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AULA 4 LITERATURA INFANTIL Profª Deisily de Quadros 02 CONVERSA INICIAL Olá! Vamos dar início à nossa quarta aula. Já conversamos sobre o importante papel da escola na formação de leitores. E também sobre o insucesso que ela vem tendo nessa empreitada. Mas por que é tão difícil formar leitores? Podemos apontar a falta de formação adequada do professor, que acaba escolarizando a literatura na escola. E assim, por sua vez, forma leitores escolares, ou seja, pessoas que leem apenas na fase escolar. É sobre a importância da estética da recepção, dos livros clássicos e contemporâneos, das adaptações e traduções e das estratégias de leitura para a formação de leitores que conversaremos aqui, na nossa Aula 4. CONTEXTUALIZANDO Apenas 55% da população se declara leitora. O brasileiro lê pouco. “Não sei como trabalhar com a literatura em sala de aula.” “Não gosto de ler.” “Não tenho tempo de ler.” Essas são afirmações constantes que mostram a realidade que assombra a relação entre literatura, leitor e escola. Daí a importância da formação do professor. Você sabia que cada leitor tem um repertório de leitura e completa os vazios do texto no ato da leitura? E que cabe ao professor auxiliar o aluno na ampliação desse repertório e na criação de estratégias para atuar no texto, completando esses vazios? Vamos, então, pensar nessa formação de leitores? TEMA 1 – A ESCOLARIZAÇÃO DO TEXTO DE LITERATURA A formação de leitores é uma das mais importantes funções da escola. No entanto, quando tomamos como base pesquisas como “Retratos da Leitura no Brasil”, de 2015, que apontam que existem apenas 56% de leitores no Brasil, ou que o brasileiro lê, em média, 2,5 livros por ano, percebemos que a escola não está obtendo sucesso nessa empreitada. 03 Figura 1 – Leitores do Brasil Fonte: Retratos da Leitura no Brasil/2015 Outro fator interessante apresentado por Regina Zilberman (2012) no livro base da disciplina é que o mercado editorial produz cada vez mais livros, o público leitor infantil eleva-se quantitativamente e, no entanto, não se tem sucesso na formação de um público leitor. Ou seja, temos leitores escolares, sujeitos que não continuam lendo depois que saem da escola. Assim, há um grande apelo à produção de obras, beneficiando mais quem as edita do que quem as lê. E por que não formamos leitores? Um dos fatos que contribui para esses dados apresentados é a falta de formação adequada do professor. Muitas vezes, ao ter um livro de literatura nas mãos, o professor não sabe o que fazer. E então, é nesse momento que o texto de literatura perde as suas características artísticas e se torna escolarizado. Segundo Zilberman (2012, p. 53), raras vezes a escola, seu aparato (como salas de aula), seus instrumentos (como o livro didático) e sua metodologia (como a execução do livro de casa) provocam lembranças aprazíveis de leitura. As atividades pedagógicas provocam tédio, quando não são vivenciadas como aprisionamento, controle ou obrigação. A leitura parece ficar do lado de fora, porque os professores não a incorporam ao universo do ensino. Seja em livros didáticos ou em planejamentos dos professores, a literatura ganha viés pedagógico e se torna utensílio para ensinar os mais variados conteúdos das mais diversas disciplinas. E, então, as características do texto literário ficam em segundo plano. Ou seja, a literatura não é trabalhada na escola, mas, sim, o texto literário como pretexto, o que não é a mesma coisa. É o que denominamos literatura escolarizada: a escola se apropria da literatura infantil, escolariza-a, didatiza-a e pedagogiza-a para atender a seus próprios fins, como coloca a professora Marta Morais da Costa (2002). 04 Veja esses exemplos retirados do livro “A escolarização da Literatura Infantil” (2011), de Magda Soares. São textos e atividades garimpadas em livros didáticos, que mostram como o trabalho com a literatura é, na maioria das vezes, desenvolvida na escola. 1. Leia o texto e sublinhe todos os substantivos comuns: Que borboleta Que borboleta é aquela Que não gosta de flor E que vive perseguindo mosquitos, Dando piruetas no ar? - É uma lagartixa maluca Que se vestiu com uma gravata-borboleta E conseguiu voar NANI. Cachorro quente uivando pra lua. Belo Horizonte: Formato Editorial, 1987. Nesse exemplo, as características do gênero textual não são abordadas. A literatura não está presente e é anulada quando o texto serve de mero instrumento para treinar o aluno para que identifique os substantivos comuns no texto. O texto perde a sua função real: deixa de ser literatura para ganhar um caráter didático. Observe mais um exemplo: 2. Procurando firme Mas a princesa estava desapontada! Aquele não era o príncipe que ela estava esperando! Até que ele não era feio, tinha umas roupas bem bonitas, sinal que devia ser meio riquinho, mas era meio grosso, tinha um jeitão de quem achava que estava abafando, muito convencido! A princesa torceu o nariz. O pai e a mãe da princesa ficaram muito espantados, ainda quiseram consertar as coisas, disfarçar o nariz torto da princesa, é que eles estavam achando o príncipe bem jeitoso...Afinal, ele era o príncipe da Petrolândia, um lugar que tinha um óleo fedorento e que todo mundo achava que um dia ia valer muito dinheiro... ROCHA, Ruth. Procurando firme. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 17. Com essa narrativa de Ruth Rocha, Magda Soares alerta para outro problema encontrado nos livros didáticos: o uso de trechos e não do todo. Temos, aqui, apenas uma parte do texto. Veja, o início começa com a conjunção mas. E não é possível entender a ideia de contraposição, de adversidade, pois nós, leitores, não sabemos o que vem antes. Daí a importância de levarmos para o nosso aluno o texto integral, no suporte em que foi escrito, seja livro, seja internet. Vamos ao último exemplo: 3. Pare! Atenção! O Joãozinho é distraído. Em nada presta atenção. Mas Totó, o seu amigo, É um excelente cão. 05 Lá vêm os dois na calçada. E agora, olhem só! Na hora de atravessar, Vejam o que faz Totó: Morde a calça do menino! “Ficou louco este meu cão?” Não, Joãozinho! O amarelo Mostra. Pare! Preste Atenção! Essa é a música “Pare! Preste Atenção!”, de Alcina Miranda. No livro didático, estava vinculada ao conteúdo Trânsito. Esse poema/música foi criado para ensinar sobre o trânsito, ou seja, suas características literárias ficam em segundo plano. O que se destaca é o conteúdo, o didatismo. Dessa forma, o professor que se depara com esse texto no livro didático não pode se confundir, acreditando estar trabalhando o gênero poesia com os alunos. Isso porque o texto literário é livre de amarras pedagógicas. Já esse texto foi criado para trabalhar um determinado tema, conteúdo. Dessa forma, é preciso que o professor tenha formação adequada para que consiga perceber as armadilhas que pode conter em um livro didático: a escolarização da literatura, a presença de trechos descontextualizados e textos criados com objetivo pedagógico pré-definido. Cabe, então, ao professor, como destaca Regina Zilberman (2012) no livro base da disciplina, que o professor precisa disponibilizar os livros ao alcance dos alunos em sala de aula, assim como outros suportes de leitura. A autora coloca ainda que o docente precisa estar atento à capacidade leitora do aluno, indicando livros com grau de complexidade que este possa compreender. E, finalmente, o professor deve levar a literatura para a sala de aula sem torná-la pedagógica, utilitária. Deve ter a percepção de que a literatura infantil não foi produzida para a escola, mas para o leitor, de forma a fortalecer o imaginário, a criatividade, a criticidade, a compreensão do outro e de si mesmo e a posicionar-se no e sobre o mundo. TEMA 2 – A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO A construção do leitor crítico, isso é o que almejamos!Um leitor que circule pelos diferentes gêneros e suportes, compreendendo o texto à medida em que aciona o seu repertório de leitura, relacionando o que lê com outras experiências leitoras, com experiências pessoais, obtendo da leitura uma visão pessoal e coletiva. 06 E para a construção do leitor crítico, é preciso percebê-lo como sujeito ativo. Desde a década de 1960, surgiu a teoria da literatura elaborada por Wolfgang Iser e Robert Jauss, denominada Estética da Recepção. Nas teorias anteriores, ora o foco esteve no autor – o que o autor quis dizer nesse texto? –, ora no texto. Com isso, a dimensão da leitura não era considerada. Assim, a partir da Estética da Recepção, temos uma teoria que tem como foco o leitor. A dimensão da leitura e do efeito precisa ser considerada pelo professor no momento do trabalho com a literatura. Isso significa que é preciso considerar que leitor e texto interagem e estão inseridos em um tempo e um espaço, que o leitor tem papel ativo e, no ato da leitura, traz à tona todo o seu repertório, toda a sua bagagem. E, por isso, a compreensão de um mesmo texto pode ser diferente entre dois leitores. Segundo Jauss, a obra literária não é um objeto que exista por si só, oferecendo a cada observador em cada época um mesmo aspecto. Não se trata de um monumento a revelar monologicamente seu Ser atemporal. Ela é, antes, como uma partitura voltada para a ressonância sempre renovada da leitura, libertando o texto da matéria das palavras e conferindo-lhe existência atual. (Jauss, 1994, p. 25). É, então, no ato da leitura que o texto ganha vida: o leitor percorre as palavras atribuindo-lhes sentidos, preenchendo vazios à medida que aciona o seu repertório de leitura. Dessa forma, a literatura se constitui na relação entre autor, texto e leitor, ou seja, produção, comunicação e recepção. E nessa relação, segundo Regina Zilberman (2012), cabe ao leitor descobrir as intenções da obra, interagindo com o texto literário que traz suas próprias características com equivalência ao mundo imaginário. Personagens, cenário, enredo aparecem na obra de forma inacabada, exigindo a participação do leitor na constituição do texto literário. São os denominados pontos de indeterminação, vazios, lacunas que constituem a obra literária, tornando-a diferente de um texto informativo, por exemplo. Afinal, o grau de indeterminação é muito maior na literatura, o que possibilita diferentes olhares, diferentes compreensões. Cada leitor atua no texto acionando o seu repertório de leitura. O texto literário, para materializar-se, precisa da intervenção do leitor. O texto aponta caminhos em sua estrutura, mas deixa lacunas, que convidam o leitor para atuar no texto de forma ativa, acionando o repertório pessoal construído por meio de outras experiências leitoras. O ato da leitura, assim, é pensar o pensamento de outros, é abandonar a zona de conforto para deparar-se com outras formas de sentir, de pensar e de ser. Ler é aprender sobre o mundo, sobre 07 o outro, mas, principalmente, sobre si mesmo. Ler é conhecer outras formas de se posicionar, é confrontar-se com o diferente. Dessa forma, segundo a professora Marta Morais da Costa (2007, p. 33), em razão dessas ideias, trabalhar com a literatura infantil representa, simultaneamente, contribuir para a formação integral da criança e inseri- la na alteridade, isto é, no contato com o que é diferente dela, seja pelo conhecimento obtido nos textos sobre a existência de pessoas e pensamentos diferentes do seu, seja pelo contato com outros leitores no processo de interpretação, quando convivem diferentes resultados e compreensões do mesmo texto, apresentados em leituras compartilhadas. Cabe, portanto, à escola, descobrir que o trabalho com a literatura deve acontecer não de modo pedagógico e utilitário, mas pelo viés do jogo entre identidade e alteridade, ensinando aos alunos estratégias para que percorram o texto observando a estrutura apresentada, as características específicas, o imaginário, a qualidade artística. Disponibilizamos, a seguir, um pequeno glossário sobre termos importantes quando pensamos na formação de um leitor crítico, autônomo e competente e no importante papel do professor como mediador de leitura. 1. Repertório de leitura É a bagagem de experiências de leitura que o leitor constrói à medida que faz a leitura de livros na sua caminhada. Esse repertório é acionado quando se depara com uma nova leitura, para auxiliar na compreensão do texto que está sendo lido. Assim, um leitor competente consegue estabelecer relações do que está lendo com o que já leu. Como o repertório de leitura é individual, a compreensão de um mesmo texto não é única. O professor precisa ter um amplo repertório de leitura, ou seja, precisa ser um leitor em potencial para que possa ser um bom mediador. 2. Ato da leitura É o momento em que o livro ganha existência e há a interação entre o texto e o leitor. Nesse momento, o leitor percorre o seu repertório de leitura para atuar sobre os vazios do texto, completando-os, preenchendo-os numa postura ativa. O professor pode auxiliar o aluno, auxiliando-o a acionar o repertório de leitura para debruçar-se sobre esses vazios. 3. Vazios/lacunas no texto Todo texto traz alguns pontos de indeterminação, que devem ser completados pelo leitor. O texto literário caracteriza-se por trazer muitas lacunas, convidando o leitor a interagir com o as palavras no papel, sempre numa postura 08 ativa. Cabe ao leitor acionar o seu repertório de leitura, percorrer as pistas que o texto traz, preenchendo essas lacunas. Ao professor, cabe a mediação, criando perguntas ao leitor para instigá-lo, para problematizar a leitura. 4. Grau de indeterminação do texto O texto literário caracteriza-se por ter um alto grau de indeterminação no texto. E, dentre os textos literários, há os que apresentam mais ou menos indeterminações, que são as lacunas, os vazios que convidam o leitor a acionar o seu repertório de leitura para interagir com o texto. O professor precisa conhecer o nível de leitura de seus alunos para escolher obras com maior ou menor grau de indeterminação. 5. Teoria do efeito Um texto literário apresenta diferentes características em sua estrutura. Isso, combinado ao repertório de leitura de quem está lendo um texto, produz diferentes efeitos no leitor. Por meio da mediação, o professor pode discutir com os alunos esses efeitos produzidos no ato da leitura, mostrando que o texto literário apresenta uma estrutura linguística. TEMA 3 – CLÁSSICOS E CONTEMPORÂNEOS O mágico de Oz, Chapeuzinho Vermelho, Alice no País das Maravilhas, Cinderela, As fábulas de Esopo, Viagens de Gulliver, O pequeno príncipe são livros que atravessam gerações e, normalmente, são conhecidos pelo público leitor. São os chamados clássicos. Você já deve ter ouvido essas histórias quando criança, não é mesmo? Mas, o que é um clássico? Os clássicos são livros que trazem características em sua estrutura e temáticas que resistem e continuam existindo com o passar dos séculos. Por isto se tornam clássicos: porque resistem ao tempo, dialogando com os leitores de diferentes épocas. Quer ver? Vamos analisar as temáticas trazidas por esses clássicos infantis? Tente associar o livro à sua temática. Tabela 1 – Obras e temáticas OBRA TEMÁTICA 1. Oliver Twist ( 2 ) O desconhecido 2. Alice no País das Maravilhas ( 1 ) Condições sociais 3. O pequeno príncipe ( 5 ) Aspectos reais do mundo 09 4. Pinóquio ( 3 ) Término da infância 5. Reinações de Narizinho ( 4 ) A mentira Veja, todos esses temas são atemporais, tratam dos anseios e comportamentos humanos, atravessando as barreiras temporais. Segundo Calvino (1998), os clássicos são os livros que não terminam nunca o que têm a dizer. São livros que quanto mais lidos, mais revelam fatos novos,inéditos, inesperados. E toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira. Como os clássicos atravessam por gerações diversas, trazem consigo marcas das leituras que precederam as nossas, bem como os traços que deixaram nas culturas em que estiveram presentes. Apesar de conhecermos os clássicos por ouvir dizer, ou pela voz de alguém que nos conta a história, a leitura real dessas obras promove o encontro do leitor com o novo, pois se revelam novos, inéditos, tendo muito a dizer ao leitor. Assim, um clássico não é um livro velho, ultrapassado, antigo, fora de moda: ao contrário, é um livro eterno que não sai de moda, ainda que tenha sido escrito em um tempo remoto. Dessa forma, para Ana Maria Machado (2002, p. 15), clássicos são “livros que conseguem ser eternos e sempre novos e que ao serem lidos no começo da vida, são fruídos de uma maneira muito especial, porque a juventude comunica ao ato de ler, como a qualquer outra experiência, um sabor e uma importância particulares”. Ou seja, além dos clássicos universais, cada um de nós, leitores, constrói um acervo de seus próprios clássicos. O “nosso” clássico é aquele que não nos é indiferente, que nos define, que faz com que nos reconheçamos no contato com os personagens. É aquele livro que nos conforta, mas que também incomoda, (co)move. É aquele livro que guardamos, carinhosamente, na cabeceira da cama, ali ao alcance das mãos, ou no coração, ao alcance das lembranças e pensamentos. Qual é o seu clássico? Qual é o livro que guarda na cabeceira da cama ou no coração? Quais são os clássicos que conhece apenas de ouvir e quais de fato já leu? O repertório de leitura do professor é determinante na mediação da leitura, na formação de leitores, e é de extrema valia no momento em que o professor deve realizar a escolha dos livros que indicará aos seus alunos. Afinal, não podemos indicar algo que não conhecemos, não é verdade? E qual é o papel da escola quanto aos clássicos? De acordo com Calvino (1998), a escola é responsável por possibilitar que o aluno tenha o contato com 010 um número significativo de bons clássicos para que este possa formar o seu próprio repertório de obras clássicas. E o papel da escola se efetiva, de fato, quando a procura pelo clássico e a constante construção do repertório continuam fora de seus muros. É aí que formamos, de fato, leitores. Certo, conversamos sobre os clássicos até aqui. Mas no nosso repertório e de nossos alunos devem constar apenas clássicos? E os contemporâneos? Certamente, há espaço para eles também. Construindo um repertório de clássicos, os alunos terão arcabouço para ler os contemporâneos, já que a estrutura e temáticas dos clássicos são a base da literatura contemporânea. Contemporâneo vem do latim contemporaneus e quer dizer o que coincide com o tempo. Assim, a literatura contemporânea é composta por obras e autores que coincidem com o nosso tempo atual: hoje. Os textos infantis contemporâneos trazem características dos clássicos somadas às características da literatura atual. Daí a importância de conhecer os clássicos para ler o que é produzido hoje. Deixamos, aqui, uma lista de sugestões de autores de literatura infantil clássicos e contemporâneos que vale à pena serem lidos e conhecidos por nós, professores, para que possamos levá-los à sala de aula, de modo que passem a compor o repertório de leitura de nossos alunos. Tabela 2 – Clássicos e contemporâneos Clássicos Contemporâneos Monteiro Lobato Ziraldo Perrault Ana Maria Machado Irmãos Grimm Lygia Bojunga Charles Dickens Eva Furnari Esopo Sérgio Capparelli La Fontaine Sylvia Orthof Andersen Angela Lago Daniel Defoe Bartolomeu Campos de Queirós 011 Júlia Lopes de Almeida Ricardo Azevedo Lewis Carroll Marina Colasanti Collodi Manoel de Barros James Barrie Ana Clara Machado TEMA 4 – ADAPTAÇÕES E TRADUÇÕES Muitas vezes, na literatura infantil, deparamo-nos com duas situações: adaptações e traduções. As traduções são necessárias quando nos encontramos com obras estrangeiras que são traduzidas para o português do Brasil. E qual é o cuidado que o professor deve ter? Escolher uma boa tradução, que preserve a estrutura linguística da obra original. Isso porque a tradução requer fidelidade à forma e ao conteúdo. Assim, é preciso ficar atento a informações como o nome do tradutor e da editora, verificando se realizam um trabalho de qualidade. São exemplos de traduções: “O pequeno príncipe” (francês), “Alice no País das Maravilhas” (inglês), “Dom Quixote de La Mancha” (espanhol), dentre outros. Já a adaptação é uma reformulação da história para ser compreendida por leitores contemporâneos, não exigindo fidedignidade com a forma, apenas com o conteúdo. E essa alteração da estrutura linguística requer um cuidado por parte do professor, de modo a escolher obras adaptadas que, apesar da alteração da linguagem, mantenha a riqueza linguística do original. Os livros didáticos, muitas vezes, para diminuir a extensão do texto original, fazem o uso da adaptação, que nem sempre é criteriosa. E ainda fazem adaptações de textos que já apresentam proximidade com o contemporâneo, concebendo a criança como ser limitado, incapaz de lidar com um vocabulário desconhecido e, com isso, empobrece o texto original. Veja este exemplo de um trecho do texto de Érico Veríssimo, apresentado no livro “A escolarização da Literatura Infantil e Juvenil” (2011), de Magda Sores: Tabela 3 – Texto comparado Que dor de dente! (...) A lua fez careta e respondeu: _ Não me amole! Estou com dor de dente. O cachorro xereta latiu: O Céu e a Terra na escuridão (...) A lua fez uma careta e respondeu: _ Não me amole, galo bobo! Estou com dor de dente. 012 _ Au! Au! Au! Se a senhora está com dor de dente, por que não vai ao dentista? (...) Então o cachorro, que era muito intrometido, ladrou: _ Au! Au! Au! Se a senhora está com dor de dente, por que não vai ao dentista? (...) Fonte: Soares, 2011. O Texto 1 (Que dor de dente!) é uma adaptação do Texto 2 (O Céu e a Terra na escuridão), de Érico Veríssimo. Pergunto: era realmente necessária essa adaptação? Era preciso retirar a expressão “galo bobo”? Por quê? Era preciso trocar “muito intrometido” por “xereta” e “ladrou” por “latiu”? A criança não é capaz de compreender, pelo contexto, o significado de “intrometido” e de “ladrou”? O livro didático que realizou essa adaptação não circulará na escola, espaço em que há um mediador de leitura – o professor – que pode auxiliar o aluno com relação ao vocabulário? Veja, as adaptações são importantes para que o aluno tenha acesso aos clássicos, por exemplo, por meio de uma linguagem mais acessível. Mas, no caso desse texto de Érico Veríssimo, a linguagem já é acessível. Uma ou outra palavra desconhecida serve como desafio ao aluno, para que avance nos degraus da leitura. É o que afirma Peter Hunt, crítico literário, em entrevista à revista Nova Escola de agosto de 2011: NOVA ESCOLA: Diversos títulos clássicos, como Romeu e Julieta e Dom Quixote, têm sido reeditados em versões simplificadas para a criançada. Na sua opinião, isso é interessante? HUNT: Eu costumava pensar que alterar o conteúdo e a linguagem de um texto clássico para torná-lo acessível aos pequenos era uma coisa natural a fazer, afinal os clássicos são bens públicos e parte importante da nossa cultura compartilhada. Há tempos, os livros têm de competir com vídeos e outras mídias. Além disso, a garotada está habituada a leituras mais simples e textos curtos, ou seja, o modo de ler os livros também está mudando. Portanto, se os leitores precisam ter algum conhecimento dos clássicos, eles têm de ser alterados, simplificados. Caso contrário, existe o perigo de eles não serem mais lidos até pelos adultos. Nessa perspectiva, qualquer versãoé melhor do que nada. Porém, de uns tempos para cá, tenho repensado isso tudo. Acho cada vez mais que, ao simplificar um clássico, perdemos a essência da obra. O melhor seria então encontrar um caminho para ensinar as crianças a ler as versões originais, de modo que elas possam entendê-las no contexto em que foram escritas. O maior erro que podemos cometer é pensar os clássicos como atemporais, imaginar que eles permanecem atuais com o passar dos anos. Na realidade, eles são produtos do tempo em que foram escritos. Assim, todos vão precisar de informações a respeito deles para lê-los de maneira satisfatória. E nossa missão como 013 educadores é fazer os estudantes perceberem como esse processo pode ser interessante e desafiador, não apenas um trabalho árduo. Dessa forma, apesar de sempre ser mais adequado apresentar para a criança o livro original, as adaptações, quando necessárias, são bem-vindas na escola, para que nossos alunos tenham acesso aos clássicos. Boas adaptações simplificam uma obra para torná-la acessível a um público de leitores iniciantes. No entanto, temos que ter ciência de que mesmo uma boa adaptação altera a obra original e que fatalmente o texto perde parte de sua essência, de sua riqueza. Assim, como menciona Hunt, o professor, enquanto mediador, pode contextualizar a obra, mostrando em que momento foi produzida. Isso auxilia o aluno no ato da leitura de versões originais, tornando-a desafiadora e interessante. Há, ainda, as adaptações para outras linguagens, como filmes, músicas, quadrinhos. É interessante estabelecer um diálogo entre o livro – o texto escrito original – com as demais linguagens, verificando, por exemplo, as semelhanças e diferenças que temos ao adaptar uma história que, originalmente, é uma narrativa para os quadrinhos ou para o cinema. No entanto, é imprescindível lembrar: trabalhar com um filme, com uma música ou com quadrinhos não é o mesmo que trabalhar com o texto literário, certo? Uma linguagem não substitui a outra. TEMA 5 – ESTRATÉGIAS DE LEITURA A literatura é um texto peculiar, que traz características específicas que o torna diferente dos demais. Um texto literário apresenta motivação estética, linguagem subjetiva, discurso poético. É arte, não ciência. Dessa forma, na escola, precisamos pensar em práticas que levem em conta essas peculiaridades. Souza e Davis (2009) destacam que é preciso apresentar e desenvolver com os alunos estratégias de leitura específicas para a literatura, para que atuem no texto antes, durante e depois da leitura. Durante a leitura de um texto literário – seja silenciosamente ou por meio da leitura compartilhada, quando o professor conta a história – o professor deve lançar questionamentos e ouvir os alunos, promovendo discussões que auxiliem o pequeno leitor a compreender o texto em sua totalidade, tornando-se crítico, reflexivo e atuante. A professora Renata Junqueira, pesquisadora e professora atuante na área da literatura infantil, traz uma revisão bibliográfica apresentando estratégias de 014 leitura para serem utilizadas com os alunos, de modo a formar um leitor que interaja com o texto. São elas: 1. Conexões No momento da leitura, estabelecemos relações do que estamos lendo com outras leituras que já realizamos, com experiências pessoais e com acontecimentos à nossa volta. Isso acontece quando o leitor liga experiências pessoais aos personagens da história, ou encontra semelhanças/diferenças entre o tema ou o gênero de dois textos diferentes, por exemplo. Estabelecendo conexões, as crianças ativam seus conhecimentos prévios, tornando a leitura mais significativa e envolvente. 2. Inferência As inferências são as hipóteses que criamos a partir do conhecimento prévio que temos, levando em conta as nossas leituras e as experiências pessoais. Fazemos inferências o tempo todo, observando o mundo à nossa volta. À medida que a leitura é realizada, essas hipóteses são confirmadas, ou não, e novas inferências são realizadas. Isso possibilita que o leitor realce seu entendimento e vá além do significado literal, compreendendo o uso das figuras de linguagem e o que está implícito. 3. Visualização Visualizar é criar imagens mentais para compreender um texto. Durante a leitura, criamos imagens sobre o cenário, os personagens, o enredo, o tempo em que a história acontece e, dessa forma, nos aproximamos do texto lido. 4. Síntese Sintetizar é mais do que resumir. É contar com as próprias palavras, é parafrasear, é recontar. É relacionar o que foi lido com experiências de leitura prévias, remodelando o pensamento, o já conhecido. 5. Perguntas Perguntas são a chave para a compreensão de um texto. Na verdade, nós, leitores mais experientes, fazemos isso o tempo todo, mas de modo tão automático que nem percebemos. As crianças são naturalmente curiosas e devem ser encorajadas a questionar a atitude de um personagem ou uma passagem do enredo. No entanto, é preciso ter em mente que perguntas simples não provocam diálogo. São as questões mais complexas que provocarão reflexões, possibilitando um aprofundamento da compreensão. 015 Assim, a cada texto literário abordado em sala, uma forma de mediar a leitura é utilizar das estratégias propostas por Renata Junqueira, buscando por um letramento literário ativo: ou seja, o aluno atua no texto, interage com ele, produzindo novas significações. E, para tanto, o papel do professor é determinante. FINALIZANDO Durante essa aula, abordamos aspectos importantes da literatura infantil, como a formação do leitor ativo e competente, que atue nos vazios do texto acionando o seu repertório de leitura, como está posto na estética da recepção. Vimos também que a escolarização dos textos literários, seja em livros didáticos, seja na prática do professor, contribui de modo significativo para a não formação de leitores e que o papel do professor é fundamental enquanto mediador. Um dos caminhos possíveis para a formação do leitor competente são as estratégias de leitura apresentadas por Renata Junqueira, a escolha de livros de qualidade – clássicos e contemporâneos –, de boas traduções e de boas adaptações, quando necessário. Para tanto, é imprescindível que o professor tenha um bom repertório de leitura: o professor precisa ser um leitor. 016 REFERÊNCIAS CALVINO, Í. Por que ler os clássicos? Companhia das Letras, 1998. COSTA, M. M. da. Metodologia do Ensino da Literatura infantil. Curitiba: IESDE, 2009. JAUSS, H. R. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. MACHADO, A. M. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. MACHADO, M. Z. V. Gêneros literários para crianças. In: Termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. Glossário Ceale. Disponível em: <http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/generos- literarios-para-criancas>. Acesso em: 7 dez. 2017. HUNT, P. Entrevista. Nova escola, n. 244. Agosto de 2011. Retratos da leitura no Brasil. Disponível em: <http://prolivro.org.br/home/confirme>. Acesso em: 7 dez. 2017. SOARES, M. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA, A. A. M.; BRANDÃO, H. M. B.; MACHADO, M. Z. V. (Org.). Escolarização da leitura literária. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. SOUZA, R. J. de; DAVIS, C. L. Entendendo textos: estratégias para a sala de aula. In: Leitura: teoria e prática. Associação de Leitura do Brasil. a 27, n. 53, nov. 2009. p. 31-37. SOUZA, R. J. de. (Org.). Ler e compreender: estratégias de leitura. Campinas/SP: Mercado das Letras, 2010. ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da literatura. Curitiba: Intersaberes, 2012.
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