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Resenha crítica de A grande ilusão de Norman Angell Em A grande ilusão, Norman Angell discursa acerca do tema da guerra e de como esta não acarreta nenhum benefício econômico para os povos, mesmo quando seu país sai vitorioso. Assim, o autor apresenta o argumento, que o enquadra em uma perspectiva liberal, de que a expansão territorial, principal motivo para as guerras, já pertence a uma era ultrapassada. Ou seja, as civilizações atuais já não dependem economicamente das conquistas de guerra. Ao contrário, as conquistas econômicas são independentes das políticas e militares, uma vez que as fronteiras geográficas estavam sendo superadas pela interdependência econômica que o autor vivenciava. Dessa forma, as ilusões referidas por Angell são os benefícios comumente atribuídos à guerra. Vale ressaltar que a obra foi escrita na Inglaterra em 1910, ano no qual se intensificavam as tensões e a corrida armamentista entre a Inglaterra e a Alemanha, que quatro anos depois acarretariam a Primeira Guerra Mundial. Assim, o autor escreve o livro sustentando, principalmente, o argumento de que se tais tensões resultassem em uma guerra, o que iminentemente aconteceria pois as consciências das sociedades e líderes de tais potências não permitiriam que um desarmamento fosse plausível, seria inútil para os povos de todos os países envolvidos, independentemente do resultado da mesma. Para sustentar esta hipótese, o autor mobiliza exemplos e contextualizações ao longo da obra. No terceiro capítulo da primeira parte do livro, intitulado A grande ilusão, Angell argumenta acerca do aspecto econômico da guerra e das conquistas territoriais, apresentando as supostas desvantagens das mesmas. O autor argumenta que o poder econômico de um país não depende do poder político. Dessa forma, a prosperidade é alcançada por meio do comércio internacional. Logo no início do capítulo, o autor apresenta sete proposições com o intuito de solidificar seu argumento, baseadas na ideia de que: “Há uma ilusão de ótica, uma falácia lógica, na ideia hoje alimentada pela Europa de que uma nação aumenta sua riqueza ao expandir seu território, porque, ao anexar-se a uma província ou um Estado, anexam-se também seus habitantes, que são os únicos e verdadeiros proprietários da riqueza correspondente, e o conquistador nada ganha.” (ANGELL, 1910, p.26). Angell propõe um ideal de igualdade entre colônia e metrópole que, certamente, carece de embasamento histórico pois a própria Inglaterra, assim como grande parte dos países europeus, obtiveram diversos benefícios econômicos provenientes da exploração colonial. E apesar de suas proposições parecerem benéficas para as colônias, se baseiam em uma lógica evolutiva, na qual os povos das colônias supostamente não teriam chegado a um estado pacífico, ou seja, seriam menos evoluídos, e necessitariam da ajuda da metrópole para progredir. Este argumento reafirma uma suposta superioridade da metrópole em relação à colônia, que o autor diz querer combater. Dentre as proposições, o autor argumenta, usando a Inglaterra e outros países europeus como exemplo que, em uma economia liberal, nenhuma nação se beneficiaria significantemente ao anexar novas colônias e nem teria grandes prejuízos ao perder as que possui, pois o comércio internacional não precisa, necessariamente, ser realizado entre colônia e metrópole. Desse modo, a competição comercial não se extinguiria através da anexação territorial. Angell também cita a impossibilidade de cobrança de tributos da colônia no século XX, justificando pela lógica do novo sistema econômico. Dessa forma, a base do argumento do autor nesse capítulo é que atuar de forma exploratória e extrativa já não funciona mais para os países da época e que os gastos das anexações territoriais e da manutenção destes já se tornaram maiores do que seus lucros. Entretanto, apesar da economia do século XX não depender unicamente da exploração colonial e dos desenvolvimentos tecnológicos alavancarem cada vez mais os lucros decorrentes da industrialização, as colônias também eram muito lucrativas, principalmente para a própria nação de Angell, a Inglaterra, que na época possuía o maior império colonial e usou os recursos deste para se tornar a maior potência industrial da Europa. No capítulo A grande ilusão, Angell também menciona diversas vezes o exemplo de países como a Bélgica, a Noruega e a Holanda, que dispõem de menor poder militar do que potências como a Inglaterra, a Alemanha e a Rússia e, ainda assim, têm economias tão estáveis quanto. Apesar disso, tais exemplos não podem ser caracterizados como uma regra, tal como propõe Angell, pois diversos países contemporâneos a Angell e também ao longo da história enriqueceram ao fortalecer seu poder militar, um exemplo disso é o dos EUA. Após a crise de 1929 , o país fortaleceu sua indústria bélica, conseguindo, com isso, impulsionar sua economia. Em suma, a guerra não necessariamente é lucrativa, mas há possibilidades de que seja, inclusive no sistema liberal defendido por Angell. Já no primeiro capítulo da terceira parte do livro, denominado Relação entre defesa e agressão, o autor explica que a tese central do livro realmente está correta: o estado de desenvolvimento do mundo já ultrapassou a era na qual o poder militar era determinante. Contudo, sua proposição ainda não é aceita e nem praticada, uma vez que o principal motivo do militarismo é a crença, imaginária ou não, da possibilidade de agressão e, mesmo se tal crença for ilusória, não é abandonada, pois os homens ainda não agem orientados pela razão. Nesse contexto, o autor diz que o aumento do poder naval inglês na época se justificou pela iminência de um ataque alemão, ainda que, segundo o autor, a Alemanha não causaria relevantes danos à prosperidade da Inglaterra se viesse a conquistar seu território. Angell descreve muito bem um dos motivos para os investimentos bélicos de um país. Entretanto, não explica como os estadistas se libertariam da crença de que estão na iminência de serem agredidos por outros Estados ou que devem agredi-los a fim de obterem vantagens econômicas. Apenas a superação desta crença faria com que nenhum Estado precisasse se armar, segundo Angell. Neste capítulo, Angell se preocupa em responder e citar críticas à sua tese, tal como corrigir diretamente equívocos dos críticos, o que torna os aspectos de sua tese mais compreensíveis, apesar de alguns pontos claramente contraditórios citados anteriormente. Em suma, a tese de Angell se enquadra na classificação teórica como sendo prescritiva normativa, ou seja, propõe uma realidade ideal, com base em exemplos reais que têm o intuito de provar como tal teoria é realmente aplicável. No caso de Angell, em sua teoria pressupostamente universal, essa realidade ideal proposta é uma evolução na racionalidade humana, com a qual a guerra não seria mais necessária economicamente e a prosperidade seria alcançada por meio do comércio internacional, para dar base à sua teoria o autor exemplifica mobilizando o caso das colônias e da própria situação da Europa em sua contemporaneidade. Apesar de seus sólidos argumentos e da preocupação do autor em esclarecer ao máximo os pontos por ele defendidos, sua teoria não é capaz de abranger o todo das relações internacionais, tal como é proposto. O autor mobiliza a visão européia, mais especificamente britânica, para propor uma realidade ideal a todos o Estados do globo e, ao fazer isso, não se atenta aos contextos históricos aos quais cada país se inseria. Um exemplo marcante disso é quando o autor discursa acerca das colônias sem considerar seu histórico de explorações e as vantagens das metrópoles em relação a isso. Angell também não se atenta às possíveis vantagens econômicas que as guerras e anexações territoriais podem vir a acarretar a um país, tal como ocorreu com a própria Inglaterra no contexto da revolução industrial. Como um todo, a tese de Angell pode se aplicar emalguns casos, mas não abrange todas as possibilidades. Referências ANGELL, Norman. A Grande Ilusão. Brasília: UNB, 2002.
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