALKER et al., 2011). A reabilitação nutricional oral envolve o aumento da ingestão de calorias e nutrientes pela criança para melhorar todo o processo de alimentação. A equipe multidisciplinar pode aconselhar os cuidadores sobre a segurança e eficiência da alimentação (SCARPATO et al., 2017). Destacam-se a seguir as intervenções para reabilitação nutricional oral: • Posicionamento para alimentação ideal. • É importante que, sempre que possível, se promova a autonomia da pessoa com PC. Para isso, e em termos alimentares, poderá recorrer-se a utensílios adaptados (talheres, pratos e copos) para maximizar a capacidade do indivíduo se alimentar autonomamente, sem depender de terceiros para tal. • Ajustar a consistência e a viscosidade dos alimentos/líquidos para se ajustar melhor às habilidades da criança (dependendo da atividade motora da criança, é necessário espessar os líquidos para evitar aspiração). • Ritmo da alimentação. • Equilibrar a fadiga com o prazer de comer. A melhora do estado nutricional de crianças com deficiência motora significativa por meio de alimentação via oral é um desafio (disfagia/aspiração). Desse modo, o suporte nutricional por meio de alimentação por tubo de gastrostomia (GT) deve ser indicado quando não é possível a alimentação via oral (SULLIVAN et al., 2006). Observe a seguir os fatores que justificam a consideração da colocação do tubo de gastrostomia: • Dificuldades de alimentação motora oral. • Desnutrição (P/E < 80% esperado, IMC < percentil 5). • Déficit de crescimento (E/I* < 90% esperado). 158 Unidade III • Sobrepeso (IMC > percentil 95). • Deficiências nutricionais individuais. • Os horários prolongados das refeições estão limitando a participação da criança nas atividades escolares e comunidade. • O estresse com o processo de alimentação oral está presente para a criança e a família. • A aspiração durante a alimentação está interferindo no prazer de comer ou está contribuindo para doenças respiratórias recorrentes. • Baixo ganho de peso e comprometimento do crescimento, apesar das condições de reabilitação nutricional oral. Observação P/E: peso para estatura. E/I: altura para idade. Os cuidadores dos pacientes com PC têm uma insegurança sobre a colocação da gastrostomia, mas depois que as crianças colocam, há um alto índice de aceitação, porque elas têm uma rápida melhora do estado nutricional – o ganho de peso é rápido. Alguns pacientes podem ficar com sobrepeso e até obesos, por isso a quantidade da dieta enteral ofertada pela gastrostomia deve ser monitorada frequentemente e modificada sempre que necessário. O excesso de peso pode levar a dificuldade de locomoção, aumento do esforço respiratório e pode aumentar a tensão dos cuidadores, com dores nas costas e articulações (VERNON-ROBERTS et al., 2010). Pacientes com paralisia cerebral enfrentam desafios em sua mobilidade, alimentação, afetando o estado nutricional. As estratégias de intervenção nutricional para remediar o impacto do comprometimento nutricional em crianças com PC são: compreensão dos fatores nutricionais e não nutricionais que afetam a nutrição, avaliação cuidadosa do estado nutricional com dados antropométricos adequados e classificação do estado nutricional pelos gráficos de crescimento (BROOKS et al., 2011). Devem-se considerar todos os aspectos que afetam a alimentação e a contribuição dos cuidadores na definição de metas para realização da intervenção nutricional. 7.6 Epilepsia 7.6.1 Conceito A epilepsia é uma doença cerebral crônica causada por diversas etiologias e caracterizada pela recorrência de crises epilépticas não provocadas. Essa condição tem consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais e prejudica diretamente a qualidade de vida do indivíduo afetado (PACK et al., 2019). 159 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA A epilepsia apresenta-se de diversas formas: descargas interictais eletroencefalográficas, podendo estender-se e causar as crises epiléticas e, em casos mais graves, as crises prolongadas ou repetidas em intervalos mais curtos, caracterizando o estado de mal epilético. Se uma crise convulsiva surgir em decorrência de causas agudas como traumatismo cranioencefálico, alteração hidroeletrolítica ou doença concomitante, não será classificada como epilepsia, mas sim como crise convulsiva provocada. Para ocasionar a geração de crises são necessários: o desequilíbrio entre excitação e inibição do cérebro relacionado ao disparo neuronal e descargas excessivas de potencial de ação; o descontrole do potencial da membrana neuronal; e a sincronização das células nervosas (FISHER et al., 2014). A epilepsia também é diagnosticada se uma pessoa tiver uma convulsão não provocada ou reflexo e tem uma probabilidade de pelo menos 60% de ter outra crise nos próximos dez anos. A epilepsia é considerada resolvida quando um paciente está livre de convulsões há dez ou mais anos e está sem todos os medicamentos antiepilépticos há cinco ou mais anos (PACK et al., 2019). As causas são variadas e são determinantes para o tratamento, prognóstico e evolução clínica (COSTA; BRANDÃO; MARINHO SEGUNDO, 2020). Saiba mais Para saber mais sobre os tipos de crises epiléticas, leia o artigo indicado a seguir: COSTA, L. L. O.; BRANDÃO, E. C.; MARINHO SEGUNDO, L. M. B. Atualização em epilepsia: revisão de literatura. Revista de Medicina, São Paulo, v. 99, n. 2, p. 170-181, 2020. Síndromes epiléticas Focais Generalizadas Focais e generalizadas Desconhecidas Tipos de epilepsias Focais Generalizadas Desconhecidas Tipos de crises Co m or bi lid ad es Estrutural Genética Infecciosa Metabólica Imunológica Desconhecida Etiologias Figura 35 – Classificação das epilepsias. Os tipos de crises se referem ao seu início Adaptada de: Scheffer et al. (2017). 160 Unidade III 7.6.2 Intervenção nutricional na epilepsia Desde a época de Hipócrates, sabe-se que o jejum pode ter um efeito benéfico na epilepsia. Um estudo feito em 1921 sugeriu que o efeito do jejum na redução das convulsões foi causado por cetose e desenvolveu uma dieta cetogênica que imita o metabolismo do corpo durante o jejum(WILDER, 1921). Nos últimos vinte anos, essa dieta passou por uma transformação e agora é usada em todo o mundo, principalmente em crianças. Uma dieta cetogênica inclui muita quantidade de gordura, quantidades adequadas de proteína e quantidade de carboidrato bem reduzida; é uma dieta não farmacológica eficaz e estabelecida em tratamento para crianças com epilepsia intratável, que é definida como epilepsia de difícil controle medicamentoso (KVERNELAND et al., 2017). Essa abordagem terapêutica pode ser uma opção para adultos que também têm epilepsia intratável. A dieta alimentar deve ser implementada de forma multidisciplinar sob supervisão de médico e nutricionista. Os efeitos colaterais devem ser monitorados e incluem, no curto prazo, acidose, hipoglicemia, vômito, obstipação, diarreia e refluxo gastroesofágico. Os efeitos geralmente ocorrem após três meses e consistem em hiperlipidemia, constipação, cálculos renais, déficit de crescimento, osteoporose e déficits de vitaminas, minerais e oligoelementos. Por ser uma dieta restritiva, a suplementação com micronutrientes é necessária (SAMPAIO, 2016). A dieta cetogênica visa controlar e/ou reduzir a frequência das crises epilépticas através do aumento na ingestão de alimentos fontes de gordura e redução dos alimentos fontes de carboidrato e proteína que deverão ser pesados em balança própria para alimentos, conforme orientação nutricional. 1-5% de carboidratos 9-29% de proteínas 70-90% de gorduras Figura 36 – A pirâmide da dieta cetogênica mostra os principais grupos de alimentos utilizados em uma dieta cetogênica. Alimentos gordurosos são responsáveis pela maior parte da energia. Existe uma quantidade moderada de alimentos ricos em proteínas, e os carboidratos são responsáveis por uma proporção muito modesta de ingestão de energia. Existem vários tipos de dietas cetogênicas, e as quantidades dos diferentes alimentos dos grupos variam entre eles Adaptada de: Kverneland et al. (2017). 161 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Ao iniciar a dieta cetogênica, o ideal é que o paciente esteja em cetose, aproximadamente 24 a 48 horas de jejum são necessárias para atingir cetonúria de 160mg/dL. Então, a dieta cetogênica será oferecida em três refeições/dia. As primeiras três refeições devem fornecer um terço de energia diária total, evoluindo para dois terços a partir da quarta refeição, chegando ao total na sétima refeição. Durante todo esse período, o paciente deverá estar internado para monitorização. A oferta de calorias deve atingir 75% da energia recomendada por dia. Se o paciente perder peso com a dieta cetogênica, a oferta de calorias pode ser aumentada de 100 a 150 calorias (deve-se considerar o estado de cetose) (NONINO-BORGES et al., 2004). Tabela 54 – Recomendações de calorias/dia para pacientes em dieta cetogênica Idade (anos) Calorias/kg/dia < 1 90-100 1-1,5 75-80 1,5-3 70-75 4-6 55-68 7-10 65-55 11-14 30-40 15-18 30-40 Adultos 20-30 Fonte: Nonino-Borges et al. (2004, p. 518). A seguir, serão acentuados outros tipos de dieta cetogênica. 7.6.3 Dieta com TCM A dieta com triglicérides de cadeia média (TCM) foi desenvolvida para tornar a dieta cetogênica mais palatável, permitindo uma dieta com uma proporção maior de carboidratos e proteína. Os triglicerídeos de cadeia média produzem mais cetonas por quilocaloria de energia do que a cadeia longa, exigindo menos ingestão de gordura para produzir cetose em comparação com a dieta cetogênica clássica (que foi apresentada na figura da pirâmide) (NEAL et al., 2009). O TCM é metabolizado mais rapidamente e os pacientes consomem mais variedades e quantidades de alimentos, têm melhor crescimento e requerem menos micronutrientes em comparação com a dieta cetogênica clássica. Há também um efeito positivo nos níveis de lipídios, com uma redução significativa nas relações colesterol total/lipoproteína de alta densidade quando comparadas à dieta clássica. Inicialmente, o intuito da dieta tradicional TCM era fornecer 60% da energia dos triglicerídeos de cadeia média. Os efeitos colaterais frequentes incluem diarreia, vômito, inchaço e dor abdominal. Para aumentar a tolerabilidade, uma versão modificada foi proposta usando 30% da energia de TCM e 30% de ácidos graxos de cadeia longa (TCL) com a porcentagem de TCM precisando ser aumentada gradualmente (LIU, 2008). A eficácia da dieta com TCM é semelhante à dieta clássica. No entanto, o TCM é caro e os nutricionistas precisam ser treinados para orientar essa dieta e monitorar esses pacientes. 162 Unidade III 7.6.4 Dieta de Atkins modificada (DAM) A DAM tem uma proporção cetogênica de 0,9:1 (gordura: carboidratos e proteína), com aproximadamente 65% das calorias derivadas de fontes de gordura. Em crianças, os carboidratos líquidos são inicialmente limitados a 10 g/dia, com um aumento planejado para 20 g/dia após três meses. Adultos são iniciados com 15 g/dia e a quantidade pode ser aumentada para 20 a 30 g/dia após um mês. Todos os carboidratos são permitidos e podem ser administrados durante o dia ou em uma refeição. A diferença entre o DAM e a dieta de Atkins é que, na DAM, a limitação da ingestão de carboidratos é mantida indefinidamente e o consumo de gordura é orientado com o objetivo de aumentar as cetonas urinárias. A dieta é iniciada em um ambiente ambulatorial; o jejum não é necessário, nem a pesagem dos alimentos; não há limite no consumo de proteína e gordura; e não são restritos calorias e líquidos (KOSSOFF et al., 2007). Todos os tipos de dieta cetogênica podem ser indicados para o tratamento da epilepsia intratável com eficácia confirmada. A restrição de carboidratos e o aumento de ingestão de gorduras é essencial para alcançar a eficácia. A escolha da dieta deve ser feita individualmente com base na idade do paciente, em circunstâncias familiares, gravidade e tipo de epilepsia (SAMPAIO, 2016). 7.6.5 Doença de Alzheimer Trata-se de um transtorno neurodegenerativo responsável por pouco mais de 60% de todos os casos de demência relacionada à idade (BOTCHWAY; IYER, 2017). Quadro 32 – Fatores de risco Demográficos Idade Educação Gênero Raça Classe social Genéticos e estilo de vida Álcool Inatividade física Falta de atividade cognitiva Desnutrição Alimentação inadequada (rica em gorduras, ultraprocessados) Fumar Doenças Câncer Doença cardiovascular Insuficiência cardíaca congestiva Disfunção do sistema imunológico Microinfartos Obesidade Baixa homeostase do colesterol Diabetes tipo 2 não controlada AVC 163 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Psiquiátricos Depressão Estresse Ambientais Poluição do ar Deficiência de cálcio Localização geográfica Metais (especialmente alumínio, cobre e zinco) Solventes orgânicos Deficiência de vitaminas Infecções Bactérias, por exemplo, pneumonia por Chlamydophila Infecções dentárias Fungos Vírus Adaptado de: Armstrong (2019). 7.6.6 Dietoterapia – desnutrição e doença de Alzheimer Desnutrição e perda de peso na doença de Alzheimer, assim como em outras demências, são multifatoriais (MITCHELL, 2015). Fatores que levam à desnutrição e perda de peso são: perda de memória; dificuldade no planejamento e na execução das tarefas diárias; problemas com a linguagem; confusão com o tempo ou lugar; alucinações; transtornos de humor e de comportamento; distúrbios do sono; apatia; anorexia; depressão; dificuldades para engolir (disfagia); perda da independência. A desnutrição está associada a declínio cognitivo agravado, menor sobrevida e qualidade de vida reduzida (STAVROULAKIS; MCDERMOTT, 2016). Cerca de 85% de todos os pacientes com demência avançada apresentam dificuldades de alimentação (por exemplo, em razão de disfagia, incapacidade física para preparar as refeições, perda de apetite, recusa em comer). A alimentação via oral e/ou alimentação por sonda enteral assistidas são as opções para orientar os pacientes com esta condição. A alimentação oral pode incluir modificação da textura dos alimentos e locaisadequados para se alimentar. A participação do paciente na alimentação é importante para que possa interagir com seus cuidadores e socializar, mesmo com todas as dificuldades. Os pacientes devem receber intervenção com base em uma avaliação relativa à deglutição e alimentação, mantendo a alimentação via oral o máximo de tempo que for possível (HANSON et al., 2013). A alimentação por sonda enteral por um curto período pode ser recomendada se as dificuldades em se alimentar ocorrerem por um curto período. A nutrição enteral em pacientes com demência grave não é recomendada, exceto se apresentarem disfagia ou aversão para comer. A tomada de decisão de iniciar a alimentação enteral em pacientes com demência deve ponderar as dificuldades de cada paciente e o prognóstico geral (SAMPSON; CANDY; JONES, 2009). 7.6.7 Dieta do mediterrâneo Caracteriza-se pela alta ingestão de frutas, vegetais, grãos integrais, nozes e legumes; ingestão moderada de peixes, aves e álcool, sendo gorduras insaturadas indicadas como boas fontes de gordura (azeite e oleaginosas) e baixo consumo de carnes vermelhas e processadas. A dieta do mediterrâneo em pacientes com doença de Alzheimer tem mostrado um impacto positivo e tem sido associada a melhor desempenho cognitivo, redução do declínio e redução do risco do comprometimento cognitivo. Essa 164 Unidade III dieta tem sido indicada como intervenção nutricional para esses pacientes (SAMIERI et al., 2013). Por ser uma dieta rica em gorduras insaturadas e antioxidantes, é considerada protetora; já as dietas ricas em gorduras saturadas e trans e com baixos níveis de antioxidantes estão associados com maior risco de desenvolver a doença de Alzheimer. Alguns componentes dietéticos são essenciais para a proteção da neurocognição, tais como ácidos graxos (incluindo óleo de peixe), antioxidantes (como vitaminas E e C), frutas e vegetais, vitaminas B6, B12 (cobalamina) e folato. Os antioxidantes são capazes de prevenir danos causados por espécies reativas de oxigênio, além de estabilizar as membranas. Por sua vez, o ácido docosahexaenoico (DHA) ajuda a limpar o peptídeo Aβ (beta-amiloide) e, juntamente com a colina e a uridina, auxiliam na síntese da membrana neuronal (QUINN et al., 2010). A composição de fosfolipídios é essencial em razão da membrana neuronal. Assim, a ingestão adequada de DHA, ácido eicosapentaenoico (EPA), monofosfato de uridina, colina, folato, vitaminas B6, B12, C e E e selênio contribuem para uma melhor síntese de fosfolipídios (SILVA et al., 2019). A intervenção nutricional da doença de Alzheimer deve ser uma combinação da abordagem nutricional (dieta do mediterrâneo, suplementos alimentares e polivitamínicos) em conjunto com a mudança de estilo de vida com atividade social e mental, exercício físico e medicação. Figura 37 – Pirâmide da dieta do mediterrâneo Fonte: Freitas et al. (2015, p. 115). 165 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Lembrete A dieta do mediterrâneo envolve alta ingestão de legumes, azeite, frutas, nozes, vegetais e cereais, consumo moderado de peixes e vinho, bem como baixo consumo de laticínios, carne vermelha, carnes processadas e açúcares. 7.7 Parkinson A doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa e multissistêmica de progressão lenta do sistema nervoso central (KALIA; LANG, 2015). Corpos de Lewy – corpos de inclusão eosinofílicos contendo alfa-sinucleína (SYN) – estão presentes principalmente nos neurônios sobreviventes e são considerados como o marcador biológico de degeneração neuronal na DP (CABREIRA; MASSANO, 2019). Essa doença é mais prevalente em homens do que em mulheres. 7.7.1 Sinais da doença de Parkinson Os principais sinais de DP incluem sintomas motores: bradicinesia (lentidão anormal dos movimentos voluntários), rigidez muscular, tremores involuntários em situação de repouso, rigidez muscular, passos mais lentos e arrastados, perda das expressões faciais e dores musculares constantes (CABREIRA; MASSANO, 2019). Além dos sintomas motores, a DP se caracteriza por sintomas não motores, cuja identificação permite melhorar os cuidados clínicos, monitorizar a progressão da doença e melhorar a compreensão acerca de sua evolução. São exemplos de sintomas não motores: manifestações neuropsiquiátricas da doença, como deterioração cognitiva, depressão, ansiedade, psicose, apatia e fadiga, queixas gastrointestinais como disfagia, enfartamento e obstipação; disfunções autonômicas, como retenção ou urgência urinárias, disfunção sexual, hipersudorese, hipotensão ortostática; manifestações sensitivas, como hiposmia e dor; manifestações visuais, como alterações da percepção do contraste, ilusões e alucinações visuais (que podem ser complexas e bem formadas, como pessoas); distúrbios do sono, com sonhos vívidos e atividade hipermotora noturna na perturbação do comportamento do sono REM (rapid eye movement), hipersonolência diurna e síndrome das pernas inquietas etc. (BRIGO et al., 2014). A deterioração cognitiva caracteriza-se por disfunção de atenção, memória de trabalho, funções executivas e, eventualmente, de linguagem. A demência associada à DP pode afetar 80% dos doentes a longo prazo (LITVAN et al., 2012). 7.7.2 Etiologia A etiologia da DP envolve tanto genética quanto fatores ambientais. Entre estes últimos, são desenvolvidos cada vez mais estudos sobre a influência dos alimentos e nutrientes no desenvolvimento da DP. Além disso, as evidências sugerem que uma possível modificação de microbiota intestinal pode estar envolvida na patogênese da DP, induzindo a ativação de células imunes e neuroinflamação do sistema nervoso central (MUKHERJEE; BISWAS; MANDAL, 2016). 166 Unidade III 7.7.3 Dietoterapia A DP está associada à alteração de peso (perda ou ganho). A desnutrição na DP está relacionada com a redução da ingestão de alimentos por causa da perda de apetite e disfunção TGI (trato gastrointestinal), como disfagia, constipação e saciedade precoce. Sintomas psiquiátricos, como depressão e ansiedade, e fadiga estão associado ao aumento da gravidade e à duração da doença (MUKHERJEE; BISWAS; MANDAL, 2016). Deficiências de micronutrientes, particularmente a deficiência/insuficiência de vitamina D, são comuns na DP e podem estar relacionadas à desnutrição, imobilidade e privação de luz solar. Pacientes com DP também podem apresentar baixa densidade mineral óssea e osteoporose (VAN DEN BOS et al., 2013). A terapia com levodopa (medicação mais eficiente no tratamento da doença de Parkinson e no controle dos sintomas) pode causar deficiência de vitamina B12 e deficiência de ácido fólico com hiper-homocisteinemia e pode contribuir para a osteoporose. A sinalização de insulina pode estar prejudicada e a disfunção mitocondrial leva à neurodegeneração; esses processos também podem contribuir para a perda de peso. O ganho de peso e a compulsão por comer pode ser relacionados com os agonistas dopaminérgicos (STROWD et al., 2016). A desnutrição em DP precisa de intervenção precoce e os pacientes devem ser orientados sobre mudanças no estilo de vida, exercício e suplementação dietética. É preciso considerar os efeitos adversos da terapia dopaminérgica, bem como a utilização de bisfosfanatos, suplementação de vitamina D e cálcio (VAN DEN BOS et al., 2013). Segundo a Associação Brasil Parkinson (ABP, s.d.), os fatores de risco que podem prejudicar a alimentação na doença de Parkinson são: – Problemas de dentição e dificuldades de mastigação e deglutição (ato de engolir os alimentos líquidos e/ou sólidos). – Pouca atividade física e imobilidade. – Medicamentos usados na fase inicial da doença que interferem na absorção intestinal dificultam o seu funcionamento, provocam náuseas, vômitos, intestino preso e boca seca, dificultando a formação normal do bolo alimentar, reduzindo a sensibilidade do paladar e do olfato. – Aumento do metabolismo e, consequentemente, das necessidades energéticas, facilitando a perda de peso. – Falta de equilíbriopara preparar a própria alimentação ou a inexistência de outra pessoa que possa fazê-lo. – Problemas com a postura e dificuldade em se manter ereto à mesa. – O tremor e a rigidez podem trazer dificuldades motoras para manusear os talheres; especialmente nos músculos da face, dificultam a mastigação e deglutição. 167 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA – Os movimentos do esôfago que ajudam a “empurrar” os alimentos para o estômago podem estar prejudicados, provocando engasgos e dificultando a deglutição. – Hábitos alimentares inadequados. 7.7.4 Papel da dieta na doença de Parkinson e progressão da doença A dieta à base legumes frescos, frutas frescas, nozes e sementes, peixes, azeite, vinho, óleo de coco, ervas frescas e o uso de especiarias foi associada a taxas mais baixas de progressão da doença. Esses alimentos constituem em grande parte a dieta mediterrânea, que tem sido associada à redução da incidência de DP, assim como diminuem o risco da doença de Alzheimer (ALCALAY et al., 2012). A ingestão de sorvete, queijo e iogurte foi associada com maiores taxas de progressão da DP. O consumo de laticínios está associado ao aumento da taxa de progressão da DP (JIANG et al., 2014). Alguns mecanismos podem explicar essa associação (MISCHLEY; LAU; BENNETT, 2017): • A ingestão de leite reduz o ácido úrico. O ácido úrico extingue peroxinitrito no sistema nervoso central, e baixos níveis de ácido úrico estão associados à maior incidência de DP e à sua progressão. • O consumo diário está associado à resistência à insulina e há evidências de que DP e outras doenças neurodegenerativas são uma forma de “diabetes tipo 3”. • A intolerância à lactose ocorre quando a enzima lactase, que digere o açúcar do leite, diminui com a idade. Consumir laticínios na ausência de lactase suficiente pode contribuir para a inflamação intestinal e permeabilidade intestinal. • Um componente neurotóxico ou contaminante, por exemplo, pesticidas, pode estar presente em laticínios. • A introdução da microbiota bovina, facilitando a semeadura de organismos metanogênicos, leva ao desenvolvimento de bactérias do intestino delgado com metano dominante e supercrescimento (Sibo). 7.7.5 Recomendações nutricionais Não existe uma recomendação nutricional específica para DP. As recomendações de macro e micronutrientes devem seguir as recomendações das DRIs. As DRIs são consideradas suficientes para atender as necessidades da população saudável (MISCHLEY; LAU; BENNETT, 2017). A Associação Brasil Parkinson (ABP, s.d.). acentua a seguir as orientações nutricionais (para o paciente) para uma alimentação saudável na doença de Parkinson: – Comer diariamente frutas, verduras cruas, verduras cozidas e legumes. – Fazer de 5 a 6 pequenas refeições ao dia, evitando comer grandes quantidades de alimentos de uma só vez. 168 Unidade III – Não pular nenhuma refeição. – Procure ingerir uma média de 8 copos de água por dia. – Se estiver perdendo peso, procure a nutricionista e avise ao seu médico. – Se o intestino estiver preso, observe as orientações para melhorar seu funcionamento. Não desista e procure seguir todas as indicações diariamente. – Pratique atividade física regularmente, de preferência com acompanhamento de um profissional fisioterapeuta ou de educação física. – Não use laxantes sem prescrição médica. – Evite o uso de doces, frituras e gorduras em excesso. Opte por alimentos mais saudáveis como frutas, pães, leites, iogurtes, queijos magros. Dê preferência às carnes assadas, grelhadas ou cozidas com pequena quantidade de óleo. – Substitua gorduras animais como banha, toucinho e manteiga e cozinhe com óleos vegetais à base de soja, milho, canola, girassol. – Evite o uso excessivo de sal no processamento dos alimentos, bem como o consumo de alimentos industrializados como salgadinhos, salames, embutidos, enlatados, carnes salgadas, macarrão instantâneo e sopas prontas. Substitua o sal por temperos naturais como salsa, cebolinha, coentro, hortelã, manjericão e orégano. – Evite uso de alimentos ricos em cafeína (café, Coca-Cola, chás mate e preto), especialmente no fim de tarde e à noite, para não atrapalhar o sono. 7.7.6 Nutrição funcional na DP Os flavonoides são anti-inflamatórios com ação antioxidante. Após absorvidos, penetram e se acumulam em regiões cerebrais. Foi estabelecido que eles podem exercer efeitos neuroprotetores. O uso de flavonoides na dieta com indivíduos com DP consegue minimizar ou retardar a progressão da doença e seus sintomas. Esses compostos têm incidência na melhora da função cognitiva e previnem distúrbios neurodegenerativos. Compostos naturais, como flavonoides, parecem exercer efeito neuroprotetor provavelmente em virtude de sua capacidade de modular as respostas inflamatórias envolvidas em doenças neurodegenerativas, inibindo a sinalização do fator transcrição nuclear kW (KUJAWSKA; JODYNIS-LIEBERT, 2008). 169 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Saiba mais Para saber mais sobre a utilização de polifenóis da doença de Parkinson, leia o artigo indicado a seguir. KUJAWSKA, M.; JODYNIS-LIEBERT, J. Polyphenols in Parkinson’s disease: a systematic review of in vivo studies. Nutrients, Toronto, v. 10, n. 5, p. 642, 2008. Exemplo de aplicação Caso: M.S. Sexo masculino, nasceu com 26 semanas de gestação e passou por um período neonatal tempestuoso e hospitalização prolongada. Ele acabou fazendo a transição para alimentação oral, mas o seu crescimento e peso permaneceram comprometidos. Aos 3 anos de idade, ele teve PC (GMFCS 5), demonstrando mobilidade muito limitada. Embora ele permaneça livre de infecções do trato respiratório inferior, ele está desnutrido e com comprometimento da estatura no gráfico de crescimento de Brooks (IMC – 12,9 kg/m2). Seus cuidadores afirmam que ele gosta de comer os alimentos na forma de purê e que não recusa a alimentação. Embora passem 6 horas por dia alimentando-o, quando está comendo perde uma grande quantidade de comida pela boca. Ele está bastante constipado e regurgita uma vez por semana, muitas vezes ao tossir. Seu único suplemento é a vitamina D. 170 Unidade III 20 1212 kg/m2kg/m2 1313 1414 1515 1616 1717 1818 1919 2020 2121 2222 2323 2424 2525 2626 2727 28 29 30 31 32 33 34 35 28 BMI BMI 1918171615141312111098765432 Meninos de 2 a 20 anos Paralisia cerebral Gastrostomia Percentil de IMC para idade Anos Nome ________________________ Registro _______________________ Estatura da mãe ____________ Estatura do pai ____________ Data Idade Peso Estatura IMC Notas: 10 5 25 50 95 90 75 Figura 38 Adaptada de: Brooks et al. (2011, p. 7). 171 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Classificação do estado nutricional segundo curva de Brooks: < p 10: desnutrição p 10 – p 90: eutrofia > p 90: pacientes com excesso de peso O paciente se encontra na curva de Brooks < p10. A classificação do estado nutricional é desnutrição. Os cuidadores aceitam as informações sobre seus desafios de alimentação e nutrição, mas afirmam desde o início do tratamento que seu objetivo é continuar a alimentação oral. Com base nos dados apresentados no estudo de caso, quais orientações e intervenções nutricionais devem ser transmitidas aos cuidadores? • Fornecer informações sem exercer pressão para tomar uma decisão. • Tranquilizar os pais e explicar que a alimentação oral pode continuar após a colocação da gastrostomia (GT). • Segurança na alimentação por meio de posicionamento, espessamento da alimentação (evitando aspiração), limitando o tempo de alimentação para evitar fadiga sem prejudicar a ingestão de calorias e uso apropriado de xícara e colher. • Com a GT, o paciente pode utilizar uma dieta enteral que é rica em micronutrientes, evitando as deficiências nutricionais. • Se não for possível comprar a dieta enteral, orientar dieta artesanal que atenda às necessidades nutricionais. Se necessário, suplementar com polivitamínicos. • Destacar que a educação sobre a GT facilitaa alimentação e melhora a alimentação (orientar sobre hidratação e higienização da GT). • Depois da colocação da gastrostomia pelos cuidadores), os pais relatam alta incidência de satisfação e aceitação com alimentação enteral, estresse diminuído, tempo reduzido com alimentação e percepção da melhora da saúde do filho. • As crianças demonstram o seguinte: melhoria nos indicadores nutricionais, quadro de saúde melhor e taxas de hospitalização diminuídas por pneumonia (não têm mais aspiração). 172 Unidade III 8 DIETOTERAPIA NAS DOENÇAS DO ESTRESSE METABÓLICO (TRAUMA/GRANDES CIRURGIAS, QUEIMADO, SEPSE) 8.1 Conceito Trauma é um evento agudo que altera a homeostase do organismo, pois desencadeia reações neuroendócrinas e imunológicas que visam à manutenção da volemia, do débito cardíaco, da oxigenação tecidual e da oferta e utilização de substratos energéticos (RABELO et al., 2012). O termo trauma envolve várias situações clínicas de diferentes naturezas e etiologias com repercussão ampla em todo o organismo. O mecanismo de lesão é subdividido em contuso e trauma penetrante. Trauma contuso compreende lesões relacionadas a veículos motorizados, quedas e agressões, enquanto armas de fogo e esfaqueamentos são responsáveis pela maioria dos ferimentos penetrantes (MAERZ; DAVIS; ROSENBAUM, 2009). Nas primeiras 24 horas, é feita ressuscitação contínua e são tomadas medidas de manutenção. Após a avaliação inicial na área de trauma e da realização dos procedimentos que salvam vidas, o paciente gravemente ferido é admitido na UTI, onde a ressuscitação e o estabelecimento estão em andamento. Lá a reanimação é contínua, medidas de suporte são definidas. A maioria dos pacientes gravemente feridos requerem ventilação mecânica no período pós-lesão imediato (MAERZ; DAVIS; ROSENBAUM, 2009). 8.1.1 Nutrição no trauma A nutrição deve ser integrada no tratamento global do paciente criticamente doente a fim de minimizar as complicações de um tratamento mais prolongado. As prioridades imediatas após o trauma são: reanimação volêmica, oxigenação e a interrupção da hemorragia. Associados a esses fatores estão o estado hiperdinâmico da resposta ao trauma, bem como dor, febre, exposição ao frio, acidose, hipovolemia e possíveis infecções, aumentando a demanda metabólica. Após o trauma, os pacientes são capazes de excretar os subprodutos do catabolismo tecidual, podendo-se instabilizar a qualquer momento e ter complicações que demandem mais energia. A resposta orgânica ao estresse grave é complexa e integrada. Sua finalidade básica é a restauração da homeostase (SHILLS, 2009). O tratamento nutricional tem como objetivo: restauração da massa magra, produção de reagentes de fase aguda e proteínas secretórias, fornecimento de glicose, cicatrização de feridas e apoio aos mecanismos de defesa celular. Assim que houver estabilidade hemodinâmica, deve-se detectar e corrigir desnutrição pré-existente e prevenir desnutrição proteico-calórica progressiva, otimizando o estado metabólico (líquidos e eletrólitos). O estresse metabólico desses pacientes apresenta efeito sobre o metabolismo dos nutrientes. Observe a seguir quais são esses aspectos. • Metabolismo de proteínas: — proteínas de músculo mobilizadas para energia; — diminuição da captação muscular de aminoácidos; — aumento na excreção urinária de nitrogênio; — glutamina é combustível para células intestinais. • 173 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA • Metabolismo de carboidratos: — aumento na produção hepática de glicose; — aumento em insulina e glicemia. • Metabolismo de gorduras: — mobilização de gorduras para energia; — consumo rápido de tecido adiposo se não houver reposição nutricional. • Hidratação: possíveis perdas de fluidos. 8.1.2 Suporte nutricional O suporte nutricional é parte essencial do tratamento metabólico desses pacientes. Ele deve ser instituído antes que haja perda significativa de peso, de preferência nas primeiras 24h da admissão no hospital, através de dietas orais ou enterais (preferencialmente) e parenterais, quando necessário. O suporte nutricional é parte integrante da gestão do paciente com trauma devido à resposta hipermetabólica à lesão, inflamação e sepse. A maioria das evidências demonstra benefícios com a terapia enteral precoce, fornecendo 25 a 30 kcal totais/kg/dia e 1,5 a 2 g de proteína/kg/dia (LI et al., 2020) em casos leves a moderados. Veja a seguir algumas recomendações práticas: • A TN é parte fundamental das medidas terapêuticas dos grandes traumatismos. • Não se deve negligenciar as medidas terapêuticas após estabilização hemodinâmica. • A nutrição no trauma tem o objetivo de reduzir a perda de massa celular corporal. • É possível tratar ou prevenir complicações na evolução do paciente politraumatizado. • A administração precoce de nutrientes pela via intestinal diminui o risco de complicações infecciosas pós-operatórias. • Deve-se evitar o fornecimento calórico excessivo em funções de alterações metabólicas do trauma/sepse e riscos de altas concentrações de hidratos de carbono. • Quando existir intolerância aos hidratos de carbono, utilizar emulsões lipídicas como fonte calórica. A substituição da glicose por gorduras na quantidade total de calorias administradas reduz as complicações como hiperglicemia, diurese osmótica, desidratação e hiperosmolaridade. • 174 Unidade III • Nos traumas com infecção, o emprego das soluções enriquecidas com mistura de aminoácidos de cadeia ramificada, embora tenha sido preconizado, não influi em taxas de morbimortalidade. • As falências orgânicas na evolução pós-operatórias de grandes traumatizados induzem modificações na TN. • A correção da deficiência nutricional no trauma com infecção só será possível quando esta for controlada. • Glutamina é importante na integridade da mucosa intestinal (não é aminoácido essencial). No trauma com infecção ocorre redução da glutamina circulante, o que pode ter relação com a gravidade da doença, retornando nos níveis normais tardiamente com a resolução do processo infeccioso. • Deve-se fazer a avaliação periódica e sistematizada da terapêutica nutricional. • Antes de se indicar ou insistir na TN, é preciso ter certeza de que o paciente não é portador de um foco infeccioso que deva ser removido cirurgicamente. • Na ocorrência de alterações metabólicas ou intolerância à terapêutica, deve-se pesquisar a existência de infecção (WAITZBERG, 2000). Saiba mais Para saber a indicação do suporte nutricional no paciente politraumatizado, leia: CUKIER, C.; MAGNONI, D. Aspectos práticos em nutrição do paciente hipercatabólico. Instituto de Metabolismo e Nutrição, [s.d.]. Disponível em: https://bit.ly/3trcNz1. Acesso em: 30 ago. 2021. A sepse é definida como uma reação inflamatória sistêmica secundária a um processo infeccioso e é a principal causa de morte nas UTIs. Alguns pacientes estão mais suscetíveis à sepse. Por sua vez, os pacientes com traumatismo craniencefálico (TCE) representam um grupo de risco para essa reação inflamatória sistêmica. Isso pode acontecer devido a diversas modificações impostas em sua homeostase, e os pacientes apresentam-se especialmente sujeitos a adquirir infecções e a evoluir para sepse, resultando em lesões secundárias, as quais implicam acréscimo (CARDOZO JÚNIOR; SILVA, 2014). É necessária a avaliação dos parâmetros nutricionais (antropometria, bioimpedância, exames bioquímicos), pois esses parâmetros sofrem alterações devido à resposta da lesão aguda. A avaliação dos parâmetros metabólicos também é importante para melhor indicação da TN e auxiliar na classificação do nível de estresse provocado pela lesão (CUPPARI, 2014). 175 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA Tabela 55 – Classificação do nível de estresse segundo parâmetros metabólicos Nível de estresse 0 1 2 3 Quadro clínico Jejum Eletivo Trauma Sepse Nitrogênio urinário (g/dL) < 5 5 a10 10 a 15 > 15 Consumo de O2 (ml/dL) 90 + 10 130 +10 150 + 20 180 + 20 Lactato sérico (mg/dL)10 + 5 120 + 20 120 + 20 250 + 50 Glicemia (mg/dL) 100 + 20 150 + 25 150 + 25 250 + 50 Relação de glucagon/insulina 2,0 + 0,5 2,5 + 0,8 3,0 + 0,7 8,0 + 1,5 Tabela 56 – Estimativa de necessidades nutricionais segundo nível de estresse Nível de estresse Energia estimada (kcal/kg/dia) Energia não proteica/g de nitrogênio Carboidratos (%) Lipídios (%) Proteína (%) Ausência 30 a 35 130 a 150:1 60 25 15 Leve a moderado 25 a 30 100 a 150:1 50 a 60 25 a 30 15 a 20 Grave 20 a 25 80 a 100:1 45 a 50 30 a 35 20 Observação A glutamina na lesão aguda se torna um aminoácido essencial para o organismo. A dose indicada é 0,5 a 0,7 g/kg/dia por via enteral (para pacientes politraumatizados e queimados). 8.1.3 Avaliação do grau de catabolismo Com o cálculo do balanço nitrogenado, é possível avaliar o grau de catabolismo do paciente. Um balanço negativo de nitrogênio reflete um organismo em estado catabólico e positivo, em estado anabólico. Balanço nitrogenado negativo cronicamente indica evolução clínica desfavorável. Observe a seguir as fórmulas para o cálculo do balanço nitrogenado. Balanço Nitrogenado (BN) = Nitrogênio Ingerido (NI) - Nitrogênio Excretado (NE), ou seja, BN = NI - NE Nitrogênio Ingerido (NI) = proteínas ingeridas + proteínas infundidas ÷ 6,25. [6,25 porque a proteína tem 16% de nitrogênio (100 ÷ 16 = 6,25)]. Nitrogênio Excretado (NE) = N Urinário Ureico (NUU) + N Urinário Não Ureico (NUNU) + N fecal + N pele + N sonda nasogástrica + N fístulas 176 Unidade III N Urinário Não Ureico (NUNU) = N Urinário Ureico (NUU) x 0,2 N Urinário Ureico (NUU) = ureia urinária de 24 horas x 0,47 N fecal = 1 a 2 g/dia sem diarreia N pele = 0,1 a 0,49/m2/dia A avaliação do grau de catabolismo deve seguir os seguintes parâmetros: • N excretado até 6 g = catabolismo normal. • N excretado de 6 a 12 g = catabolismo moderado. • N excretado 12 a 18 g = catabolismo aumentado. • N excretado acima de 18 g = catabolismo grave. Observação Enquanto o hipercatabolismo causado por lesão aguda persistir, o balanço nitrogenado positivo não deve ser um objetivo. O aumento da oferta calórica ou nitrogenada não resulta em balanço nitrogenado positivo enquanto persistir o hipermetabolismo. 8.1.4 Queimadura Na queimadura ocorre a destruição da barreira epitelial e da microbiota resistente da pele, rompendo seu efeito protetor. Em queimados ocorre a degradação de proteínas e a proliferação de microrganismos patógenos que, aliados a uma importante deficiência imunológica, podem ocasionar a geração de um foco infeccioso e, posteriormente, sepse. As anormalidades metabólicas em queimados são consequência da combinação da liberação de mediadores inflamatórios e da “resposta ao estresse”. As principais anormalidades são: aumento dos hormônios catabólicos (cortisol, catecolaminas); diminuição dos hormônios anabólicos (GH e testosterona); aumento da taxa de metabolismo basal (TMB); aumento da temperatura corporal; aumento da demanda de glicose e neoglicogênese hepática; uso da proteína muscular como fonte de energia (SILVA et al., 2012). O paciente com queimaduras graves é um modelo de paciente traumatizado que desenvolve precocemente um estado de hipermetabolismo e hipercatabolismo severo, com gasto energético (GE) que pode dobrar o GE em repouso, e essas alterações podem persistir por meses após o início da queimadura. 8.1.5 Cálculo da superfície corporal queimada (SCQ) O cálculo de SCQ é um método prático e calculado para áreas menores. Toma como referência a palma da mão da vítima: considerando que a palma da mão do paciente incluindo os dedos unidos e estendidos corresponde a 1% de SCQ; excluindo-se os dedos, corresponde a 0,5% da SCQ, independentemente da idade. Esse é um método grosseiro, porém útil e rápido no atendimento emergencial imediato (ROCHA, 2009). 177 NUTRIÇÃO CLÍNICA AVANÇADA A magnitude (do estado hipermetabólico e hipercatabólico) depende de várias alterações biomoleculares, que mostram uma relação direta com a extensão da SCQ. O dano térmico é um importante causador de perda de macronutrientes (proteínas) e micronutrientes (oligoelementos e vitaminas) em áreas queimadas. A intensa resposta hipermetabólica e hipercatabólica gera o desenvolvimento de desnutrição aguda, sarcopenia secundária e fraqueza muscular adquirida, favorecendo o aparecimento de infecções, disfunção multiorgânica e, por fim, a morte. Um balanço negativo de micronutrientes antioxidantes ou dano térmico favorecem o desenvolvimento de estresse oxidativo, que mantém e perpetua a resposta inflamatória sistêmica, disfunção mitocondrial e alterações metabólicas anteriores. Tabela 57 – Cálculos de necessidades estimada por % de superfície queimada (SCQ) em diferentes faixas etárias Idade % SCQ Energia/dia 0 a 1 <50 TMB + 15 kcal x SCQ 2 a 3 <50 TMB + 25 kcal x SCQ 4 a 15 <50 TMB + 40 x SCQ ≥ 16 Qualquer 25 kcal x peso(kg) + 40 kcal x SCQ TMB: taxa metabólica basal 8.1.6 TN A terapia metabólica e nutricional adequada é essencial para promover a recuperação de pacientes com queimaduras graves, modulando a resposta imunoinflamatória e minimizando a desnutrição aguda associada à doença crítica. Nesse sentido, tem sido demonstrado que a implementação de TN adequada, precoce e individualizada melhora os resultados clínicos, principalmente por reduzir a incidência de complicações infecciosas e de hospitalização e acelerar o processo de cicatrização (MOREIRA; BURGHI; MANZANARES, 2018). A TN precoce (deve ser iniciada logo após a admissão do paciente, não ultrapassando período superior a 18 horas, pois acima desse período pode resultar maior taxa de gastroparesia e necessidade de nutrição parenteral) tornou-se importante componente no tratamento de pacientes críticos, prevenindo a translocação bacteriana, a úlcera de decúbitos e os efeitos de hipermetabolismo (MOSIER et al., 2011). A oferta nutricional deve ter evolução gradativamente de acordo com a tolerância e a estabilidade hemodinâmica. Quadro 33 – Recomendações nutricionais para pacientes queimados Macronutrientes Carboidratos: 50% a 60% do VET* Lipídios: 20 a 30% (sendo 10% de ácidos graxos poli-insaturados, 10% a 15% de ácidos graxos monoinsaturados e 8% a 10% de ácidos graxos saturados) Reposição proteica A proteína é a principal fonte de energia na fase aguda (por meio da mobilização de alanina e glutamina para a gliconeogênese) Reposição proteica: 2 a 2,5 g/kg/dia para adultos e 1,5 g/kg/dia para crianças Vitaminas e minerais Vitaminas A (tem importância na resposta imunológica e na epitelização de feridas): 5.000 UI/1000 kcal Vitamina C (ação como coenzima na síntese de colágeno e função imunológica): 500 mg, 2x/dia Selênio (está relacionado com a redução de mortalidade em pacientes críticos): 500 mcg/dia Zinco (cofator no metabolismo energético-proteico): 220 mg/dia *VET: valor energético total 178 Unidade III Exemplo de aplicação O paciente com trauma tem prognóstico, evolução e mortalidade que são influenciados pela resposta ao fator injúria. Contudo, com os cuidados terapêuticos e a intervenção precoce de maneira adequada, é possível reverter os eventos desencadeados por mediadores inflamatórios e moduladores do metabolismo na resposta sistêmica. A TN pode melhorar alguns aspectos desses pacientes. Pensando na importância da TN para esses pacientes, responda às questões a seguir: 1. Qual o melhor momento para o início da TN? O paciente precisa atingir estabilidade hemodinâmica, e a TN passa a ser prioridade. O início precoce é considerado de 12 a 72 horas e a progressão das necessidades nutricionais deve ser calculada. 2. Como selecionar as fórmulas e dietas? Alguns aspectos devem ser considerados para a escolha da fórmula. Pacientes críticos apresentam alterações metabólicas que facilitam a intolerância à glicose. A oferta de calorias deverá ser feita na forma de carboidratos e lipídios, 50% para cada nutriente (principalmente se for necessária a dieta por via parenteral).
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