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Glicogenoses: Doença de Von Gierke e Doença de Pompe Introdução As glicogenoses são doenças provocadas por um erro inato do metabolismo do glicogênio. O erro se dá pela ausência ou deficiência enzimática na síntese ou degradação do glicogênio, resultando em alteração na concentração ou na estrutura do glicogênio em diversos tecidos do organismo. Estas doenças são classificadas em doze tipos diferentes, nomeadas de acordo com o defeito enzimático específico e órgãos afetados. Subtipos vêm sendo descritos, devido a diferentes características clínicas, bioquímicas e genéticas. Glicogenoses O glicogênio é um polímero de armazenamento encontrado no citosol de todas as células do organismo, entretanto está em maior concentração no fígado e músculo esquelético, a formação deste permite o acúmulo de glicose nas células sem aumentar a pressão osmótica dentro destas. A degradação do glicogênio envolve três etapas: a liberação de glicose 1- fosfato do glicogênio; remodelação do glicogênio para que seja possível uma nova degradação e a conversão da glicose-1-fosfato em glicose-6-fosfato, para sua devida metabolização. O glicogênio é um polímero de glicose ramificado unido através de ligações glicosídicas α-1,4 em sua cadeia linear e α-1,6 em suas ramificações que ocorrem a cada oito a dez unidades de glicose em cadeia linear, por isso a degradação do glicogênio necessita de varias enzimas. A fosforólise das ligações α-1,4 gera glicose-1-fosfato, já a quebra da ligação α-1,6 libera uma glicose livre, esse mecanismo produz cerca de 90% de glicose-1-fosfato e 10% de glicose livre. A glicose-6-fosfato então pode seguir três destinos: ser usada como substrato energético na glicólise, seguir pela via das pentoses-fosfato e gerar NADPH e derivados de glicose ou ser convertida à glicose livre sendo liberada na corrente sanguínea. A glicose fosforilada (glicose-6-fosfato) não pode atravessar a membrana e difundir-se para fora da célula hepática, para a liberação da glicose é preciso a ação da enzima glicose 6-fosfatase que cliva a fosforila formando glicose livre e ortofosfato. A glicose 6-fosfatase está localizada no lado da luz da membrana do reticulo endoplasmático liso para onde a glicose 6-fosfato é transportada e então hidrolisada à ortofosfato e glicose livre pela unidade catalítica da glicose- 6-fosfatase19. A doença de von Gierke se apresenta quando a atividade da unidade catalítica da glicose 6-fosfatase está ausente ou com atividade reduzida no fígado, rim e intestino. . Metabolismo de glicogênio e os possíveis destinos da glicose. Doença de Von Gierke Identificada pela primeira vez pela patologista Edgar Von Gierke, através da verificação de acúmulo de glicogênio nos tecidos de autópsia; E demonstrado, em 1952, por Gerty e Cori que havia diminuição ou ausência da enzima glicogenase-6-fosfatase. A glicogenose I (GSD I) ou também denominada Doença de Von Gierke, é uma desordem genética hereditária autossômica recessiva. São descritas atualmente 14 alterações genéticas diferentes capazes de alterar ou inativar a atividade da G-6-Pase causando a doença de Von Gierke, podendo o diagnóstico baseado no DNA ser realizado em qualquer tecido disponível como sangue, pele ou em caso de teste pré-natal vilosidade coriônica e aminiócitos. Alterações Bioquímicas: A doença é gerada por um defeito no sistema multicomponente da enzima glicogenase-6-fosfatase do fígado, mucosa intestinal e rins, que garante a homeostase da glicose sanguínea. Pois, essa enzima catalisa o último passo de ambos os processos glicogenólise e gliconeogênese, ao hidrolisar a glicose 6-fosfato. Logo, há escassa ou ausência de produção de glicose livre para a circulação sanguínea, pelo fato da deficiência tornar impossível a travessia desta pela membrana citoplasmática. Como consequência apenas 8 a 10% da glicose retirada do glicogênio pode ser usada para o controle da glicemia, sendo que essa glicose é proveniente da quebra das ligações α-1,6. Com isso o fígado não é capaz de manter os níveis de glicose no sangue normais, ocorrendo a hipoglicemia e comprometimento do metabolismo energético no indivíduo. Há relatos que com o aumento idade há uma tendência para a diminuição da hipoglicemia pela redução do consumo energético. A glicogenose I é subdivida em 4 tipos, sendo as mais comuns Ia e Ib. A GSD Ia é caracterizada pela deficiência na enzima G-6-Pase e corresponde a aproximadamente 80% da incidência; Já a do tipo Ib é a segunda forma mais prevalente e mais grave, gerada pela deficiência na enzima glicogenase-6- translocase, que faz a transferência da molécula glicogenase-6-fosfato do citoplasma para o lúmen do retículo endoplasmático. Seu gene foi encontrado no braço longo do cromossomo 11 na posição 23. Dessa forma, na Ib há interferência na hidrolise da G-6-Pase e na consequente formação de glicose nos órgãos que possuem o respectivo sistema enzimático. Em ambas, a deficiência enzimática é o resultado de mutações genéticas nos genes que codificam estas enzimas, conhecidos respectivamente como G6PC e G6PT1. A GSD Ic, com menor incidência, é caracterizada pela falha genética e inativação da proteína transferidora de fosfato inorgânico (Pi) do lúmen do retículo endoplasmático para o citosol. Além disso, o excesso de glicose-6-fosfato no fígado dispara a glicólise, e assim o piruvato produzido o tecido não pode ser suprido de oxigênio suficiente para suportar toda a oxidação aeróbica desse nutriente. Com isso utiliza-se o metabolismo anaeróbico com produção de lactato, levando ao aumento dos níveis de lactato e piruvato no sangue. Em situações normais o lactato é convertido no fígado em glicose por um ciclo de reações chamado de ciclo de Cori, realizando o processo de gliconeogênese, porém isso não ocorre na glicogenose tipo Ia, aumentando os níveis de lactato cerca de quatro vezes acima dos valores normais. Mesmo com o tratamento ideal em que a glicose é mantida a níveis normais, a concentração de lactato não diminui a níveis de 3 a 5 mmoles/L valores considerados normais. Moleculares: O acúmulo de glicogênio deixa as células abaloadas devido ao seu aumento de volume, ficando, pois, com um aspecto de célula vegetal (vacuolar) o que posteriormente acarreta hepatomegalia. Há também significativo clareamento citoplasmático. Fisiológicas: O portador da deficiência inata, geralmente, tem seus primeiros sintomas por volta de 28 dias de vida com hipoglicemia de jejum e fígado aumentado. As manifestações clínicas posteriores incluem: Fadiga, palidez, sudorese, irritabilidade e outros sintomas acarretados pela baixa quantidade de glicose no sangue logo após poucas horas sem se alimentar. No exame físico o paciente pode apresentar distúrbios de crescimento, obesidade troncular com extremidades finas, “face de boneca” que consiste no depósito de gorduras nas bochechas, abdômen protuberante, xantomas cutâneos e acentuação da lordose. As características laboratoriais mais recorrentes são: hiperuricemia, hiperlactatemia, hipertrigliceridemia, hiperlipidemia, desordem plaquetária, acidose metabólica persistente e neutropenia em que, os níveis de triglicérides podem chegar a 4.000 a 6.000 mg/dl e o colesterol pode atingir 400 a 600 mg/dl com LDL elevado e HDL reduzido. O GDS I também pode ocasionar certo grau de hipertrofia hepática, insuficiência renal, convulsões, dificuldade de coagulação sanguínea, infecçõese diarreias impertinentes. E a partir dos 20 anos cerca de 50 a 70% desenvolvem adenomas que podem levar a hemorragia aguda e transformação maligna, os tumores são múltiplos, pequenos e não capsulados. Em decorrência da hiperuricemia, 14% dos afetados têm complicações como os cálculos renais, a gota e a nefropatia. Outra consequência metabólica importante é a hiperlipidemia, que se dá devido ao aumento dos produtos glicolíticos, como o NADP, NADH, fosfato, glicerol-3-fosfato e coenzima A que são essenciais para a síntese de colesterol e ácidos graxos, provocando, assim, aumento do colesterol. O metabolismo de outras hexoses, como frutose e galactose, também não fornecerá glicose, pois ambas passam pela etapa glicose-6-fosfato. Histológicas: A histopatologia oriunda da desordem metabólica é caracterizada primordialmente pela distensão dos hepatócitos pelo acúmulo de glicogênio e de lipídeos que acarreta hepatomegalia. Há comprometimento renal com nefropatia por gota, nefrocalcinose e a nefrocalcinose. Éticas: Os pacientes portadores da Doença de Von Gierke sofrem com distintas formas de preconceito pelo fato de terem um metabolismo mais baixo e alterações fisiológicas evidentes, como lordose e abdômen protuberante. Ademais, eles têm que ter uma vida restrita no aspecto nutricional e devem evitar ambientes propícios a infecções, pelo fato de serem mais suscetíveis a elas e a diarreias recorrentes e também terem dificuldade na coagulação sanguínea. Com a evolução da doença outros aspectos patológicos podem influenciar mais na restrição da vida social do paciente. Diagnóstico Clínico: A identificação da doença consiste na observação de sintomas, como: fadiga, sudorese e palidez, provocados pela hipoglicemia. E alterações físicas, a exemplo, o tardio crescimento, a acentuação de lordose, a obesidade troncular e a “face de boneca”. Os sintomas secundários como hipertrofia hepática, insuficiência renal, convulsões, sangramento prolongado, infecções e diarreias constantes também ajudam a diagnosticar a GSD I. O diagnóstico bioquímico é recomendável caso se queira desvendar e recomendar modalidades de tratamento, porém não fornece informação suficiente para a determinação do subtipo envolvido. Para essa diferenciação é necessário análise enzimática da G6Pase. Como essa enzima não é expressa em tecidos como fibroblastos ou linfócitos, sua aferição só é possível por procedimento cirúrgico, através de biópsia hepática. O estudo molecular dessa condição abre a possibilidade do diagnóstico precoce que é importante para estabelecer um tratamento correto aos pacientes, evitando o surgimento de complicações tardias e melhorando a qualidade de vida. Além disso, contribui para o aconselhamento genético adequado do casal podendo confirmar a estimativa do isco entre os próximos filhos e, eventualmente, permitir diagnóstico pré-natal por análise de mutação. Laboratorial: O Diagnóstico pode ser efetuado através da análise dos exames laboratoriais que podem verificar a diminuição da glicose sanguínea após 3 a 4 horas em jejum e aumento do ácido lático, bem como do colesterol, triglicerídeos, fosfolipídios, ácido úrico e aminotransferases. O teste genético molecular permite a confirmação do diagnóstico. A biópsia do fígado e do intestino também são vias eficientes para detectar a patologia e seu grau de sequela. Como se trata de uma patologia gênica o diagnóstico pré-natal é possível através da análise molecular de amniócitos ou de células de vilosidades coriónicas. Por imagem: Pode ser verificada a hepatomegalia e a hepatoesplenomegalia através da análise de imagens por RX, ressonância magnética ou tomografia. Como também a verificação das alterações citológicas ocasionadas pela alta taxa glicogênio nas células. Tratamento Comportamental: O acompanhamento nutricional deve ser impreterível para as pessoas que possuem a doença de Von Gierke, afim de que se possa obter uma melhor qualidade de vida e evitar o agravamento dos sintomas. Como também, a assistência psicológica é essencial para o paciente e seus familiares, com o intuito de buscar uma melhor qualidade, através de informações sobre as mudanças sócias e fisiológicas provocadas pela patologia. Farmacológico: Para o manter certo controle metabólico deve ser administrado suplementos vitamínicos, bicarbonato para a acidemia, cálcio para a osteopenia, inibidores de enzima de conversão de angiotensina, de forma a retardar a progressão da lesão renal e o Alopurinol para a hiperuricemia, uma vez que ele reduz o nível de acido úrico sanguíneo e evita males como a gota. E em casos graves o transplante hepático que corrige hipoglicemia e é recomendado para crianças que não responde ao tratamento nutricional. Nutricional: O tratamento atual consiste basicamente nutricional, incluindo infusão nasogástrica contínua de glicose ou ingestão de amido de milho cru que é a melhor fonte de carboidrato neste caso, posto que trata-se de um polímero de glicose, e deve ser iniciado após 8 meses de vida. A alimentação dos portadores de GSD I deve ser balanceada e com refeições frequentes ao longo do dia. São também recomendados alimentos ricos em carboidratos para que se mantenha um taxa mínima e frequente de glicose no sangue. Deve-se evitar frutose e galactose, já que se ingeridos podem causar acidose. A administração por via intragástrica também pode ser feita, garantindo que o paciente não fique sem glicose. A manutenção da glicemia é obtida através da utilização da alimentação enteral noturna e de carboidratos de absorção lenta. Novas formas de terapias dietéticas vêm sendo propostas, nos últimos anos, como amido de milho cru modificado, triglicerídeos de cadeia media e óleo de peixe são possibilidades que vêm se estudando para substituir ou complementar a dieta dos pacientes. Cirúrgico: Pode ser necessário o transplante hepático quando a hipoglicemia é refratária à dieta ou quando ocorre suspeita de malignidade dos adenomas hepáticos ou irressecabilidade pulmonar. Embora, haja normalização dos parâmetros metabólicos, a neutroprenia continua após o transplante. Se houver insuficiência renal terminal deve ser feito transplante renal. A terapia com fator estimulador de colônias de glanulócitos pode restabelecer as funções mielóides, como o aumento dos neutrófilos e é considerada promissora pelos pacientes com GSD Ib. Prognóstico Diagnosticar rapidamente é essencial para impedir o agravamento e a irreversibilidade dos sintomas, podendo representar a vida do paciente em alguns casos, contudo ainda é comum o pediatra cogitar a existência da doença tardiamente pelo fato de seus sintomas serem inespecíficos. O descumprimento do tratamento resulta em sérias consequências metabólicas, com graves crises de hipoglicemia acompanhada de danos neurológicos. O tratamento proposto atualmente apresenta significante melhora do quadro clínico, sendo refletido na melhora do prognóstico nos pacientes com glicogenose tipo Ia, com expectativa de vida ultrapassando a terceira década. Não há cura para a doença de Von Gierke, sendo esta normalmente fatal nas duas primeiras décadas de vida, caso não seja tratada. Entretanto, tem-se verificado uma melhora em termos de evolução dessa patologia. Nos anos 70, por exemplo, a mortalidade devido à doença de Von Gierke era elevadíssima, bem como a ocorrênciade deficiências neurológicas e atrasos mentais e físicos decorrentes da mesma; atualmente, a esperança média de vida ultrapassa os 30 anos, graças ao aprofundamento no estudo da doença e seus sintomas, e à consequente formulação de terapias e práticas clínicas capazes de inibir alterações fisiológicas agravadoras da doença. Tal expectativa de vida tende a aumentar nos próximos anos, visto que avanços verificados na utilização de terapias genéticas garantem um futuro promissor. Dados estatísticos A doença de Von Gierke é responsável por mais de 90% dos casos de pacientes portadores de glicogenoses. Por ser autossômica e por outros fatores genéticos acomete em igual frequência pessoas do sexo masculino e feminino. A incidência é de 1 a cada 100.000 nascidos vivos no Brasil. Porém essa incidência pode estar subestimada, pois estudos indicam que muitas crianças morrem antes do diagnóstico da doença. A glicogenose tipo Ia representa cerca de 25% das glicogenoses, os demais tipos são menos comum. Em populações de Judeus Ashkenazi, o acometimento dessa condição pode ser muito mais alto, tendo uma frequência estimada de portadores na população de 1: 65 indivíduos. Ademais, já foi descrita em hispânicos, caucasianos, japoneses, chineses, judeus e turcos. Devido à relativa raridade da doença não existem dados sobre a porcentagem de sobrevida de acordo com as diferentes faixas etárias. Doença de Pompe A glicogenose tipo II (GSD II) é uma doença hereditária autossômica recessiva, que ocorre no gene do cromossomo 17q23.E que gera uma sobrecarga lisossômica devido a deficiência na enzima alfa-1,4-glicosidase (GAA). Esta enzima hidrolisa o glicogênio em glicose e sua ação deficiente resulta na acumulação de glicogênio no lisossomo. Embora exista um pequeno número de mutações frequentes, pesquisas revelam que já foram identificadas muitas outras, o que é coerente com a heterogeneidade clínica da doença. Sintomas: A doença gênica se expressa apenas em determinados órgãos, principalmente coração e/ou músculo esquelético. Os sintomas precoces parecem logo após o nascimento com hipertrofia cardíaca, hipotonia generalizada, hepatomegalia moderada e dificuldades na amamentação e deglutição. Podendo ser fatal dentro de um período máximo de dois anos por insuficiência cardiorrespiratória. Quando o início é tardio, em adolescentes e adultos, há miopatia progressiva, hipotonia generalizada basicamente nos músculos do tronco, dos membros inferiores e do diafragma. As formas juvenis e adultas apresentam-se como distrofia muscular das cinturas com início nos membros inferiores. O resultado final depende da falência dos músculos respiratórios. Existe um espectro clínico contínuo entre estas duas apresentações. Diagnóstico Os alelos pseudo-deficientes, raros e que podem dificultar o diagnóstico pré- natal e, por conseguinte, dificultando no tratamento. Em termos biológicos, a demonstração da deficiência enzimática em fibroblastos, linfócitos ou biópsia das vilosidades coriônicas pode ser diagnóstica. Os métodos de diagnósticos são: testes bioquímicos; eletro miografia; radiografia torácica, ecocardiograma; eletrocardiograma; testes esquêmicos de antebraço. Como também processos invasivos, como biópsia dos músculos. No pré-natal pode ser feito por análise de vilosidades coriônicas e células do líquido aminiótico. Prognóstico: Miopatia progressiva, basicamente nos músculos do tronco, dos membros inferiores e do diafragma. Tratamento: Terapia de reposição enzimática. Terapia medicamentosa para fins sintomáticos: Alopurinol, bicabornato, suplementos vitamínicos, cálcio. Para além do tratamento sintomático, foram iniciados vários ensaios clínicos de terapia de substituição enzimática (utilizando enzima humana recombinante) em crianças e 3 jovens. Pode ser feita infusão enzimática, sem muito sucesso. Alterações Bioquímicas e Moleculares A doença ocorre devido a deficiência da enzima ácido maltase, também chamada de ácido alfa-1,4-glucosidase que é sintetizada como forma precursora no reticulo endoplasmático, sendo modificada pela adição de um sinal de manose-6-fosfatase que permite seu transporte aos lisossomos. A acido maltase é, então, parcialmente degradada., logo a enzima cliva as ligações de 1,4 glicogênio e 1,6 alfa glicosídeo. A ausência de ácido maltase leva ao acúmulo excessivo de glicogênio nos vacúolos derivados dos lisossomos. A presença de quantidades anormais de glicogênio interfere na arquitetura e na função das células afetadas. Esse acúmulo anormal pode ocorrer no sistema nervoso central, coração, fígado, músculos esqueléticos, o que resulta em hipotonia, fraqueza, macroglossia, cardiomegalia e insuficiência cardíaca congestiva. Mutações no GAA resultam em instabilidade do RNAm e/ou alfa glicosidase ácida (ácido maltase) gravemente truncada, o que leva à clivagem anormal de glicogênio e permite o acúmulo deste nos lisossomos até níveis tóxicos. Alterações Histológicas A degradação reduzida do glicogênio nos lisossomos leva ao acúmulo de glicogênio em praticamente todos os tecidos. As vias celulares primárias para a cisão do glicogênio permanecem intactas (por meio do a-D-glicose 1- fosfato das células), mas não estão disponíveis nos lisossomas. Os tecidos musculares estriados esqueléticos, o músculo estriado cardíaco e o tecido hepático são os mais afetados pelo fato de conterem mais lisossomos no citoplasma celular. Alterações Fisiológicas Há miopatia progressiva participação de órgãos, em particular cardiomegalia principal causa de morte é a insuficiência respiratória. O portador da doença apresenta pouca energia para preservar as funções respiratórias e cardíacas, principalmente. Há alterações no fígado que causam a hepatomegalia. Ocorre ruptura dos lisossomos e formação de "lagos de glicogênio" intracelulares, que estimulam a liberação de outras hidrolases no citoplasma, causando autofagia e morte celular. No tecido muscular, observa- se a substituição das miofibrilas pelo glicogênio, com perda da contratilidade, hipotonia e consistência endurecida à palpação. Dados Estatísticos: Incidência estimada: 3000 a 5000 pessoas. A frequência varia de um grupo étnico para outro.No Brasil é de 1 em 40.000 a 50.000 .Já em populações caucasianas: 1 em 100.000 - População da Holanda: 1 em 50.000. Descrição do caso clínico Trata-se de paciente do sexo feminino, 2,5 meses de idade, filha de pais consangüíneos, encaminhada ao Setor de Cardiologia do Serviço de Pediatria do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro em fevereiro de 2005, com quadro de taquipnéia, taquicardia, hepatomegalia, refluxo gastroesofágico e infecções pulmonares de repetição, além de desnutrição. O eletrocardiograma mostrou PR curto e complexos QRS alargados e de alta amplitude. O ecocardiograma mostrou miocardiopatia hipertrófica, e as provas de função hepática estavam alteradas. Com suspeita de doença de Pompe, a paciente foi submetida a biópsia muscular do músculo bíceps braquial, que revelou miopatia vacuolar, com depósitos de grânulos ácido periódico de Schiff (PAS) positivos e aumento da atividade lisossomal à reação pela fosfatase ácida, compatíveis com miopatia de depósito de glicogênio. O diagnóstico etiológico foi confirmado entre o quarto e o quinto mês de idade pela cromatografia de oligossacarídeos em urina, medida da atividade da GAA no sangue em papel de filtro inferior a 1% e pela genotipagem, querevelou mutação c.2560C>T/Arg854X em homozigose. A paciente apresentou déficit de sucção e deglutição, sendo alimentada por sonda nasogástrica, e posteriormente por gastrostomia. Progrediu com acentuado retardo no desenvolvimento motor nos 3 a 4 meses seguintes, com perda acentuada da força muscular, perda dos movimentos de membros inferiores e superiores e insuficiência respiratória, necessitando de assistência ventilatória aos 7 meses de idade. Esta foi a primeira paciente a ser tratada no Brasil com essa terapia, que se iniciou aos 9 meses de idade, quando já apresentava hipotonia grave e generalizada, com movimentos apenas em pálpebras superiores, musculatura rígida e miocardiopatia hipertrófica grave, com massa cardíaca 16 vezes maior o que o normal. Foi administrado GAArh na dose de 20 mg/kg/dose em infusão intravenosa a cada 15 dias. Na 14ª semana (sétima infusão), apresentou infecção nosocomial, sendo o tratamento suspenso por 6 semanas. Aos 13 meses de idade, após nove infusões, a paciente demonstrava incursões respiratórias espontâneas, movimentava os membros superiores, apresentava mímica facial e observa-se melhora da deglutição e da miocardiopatia. Houve regressão da hipertrofia cardíaca, do endurecimento muscular, da hepatomegalia, da macroglossia e dos níveis das enzimas hepáticas. Após a 10ª infusão, a melhora do quadro respiratório era evidente, com aumento dos movimentos respiratórios espontâneos e utilização de baixos parâmetros na ventilação mecânica; após a 12ª infusão, a paciente respirava em pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) não-invasiva e movimentava os membros superiores. Após 10 meses de tratamento, verificou- se redução de nove vezes no índice de massa ventricular em relação ao início do tratamento, e a função cardíaca reverteu a parâmetros quase ao normal.
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