Buscar

unidade 2, cap 1,2,3 e 4

Prévia do material em texto

INFÂNCIA NA HISTÓRIA E NA CULTURA CONTEMPORÂNEA
CAPÍTULO 1 - CRIANÇA É SER SOCIAL E HISTÓRICO?
Suellen Irene Pereira Pierri
Introdução
Vários são os discursos sobre o fato de a criança – hoje em dia – ser vista como ser histórico, cultural, social e de direitos. Mas será que sempre foi assim? A criança, no decorrer dos tempos, sempre foi tratada como um indivíduo integrante da sociedade, com seus direitos garantidos por lei? Neste capítulo você verá que essa é uma visão relativamente recente da infância. No decorrer dos séculos, vigoraram diferentes visões sobre a criança: como pequeno adulto, como tábula rasa, como mão de obra barata, como impura ou como inocente; enfim, muitas foram as concepções de criança e infância até que se consolidasse a que temos atualmente. No Brasil, como país colonizado, há uma sequência histórica no tratamento e entendimento da criança similar à de seu colonizador, Portugal, que, por sua vez, tem uma história mais longa com a infância. Será que essas diferenças levaram ambos países a um mesmo desfecho? Considerando a longa trajetória da Europa com a infância, será que o Brasil já iniciou seu tratamento com as crianças a partir de um sentimento de infância consolidado? Partiremos de visões mais antigas sobre o tema para, no traçar histórico, chegarmos até nosso país e sua trajetória – por vezes igual, por vezes particular – ao entender e enxergar as crianças, e no agir com elas. Como afirmam Kuhlmann Jr. e Fernandes (2012, p. 15), a infância é compreendida a partir da “[...] concepção ou representação que os adultos fazem sobre o período inicial da vida [...]”. Sendo assim, neste capítulo, você estudará a infância e a criança a partir dessas visões, que lhe contarão uma história, e a partir dessa história você criará as suas próprias concepções, que, espera-se, sejam similares ao que hoje se acredita ser e estar criança. Bom estudo!
1.1 Relações entre: sociedade, conhecimento, infância e educação
Neste tópico, você entenderá melhor como funcionam essas relações entre sociedade, conhecimento, infância e educação. A esse respeito, conforme Faria Filho (2004, p. 7), “[…] criança e infância emergem como categorias históricas, constituídas no cotidiano das relações sociais […]”. Sendo assim, a concepção de criança que temos hoje, baseada tanto em teorias educacionais quanto em aspectos legais, foi uma construção histórica e formada também a partir de lutas pelo reconhecimento da criança e do direito à institucionalização da infância.
Como você deve estar pensando, toda essa construção estava ligada a tipos de sociedade e políticas que foram se formando com o passar dos tempos. Na Idade Média (século V ao XV), havia um tipo de sociedade com suas verdades e limitações, que continha uma visão para o tratamento da infância; na Idade Moderna (século XV ao XVIII), mudou-se a maneira de enxergar o ser humano, a igreja, a política e, consequentemente, a criança, assim como em todos os tempos até a atualidade.
Todas as premissas humanas são construções históricas, e devemos entender esse passo a passo para compreendermos quem somos e como chegamos aonde estamos.
1.1.1 A criança na Idade Média
Você sabia que vários foram os papéis dados às crianças durante o passar dos anos e dos séculos? A maioria deles, porém, pode ser caracterizada pelo “[...] não-lugar a que durante anos a criança esteve condenada, não sendo reconhecida em suas especificidades.” (PEREIRA; SOUZA, 1998, p. 28). Destarte, apesar de sempre ter havido um papel para cada criança, esses papéis eram dados pelos adultos, suas histórias eram contadas sempre pelo outro, pelo mais velho, aquele que ditava as regras, tudo sem levar em consideração a voz das crianças sobre o que pensavam ou o que achavam.
Etimologicamente, a infância consiste no silêncio que precede a emissão das palavras e a enunciação do discurso, designando uma condição da linguagem e do pensamento com a qual o ser humano se defronta ao longo de sua vida, mas, com maior frequência, em uma idade específica, diferenciada da adulta, na qual ainda não ingressou no mundo público (PAGNI, 2010, p. 100).
De forma figurada, podemos dizer que, durante séculos, foi negado à criança o direito de se exprimir: a ela restou o silêncio, a não permissão de ter sua voz ouvida em decisões, até mesmo no que se referia a ela mesma. Os alimentos foram dados às crianças sem perguntar se elas gostavam deles ou os queriam; suas vestimentas postas sem saber se elas as aprovavam ou se lhes eram confortáveis; seu ensino regido de forma vertical, no qual coube aos adultos a decisão do quê e quando ensinar, em detrimento das vontades das crianças, ou sem levar em consideração o que elas já sabiam sobre tal assunto ou conteúdo.
A seguir, observe a imagem de uma pintura que retrata uma menina na Idade Média:
 Figura 1 - Princess Margareth, de Diego Velásquez. Fonte: Oleg Golovnev, Shutters...
Como você pode observar, a imagem anterior retrata uma menina vestida com uma roupa destinada às mulheres da época. Nota-se que o tamanho do vestido e os ornamentos quase não lhe permitem os movimentos naturais do corpo. Não havia uma preocupação com as particularidades do corpo infantil no que se refere à vestimenta da época, mas sim com a caracterização da criança como um pequeno adulto. Você considera que essa concepção é diferente da que temos hoje?
Durante a Idade Média, reconhecida como o período histórico a partir do século V até o século XV – com a queda de Constantinopla –, a sociedade foi tomada por valores religiosos, o que determinou uma diminuição dos infanticídios (JOHNSON, 2001) e uma maior preocupação com o bem-estar da criança pequena, no sentido de um cuidado com a preservação da vida – para não morrer de fome, por exemplo –, mas ainda não com o sentido mais amplo de cuidado com a criança, que temos hoje.
Na Idade Média, só eram consideradas crianças os bebês que ainda mamavam, o que frequentemente se estendia até o período entre os 5 e 7 anos de idade. A partir desse momento, as crianças passavam a frequentar os mesmos lugares que os adultos, sem distinção de trajes ou linguajar apropriado, ou seja, elas viam e ouviam tudo que o adulto via ou ouvia. Não havia leis de proteção à infância, já que esse conceito ainda não existia.
A seguir, observe a reprodução de uma pintura que retrata uma taverna onde crianças e adultos poderiam permanecer juntos.
 sobre a imagem para Zoom
 Figura 2 - Prince’s Day, de Jan Steen. Fonte: Everett – Art, Shutterstock, 2017.
Na figura anterior, percebe-se que está acontecendo uma festa em uma taverna, onde há homens bebendo e jogando, e pode-se notar que um homem já está aparentemente bêbado, de joelhos, e levando uma garrafa à boca. Nesse ambiente, é visível ao menos uma criança, o que denota a não preocupação com a adequabilidade dos locais à infância, entendendo-se que esta deveria ser vivida em conformidade com os adultos.
Nesse sentido, você já se perguntou como era a educação nessa época? Não havia o conceito de escolas que temos hoje, mas, sim, de salas de estudos livres. Sem local determinado, essas aulas poderiam acontecer em praças, mercados, igrejas etc., as quais ofereciam educação para pessoas de várias faixas etárias – crianças ou adultos – e chegavam a receber 200 indivíduos por vez. “A criança era, portanto, diferente do homem, mas apenas no tamanho e na força, enquanto as outras características permaneciam iguais” (ARIÈS, 1981, p. 14). Nesses estabelecimentos, só havia homens ou meninos, as meninas eram educadas em casa pela própria família, ou em casa de conhecidos.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
O texto “Infância: construção social e histórica” de Moysés Kuhlmann Jr. e Fabiana Silva Fernandes (2012), do livro Educação Infantil e Sociedade: questões contemporâneas, trata sobre diversas pesquisas no âmbito da história da educação infantil, além de trabalhar os conceitos de criança e infância no decorrer da história e a partir da visão de vários estudiosos do tema. Leia no link: <http://ndi.ufsc.br/files/2013/08/Educa%C3%A7%C3%A3o-e-Sociedade.pdf>.Portanto, você pode perceber que, além de as crianças não receberem atendimento ou educação individualizados, ainda havia o fator de gênero que separava crianças entre si. Isso também se devia ao impacto do cristianismo à época, já que a Bíblia Sagrada (2012) explicita o papel da mulher na sociedade em vários momentos: “Esposa, obedeça ao seu marido, como você obedece ao senhor. Pois o marido tem autoridade sobre a esposa, assim como Cristo tem autoridade sobre a igreja.” ([Ef, 5:22,23], 2012, p. 1.643); “Esposa, obedeça ao seu marido, pois é o que você deve fazer por ser cristã.” ([Cl, 3:18], 2012, p. 1.654); “[...] para que as mulheres mais jovens aprendam [...] a ser prudentes, puras, boas donas de casa e obedientes ao marido.”([Tito, 2:4-5], 2012, p. 1.674).
Em inúmeras passagens bíblicas (BÍBLIA SAGRADA, 2012), a mulher aparece como submissa ao homem ou como a que deve ensinar às mais novas o caminho até Deus ou à própria submissão. Essas passagens bíblicas ilustram a forma de ver o papel da mulher, logo, da menina, à época da Idade Média.
Pelo contexto fornecido, você pode concluir como o fator religioso era predominante nessa época, e isso deve ser levado em conta ao pensar a infância. Inclusive, por esse motivo, a infância dos meninos e das meninas era tratada e vista de maneira distinta.
A partir disso, pode-se afirmar que o pensamento sobre a criança em cada momento histórico reflete o tipo de tratamento e educação dados a essa criança, e os conhecimentos que se entende que ela deva ter. Veja a seguir como esse pensamento foi se alterando ao longo dos tempos.
1.1.2 Mudanças na Idade Moderna
Durante a Idade Moderna – com início marcado, historicamente, em 1453, quando da queda de Constantinopla, e fim em 1789, época da Revolução Francesa –, houve uma grande ruptura dos valores sociais, políticos e de ordem econômica vigentes na Idade Média:
Com a Modernidade, ocorre a ruptura com a sociedade de ordens, que barrava as liberdades individuais; a laicização política, econômica e cultural, proporcionando a formação dos Estados Nacionais, a abertura do comércio, a valorização da autonomia e da capacidade humana (antropocentrismo); as descobertas geográficas; o desenvolvimento das cidades; o surgimento de uma nova classe, a burguesia; e, como consequência, promove uma revolução na pedagogia e na educação (FORMIGONI, 2010, p. 139).
Mas em que essas mudanças de valores afetou a educação? A mudança significativa nesse campo é que se passou a formar indivíduos ativos socialmente e livres de qualquer religiosidade que restrinja sua maneira de pensar e ver o mundo apenas por essa ótica.
Iniciou-se, em contrapartida, um período de institucionalização de locais de ensino e regramento, com a construção de mais escolas, asilos, presídios, como uma forma de o Estado controlar esses indivíduos.
Você pode imaginar que, com esse processo, a criança passou a ser vista de forma diferente, como um ser individualizado e ligado à sua família. Por sua vez, desenvolveu-se no seio da família a visão de que o cuidado com a criança é necessário para fins de perpetuação de sua linhagem e da sociedade. Nesse momento, aparecem a bajulação e os mimos às crianças, fazendo desaparecer aos poucos o sentimento de indiferença dado a elas anteriormente (FORMIGONI, 2010).
De forma contrária aos métodos medievais de educação, como você deve notar pela comparação entre os períodos, na Idade Moderna há uma preocupação em ensinar as crianças conforme suas capacidades, mas ainda em grupos grandes. Com o passar do tempo, o que durou cerca de um século, um único professor começou a cuidar de cada grupo menor de indivíduos, que permaneceram agrupados conforme suas capacidades – e todos em um mesmo local. As classes agrupadas por idade, como conhecemos hoje, começam a surgir em fins da Modernidade e no início da Idade Contemporânea.
Para você se situar melhor entre esses períodos, acompanhe a seguir um breve resumo da periodização da história. Esse é um método cronológico usado para contar e separar o tempo histórico da humanidade. A clássica divisão da história é marcada por cinco períodos, tendo como referência a Europa. Veja a linha do tempo dos períodos proposta por Certeau, (2002):
 
· Pré-história - se inicia com o surgimento do ser humano e dura até cerca de 4000 a.C;
· Idade Antiga - compreende de cerca de 4000 a.C. até 476 d.C., quando ocorre a queda do Império Romano do Ocidente;
· Idade Média - entre o ano de 476 d.C. até 1453, quando ocorre a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos e, consequentemente, a queda do Império Romano do Oriente;
· Idade Moderna - considerada de 1453 até 1789, ano da eclosão da Revolução Francesa;
· Idade Contemporânea - compreende de 1789 até aos dias atuais.
 
Dessa forma, pode-se afirmar que as concepções em relação às crianças e à sua educação foram mudando com o decorrer do tempo, de modo a dar mais visibilidade à sua individualidade, e essa mudança sempre esteve diretamente ligada às transformações sociais, políticas e econômicas da sociedade. Dessa maneira, você consegue perceber como essas mudanças estão imbricadas, atreladas umas às outras?
1.2 Philippe Ariès e a história da infância
Para entender melhor esse processo de formação da ideia de infância, é fundamental conhecer um pouco deste autor: Philippe Ariès (1981) escreveu uma das obras mais importantes entre as que nos permitem, hoje, entender a infância como algo socialmente construído, o livro: História Social da Criança e da Família.
A partir de caracterizações sociais e detalhamento das famílias e dos modos de vida no decorrer das idades Média e Moderna, o autor conta a trajetória de como se chegou ao sentimento de infância e de como chegamos ao momento de mudar nosso olhar e nossas atitudes em relação às crianças.
Ao tratar hoje da obra de Ariès, deve-se ter em conta que, apesar de ter sido a primeira literatura que abordou a infância de forma abrangente e a enxergou como construção histórica – e não apenas como fator biológico –, há muitos estudos posteriores que criticam a iconografia utilizada no livro e sua visão de que o sentimento de infância apenas passou a existir em fins da era moderna. Porém, para fins de estudo e entendimento processual sobre criança e infância, é uma literatura de incontestável importância.
1.2.1 A obra de Philippe Ariès
A obra de Ariès abrange um estudo da história da criança e da família desde o século XII até o século XVII (ARIÈS, 1981, p. 22), ou seja, durante a Baixa Idade Média e fins da Idade Moderna, perpassando todas as transformações sociais e políticas desses séculos, e sua influência no sentimento dos adultos e da sociedade em geral em relação à infância e à maneira de lidar com as crianças.
Para você se localizar ainda melhor no tempo, veja o quadro a seguir, que relaciona os séculos a suas respectivas datas cronológicas.
 Quadro 1 - Relação entre os séculos e seus respectivos anos. Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
Segundo Ariès (1981), a sociedade medieval tradicional reduzia a infância aos momentos em que a criança ainda não tinha desenvoltura física. Nesse sentido, assim que ela começava a se movimentar com um pouco mais de agilidade, e a controlar seus movimentos, já era inserida na vida adulta.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
O livro "História Social da Criança e da Família", de Philippe Ariès, trata sobre a construção do sentimento de infância e a visibilidade social da criança durante as idades Média e Moderna a partir do entendimento da família e da sociedade. A obra está disponível no endereço:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5525040/mod_resource/content/2/ARI%C3%88S.%20Hist%C3%B3ria%20social%20da%20crian%C3%A7a%20e%20da%20fam%C3%ADlia_text.pdf>.
 E como Ariès analisa a educação dessa época? O ensino, segundo o autor, era ministrado às crianças de maneira informal e conjuntamente a outros adultos, de forma que elas só aprendiam o que também era ensinado aos mais velhos, fosse algo bom, fosse ruim, de seu entendimento ou não. Ou seja, a diferenciaçãoque é feita hoje sobre o que dizer e como agir perto de uma criança era completamente ignorada na Idade Média. “A passagem da criança pela família e pela sociedade era muito breve e muito insignificante para que tivesse tempo ou razão de forçar a memória e tocar a sensibilidade” (ARIÈS, 1981, p. 10).
A seguir, analise a figura que reproduz a pintura de Bruegel que retrata a sociedade do século XVI:
 Figura 3 - A Luta entre o Carnaval e a Quaresma, de Pieter Bruegel. Fonte: jorisvo, Shutterstock, 2017.
Como você pôde conferir na figura anterior, não é possível diferenciar quem são as crianças e quem são os adultos, já que eles se misturavam em seus afazeres diários e tinham uma rotina muito parecida, característica da falta de percepção das particularidades da infância à época,
E o que esse autor apurou sobre o fator da idade dos indivíduos, por si? Este seria um fator de significância tardia, pois datam do século XV (ARIÈS, 1981, p. 2) as primeiras inscrições documentais mostrando a importância da data de nascimento ou do ano de acontecimentos retratados. Essa pouca relevância dada às datas e idades reflete a não condição social da criança como criança, uma vez que ela nascia, era cuidada até conseguir se movimentar e, em seguida, era dirigida à sociedade para aprender seus costumes na imersão.
Em relação à aprendizagem, pode-se afirmar que, à época, acontecia diariamente e na informalidade, a partir do outro mais velho e mais experiente – e com este.
1.2.2 O caminho da infância na iconografia
Você já parou para refletir como tem sido feita a representação visual da infância no meio cultural? De acordo com Ariès (1981), a iconografia só tratou de “descobrir” a infância a partir do século XIII. Não se deve aqui entender que a sociedade criou o sentimento de infância a partir dessa época, mas sim que retratos começaram a ser pintados, dando lugar aos pequenos sem as deformações ou características físicas adultas direcionadas à figura do infante dos séculos anteriores.
A figura a seguir reproduz uma pintura datada de início do século XIII.
 Figura 4 - Madonna e a Criança, de Berlinghiero. Fonte: Everett – Art, Shutterstock, 2017.
Como você observou pela análise da imagem anterior, só é possível saber que o indivíduo no colo da mulher é uma criança por ocasião do nome da pintura, pois suas feições do rosto não retratam nenhum traço infantil. Aparentemente, há um adulto segurando um pequeno adulto no colo.
Mas a partir de quando isso começou a mudar? De acordo com Lima (2013), somente no final do século XIII surgiram imagens de crianças que demonstravam suas feições um pouco mais diferenciadas dos adultos, mais ternas e infantis, em especial em pinturas religiosas de crianças ajudando em missas, de anjos ou caracterizando o menino Jesus e a pequena Virgem Maria.
No século XVI, surgiram outras representações de crianças desvinculadas do cristianismo: o retrato e o putto (ARIÈS, 1981). O primeiro retratava crianças mortas, primeiramente com crianças em outro plano e acompanhadas de familiares ou professores; posteriormente, começaram a aparecer pinturas de crianças sozinhas e com feições e características mais infantis. Esse tipo de arte demonstrou que estava se superando a ideia de que a morte da criança era insignificante e que a perda de um infante começava a ser sentida socialmente. A família começava a mostrar-se sentimental com tal perda.
Já o  putto surgiu principalmente nos anos finais do século XVI (ARIÈS, 1981, p. 49) e seria a figura da criança nua, impactando o tema anterior de criança religiosa, e exibindo a nudez infantil como importante motivo decorativo.
A figura a seguir retrata um putto ostentado como decoração da fachada de uma emagem para Zoom
 Figura 5 - Estátua de uma criança na Santa Casa de Loreta, em Praga. Fonte: jorisvo, Shutterstock, 2017.
Conforme você pôde observar na figura anterior, há uma criança nua com traços finos e angelicais, demarcando a separação iconográfica da criança anteriormente retratada – o pequeno adulto, ou uma imagem ligada ao cristianismo –, agora mais angelical e artística.
Esse “eros artístico” da criança nua (ARIÈS, 1981, p. 28), continuou destacado nas pinturas de artistas até os séculos XIX e XX.
A partir dessa historiografia imagética, você percebeu como a maneira de ver e transparecer a criança vai mudando no decorrer dos séculos a partir da família e dos ideais de sociedade e políticos da época?
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
De acordo com Rosa (2010), a palavra putto advém do latim putus, podendo também ser traduzida do italiano puttus. Para além de caracterizar uma forma de arte da Idade Moderna, na Itália, a palavra tem relação direta com o cupido, deus grego do amor, sendo suas imagens relacionadas. Para mais informações, consulte o livro "A Sombra de Orfeu: o neoplatonismo renascentista e o nascimento da ópera", de Ronel Alberti da Rosa (2010).
Fazendo uma breve compilação do que estudamos neste subtópico, em um primeiro entendimento, as crianças eram pequenos adultos e inseridos na sociedade para aprenderem a partir da experiência. E a influência da Igreja, ainda forte, refletia em imagens adultizadas de crianças nas pinturas.
Posteriormente, em um entendimento mais angelical do ser criança, suas características foram ficando mais ternas nas pinturas, e sua figura representada por anjos e pelo menino Jesus.
O retrato de crianças mortas do século XVI (ARIÈS, 1981, p. 58) aparece já demonstrando uma maior preocupação com os pequenos e com o sentimento em relação à sua perda, à medida que vai se extinguindo a indiferença sobre a vida da criança. E como já vimos, o putto aparece como forma de uma volta à era grega, com uma representação do nu infantil, já com feições mais singulares e próprias de criança, sendo ela mesma o objeto decorativo.
Destarte, pode-se afirmar que o sentimento de infância se inicia mais fortemente em fins do século XVII, com sua trajetória reconhecida a partir da iconografia dos séculos XV e XVI (BARBOSA, 2010), ou seja, do caminhar de uma criança centrada no adulto até ser ela o centro das pinturas. É a iconografia caracterizando a sociedade e a política no decorrer dos séculos.
No próximo tópico, antes de explorarmos a trajetória da infância no Brasil, trataremos do denominado “sentimento de infância”, que foi responsável por desencadear uma visibilidade da infância no mundo, abrindo as portas para a concepção desse conceito que temos atualmente.
1.3   O sentimento de infância
A partir do que estudamos nos tópicos anteriores, você pôde perceber que o sentimento de que a criança é um ser diferente do adulto, com particularidades e necessidades próprias, é relativamente novo.
Muitos caminhos foram trilhados, e muitas mudanças sociais e políticas ocorreram até que a sociedade e as famílias enxergassem a criança fora de suas limitações físicas e seus padrões biológicos, como um cidadão com direitos e deveres diferentes dos adultos.
Logo após o nascimento, os bebês eram tratados como bibelôs e protegidos do mundo a partir do entendimento de sua imaturidade, fragilidade e necessidade de cuidados. Porém, mal começavam a andar, essa fragilidade não mais existia, e se considerava que essa criança estava apta a vivenciar o mundo; era rompida abruptamente a paparicação, para dar lugar ao momento adulto.
Essa convivência acarretava aos pequenos vivências além de suas compreensões, em um entendimento de que, como seres vazios, deveriam aprender no dia a dia como crescer e lidar com as situações. Casavam-se cedo, com cerca de 12 ou 13 anos de idade, e ficavam à sua própria sorte.
As famílias, por sua vez, se abstinham de seus filhos ainda muito pequenos, delegando-os a pajens ou a outras pessoas, até que chegasse a hora de eles mesmos terem suas próprias famílias e, então, perpetuarem essas atitudes.
Com o tempo e as mudanças em relação à política, à Igreja e ao entendimento de si como indivíduo, essas relações com a infância também foram se modificando, dando abertura ao sentimento de infância, ou seja, a um entendimentodas particularidades infantis e suas diferenças em relação aos adultos.
1.3.1 Os dois sentimentos da infância
Parafraseio Ariès (1981) no título deste subtópico, pois são dois os sentimentos em relação à infância que distinguimos no transcorrer histórico: aquele direcionado à criança muito pequena e, posteriormente, o que vai dar lugar ao que conhecemos hoje, o sentimento de uma infância dentro do entendimento da criança como ser particular.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
Colin Heywood (2004) foi um crítico severo à literatura de Ariès, referente a uma demarcação de um sentimento de infância histórico. Por sua vez, tratou de defender a busca de diferentes concepções sobre a infância no decorrer historiográfico, em seu livro Uma História da Infância: da idade média à época contemporânea no ocidente, cuja resenha (KUHLMANN JR., 2005) está disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n125/a1435125.pdf>.
 
Para iniciar as explicações, você precisa ter em mente que “[o] sentimento de infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem” (ARIÈS, 1981, p. 99). Faz-se importante essa diferenciação se atentarmos para o fato de que, mesmo na Idade Média, existia uma afeição pela criança recém-nascida, que era tratada com mimos, no que Ariès chamou de “paparicação”. Contudo, essa época é igualmente marcada pelo entendimento da criança como um vir a ser, sem voz ativa e sem distinção quando inserida no mundo adulto; se ela sobrevivesse à fragilidade da pequenice, se confundiria com os adultos.
São vários os relatos dos sentimentos para com a infância durante essa pequenice, caracterizada pelo período em que as crianças ainda eram consideradas “fofas” e divertiam os adultos. Esse sentimento era compartilhado, especialmente, entre as amas e as mães, as principais responsáveis por cuidar dessas crianças tão pequenas.
De acordo com Ariès (1981), essa paparicação foi relacionada ao tratamento direcionado a macacos por Montaigne, que não entendia como as pessoas poderiam tratar as crianças como passatempo. Porém, sua intenção não era diferenciar as crianças dos animais, dando-lhes uma personalidade e particularidade únicas, mas Montaigne considerava que “[...] as pessoas se ocupavam demais das crianças” e não valia a pena perder tanto tempo com elas (ARIÈS, 1981, p. 101).
Dessa forma, pode-se afirmar que o sentimento de paparicação em relação às crianças pequenas não era comum a toda a sociedade, e um sentimento contrário, o de exasperação, ajudou no processo de separação das crianças dos adultos em determinados momentos, como à mesa. Nesses casos, a separação se dava, muitas vezes, exatamente para evitar esse tipo de trato exagerado com as crianças. Cabe mencionar que a paparicação acontecia tanto entre famílias burguesas quanto entre as do povo.
O outro sentimento de infância que se forma durante o século XVII (ARIÈS, 1981, p. 125) – e se estende até os dias de hoje – é o “entendimento da particularidade das crianças” não mais na forma de distração ou brincadeira, mas com a conotação de uma preocupação moral e um interesse psicológico.
É nesse momento que surgem textos sobre a psicologia infantil, por exemplo o Ratio Studiorum dos jesuítas (FRANCA, 1952), na tentativa de entender como o cérebro da criança funciona, procurando dar a ela uma educação de acordo com seu entendimento e sua compreensão. No próximo subtópico, você entenderá melhor as mudanças ao longo dos tempos e como elas influenciam a visão sobre a infância.
1.3.2 Grandes mudanças sociais sugerem mudanças para a infância
Como você pôde notar a partir do que estudou até aqui, os séculos XVI e XVII são marcados por mudanças sociais, políticas e culturais profundas. A tendência, nesse momento, era a de formar indivíduos racionais e cristãos, com o olhar para o infante como tábula rasa, planta que deveria ser regada para render bons frutos, crianças honradas. Deve-se cultivar a docilidade das crianças, entendendo-as com seres frágeis, dependentes e inocentes.
O tratamento e entendimento das crianças pela sociedade sempre esteve diretamente ligado às mudanças estruturais da própria sociedade no decorrer dos tempos; sendo assim, tais alterações serão vistas de forma concomitante.
[...] como tendência dominante, a ruptura, a mudança, a transição do modo de produção feudal ao incipiente capitalismo, com todas as transformações que isto implica na mentalidade, nas crenças, nos valores, nas formas de vida das pessoas e das sociedades. Pode-se dizer, de forma esquemática, que se opera uma alteração na ordem socioeconômica, política, religiosa e cultural (GASPARIN, 1994, p. 32).
Dessa forma, com essas mudanças, tanto sociais quanto no que se referem à educação, as crianças deveriam ser resguardadas e ensinadas a como se portarem socialmente, o que deveriam falar, o que deveriam vestir; não havia mais o sentimento de adulto em miniatura, mas sim uma particularidade civilizatória, a educação para a civilização. Aqui, pode-se fazer uma comparação com a figura do “bom selvagem” de Rousseau (1978), baseada no mito do bom selvagem, com o ideário de que o homem nasce bom. Sendo assim, a criança seria a figura inocente, e caberia à sociedade e à família edificá-la ou corrompê-la.
A reprodução da pintura a seguir retrata essa infância vigiada.Deslize sobre a imagem para Zoom
 Figura 6 - Retrato de uma Família, de Adriaan de Lelie. Fonte: Everett – Art, Shutterstock, 2017.
Observando a imagem apresentada, em contraposição às pinturas analisadas anteriormente, nota-se que os infantes eram retratados de forma a se diferenciarem dos adultos – com feições mais finas e delicadas – e junto às suas famílias, que tinham a função de cuidar de suas crianças e moralizá-las.
Neste momento, passou a haver a preocupação com a moralidade, a disciplina e os costumes. Desse modo, as crianças não mais poderiam adentrar as rodas dos adultos e ficar imersas em seus mundos corruptíveis, era necessário salvá-las. Para tanto, a educação e a família eram as instituições que deveriam se responsabilizar pelas crianças e perpetuar nelas os códigos morais devidos.
Foi exatamente nessa época que aumentou o número de asilos, colégios, cadeias, hospícios, todas instituições com a intencionalidade primeira de cercear os corpos (FOUCAULT, 1987).
O interesse pelo corpo, no século XVII, vinha por meio de objetivos morais, “[...] um corpo mal enrijecido inclinava à moleza, à preguiça, à concupiscência, a todos os vícios” (ARIÈS, 1981, p. 105). Aos corpos enfermos eram ministrados cuidados para que não parecessem mais tão enfermos, dando-lhes boa aparência; aos velhos e loucos, quando cuidados médicos e familiares já não adiantavam para a inevitável rigidez e falta de manipulação de seus corpos, cabia os asilos e hospícios; aos marginais, que ousavam desobedecer a leis tão severas como as vigentes à época, restavam as prisões, onde não mais eles poderiam ferir a nobre e honrada sociedade.
Assim, seguindo a mesma dinâmica, crianças e adolescentes, para aprenderem as regras sociais e a se portarem perante outros, deveriam frequentar as escolas, locais montados exatamente para o cerceamento dos corpos, os quais, rígidos em carteiras e podendo falar e se movimentar apenas mediante ordens, aprendiam a ser igualmente honrados, racionais e bondosos, tais quais os adultos de sua sociedade.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
No dia 6 de outubro de 2015, a organização do Museu de Arte de São Paulo (MASP) realizou um seminário dentro do próprio museu para tratar sobre a história da infância no transcorrer dos séculos sobre as mais diversas formas – social, política, cultural e iconográfica. No evento, autoridades em educação como Mary Del Priore, Maria Filomena Gregori e Ana Lucia Lopes apresentaram suas pesquisas e perspectivas sobre o tema. Você pode ver o vídeo, intitulado Seminário História da Infância, disponível no endereço: <https://www.youtube.com/watch?v=mAIDHP5hufY>.Seja de forma aceitável ou não, perante o olhar da sociedade atualmente, as crianças ganharam notoriedade e um olhar de diferenciação social a partir do século XVII, já na Idade Moderna (SILVA, A., 2007, p. 35), e esse foi o primeiro passo para essa notoriedade evoluir para a forma que tem nos dias de hoje. O fato de a criança ter assumido um lugar central dentro da família e da sociedade séculos atrás foi crucial para que ela ganhasse, na atualidade, o status de ser social, cultural e histórico.
Por fim, passaremos ao estudo da trajetória da infância no âmbito da sociedade brasileira, procurando analisar suas particularidades.
1.4 Concepções de infância, educação, cultura, conhecimento, diversidade, cidadania e identidade: a infância no Brasil
Nesse tópico você compreenderá de que forma a sociedade brasileira lidou com as concepções de infância e alguns conceitos correlatos ao longo dos tempos, a partir de mudanças externas, internacionais; e internas, de caráter nacional.
O Brasil é marcado por uma história particular da infância em seus primeiros tempos. Com o início de sua colonização no ano de 1500, (PEDRO, 2008, p. 66), em meados do século XVI já existia na Europa uma maior preocupação com a criança e já se caminhava para o sentimento de infância, que será a raiz do que conhecemos hoje como um entendimento de sua particularidade.
Porém, no Brasil, houve uma colonização de cunho religioso, com os jesuítas, que trouxe modelos infantis baseados na cultura europeia, na intenção de educar e catequizar as crianças indígenas, as quais em nada se pareciam com o ideário europeu.Deslize sobre a imagem para Zoom
 Figura 7 - Ruínas de uma igreja dos jesuítas em São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul. Fonte: Jordan Adkins, Shutterstock, 2017.
A partir da imagem anterior, é possível vislumbrar a magnitude de uma construção religiosa à época jesuítica no Brasil, que demonstra a existência de um projeto religioso para o país, baseado na importância da catequização dos indígenas e das crianças para a Igreja e a sociedade.
Conjuntamente a isso, havia as crianças órfãs, abandonadas e migrantes, com alto índice de mortalidade, com as quais os jesuítas não conseguiam lidar. Essas crianças eram abandonadas à própria sorte nas ruas e, para diminuir essas mortes e as situações de abandono, foram instaladas rodas dos expostos, locais onde as pessoas deixariam suas crianças sem terem suas identidades reveladas e, ao mesmo tempo, garantindo que os recém-nascidos não ficassem nas ruas para morrerem de fome ou devorados por animais.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
A roda dos expostos consistia em um cilindro de madeira, giratório, instalado nas portas dos conventos e das casas de misericórdia. O sistema garantia o anonimato de quem abandonasse a criança: o bebê era posto na roda e, ao acionar a campanhia, a pessoa do outro lado girava a roda e o acolhia. No Brasil, a primeira roda dos expostos foi instalada na Santa Casa de Misericórdia de Salvador (BA), em 1726 (MARCILIO, 1997). Para saber mais, acesse o endereço: <http://almanaque.weebly.com/roda-dos-expostos.html>.
Porém, tão logo findou-se esse processo da roda, novamente as crianças começaram a viver marginalizadas, o que levou a uma cobrança do Estado, através da sociedade, por maneiras de lidar com essas crianças.
Surgiram, assim, as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEM), Juizados de Menores e outros estabelecimentos, na tentativa de garantir à criança limpeza, saúde e educação, além de (re)integração social.
A partir de 1988, com a Constituição, essas crianças começam a ter resguardada uma gama maior de direitos e, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) surge para fazer valer legalmente esses direitos (BASTOS, 2012). Destarte, apenas no século XX as crianças começam a ser entendidas e respeitadas em suas particularidades no país.
Pode-se afirmar, então, que também no Brasil o tratamento à criança esteve diretamente relacionado às mudanças sociais e estruturais da sociedade, desde seu processo de colonização até os dias de hoje, conforme você verá na sequência.
1.4.1 Os jesuítas, a roda dos expostos e a assistência à infância
Neste subtópico você aprenderá um pouco mais da história do Brasil, passando pela intervenção dos jesuítas, pela criação da roda dos expostos e pelos mecanismos de assistência à infância.
O plano dos jesuítas, no que se refere à educação da criança, era civilizatório, conhecido como modelo pedagógico de colonização jesuítica, divulgando a fé cristã e “moldando” os jovens. Seu trabalho era feito especialmente com os filhos dos indígenas, mas também era destinado à criança desvalida.
Deve-se ter em conta que também havia as crianças filhas dos escravizados, que, por sua vez, não tinham direito à educação ou a cuidados especiais, sofriam com a mortalidade, os abusos e maus-tratos sem serem tidas como pessoas ou seres sociais. Porém, como estas não eram abandonadas, pois eram consideradas “propriedade”, o poder público não se via obrigado a preocupar-se com elas e assegurar-lhes os direitos.
As crianças pobres que não eram educadas pelos jesuítas, nem cuidadas ou postas para trabalhar por suas famílias, eram abandonadas nas ruas e igrejas, ficando à própria sorte. Nessa época surgem as Casas de Misericórdia, e um mecanismo medieval – conforme mencionado anteriormente – conhecido como roda dos expostos, no qual as pessoas poderiam abandonar seus filhos e suas filhas anonimamente.
De acordo com Veiga (2007) o objetivo da irmandade não era educar as crianças, mas acolhê-las e encaminhar as que tinham de zero a 3 anos de idade para amas de leite pagas que amamentavam em domicílio ou no próprio hospital. Se ninguém se responsabilizasse por elas, estas retornavam para a casa de assistência e lá permaneciam até os 7 anos de idade, quando eram entregues às câmaras municipais e ficavam expostas, em especial ao trabalho escravo ( POLETTO, 2012, p. 3).
Porém, essas rodas foram amplamente criticadas por higienistas, e acabaram por deixar de existir. Posteriormente a isso, essas crianças, que antes eram deixadas nas rodas, continuaram sendo abandonadas, dessa vez novamente nas ruas, e acabaram por se tornar marginalizadas e visadas por vadiagem.
Então, a sociedade começa a cobrar do Estado uma solução para esse problema; também os higienistas começam a cobrar que essas crianças deveriam ter acesso a cuidados como higiene, limpeza, saúde e educação.
A partir dessas cobranças, o Estado se vê impelido a agir. Assim, em fins do século XIX, no Brasil Império, surgem “[...] os primeiros asilos, mantidos pelo governo imperial, com o objetivo de ministrar o ensino elementar e profissionalizante a esse público, mascarando, dessa forma, o intuito real de segregação dos menores, retirando-lhes do convívio social.” (POLETTO, 2012, p. 4).
No que se refere à história do Brasil, três são os períodos que marcam a periodização tradicional e dividem a história do país, segundo Fausto (1996):
· Brasil Colônia – reconhecido entre o início de colonização (1500) até a sua independência, em 1822;
· Brasil Império – inicia-se em 1822, quando da Independência até a proclamação da República, em 1889;
· Brasil República – desde 1889 até os dias de hoje.
A partir da segunda metade do século XIX, se estabelece a “obrigatoriedade de ensino para crianças acima de 7 anos de idade” (SHUELER, 1999, p. 5). Então, essas crianças abandonadas não poderiam mais trabalhar, mas os municípios deveriam se responsabilizar por sua educação ou por encaminhá-las para as chamadas casas de família, para que pudessem se estabelecer e ter chances de sucesso social, pelo que conhecemos hoje como adoção.
Note que essas medidas de educação e cuidado eram direcionadas às famílias pobres, já que as crianças de famílias mais abastadas tinham acesso, desde fins do século XIX, aos jardins de infância, nos modelos dos jardins alemães de Friedrich Froebel (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007), nos quais as crianças já eram entendidas como seres sociais e recebiam uma educação voltadaà descoberta e expansão de habilidades. “O primeiro Jardim de Infância Brasileiro data de 1875” (MENDES, 2015, p. 99), no Colégio Menezes Vieira, no Rio de Janeiro.
Fique atento, o próximo subtópico abordará os desdobramentos dessa história no século XX.
1.4.2 Defesa da infância e amparo legal
Somente no século XX se iniciou uma preocupação com as particularidades das crianças, e a infância começou a ser discutida (ANDRADE, 2010). Cabe mencionar que, em um primeiro momento, por parte do Estado, gerou-se mais uma inquietude sobre o que fazer com as crianças abandonadas e marginalizadas do que necessariamente uma preocupação com seu bem-estar e segurança. De qualquer forma, esse primeiro passo, dado graças a uma cobrança da sociedade, fomentou e impulsionou discussões e atitudes sobre a infância no país.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
O texto “Diferentes Concepções da Infância e Adolescência: a importância da historicidade para sua construção”, de Ana Maria Frota (2007), trata sobre diversas concepções de criança e adolescência ao logo do transcorrer histórico, evidenciando o contexto social, político e cultural no qual foram sendo construídas essas concepções. Você pode ler em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812007000100013&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>.
Em 1922, houve o primeiro Congresso Brasileiro de proteção à infância, e institucionalizaram-se os asilos como casas correcionais. Em 1924, o Conselho de Assistência e Proteção dos Menores foi regulamentado, e em 1941, criou-se o Serviço de Assistência a Menores, ambas com caráter corretivo, de forma a institucionalizar as crianças de rua ou menores abandonados. Nessa época, o termo “menor” já era amplamente usado para caracterizar a criança pobre.
Durante o período de Ditadura Militar no Brasil, os menores marginalizados eram tratados de forma punitiva, e as instituições que os recebiam – como a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), criada nesse período – tinham toda a intenção de corrigir e cercear as crianças, espelho de um governo autoritário e repressivo com todas as parcelas da população.
Havia leis que garantiam às crianças educação, instrução e bem-estar, mas essas instituições raramente ofereciam quaisquer desses itens a essas crianças. Somente após o término da ditadura e várias manifestações da população em defesa de seus direitos e de educação de qualidade para suas crianças, a Constituição Federal (1988) foi promulgada e, pela primeira vez, garantiu-se a educação como um direito social que deve ser assegurado a todos os indivíduos, sendo dever do Estado e da família. À criança pequena é garantida a educação infantil em creches e pré-escolas.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
Moysés Kuhlmann Jr. é docente da Unisantos e pesquisador sênior da Fundação Carlos Chagas. Coordena a página “História da Educação e da Infância”, que disponibiliza fontes documentais digitalizadas, no portal da Fundação Carlos Chagas. Editor-chefe do periódico Cadernos de Pesquisa e notório pesquisador sobre a história da infância no Brasil, seus textos são referência obrigatória para os estudiosos da criança e da infância. Informações retiradas no currículo Lattes do professor Moysés, disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4797830T4>.
Em 1990, mais um passo foi dado em direção à garantia de direitos das crianças e adolescentes, a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
Nesse estatuto consta a preocupação e obrigatoriedade legal de garantir às crianças e aos adolescentes bem-estar e direitos ligados a todos os aspectos de sua vida e suas vivências, permitindo a eles serem e estarem crianças e jovens de forma digna, além de serem tratados como indivíduos participantes da vida em sociedade e cidadãos com direitos e deveres.
Em 1996 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei no 9.394 (BRASIL, 1996), que delegou obrigatoriamente, ao estado, a educação de crianças em idade escolar e de jovens, e, ao município, a educação das crianças pequenas, salvo algumas exceções. 
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
Apenas após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em 1996, se tornou obrigatório nas escolas haver profissionais habilitados para o trabalho com crianças pequenas. Ou seja, apesar de já existirem discussões sobre a importância da educação para crianças pequenas desde o início do século XX, e inúmeras concepções de educação sendo mais amplamente disseminadas desde fins da década de 1960, apenas em fins do século a legalidade alcançou as discussões e a literatura.
Além disso, há uma preocupação com o direcionamento de verbas para garantir o mantimento de uma educação de qualidade que abranja toda a população, seja através da União, seja dos estados, seja dos municípios.
A LDB, na mesma direção do ECA, situa a criança como “[...] um sujeito ativo, em pleno desenvolvimento social e histórico que, como tal, marca e é marcado por uma determinada cultura” (PIERRI, 2009, p. 1). Sendo assim, amplia-se uma concepção de criança e infância condizentes com o que se acredita até hoje, e uma educação voltada à escuta dos quereres e saberes dessas crianças, com o intuito de dar voz aos pequenos e, a partir daí, ampliar seu repertório de aprendizagens dentro de uma perspectiva de respeito à cultura em que esses menores estão inseridos.
Para entender melhor, veja o exemplo descrito no caso a seguir.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
Imagine-se como professor/professora em uma sala de crianças com idade de 4 anos, em uma escola pública de educação infantil. Você leva seus alunos para o parque. Lá, os deixa livres para brincar, explorar e se relacionar com os colegas à vontade; seu papel é o de observador/observadora e mediador/mediadora das ações, quando necessário. Em determinado momento, você vê um grupo de crianças brincando de casinha e as escuta estabelecendo papéis de quem é o pai, quem é a mãe e quem são os filhos. Com isso, percebe que há meninos querendo ser mãe, meninas querendo ser pai e cada um lidando com os papéis – seus e dos demais – de acordo com o que dita a sociedade e à sua maneira: a menina, que é o pai, vai trabalhar, o menino, que é a mãe, fica em casa cuidando dos filhos.
O papel do professor, nesses momentos, é lidar com a situação de forma a respeitar a diversidade e os diferentes papéis exercidos na sociedade e, a partir do aprendido neste capítulo, respeitar a criança como ser social e histórico que age sobre sua cultura e a influencia tanto quanto é influenciada por ela. Dessa forma, deve-se chamar as crianças – posteriormente, e não durante a brincadeira – para tratar sobre o assunto da sexualidade e da família com base no que as crianças sabem e, a partir daí, ampliar conhecimentos, sem estabelecer verdades e sem preconceitos ou uso de religiosidade ao abordar o tema.
Como você pôde perceber, a trajetória do entendimento e respeito à infância no Brasil foi – e tem sido – longa, com início coincidente com o período de sua colonização pelos europeus, a partir do século XVI. Até fins do século XX, muitos processos ocorreram nesses mais de 400 anos para se alcançar um resguardo legal pelo Estado do respeito à infância e à criança no país. Entretanto, você deve levar em consideração que essa exigência não chega por todos os confins deste imenso país, e nem alcança todas as crianças; é notória, ainda, a quantidade de crianças analfabetas, fora da escola, trabalhando ou em situação de risco. Porém, isso já é uma outra história, que diz respeito à implementação efetiva desses direitos, uma continuidade que faz parte dos desafios de uma educação para todos.
Síntese
Concluímos o estudo relativo à história da infância. Agora você já sabe como se deu a construção do sentimento de infância, e a trajetória entre o entendimento desse momento da vida como particular do indivíduo até o respeito e a obrigatoriedade legal de assegurar às crianças o direito à infânciae de ser criança.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
· entender o sentimento de infância como uma construção social;
· aprender que a ideia de que criança é um ser diferente do adulto com particularidades e necessidades outras é relativamente nova;
· compreender que o entendimento do que é ser criança está diretamente ligado às mudanças sociais, políticas e culturais da sociedade;
· conhecer algumas leis e instituições que regeram e regem a educação e o bem-estar de crianças e jovens no Brasil;
· identificar que o Brasil teve sua própria trajetória em relação à infância e que essa história ainda está sendo contada.
INFÂNCIA NA HISTÓRIA E NA CULTURA CONTEMPORÂNEA
CAPÍTULO 2 - CRIANÇA PRODUZ CULTURA?
Suellen Irene Pereira Pierri
Introdução
Você já parou para pensar sobre a infância hoje? Será que a criança de hoje é diferente da de ontem e da que virá nos próximos anos? Quando pensamos em cultura, temos que levar em consideração que ela é um organismo vivo que está sempre mudando e tomando rumos outros a partir das pessoas que vivem suas vidas de determinadas maneiras e pensam de determinadas formas. Todas essas falas e vivências vão se entrelaçando e contando a história de cada um, ao mesmo tempo em que contam a história de uma comunidade ou de um conjunto de pessoas. Mas será que a influência dos que vieram antes de nós e daqueles que vivem conosco pode mudar toda uma conjuntura espaço-temporal de forma a influenciar os indivíduos em uma escala ainda maior do que imaginamos? O antropólogo Lévi-Strauss (1976, p. 19) afirma que cultura “[...] é este conjunto complexo que inclui conhecimento, crença, arte, leis, costumes e várias outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Dessa forma, pensar na criança como um indivíduo passando por mudanças no decorrer dos tempos, e a partir da influência das pessoas que vieram antes e convivem agora para juntas transformarem o amanhã, é premissa que se prova a partir de pesquisas antropológicas, sociológicas e histórias contadas entre gerações. Neste capítulo, você entenderá melhor as leis que regem a infância no país, assim como conhecerá o conceito de cultura em que se baseiam as literaturas sobre a infância, e de que forma a interação entre as gerações influencia a criança e a infância. Além disso, aprenderá que a cultura também é constituída por outros conceitos como educação, diversidade, cidadania, identidade, e que ela se constrói a partir das relações entre as pessoas dos diferentes grupos etários, seus contextos e suas relações com o meio. Bom estudo!
2.1 Infância na contemporaneidade a partir das crianças e dos adultos (gerações)
Quando tratamos de conceitos e concepções sobre um determinado tema, temos de levar em conta que não há uma verdade única, mas sim teorias e pensamentos nos quais as pessoas acreditam, se identificam ou aceitam – e que acabam por transformar essas ideias em verdades.
Bourdieu (1998) alerta-nos sobre a “ilusão biográfica”, ou seja, para o entendimento de que a unidade do “eu” de cada um nada mais seria do que sua apresentação sociocultural. Dessa forma, seríamos influenciados, de forma consciente ou não, por conceitos, ideias, pensamentos e atitudes que ocorrem em conjunto com os outros com os quais nos relacionamos, e é a partir disso que recriamos nossos próprios conceitos, ideias, pensamentos e atitudes.
Nesse sentido, podemos concluir que a criança é o indivíduo que também ouve, entende e cria conceitos, já que está imersa e atuante na cultura desde o nascimento. Essas ressignificações da criança, ou seja, sua maneira de ver, entender e dar sua própria significação aos fatos, é o que também perpetua as constantes mudanças que ocorrem na sociedade.
A infância, nessa perspectiva, refere-se a uma determinada classe de idade, porém revestida pelo conceito de geração, num viés histórico e também relacional, na diferenciação com as outras classes de idade, ou seja, outras gerações. A partir desses pressupostos, a infância é considerada uma categoria geracional de caráter relacional, pois é histórica e socialmente construída, por meio da participação das crianças em suas culturas e de sua geração com as dos adultos, instâncias mutuamente entrelaçadas.
Note que, por meio dessa análise, entende-se que as crianças vivem suas vidas como parte de um grupo social – a geração –, que por sua vez, faz parte de uma estrutura social mais ampla: a sociedade. Nesse âmbito, a infância pode ser reconhecida como a fase de descobertas do indivíduo, um período em que a criança, desde que nasce, é apresentada e inserida em um grupo cultural, com costumes e ideias específicas do contexto em que vive.
Assim, desde que nasce, o indivíduo é inserido em um grupo social, é um integrante da sociedade cuja cultura, costumes e valores lhe são passados por aqueles que nela convivem, em uma relação primeiramente de transmissão, realizada pelos demais integrantes do grupo, como seus familiares e outras pessoas. À medida que o indivíduo convive com seu grupo cultural, também recria as influências e os hábitos recebidos, estabelecendo relações de recriação e trocas.
A partir dessas informações e trocas, que são oriundas do convívio com o grupo cultural no qual estão inseridas, as crianças também vão se constituindo e se reconhecendo como cidadãos com direitos e deveres.
Nesse sentido, você consegue perceber a importância do outro na constituição do ser criança e do viver a infância? Isso porque a criança se constitui a partir das múltiplas relações que estabelece com as pessoas às quais se relaciona, e com elas determina formas de interação com o mundo.
Observe o exemplo ilustrado pela figura a seguir.
Deslize sobre a imagem para Zoom
 Figura 1 - Os vínculos com a criança permitem que ela estabeleça relações de afeto desde os primeiros anos de idade. Fonte: Sunnystudio, Shutterstock, 2017.
Apoiada na perspectiva das pessoas que fazem parte de seu convívio, a criança vai estabelecendo formas de criar seus próprios entendimentos e suas concepções sobre o mundo.
Dessa maneira, quando se pensa na concepção de infância hoje, não se pode tratá-la como momento isolado, já que “[...] não pode ser entendida fora da relação com a vida adulta, configurando-se também como uma categoria de caráter relacional.” (SALGADO, 2014, p. 67). Esse caráter relacional se estende ao convívio entre a criança e todos aqueles que compartilham sua vida social, como representa a figura a seguir.
Deslize sobre a imagem para Zoom
 Figura 2 - A infância é cercada de diversidade de ideias, pessoas, histórias, permitindo inúmeras possibilidades relacionais para a criança. Fonte: Rawpixel.com, Shutterstock, 2017.
Você pode imaginar que a escola, por sua vez, é o local em que as relações estabelecidas são as mais diversificadas, é onde a criança estabelecerá, obrigatoriamente, vínculos com várias pessoas à sua volta – das mais variadas idades –, permitindo relações intergeracionais que irão agregar conhecimento ao seu entendimento de mundo.
O “fazer-fazendo”, que acontece na escola e na vida cotidiana das crianças  a partir da relação que elas estabelecem com o outro, deve ser levado em conta ao se construir o currículo escolar (MARTINS FILHO, 2013). Assim, deve-se garantir à criança que seja ela mesma na escola, mas em interação com os outros alunos da sua faixa etária e com os professores. A proposta pedagógica, portanto, deve levar em consideração os conhecimentos prévios e os saberes trazidos pelas crianças, considerando-se seu contexto social e cultural.
De acordo com essa visão da infância, deve-se criar, então, situações de aprendizagens nas quais as crianças, a partir dos conhecimentos adquiridos em seu meio social, poderão ampliar e reconstruir conceitos e habilidades. Essas vivências devem também levar em consideração as aprendizagens coletivas, entendendo que é coletivamente e nas relações entre as pessoas que o conhecimento se amplia.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
No filme Mogli: o menino lobo, ficaevidente quanto se aprende no contexto natural e/ou cultural em que se vive a infância. Depois de ter sua vida ameaçada por um temível tigre, Mogli, um menino criado por lobos, deixa o seu lar na selva e parte em uma viagem de autodescoberta, guiado por uma pantera austera e um urso alegre e independente. Para assistir à versão dublada, acesse o endereço: <http://filmesonlinegratisahd.com/mogli-o-menino-lobo-dublado-online/>.
Dessa forma, é possível compreender quanto a multiplicidade de encontros, trocas e experiências durante a vida da criança – comcoetâneos, familiares, professores e pessoas das mais diversas idades, ou seja, trocas intergeracionais – agregam conhecimento de mundo e permitem à criança se apropriar da sociedade a partir da realidade em que vive. Ademais, note quanto a escola é local privilegiado para se estabelecer essas trocas, seja em momentos de escolha entre as próprias crianças, seja a partir da mediação do professor, como você pode inferir a partir do exemplo de relação que consta na figura a seguir.
Deslize sobre a imagem para Zoom
 Figura 3 - A professora também é quem faz a mediação entre o conhecimento dos alunos e as propostas de ensino da escola e oportuniza a troca de conhecimentos entre os atores sociais. Fonte: ESB Professional, Shutterstock, 2017.
Quando tratamos da importância da mediação do professor, é conveniente ressaltar que ele é mais um dos mediadores entre a criança e o conhecimento, e que este se faz também a partir das relações estabelecidas entre a criança e todos os outros com os quais ela faz contato durante sua vida, permitindo a elacompreendero mundo a partir de inúmeras perspectivas.
[...] é básico que a escola, as crianças, os jovens e os adultos recuperem, aprendam, descubram a paixão pelo conhecimento, porque só o ser humano pode conhecer e, nesse processo – de construção de conhecimento – o papel do outro e da coletividade é fundamental (KRAMER; LEITE, 1998, p. 20).
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
No livro “As Marcas do Humano: as origens da constituição cultural da criança na perspectiva de Lev S. Vigotski”, você pode conferir como o professor Angel Pino (2005) explana sobre a constituição do ser cultural e social da criança desde seu nascimento e a influência do outro no entendimento de mundo da criança.
É muito importante que você compreenda, como já explicamos, que a criança traz seus conhecimentos prévios e diferentes de acordo com o seu grupo social. Estando na escola, ela terá contato com outras crianças com diferentes conhecimentos, além do contato com os saberes das ciências e os conceitos científicos. Assim, na escola, através da mediação dos professores e das outras crianças, serão construídos outros conhecimentos, a partir daqueles que a criança já carrega consigo. É na troca que está o entendimento, a partir do outro e com o outro os saberes se entrelaçam e se multiplicam, dando forma a uma cultura multifacetada e viva.
No próximo tópico, você continuará a aprender sobre os diferentes modos de viver a infância, bem como os modos de se estabelecer relações com as crianças no contexto geracional.
2.2 Infância na contemporaneidade a partir das experiências das crianças e dos adultos (gerações)
Quando tratamos do conceito de infância, nos referimos também à maneira pela qual a sociedade vê essa criança e ao que espera dela.Nesse sentido, se entrecruzam as expectativas das diferentes gerações: das crianças e dos adultos.
De acordo com Shultz e Barros (2011, p. 139) “[...] a infância é ligada diretamente às outras fases da vida e construída ao longo do tempo.” Dessa forma, relaciona-se com o entendimento que se tem também sobre as outras gerações ao longo da história e os papéis assumidos pelos integrantes de cada uma.
A partir desses pressupostos, podemos concluir que ser integrante da categoria geracional da infância indica assumir diferentes comportamentos e atitudes de acordo com o contexto histórico e cultural vivido. Nos itens a seguir serão exploradas mais detidamente a questão geracional e suas implicações.
2.2.1 Relações intergeracionais
Como você já pôde perceber, as relações intergeracionais são múltiplas e inevitáveis quando pensamos na criança e em seu círculo social. Quando a criança é muito pequena, essas relações se limitam a seus familiares e amigos próximos;mas, conforme vai crescendo, as suas conexões aumentam, e a criança começa a frequentar outros lugares e a conhecer outras pessoas.
Cada pessoa é produto das relações que estabelece desde o nascimento, entre as pessoas com quem convive em casa, na escola, no trabalho e nos locais que frequenta. Seja por muito, seja por pouco tempo, cada interação que ocorre durante a vida acaba por montar um pouco do que forma cada indivíduo. “[A] socialização é um termo amplo que indica que o ser humano, desde que nasce, não apenas está sujeito a influências da sociedade de que participa e ajuda a construir, como também a influencia.” (MORAGAS, 1997, p. 101). Assim, cabe nos perguntarmos: de que forma se dão essas relações intergeracionais?
Dessa forma, o que acontece são interações baseadas em trocas e assimilação de regras de conduta e formas de viver em determinada sociedade. Essas trocas acontecem – ou deveriam acontecer – de forma que a transmissão de memórias e experiências permita que as várias gerações se respeitem e se compreendam em um processo recíproco de aprendizagens.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
No livro “Vidas Compartilhadas: cultura e relações intergeracionais na vida cotidiana”, de Paulo de Salles Oliveira (2011), você pode ter acesso a um estudo do dia a dia de crianças cuidadas por seus avós, nas classes populares. Esse estudo mostra o encontro de sujeitos sociais diferentes e o caminho que passam a construir juntos, buscando cultivar interações igualitárias, nos direitos e nos deveres.
Você pode imaginar como, para a criança, qualquer evento, a exemplo da ida para a creche, abre um novo mundo de possibilidades relacionais entre gerações, tanto com coetâneosquanto com adultos ou crianças mais novas ou mais velhas,e essas relações oferecem aprendizagem e ampliação de conhecimento de mundo da criança.
Assumindo a visão de que as crianças são seres sociais desde que nascem, vemos que elas continuam, na creche, sua busca por socialização com o outro, e essas relações devem ser otimizadas na instituição, de forma que se priorizem princípios baseados em respeito às diferenças, solidariedade e troca de experiências, ampliando o bem-estar entre as gerações, e garantindo que as trocas sejam feitas de forma constante e harmoniosa, em que todos ganham e doam seu conhecimento.Dessa forma, pode-se caminhar para uma sociedade mais igualitária, justa e respeitosa, tendo a instituição educacional como ponto chave desse caminhar.
Por tudo o que já expomos a respeito do tema, você deve ter em vista que essa troca deve ser via de mão dupla, na qual adultos, jovens, crianças e idosos compartilham experiências.Porém, é inegável o fato de que os papéis de cada envolvido na relação diferem, sendo que “há posições geracionais de uma geração sobre a outra” (LIBARDI, 2016, p. 53), ou seja, aos adultos e idosos cabe uma responsabilidade com a geração mais nova de jovens e crianças.Então, tanto nas instituições de educação quanto nas relações que se estabelecem em qualquer âmbito social, cabe aos mais velhos proteger os mais novos e passar a eles determinados conhecimentos.
Por outro lado, também deve ser permitido aos mais novos contribuir com a sociedade a partir daquilo que recebem dela, pois também os menores têm algo a compartilhar e aplicar perante as informações a que foram expostos. Consequentemente, essas relações intergeracionais devem ser baseadas em fatores de reciprocidade e interdependência, de forma que crianças, jovens, adultos e idosostroquem compreensões e entendimentos, cada um à sua maneira, dentro daquilo que veja como verdade, na percepção de que são muitas histórias e muitas verdades existentes.
2.2.2 A geração como um constructo sociológicoComo já expusemos brevemente, a questão das gerações e todas as implicações relacionais entre elas é um constructo sociológico. Essa afirmação se baseia na ideia de que há interações dinâmicas a todo momento entre as gerações, ou seja, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos se relacionam das mais diversas maneiras em suas interações (SARMENTO, 2005). No entanto, é importante destacar que em cada geração hápapéis constituídos socialmente no transcorrerhistórico.
É importante que você perceba que as dinâmicas intergeracionais acontecem quando os mais velhos trocam informações e conhecimentos com os mais novos, e estes os ressignificam.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
Sabemos que, paracrianças de quatro a cinco anos, todas as descobertas são interessantes, pois são movidas pela curiosidade pelas coisas do mundo, e que as brincadeiras têm valor simbólico a partir da tentativa de entender esse mundo que as rodeia.Numa escola pública, em sala de aula com crianças dessa idade, como um professor ou professora deve agir?
Nesse caso que trazemos, a professora está participando de uma conversa com as crianças, a quem eles fazem perguntas e explicam a partir do seu entendimento e de suas hipóteses sobre a metamorfose e o ciclo de vida das borboletas. Nesse momento, uma criança diz ter visto minhocas em sua casa e que elas ficam na terra.A professora aproveita essa fala e questiona sobre o ambiente em que vivem as borboletas e as minhocas. As crianças falam animadamente e escutam o que os colegas pensam sobre isso. A professora propõe que juntos possam descobrir mais informações e façam investigações. Dessa forma, a professora leva em consideração oque as crianças têm como hipóteses e também se propõe a criar condições de ampliar esses conhecimentos. É muito provável que, juntos, aprendam muito. 
Com base no exemplo analisado e no que já discutimos anteriormente, é importante que você perceba que as relações intergeracionais ultrapassam a transmissão de valores e conhecimento, agindocomo uma forma de se estabelecer a mediação entre diferentes conhecimentos, sendo as crianças respeitadas em seu processo de busca por esses conhecimentos. A professora não impõe o conhecimento, mas parte do interesse e da curiosidade das crianças. Tanto na escola quanto fora dela, as relações entre os indivíduos de diferentes gerações devem acontecer a partir do respeito pelo conhecimento do outro, buscando um convívio colaborativo e de trocas entre os envolvidos.
Como você pode perceber, a imagem a seguir ilustra a ideia de quanto as crianças podem participar da tomada de decisões e envolver-se em situações de aprendizagem.
Deslize sobre a imagem para Zoom
 Figura 4 - Crianças atuantes em sala de aula desenvolvem o convívio colaborativo. Fonte: Monkey Business Images, Shutterstock, 2017.
Além da relação intergeracional em si, você precisa ter em mente a existência de fatores externos que a influenciam. Deve-se levar em conta que a mudança de entendimento sobre o mundo, que também perpassa as gerações, é fator relevante para a troca de ideias intergeracional. Por outro lado, no mundo contemporâneo estão disponíveis elementos diferentes em relação a outras épocas; a tecnologia é um desses fatores e influencia diretamente as vivências diárias das crianças dentro e fora da escola: “Para as professoras, a tecnologia também aparece como um significativodiferencial entre a infância de sua geração e a das crianças hoje [...]” (SALGADO, 2014, p. 74). Esse fato precisa ser levado em consideração na mediação dos processos de aprendizagem.
Nesse sentido, entende-se que,pelo fatode as crianças e os jovens serem indivíduos que nasceram emum contexto com mais acesso a novos recursos tecnológicos, têm mais facilidade para utilizar computadores, celulares, tablets etc. do que os adultos.Assim, este é um desafio para o professor:que sejam implementadas propostas em que a tecnologia seja um recurso utilizado na escola, a fim de transformar informações em conhecimentos. 
Perceba que a tecnologia, então, não pode ser considerada apenas algo que separa gerações, mas também pode ser vista como uma ferramenta a partir da qual outras interações permitiriam aproximações.
Dessa forma, as relações intergeracionais, independentemente de seu tempo, são capazes de proporcionar uma aprendizagem recíproca que valoriza as diferenças e as histórias dos envolvidos.
No próximo tópico, você irá aprender mais sobre a infância como um direito, sabendo analisar criticamente esses direitos, assim como reconhecer a visibilidade social da infância e a criança como produtora de cultura.
2.3 Infância como um direito da criança
Ao entendermos que a visão do que hoje compreendemos por infância é uma construção histórica, podemos perceber quenão é estáticanem imutável. Nesse sentido, também os direitos relacionados às crianças foram constituídos ao longo de processos de defesa da infância.
Atualmente, temos a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, como os pilares legais dos direitos das crianças no Brasil. Mas será que essas leis protegem todas as crianças da mesma forma? O que pode ser feito para permitir aos pequenos gozarem desses direitos de maneira plena, como cidadãos que são desde o nascimento?
2.3.1 Visibilidade social da infância
Qual o papel social da criança na sociedade de hoje? Para responder essa questão, você precisa ter em mente que esse papel mudou consideravelmente conforme os anos e séculos foram passando. Assim, pode-se dizer de forma introdutória que, atualmente,pelomenos no mundo das ideias e teorias, a criança tem um papel atuante socialmente, ela é entendida como indivíduo participante da sociedade.
Observe a imagem a seguir antes de continuarmos a discussão.
eslize sobre a imagem para Zoom
 Figura 5 - A imagem revela uma criança que não tem direito à infância. Fonte: Gallery 3.0.9 (Chartres), Shutterstock, 2017.
Com base nesse sentimento de infância,histórica e socialmente construído, você podeobservar essa imagem e perceber que esse menino, aparentemente ainda tão pequeno, não está vivendo sua infância. O ato de pedir esmola leva a crer que esse menino, muito provavelmente, não frequenta a escola e não leva uma vida que o permita gozar de seus direitos comocidadão. Assim, sua cidadania, ao mesmo tempo que garantida por lei, está lhe sendo retirada, por motivos imbricados por questões sociais, econômicas e políticas.Sendo assim, o fato de ser criança não garante uma infância digna e com os direitos básicos garantidos.
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
Crianças do Brasil é um roadmovie filmado em muitas cidades brasileiras. O Brasil, do extremo Norte (Oiapoque) ao extremo sul (Chuí), é visto sob a ótica das crianças. Trata-se de uma série de 10 programas de 12 minutos de duração sobre várias regiões do Brasil mostradas por crianças de diferentes classes sociais, etnias, sotaques e culturas. Trailer disponível em: <https://youtu.be/LKQaRhKpG2k>.
Ainda analisando o exemplo da figura anterior, podemos pensar que a visibilidade sobre a infância muitas vezes está pautada em uma visão unilateralde criança, ou seja, o olhar das pessoas hoje já está acostumado a ver crianças pelas ruas ou como pedintes. Assim, esse fato passa a ser banalizado, e nem sempre se exigem mudanças.
Destarte, se faz importante que você – e todas as pessoas – compreenda os direitos e deveres constitucionais, participando da busca por diminuições das barreiras que impedem o acesso às condições mínimas de vida para todos os cidadãos brasileiros.
Perceba, dessa forma, que ser criança no Brasil e no mundo não implica, necessariamente, gozar plenamente da infância e de todos os direitos que derivam do fato de ser criança. A execução na práticadesses direitos, de forma que sejam realmente garantidos a todas as crianças do país, ainda está em pauta e será ainda uma luta a ser travada por muito tempo.
Estar criança não é direito, é condição; o indivíduo nasce e passa, obrigatoriamente, pela fase da infância, nãosendo possível a mudança por nenhum ator social. Contudo, para que seja permitido à criança o direito ao ser plenamente criança, deve-se entendê-la em suas particularidades e garantir seus direitos legais e constitucionais, sendo este dever político e social. Na esfera política, cabe aos legisladores fazerem valer os direitos das crianças não apenas no papel, mas igualmente em seu dia a dia. Na esfera social, é importante que todos os indivíduos tenham um olhar sensível voltado à criança, a todas as crianças, independentementede sua condição social.
Observe a imagem e reflita sobre o direito que esse menino tem de ser criança.
Deslize sobre a imagem para Zoom
 Figura 6 - Muitas famílias de baixa renda dependem do trabalho infantil para garantir sustento. Fonte: Zzvet, Shutterstock, 2017.
Com uma leitura mais atenta da imagem, pode-se supor que esse menino não faz parte de uma família que mantém uma renda sustentável para uma vida que lhe permita gozar dos direitos à alimentação, saúde e habitação dignas, devendo, por isso, complementar a renda familiar à custa da venda de sua própria força de trabalho.
O ser criança deve levar em conta todos os direitos que permitam viver a infância:
[...] a existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a existência de um sistema normativo, onde por "existência" deve entender-se tanto o mero fator exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação. (BOBBIO, 1992, p. 79-80).
Você deve se lembrar, pois já tratamos desse assunto, que as leis mais importantes que delineiam a criança são a Constituição de 1988 e o ECA, de 1990.A Constituição do país assegura inúmeros direitos a todo brasileiro.Em seu artigo 6º, caput, dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988, s. p.). 
Além disso, a mesma Carta também trata sobre o direito à educação de todas as crianças de zero a seis anos, conforme análise de Kramer (1999, s. p.):
A população brasileira, a partir da progressiva consciência de seus direitos e da participação em movimentos sociais, teve papel central numa das maiores conquistas da educação infantil no Brasil: o reconhecimento, na Constituição de 1988, [...] do dever do Estado de oferecer creches e pré-escolas para tornar fato este direito. Movimentos sociais e instâncias públicas (municipais e estaduais) vêm se esforçando no sentido de expandir com qualidade a educação infantil e enfrentar os desafios que se colocam. Pela primeira vez na história da educação brasileira, foi formulada uma política nacional de educação infantil, com diretrizes para a formação dos profissionais.
Dessa forma, a criança, assim como todo cidadão brasileiro, tem direito a uma vida plena, com boa moradia, saúde e educação de qualidades, lazer e assistência. A luta, da qual trata Kramer (1999), fez valer as leis no mundo das ideias, mas ainda temos que fazê-las valer para todas as crianças, não apenas para aquelas cujas famílias conseguiram se adequar à desigual sociedade em que vivemos, mas também as ditas marginais, às quais foi negado o direito de viver e ser criança.
O ECA foi criado com o objetivo de proteger integralmente crianças e adolescentes. Em seu artigo 7º o estatuto prevê que a criança e o adolescente “[...] têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.” (BRASIL, 1990, s. p.).
Infelizmente, não é essa a realidade das crianças brasileiras, pois as manchetes do ano de 2017 de jornais e revistas do país sobre a infância contam outra história. A história contada é de um país em que milhões de crianças vivem em situação de extrema pobreza (LAMBERT, 2017), com o retorno à condição de “país da miséria” (O BRASIL…, 2017), local em que 40% das crianças até 14 anos vivem em situação de risco e desamparo (CRUZ, 2017). Essas são histórias de um país que não se preocupa com sua infância, um país que mantém leis de proteção à criança apenas no papel e que permite à criança estar criança, mas não permite a todas o ser criança e aproveitar o que esse ato traz em sua plenitude.
Apenas a luta da sociedade, assim como o trabalho do professor na sala de aula e fora dela, permitirá relevantes mudanças no panorama social e político do país.Se foi com luta que se garantiu as leis, também com luta se garantirá a efetivação dessas leis para todas as crianças e todos os adolescentes brasileiros, assim como para todos os cidadãos do país.
No próximo tópico, vamos abordar a questão das culturas infantis, para que você possa reconhecê-las e detectar aspectos que indicam a relação entre concepções de infância, educação, cultura, conhecimento, diversidade, cidadania e identidade.
2.4 Culturas infantis
As pesquisas com crianças aumentaram, assim como o conceito de criança e a concepção de infância foram se transformando. Hoje aceita-se que a criança, para além de ser influenciada pela cultura que a cerca, também produz cultura a partir das relações com seus pares e adultos. Corsaro (2002) apresenta o conceito de “reprodução interpretativa (p. 115), construindo a ideia de que as crianças contribuem ativamente para a preservação social, assim como para sua mudança. E são essas mudanças que acontecem coletivamente que permitem reconhecermos a participação das crianças na construção cultural da sociedade.
Nos itens a seguir, você entenderá melhor a visão da criança como produtora de cultura, além de conhecer a área de estudo da Sociologia da Infância.
2.4.1 Criança como produtora de cultura
Como você já pôde constatar a partir da visão atual de infância, é indiscutível que a criança influencia e é influenciada pelo grupo cultural que integra. O que ainda é objeto de estudo é o olhar para a criança como produtora de cultura, sob uma perspectiva pela qual a criança cria sobre aquilo que absorve.Ou seja, primeiramente ela age concretamente sobre a realidade que a cerca, levando em consideração todos os aspectos da cultura e as relações entre seus pares; a partir disso, ela também reelabora as influências recebidas e assim produz cultura.
 Elas [as crianças] elaboram sentidos para o mundo e suas experiências compartilhando plenamente de uma cultura. Esses sentidos tem uma particularidade, e não se confundem nem podem ser reduzidos àqueles elaborados pelos adultos; as crianças têm autonomia cultural frente ao adulto. Essa autonomia deve ser reconhecida e também relativizada: digamos, portanto, que elas têm uma relativa autonomia cultural. Os sentidos que elaboram partem de um sistema simbólico compartilhado com os adultos (COHN, 2005, p. 35).
Dessa forma, entende-se que as crianças produzem cultura a partir daquilo que vivenciam e aprendem,conforme o grupo cultural em que nascem, as conversas com as pessoas com quem convivem, brincando com outras crianças, enfim,emvariadas formas de interação com o meio e as pessoas.Deslize sobre a imagem para Zoom
 Figura 7 - As inúmeras relações disponíveis para a criança durante suas vivências formam o seu mundo. Fonte: Guz Anna, Shutterstock, 2017
Porém, há uma complexidade no entendimento dessas dinâmicas infantis (SARMENTO; PINTO, 1997), já que é necessário escutar e observar a criança,estimulando o seu protagonismo. Para tanto, você deveter em mente que as infâncias são vividas das mais diversas formas, dependendo dos contextos sociais e culturais; assim,não há apenas um tipo de criança ou um tipo de infância.
Sendo assim, as pesquisas que se debruçam sobre a infância devem levar em consideração os contextos nos quais as crianças estão imersas para entender a complexidade dos envolvidos. Somente dessa forma há a possibilidade de compreender as culturas infantis

Continue navegando