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RETA FINAL | DPE/CE 1 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE DIREITO PENAL APOSTILA 01 RETA FINAL | DPE/CE 2 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE DIREITO PENAL Faaaaaaala, galera. Iniciamos hoje os resumos de Direito Penal. Como estão os estudos de vocês? Espero que estejam indo bem! :D Espero que todos vocês estejam bem! Começamos hoje nossa mais uma daquelas metas que com certeza farão a diferença na sua prova! Direito Penal é uma matéria muito importante para sua prova, por isso teremos 9 apostilas. Umas com 50 páginas outras com 20. Não desanimem. O candidato que consegue atingir uma boa pontuação em primeiras fases não domina tudo do edital, mas com certeza teve estratégia para estudar aquilo que geralmente é cobrado. E isso é o que buscamos aqui. Começaremos com pontos mais teóricos, e vamos avançando até chegarmos na parte especial do Código Penal, com detalhes para algumas novidades legislativas de 2021/2022, e depois entraremos nas legislações especiais, para só então vermos a disciplina de Criminologia, que está expressa em seu edital dentro de Direito Penal. Um abraço e bons estudos. Coordenação. RETA FINAL | DPE/CE 3 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE 1. Direito Penal: conceito, evolução histórica, fontes, objetivos. As escolas penais. O Direito Penal e o Estado Democrático de Direito. 1. Positivismo Jurídico Olá, pessoal. Cuidaremos inicialmente desse ponto sobre a evolução histórica do Direito Penal. Sobre o processo de criminalização no Brasil, estudamos em Criminologia. Pois bem. O positivismo jurídico em seu nascimento na Alemanha a partir dos estudos de um autor chamado Binding. O que vocês precisam saber é que o positivismo jurídico tinha preferência pela cientificidade, de forma que excluía juízos de valor, razão pela qual o objetivo era limitado ao direito positivo. O conceito clássico de delito, segundo a doutrina, deve-se a doutrina do positivismo jurídico. Cleber Masson, em sua obra sobre Direito Penal (2020, p. 81), bem lembra que o positivismo jurídico conferiu tratamento exageradamente formal ao comportamento humano definido como delituoso: Para o autor, “Deve-se a esta doutrina (positivismo jurídico), que não se confunde com a Escola Positiva, o conceito clássico de delito, afastado de qualquer contribuição filosófica, psicológica ou sociológica. Conferiu tratamento exageradamente formal ao comportamento humano definido como delituoso, de forma que a conduta seria um mero movimento corporal que produz uma modificação no mundo exterior. A conduta, portanto, era meramente objetiva, vinculada ao resultado pela relação de causalidade”. Tratava-se de uma posição extremamente normativista e formal. Para seus adeptos, isso se dava pelo rigoroso respeito ao princípio da legalidade e a segurança jurídica. 2. Neokantismo penal O neokantismo penal também tem suas bases semelhantes ao positivismo. Seus principais teóricos foram Rudolf Stammler e Gustav Radbruch. Contudo, uma distinção importante entre o positivismo jurídico e o neokantismo pode ser observada no seguinte quadro: Positivistas Neokantistas Os positivistas atribuíam prioridade ao ser do direito. Os neokantistas propunham um conceito que supervaloriza o dever ser, mediante a introdução de considerações axiológicas e materiais. Desta forma, pode-se dizer que o “neokantismo substitui o método puramente jurídico-formal do positivismo, acolhendo como objetivo fundamental a compreensão do conteúdo dos fenômenos e categorias jurídicas, muito além de sua simples definição formal ou explicação causal”. (MASSON, 2020, p. 82). Assim, com o neokantismo, a conduta ganha um significado social, deixando de ser considerada apenas como um movimento corporal. Também foram introduzidos elementos normativos e subjetivos nos tipos penais. Além disso, a ilicitude (substrato do crime) ganha uma concepção material, nas palavras da doutrina, “sendo aceita como lesividade social, com o auxílio do conceito de bem jurídico. Por sua vez, adotou-se a teoria psicológico-normativa, revestindo a culpabilidade com o juízo de reprovabilidade”. (MASSON, 2020, p. 82). RETA FINAL | DPE/CE 4 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE 3. Garantismo penal A doutrina do garantismo penal deve ser de conhecimento obrigatório para quem estuda para Defensoria Pública. A principal obra sobre o tema é intitulada “Direito e Razão”, do professor Luigi Ferrajoli, considerada uma “Bíblia” do garantismo penal. Essa teoria busca contribuir com a moderna crise que assola o sistema penal, desde o nascedouro até o final do cumprimento da sanção penal (Masson, 2020), de forma que para o autor, o garantismo penal engloba diversas fases: • Criação da lei penal, com eleição dos bens jurídicos tutelados, • Validade das normas e princípios do direito e do processo penal, • Respeito pelas regras e garantias inerentes à atividade jurisdicional, • A regular função dos sujeitos processuais, • As peculiaridades da execução penal Foi pensando nisso que o próprio Ferrajoli desenvolveu os chamados 10 axiomas (ou 10 princípios axiológicos fundamentais): 1) Nulla poena sine crimine: princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito; 2) Nullum crimen sine lege: princípio da reserva legal; 3) Nulla lex (poenalis) sine necessitate: princípio da necessidade ou da economia do direito penal; 4) Nulla necessitas sine injuria: princípio da lesividade ou da ofensividade do resultado; 5) Nulla injuria sine actione: princípio da materialidade ou da exterioridade da ação; 6) Nulla actio sine culpa: princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) Nulla culpa sine judicio: princípio da jurisdicionalidade; 8) Nullum judicium sine accusatione: princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) Nulla accusatío sine probatione: princípio do ônus da prova ou da verificação; e 10) Nulla probatio sine defensione: princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade. Ademais, no estudo do garantismo penal, você precisa lembrar que a doutrina moderna costuma dividi-lo em garantismo penal monocular e binocular (ou integral). Garantismo monocular Garantismo binocular ou integral Preocupa-se unicamente com os interesses do acusado. Volta sua atenção igualmente às pretensões do acusado e da sociedade. 4. Funcionalismo Penal O funcionalismo penal é um tema com alta incidência nas provas para Defensoria Pública, desde a fase objetiva até as mais avançadas, razão pela qual precisamos percorrer sobre a temática. Com o funcionalismo, segundo a doutrina, “se questiona a validade do conceito de conduta desenvolvido pelos sistemas clássico e finalista. E, ao conceber o Direito como regulador da sociedade, delimita o âmbito das expectativas normativas de conduta, vinculando-se à teoria da imputação objetiva. Busca-se o desempenho pelo Direito Penal de sua tarefa primordial, qual seja, possibilitar o adequado funcionamento da sociedade. Isso é mais importante do que seguir à risca a letra fria da lei, sem desconsiderá-la totalmente, sob pena de autorizar o arbítrio da atuação jurisdicional”. (MASSON, 2020, p. 84). RETA FINAL | DPE/CE 5 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE Hoje, o que mais importa para sua prova, é saber que há duas concepções sobre o funcionalismo que caem em nossas provas: 1) funcionalismo moderado, dualista, teleológico, política criminal, capitaneado por Claus Roxin (Escola de Munique); e 2) funcionalismo radical, monista ou sistêmico, liderado por Günther Jakobs(Escola de Bonn). Como isso cai bastante, vamos buscar entender com mais calma. O funcionalismo na concepção de Roxin preocupa-se com os fins do direito penal (proteção de bens jurídicos). Para Günther Jakobs, o funcionalismo se satisfaz com os fins da pena. Para Cleber Masson, isso pode se resumido da seguinte maneira: Funcionalismo para Roxin Funcionalismo para Günther Jakobs Norteia-se por finalidades político-criminais, priorizando valores e princípios garantistas. A proteção de bens jurídicos indispensáveis ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, respeitando os limites impostos pelo ordenamento jurídico (Claus Roxin) Leva em consideração apenas necessidades sistêmicas, e o Direito Penal é que deve se ajustar a elas. Reafirmação da autoridade do Direito, que não encontra limites externos, mas somente internos (Günther Jakobs). Ideias relacionadas ao que se chamou de “direito penal do inimigo”. 5. Direito penal e enfrentamento da criminalidade moderna O direito penal sofreu significativas alterações, ocasionadas principalmente pela globalização, a massificação dos problemas e, também, pela configuração de uma sociedade de risco. Isso fez surgir o chamado “direito penal do risco”. Luís Gracia Martin, ao dissertar sobre o tema, esclarece: O direito penal moderno é próprio e característico da “sociedade de risco”. O controle, a prevenção e a gestão de riscos gerais são tarefas que o Estado deve assumir, e assume efetivamente de modo relevante. Para a realização de tais objetivos o legislador recorre ao tipo penal de perigo abstrato como instrumento técnico adequado por excelência. Por ele, o direito penal moderno, ou ao menos uma parte considerável dele, se denomina como “direito penal do risco”1. 5.1 Direito penal de emergência, promocional e simbólico Relacionado a esse tema, vamos entender o direito penal de emergência, promocional e simbólico. Para Rogério Sanches, “movido pela sensação de insegurança presente na sociedade, o Direito Penal de Emergência, atendendo demandas de criminalização, cria normas de repressão, afastando-se, não raras vezes, de 1 Apud Masson, 2020, Parte Geral. GRACIA MARTÍN, Luis. Modernization del derecho penal y derecho pena! dei enemigo. Lima: iDEMSA, 2007. p. 45. RETA FINAL | DPE/CE 6 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE seu importante caráter subsidiário e fragmentário, assumindo feição nitidamente punitivista, ignorando as garantias do cidadão”. (SANCHES, 2020, p. 39)2. Para o mesmo autor, “criticado pela doutrina, o Direito Penal Promocional (político ou demagogo) surge quando o Estado, visando concretizar seus objetivos políticos, emprega as leis penais como instrumento, promovendo seus interesses, estratégia que se afasta do mandamento da intervenção mínima, podendo (e devendo) valer-se, para tanto, dos outros ramos do Direito. É equivocada a utilização do Direito Penal como ferramenta de transformação social. Até 2009, a mendicância era infração penal!” (2020, p. 40). Por fim, quanto ao direito penal simbólico, “Andreas Eisele ensina que abrange um âmbito de ambiguidade no qual se incluem sentidos relativamente contraditórios. Em uma perspectiva de conotação positiva, designa um efeito de assimilação cultural, mediante o qual alguns destinatários das normas aderem voluntariamente a seu conteúdo e as adotam como pauta ética, em decorrência do que se abstêm de praticar as condutas proibidas ou realizam as condutas obrigatórias”.3 5.2 Direito intervencionista ou de intervenção O maior expoente do Direito de Intervenção é Winfried Hassemer (anote esse nome para uma eventual segunda fase). A teoria parte da premissa de que o direito penal não deve ser alargado (ampliado), mas apenas utilizado na proteção de bens jurídicos individuais, como a integridade física, a vida, a propriedade, entre outros bens jurídicos, além daqueles que causem perigos concretos. Desta forma, os atos de caráter difuso (ou coletivo) que causassem perigos abstratos, deveriam ser tutelados pela administração pública (direito administrativo), de forma que haveria, neste caso, um sistema jurídico de garantias (materiais e processuais) mais flexível, sem a necessidade de privar a liberdade do autor do fato. Perceba, então, que o Direito de intervenção está situado entre o direito penal e o direito administrativo. Para Hassemer, essa seria, de fato, a melhor maneira de combater a criminalidade moderna. Rogério Sanches lembra “que essa “administrativização” do direito penal evitaria a impunidade e a sua transformação em um direito penal simbólico” (2020, p. 40). 5.3 Neopunitivismo: a quarta velocidade do Direito Penal O direito penal, segundo parte da doutrina, pode ser dividido em pelo menos quatro velocidades. Vamos revisar rapidamente. 1º Velocidade -> Direito penal da prisão (Jesús-María Silva Sanchez) 2º Velocidade -> Direito penal sem prisão (Jesús-María Silva Sanchez) 3º Velocidade -> Direito Penal do inimigo (Günther Jakobs) 4º. Velocidade -> Neopunitivismo (Daniel Pastor) Segundo Cleber Masson (2020, p. 96), o neopunitivismo relaciona-se ao Direito Penal Internacional, caracterizado pelo alto nível de incidência política e pela seletividade (escolha dos criminosos e do tratamento dispensado), com elevado desrespeito às regras básicas do poder punitivo, a exemplo dos princípios da reserva legal, do juiz natural e da irretroatividade da lei penal. No conflito entre países, os vencedores são os julgadores dos Estados derrotados, como aconteceu nos tribunais internacionais ad hoc para Ruanda e para a antiga Iugoslávia. Nessa linha de raciocínio, o neopunitivismo se destaca como um movimento do panpenalismo, que 2 Cunha, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1° ao 120) /Rogério Sanches Cunha. - 8. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2020. 3 Citado por Sanches Cunha in: Cunha, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120) /Rogério Sanches Cunha. - 8. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2020. RETA FINAL | DPE/CE 7 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE busca a todo custo o aumento do arsenal punitivo do Estado, inclusive de forma mais arbitrária e abusiva do que o Direito Penal do Inimigo. Cria-se, em outras palavras, um direito penal absoluto”. RETA FINAL | DPE/CE 8 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE 4. Teoria do delito: evolução histórica, elementos do crime. Bem jurídico-penal. Nesse ponto, estudaremos a teoria do crime e todas as nuances. Porém, antes disso, é preciso entender sobre bem jurídico. 1. BEM JURÍDICO PENAL Bem jurídico penal é todo aquele bem que possui relevância, a fim de que seja acobertado pelo direito penal, considerando os princípios da ultima ratio (intervenção mínima, fragmentariedade e subsidiariedade). Atenção à diferença entre o princípio da fragmentariedade e o da subsidiariedade! Enquanto aquele determina que somente os bens jurídicos mais relevantes devem ser tutelados pelo Direito Penal (como a vida e a integridade física), o princípio da subsidiariedade dispõe que, mesmo diante de um ato violador de bem jurídico relevante ao direito penal, este ramo somente atuará no caso concreto se os outros ramos do direito (como civil e administrativo) não forem capazes de tutelá-lo. Um exemplo é a extinção da punibilidade em crime tributário caso haja o pagamento do débito apurado; o bem jurídico (a higidez do sistema tributário) foi tutelado com o pagamento, resolvendo-se a situação e afastando a necessidade de atuação do direito penal no caso. O funcionalismo, lembra Rogério Sanches4, é um movimento da atualidade, uma corrente doutrinária que visa analisar a real função do DireitoPenal. Muito embora não haja pleno consenso acerca da sua teorização, sobressaem-se dois segmentos importantes: o funcionalismo teleológico e o funcionalismo sistêmico. 2. FUNCIONALISMO TELEOLÓGICO (ROXIN) E SISTÊMICO (JAKOBS) TEORIAS SOBRE O FUNCIONALISMO FUNCIONALISMO TELEOLÓGICO/MODERADO FUNCIONALISMO SISTÊMICO/RADICAL Principal autor é o Claus Roxin Para o funcionalismo teleológico, o direito penal surge para proteger bens juridicamente relevantes. Assim, a norma incide não para mostrar que o direito penal deve “apenas” manter a ordem, mas porque este é necessário para proteger aqueles bens jurídicos mais relevantes na sociedade. Principal autor é o Günther Jakobs O Direito Penal é um sistema autopoiético. Assim, para os adeptos do funcionalismo sistêmico, o direito penal atua para manter a ordem, mostrando que quem cometeu o crime violou a disfunção social e quebrou a confiança. Em outras palavras, a função do Direito Penal é manter a integridade do próprio sistema. Lembra ainda Rogério Sanches5 que para o funcionalismo teleológico (ou moderado), que tem como maior expoente Claus Roxin, a função do Direito Penal é assegurar bens jurídicos, assim considerados aqueles valores indispensáveis à convivência harmônica em sociedade, valendo-se de medidas de política criminal. Já de acordo com o funcionalismo sistêmico (ou radical), defendido por Günther Jakobs, a função do Direito Penal é a de assegurar o império da norma, ou seja, resguardar o sistema, mostrando que o direito posto existe e não pode ser violado. Quando o Direito Penal é chamado a atuar, o bem jurídico protegido já foi violado, de modo que sua função primordial não pode ser a segurança de bens jurídicos, mas sim a garantia de validade do sistema. 4 Cunha, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120)/Rogério Sanches Cunha - 4. ed. rev., ampl. e atual.- Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 34. 5 Idem, p. 34. RETA FINAL | DPE/CE 9 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE Claus Roxin6, em sua obra “A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal”, sustenta que as fronteiras da autorização de intervenção jurídico-penal devem resultar de uma função social do direito penal. O que está além desta função não deve ser logicamente objeto do direito penal. Assim, pontua o autor: (...) A função do direito penal consiste em garantira seus cidadãos uma existência pacífica, livre e socialmente segura, sempre e quando estas metas não possam ser alcançadas com outras medidas político-sociais que afetem, em menor medida, a liberdade dos cidadãos. Esta descrição de funções corresponde, segundo minha opinião, com o entendimento mesmo de todos as democracias parlamentares atuais, por isso não necessita, então, de uma fundamentação teórica mais ampla. (GRIFOS NOSSOS). Entretanto, para Günther Jakobs, a função do Direito Penal não é a proteção de bens jurídicos, mas a de evitar uma diminuição da vigência da norma. Claus Roxin lembra que Jakobs pensa que o conceito de bem jurídico não tem um conteúdo genuinamente liberal. Assim, por exemplo, a punibilidade da homossexualidade em uma sociedade configurada pela hierarquia de homens, como o exército prussiano, buscava proteger bens jurídicos, já que as relações sexuais que em princípio tem caráter de quebrar as hierarquias havia surtido efeitos sociais danosos.7 Além disso, é preciso lembrar que o funcionalismo sistêmico (segundo as ideias de Jakobs) está associado ao que se chama de “direito penal do inimigo”. Sobre o Direito Penal do Inimigo, sustenta Masson8: (...) A teoria do Direito Penal do inimigo foi desenvolvida por Günther Jakobs, professor catedrático de Direito Penal e Filosofia do Direito na Universidade de Bonn, Alemanha, reconhecido mundialmente como um dos maiores criminalistas da atualidade. A ele é também atribuída a criação de uma nova teoria da ação jurídico-penal, o funcionalismo radical, monista ou sistêmico, ou seja, o pensamento que reserva elevado valor à norma jurídica como fator de proteção social. Para ele, apenas a aplicação constante da norma penal é que imprime à sociedade as condutas aceitas e os comportamentos indesejados. Na década de 1980, Jakobs traçou os primeiros lineamentos da teoria em análise, voltando ao seu estudo no final dos anos 1990, mas, em 2003, de maneira corajosa, assumiu postura inequívoca na defesa da adoção do Direito Penal do inimigo, justificando com toda uma obra doutrinária a necessidade de revolucionar conceitos clássicos arraigados na mente dos doutrinadores. Seu pensamento coloca em discussão a real efetividade do Direito Penal existente, pugnando pela flexibilização ou mesmo supressão de diversas garantias materiais e processuais até então reputadas em uníssono como absolutas e intocáveis. (GRIFOS NOSSOS). Lembra Masson9 que para o “inimigo”: “É possível, assim, a eliminação de direitos e garantias individuais, uma vez que não paira necessidade de obediência ao devido processo legal, mas a um procedimento de guerra, de intolerância e repúdio ao inimigo. A propósito, é cabível inclusive a utilização da tortura como meio de prova, e também para desbaratar as atividades ilícitas do criminoso 6 Roxin, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal”. Org. e Traduzido por André Luís Callegari Nereu José Giagomolli. 2 ª Edição. Porto Alegre. Livraria do Advogado Editora, 2018, p. 7 Idem, p. 35. 8 Masson, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1/Cleber Masson. – 8.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014, p. 162. 9 Idem, p. 164. RETA FINAL | DPE/CE 10 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE e dos seus comparsas. O inimigo arrependido, disposto a auxiliar o Estado no combate de seus antigos companheiros, contudo, deve receber benefícios, desde que os delate, permitindo o desmantelamento de quadrilhas, prisões em massa e recuperação dos produtos e proveitos dos crimes. Nitidamente, enxerga-se na concepção de Jakobs a convivência de dois direitos em um mesmo ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, um direito penal do cidadão, amplo e dotado de todas as garantias constitucionais, processuais e penais, típico de um Estado Democrático de Direito. Sem prejuízo, em parcela menor e restrita a grupos determinados, com ele coexiste o Direito Penal do inimigo, no qual o seu sujeito deve ser enfrentado como fonte de perigo e, portanto, a sua eliminação da sociedade é o fim último do Estado”. (GRIFOS NOSSOS). CAIU NA DPE-MS-VUNESP-2014: Idealizado por Günter Jakobs, o direito penal do inimigo é considerado um direito penal de terceira velocidade, por utilizar a pena privativa de liberdade, mas, também, permitir a flexibilização de garantias materiais e processuais de todos integrantes da sociedade, podendo, inclusive, ser observado no direito brasileiro alguns institutos da lei que trata dos crimes hediondos.10 Assim, temos, em resumo, a seguinte previsão segundo Jakobs: DESDOBRAMENTOS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO (Günther Jakobs) DIREITO PENAL DO CIDADÃO (Bürgerstrafrecht) DIREITO PENAL DO INIMIGO (Feindstrafrecht) Caracterizado pela manutenção da vigência da norma. Orientado para o combate aos perigos e que permite que qualquer meio disponível seja utilizado para punir esses inimigos, ainda viole direitos previstos. Nas palavras dos professores Estefam e Rios (2020, p. 243), o direito penal do inimigo (isto é, indivíduos que reincidem constantemente na prática de delitos ou praticam fatos de extrema gravidade, como ações terroristas) teria como finalidade combater perigos. Neste, o infrator não é tratado como sujeito de direitos, mas como inimigo a ser eliminado e privado do convívio social. Abaixo, o autor traz as principais características do direito penal do inimigo: ■ Tem como finalidade a eliminação de perigos; ■ Baseia-sena periculosidade do agente, considerado inimigo e, portanto, como alguém que não pode ser tratado como sujeito de direitos (“não pessoa”); ■ Efetua uma ampla antecipação da punibilidade, visando coibir ações perigosas antes que estas se concretizem (punição de atos preparatórios); ■ As penas são severas, ainda quando aplicadas em casos de antecipação da tutela penal; ■ Aplica-se uma legislação diferenciada, com enfoque combativo (“combate ao inimigo”); ■ Utiliza-se principalmente de medidas de segurança; ■ Garantias processuais penais são suprimidas. Em relação à teoria de Jakobs, fica muito clara a necessidade de uma visão crítica da Defensoria Pública em relação a quem seria esse “inimigo” que pode ter suas garantias processual-penais violadas. Isso porque basta lembrarmos das teorias da Criminologia do Conflito (como a Criminologia Crítica), vistas na meta passada, para verificarmos que os valores mais relevantes e a figura do “inimigo” não são pautados por decisões consensuais da sociedade, mas sim pelas classes detentoras do poder político para tanto. 10 ERRADO. A questão está basicamente toda certa, exceto quando afirma: “mas, também, permitir a flexibilização de garantias materiais e processuais de todos integrantes da sociedade”. Isso porque apenas ao “inimigo” é “possível, assim, a eliminação de direitos e garantias individuais, uma vez que não paira necessidade de obediência ao devido processo legal, mas a um procedimento de guerra, de intolerância e repúdio ao inimigo. Isso porque, segundo Jakobs, “quem em princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo”. RETA FINAL | DPE/CE 11 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE Essa ideia é reforçada com o fato de que nosso sistema penal é composto basicamente por pessoas pobres, negras e moradoras de regiões carentes das cidades (fora aquelas em situação de rua), além do rígido tratamento dado pelo nosso CP aos crimes contra o patrimônio (basta lembrar que a pena do furto qualificado pela subtração de semovente domesticável de produção é muito mais alta do que a pena do homicídio culposo, p. ex.). Nesse contexto, pergunto a vocês, querid@s alun@s: quem é o inimigo da nossa sociedade, que é tido como aquele que deve ser reprimido com todas as forças estatais? Com o uso desmensurado de violência policial? Com a “flexibilização” das garantias processual-penais? Imagino que vocês saibam a resposta. Assim, em provas e também no dia a dia forense, mantenham a postura crítica diante das situações que ensejam a personificação da teoria de Jakobs. 3. DIREITO PENAL DO AMIGO Há ainda uma teoria nova chamada de “direito penal do amigo”, bem trabalhada por Diego Castor de Matos, Procurador da República. Em uma obra com o título “Direito Penal do Amigo”, este autor ensina que o objetivo do livro “é analisar a impunidade dos crimes do colarinho branco na atuação prática da persecução penal, abordando as dificuldades do processo penal no país que superprotege ricos e poderosos, tratando dos entraves operacionais vivenciados no cotidiano forense pelos que enfrentam a criminalidade econômica no Brasil. Utiliza-se de uma crítica ao atual modelo de sistema processual penal brasileiro, complexo e moroso, com inesgotáveis fontes de recursos para aqueles que podem custear caros advogados, o que acaba sendo decisivo para facilitar a impunidade dos crimes cometidos pelas pessoas do último andar da pirâmide social." Sobre o direito penal do amigo, propõe o Christiano Gonzaga11: [...] Atualmente, a sociedade está sentindo mais sensivelmente os efeitos desse famigerado Direito Penal do Amigo, pois várias leis estão sendo feitas para beneficiar esse tipo de criminalidade. Para citarmos duas, já vistas anteriormente, tem-se a Lei nº 10.684/2003, que em seu art. 9º permite a extinção da punibilidade dos crimes de sonegação fiscal quando a agente pagar o tributo devido. Tal ocorrência não é aceita para um simples crime de furto, em que o agente pode ser beneficiado, quando muito, pelo arrependimento posterior previsto no art. 16 do CP, como simples causa de diminuição de pena. Na mesma linha de pensamento, surge a Lei nº 13.254/2016, que em seu art. 5º prevê a extinção da punibilidade de vários crimes, na maioria espécies de crimes de colarinho-branco, para quem pagar o imposto devido e repatriar o valor depositado no estrangeiro de forma ilícita. São simples demonstrações de que o Direito Penal para as pessoas da elite é mais benevolente. [...] Não é somente na seara legislativa que há benefício penal para os mais abastados. Nos julgamentos feitos pelo Poder Judiciário pode ser constatado claramente que há uma tendência a beneficiar criminosos de colarinho-branco em detrimento de pessoas mais humildes. Em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal determinou a soltura de empresário acusado de ter cometido inúmeros crimes de colarinho, uma vez que ele não era considerado uma ameaça social. Todavia, deve ser lembrado que um dos crimes imputados a ele era o de corrupção ativa, de gravidade enorme, apesar de imediatamente não ser tão lesiva a sua prática. Daí ter sido solto porque não havia necessidade de garantir a ordem pública. (GRIFOS NOSSOS). 4. ESPIRITUALIZAÇÃO DO DIREITO PENAL Tem surgido algumas críticas no sentido de que o Direito Penal está protegendo bens jurídicos cada vez mais difusos, como meio ambiente, saúde pública, segurança pública, etc. 11 (GONZAGA, Christiano Manual de criminologia. Christiano Gonzaga. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. P. 109 e seguintes.) RETA FINAL | DPE/CE 12 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE Para parte da doutrina, o bem jurídico protegido deve ser certo e materializado (vida, patrimônio, liberdade, etc.). Assim, com a proteção a bem jurídicos desmaterializados, a doutrina aponta que está ocorrendo uma “espiritualização do direito penal”, também chamada de liquefação ou desmaterialização. 5. O DIREITO PENAL EM VELOCIDADES O DIREITO PENAL EM VELOCIDADES 5.1 1ª VELOCIDADE - JESÚS – MARÍA SÁNCHEZ Aplicação de penas privativas de liberdades. Procedimento mais lento, havendo o respeito às garantias constitucionais. 5.2 2ª VELOCIDADE - JESÚS – MARÍA SÁNCHEZ Penas alternativas à prisão. Flexibilização de algumas garantias, assim, o processo acaba sendo mais rápido do que o normal. Ex.: Lei do Juizado Especial Criminal (transação penal, suspensão condicional do processo, etc.). 5.3 3ª VELOCIDADE - GÜNTHER JAKOBS É a soma da primeira e a segunda velocidade, isto é, aplicação de penas privativas de liberdade e garantias constitucionais flexibilizadas. Ex.: Lei de Crimes Hediondos. Está associada ao Direito penal do inimigo de Jakobs. 5.4 4ª VELOCIDADE – DANIEL PASTOR Associada ao neopunitivismo. Está ligada à proteção penal internacional, associada aos chefes de Estado no cometimento de crimes contra a humanidades, a serem julgados pelo TPI. O Estatuto de Roma define os crimes de competência do TPI: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão (mnemônico: GHUGA – vocês nunca mais vão esquecer esse rol de crimes com esse mnemônico). Importante lembrar que a quarta velocidade do Direito Penal foi batizado por Daniel Pastor como “neopunitivismo” em La deriva neopunitivista de organismos y activistas como causa del desprestigio actual de los derechos humanos, in Nueva Doctrina Penal. Buenos Aires: 2005/A, pp. 73-114). Sobre o tema, lembra Cleber Masson12 que “Nessa linha de raciocínio, o neopunitivismo se destaca como um movimento do panpenalismo, que busca a todo custo o aumento do arsenal punitivo do Estado, inclusive de forma mais arbitrária e abusiva do que o Direito Penal do Inimigo. Cria-se, em outras palavras, um direito penalabsoluto. De fato, o panpenalismo promove a diminuição (ou eliminação) de garantias penais e processuais, o aumento desordenado das forças policiais e a inflação legislativa mediante o aumento das penas, com finalidades altamente retributivas e intimidatórias. Para quem se filia a esta concepção doutrinária, a defesa social legitima o Direito Penal, visualizando o delito como uma problemática vinculada exclusivamente ao Direito Penal”. 12 Idem, p. 166. RETA FINAL | DPE/CE 13 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE Para ilustrar melhor, colaciono uma imagem da obra de Cleber Masson: Por fim, é preciso ressaltar que o direito penal deve punir o criminoso pelo FATO praticado, e não por quem ele é. Nesse sentido surgem duas teorias. 6. DIREITO PENAL DO FATO E DIREITO PENAL DO AUTOR DIREITO PENAL DO FATO DIREITO PENAL DO AUTOR O direito penal deve punir alguém em razão do fato praticado (e não pelo que o autor é). O nosso direito penal Brasileiro pode ser entendido como do fato. Por outro lado, o direito penal do autor pune pessoas pelo que elas são. O maior exemplo que podemos dar é o da Alemanha nazista, em que milhares de pessoas foram mortas, perseguidas e torturadas por serem judeus, homoafetivas, ou contrários às ideias pregadas pelo Nazismo. IMPORTANTE: na prova oral para o cargo de Defensor Público do Estado do Amapá, o examinador indagou sobre as circunstâncias judiciais do art.59 do Código Penal. A resposta esperada, em minha opinião, era justamente críticas a estas circunstâncias, já que o Juiz, em vez de considerar apenas o FATO praticado, estaria utilizando circunstâncias PESSOAIS do indivíduo, tais como personalidade, maus antecedentes, motivos, consequências do crime, personalidade, conduta social, etc. Portanto, fiquem atentos às críticas à primeira fase da aplicação da pena. ATENÇÃO! Amig@s, a reincidência (agravante) é constitucional? A questão já foi decidida pelo STF quando do julgamento do RE 453000 e a resposta da Corte à época foi afirmativa. No entanto, observemos sempre a postura crítica necessária para um(a) Defensor(a). A reincidência é tratada pelo CP em seu art. 61, I, como sendo uma agravante; ocorre que o sujeito considerado reincidente já foi punido anteriormente em decorrência do crime praticado. Agora, em um processo totalmente distinto, ele vê sua pena agravada justamente por causa dessa conduta pretérita. Veja que é uma verdadeira caracterização do Direito Penal do Autor, por sancionar o agente, dada a sua condição pessoal, o que é inadmissível. Por isso, não obstante a reincidência hoje ser considerada constitucional, mantenhamos a visão crítica e, quem sabe no futuro, o STF tenha que se posicionar novamente sobre esse ponto. Cleber Masson, Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1 p. 166. RETA FINAL | DPE/CE 14 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE 7. CONCEITOS DE DELITO Vamos começar com o conceito de crime em cada uma das teorias adotadas. 7.1 CONCEITO CLÁSSICO DE DELITO CONCEITO CLÁSSICO DO DELITO FATO TÍPICO ILÍCITO CULPÁVEL CONDUTA (apenas movimentos voluntários) Contrariedade entre a conduta e o direito. IMPUTABILIDADE Resultado DOLO/CULPA NORMATIVO (percebam que o dolo não está na conduta, mas na culpabilidade) Nexo causal Tipicidade Teoria Psicológica da Culpabilidade: A culpabilidade é o nexo psíquico entre o agente e o fato criminoso (Franz von Liszt e Ernst von Beling). Teoria do dolo normativo: O dolo carregava em si a REAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE. 7.2 CONCEITO NEOCLÁSSICO – TEORIA NEOKANTISTA CONCEITO NEOCLÁSSICO (TEORIA NEOKANTISTA) FATO TÍPICO ILÍCITO CULPÁVEL Conduta Contrariedade entre a conduta e o direito Imputabilidade Resultado DOLO E CULPA (ainda estão na culpabilidade) Nexo causal Exigibilidade de conduta diversa (novidade) Tipicidade Teoria Psicológica-Normativa da Culpabilidade: Reinhard Frank e James Goldschmidt introduziram um elemento normativo, a exigibilidade de conduta diversa. 7.3 CONCEITO FINALISTA - (HANS WELZEL) CONCEITO FINALISTA (HANS WELZEL) FATO TÍPICO ILÍCITO CULPÁVEL Conduta (dolo e culpa) Obs.: dolo e culpa passam a integrar o fato típico (saem da culpabilidade). Contrariedade entre a conduta e o direito Imputabilidade Resultado Potencial consciência da ilicitude do fato Nexo causal Exigibilidade de conduta diversa Tipicidade RETA FINAL | DPE/CE 15 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE Teoria Normativa Pura da Culpabilidade: O elemento subjetivo (dolo/culpa) migra para o fato típico, permanecendo na culpabilidade apenas elementos normativos. Teoria do Dolo Natural: Elemento puramente psicológico, sem qualquer juízo de valor. Apenas vontade e consciência, sem a (potencial) consciência da ilicitude, analisada na culpabilidade. Agora precisamos saber sobre o primeiro substrato do crime, o fato típico. Prova oral da DPE-BA: tipo é a mesma coisa de tipicidade? A resposta é negativa. Não se deve confundir o tipo com a tipicidade. O tipo é a fórmula que pertence à lei, enquanto a tipicidade pertence à conduta. Um fato típico é uma conduta humana, por isso prevista na norma penal. Tipicidade é a qualidade que se dá a esse fato. Assim, tipo penal é o próprio artigo da lei. Fato típico é inerente a norma penal. Típica é a conduta que apresenta característica específica de tipicidade (atípica a que não apresenta); tipicidade é a adequação da conduta a um tipo; tipo é a fórmula legal que permite averiguar a tipicidade da conduta. O juiz comprova a tipicidade comparando a conduta particular e concreta com a individualização típica, para ver se adéqua ou não a ela. Este processo mental é o juízo de tipicidade que o juiz deve realizar13. 13 Disponível em: http://conteudojuridico.com.br/artigo,tipicidade-conceito-e-classificacao,22427.html. Acesso em: 06/06/2021. http://conteudojuridico.com.br/artigo,tipicidade-conceito-e-classificacao,22427.html RETA FINAL | DPE/CE 16 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE 5. Tipicidade: tipo penal, conduta (ação e omissão), nexo de causalidade, resultado. Iter criminis. Desistência voluntária e arrependimento eficaz. Dolo. Culpa. Imputação objetiva. Vamos iniciar com o fato típico, depois entraremos em ilicitude, e só depois na culpabilidade. Todo esse ponto 4 está ligado ao fato típico. 8. O FATO TÍPICO ELEMENTOS QUE INTEGRAM O FATO TÍPICO 1. Conduta (dolosa ou culposa) 2. Nexo de causalidade 3. Resultado 4. Tipicidade 8.1 A EVOLUÇÃO DO TIPO Antes de falarmos sobre cada elemento integrante do fato típico, vamos entender a evolução do tipo. DESENVOLVIDA POR BELING (ABSOLUTA INDEPENDÊNCIA) DESENVOLVIDA POR MAYER (RATIO COGNOSCENDI) DESENVOLVIDA POR MEZGER (RATIO ESSENDI) O tipo penal existe, mas sem conteúdo valorativo. Ele NÃO depende dos outros elementos, como ilicitude e culpabilidade. Teoria da absoluta independência. A tipicidade presume que o fato também é ilícito. Assim, até que não se comprove que o agente atuou, por exemplo, acobertado por legítima defesa, o fato será presumidamente ilícito. Teoria da ratio cognoscendi. Adotada no Brasil. Para Mezger, todo fato típico será ilícito. Assim, se o fato é típico, ele também será ilícito. O que às vezes é falho, já que é possível que o fato seja típico, mas o autor haja em legítima defesa (o fato será típico, mas não será ilícito, não preenchendo os requisitos do crime). Teoria da ratio essendi. 8.2 TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO Em provas da Defensoria Pública e em outros certames de carreiras jurídicas, têm-se questionado sobre a “teoria dos elementos negativos do tipo”, então vamos entender.TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO Segundo Cleber Masson (2014, p. 328), a teoria dos elementos negativos do tipo foi preconizada pelo alemão Hellmuth Von Weber, e propõe o tipo total de injusto, por meio do qual os pressupostos das causas de exclusão da ilicitude compõem o tipo penal como seus elementos negativos. Tipicidade e ilicitude integram o tipo penal (tipo total). Consequentemente, se presente a tipicidade, automaticamente também estará delineada a ilicitude. Ao reverso, ausente a ilicitude, o fato será atípico. Não há distinção entre os juízos da tipicidade e da ilicitude. Crime, assim, não é o fato típico e ilícito, mas sim um tipo total de injusto, em uma única análise. Opera-se um sistema bipartido, com duas fases para aferição do crime: tipo total (tipicidade + ilicitude) e culpabilidade. Portanto, identificada a tipicidade, resultará identificada a ilicitude. Por outro lado, afastada a tipicidade, restará também afastada a ilicitude. Se fosse adotada a referida teoria, o art. 121, caput, do Código Penal ficaria assim redigido: “Matar alguém, salvo em legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito ou estrito cumprimento de dever legal”. Não foi acolhida pelo nosso sistema penal, que distinguiu explicitamente os tipos incriminadores (Parte Especial do Código Penal e legislação especial) dos tipos RETA FINAL | DPE/CE 17 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE permissivos ou causas de exclusão da ilicitude (em regra na Parte Geral do Código Penal, mais precisamente em seu art. 23). Falaremos agora sobre os elementos integrantes do fato típico. 8.3 ELEMENTOS DO FATO TÍPICO O primeiro é a conduta. TEORIAS DA CONDUTA 8.3.1 TEORIA CAUSALISTA OU CLÁSSICA Conduta é mero movimento humano. 8.3.2 TEORIA NEOCLÁSSICA OU NEOKANTISTA Conduta pode ser ação ou omissão voluntária capaz de gerar modificação no mundo exterior. Cuidado: dolo e culpa ainda estão na culpabilidade. 8.3.3 TEORIA FINALISTA Welzel inova, entendendo que conduta é comportamento humano voluntário com uma finalidade específica. Assim, conduta (dolosa ou culposa) está no fato típico e não na culpabilidade (subvertendo a teoria clássica e neokantista). 8.3.4 TEORIA SOCIAL DA AÇÃO Conduta é comportamento humano dirigido a um fim SOCIALMENTE reprovável. Hans-Heinrich Jescheck, partidário dessa teoria, define a conduta como o comportamento humano com transcendência social. 14 8.3.5 TEORIA CIBERNÉTICA DA AÇÃO Também conhecida como “ação biociberneticamente antecipada”, leva em conta o controle da vontade, presente tanto nos crimes dolosos como nos crimes culposos. Para explicar a conduta em crimes culposos, Welzel afirma que a vontade reside no resultado e não na conduta. Pelo fato de ter sido consagrada no âmbito jurídico, e mostrar-se mais pertinente ao estudo do Direito Penal, manteve-se a denominação “finalismo penal”.15 8.4 CAUSAS QUE EXCLUEM A CONDUTA Pessoal, vocês saberiam responder quais são as causas que excluem a conduta? Essa foi pergunta de prova oral, então não podemos dormir no ponto. CAUSAS QUE EXCLUEM A CONDUTA Caso fortuito ou força maior Coação física (se for moral exclui a culpabilidade) Atos ou movimentos reflexos Ato praticados por pessoas em estado de sonambulismo CUIDADO: Segundo Cleber Masson (2014, p. 303), também não há conduta, por falta de vontade nos comportamentos praticados em completo estado de inconsciência, como é o caso da hipnose. No entanto, o tema 14 Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120) – vol. 1/Cleber Masson. – 13. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019, p. 374. 15 Masson, Cleber Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1/Cleber Masson. – 8.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019, p.273. RETA FINAL | DPE/CE 18 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE não é pacífico. Segundo Juarez Cirino (2012, p. 123)16, “a teoria dominante admite ação porque o hipnotizado não pode realizar ações reprovadas pela censura pessoal, mas um segmento respeitável fala em ausência de ação. A questão da hipnose pode ser esclarecida por FREUD, iniciado na arte da sugestão hipnótica por JEAN-MARIE CHARCOT, que descobriu as causas psicológicas de muitos distúrbios psíquicos, e influenciado por HIPPOLYTE BERNHEIM, cujas experiências sobre sugestão pós-hipnótica lhe inspiraram a ideia de um inconsciente, responsável pela maioria das ações humanas. Na situação de hipnose, o hipnotizado não tem consciência do mundo exterior, apenas ouve e vê o hipnotizador, acredita em suas palavras e obedece a seus comandos, de modo alucinado. Uma pessoa saudável pode ser induzida a ver o que não existe (uma cobra), ou a não ver o que existe (uma pessoa), a sentir o cheiro de uma rosa imaginária ou a morder uma batata indicada como pera, mas existem limites: (...) um cidadão educado não realiza a sugestão de furtar coisas. A explicação é simples: o ego do hipnotizado pode estar sob o poder alheio, mas o superego continua ativo no papel de censura sobre as ações do ego, sob a forma de resistências psíquicas contra ações censuráveis. (GRIFOS NOSSOS). A conduta pode ser dolosa ou culposa. Sobre dolo, veja o quadro abaixo. 8.5 ESPÉCIES DE DOLO Em resumo: 1. DOLO DIRETO O agente prevê um resultado, dirigindo a sua conduta na busca de realizar esse mesmo resultado. 1.1 DOLO DIRETO DE PRIMEIRO GRAU É o dolo direto, hipótese em que o agente, com consciência e vontade, persegue determinado resultado (fim desejado) (SANCHES, 2016). 1.2 DOLO DIRETO DE SEGUNDO GRAU Chamado também de dolo de consequências necessárias. Ex.: para matar uma pessoa que está no avião, o agente instala uma bomba. Sabe-se que para matar uma pessoa necessariamente matará outras pessoas, por isso o nome dolo de “consequências necessárias”, isso porque há uma certeza na obtenção quanto a morte dos demais do avião. 2.DOLO INDIRETO O agente, com a sua conduta, não busca resultado certo e determinado. Possui duas formas: dolo alternativo e dolo eventual (SANCHES, 2016). 2.1 DOLO ALTERNATIVO Ocorre quando o agente prevê uma pluralidade de resultados, dirigindo sua conduta para perfazer qualquer deles com a mesma intensidade de vontade (Ex.: quero ferir ou matar, tanto faz). (SANCHES, 2016). 2.2 DOLO EVENTUAL No dolo eventual o agente não está nem aí para o resultado, pois assume o risco. Ex.: ultrapassar o sinal vermelho em alta velocidade para sentir uma “adrenalina”. DOLO DE TERCEIRO GRAU Ainda, há quem traga o dolo de terceiro grau, que seria uma inevitável violação de bem jurídico em decorrência do resultado colateral produzido a título de dolo de segundo grau. Ex.: a bomba no exemplo acima atinge uma mulher grávida, que vem a abortar em consequência daquela. O problema dessa teoria é que traz uma responsabilidade penal objetiva, pois, abstratamente, não se pode esperar que o agente presuma que haverá mulheres que estão gestantes no voo. 8.6 OUTRAS CLASSIFICAÇÕES Outras classificações para o dolo segundo Rogério Sanches (2016, p. 197/198)17: DOLO CUMULATIVO O agente pretende alcançar dois resultados, em sequência (caso de progressão criminosa). Trata-se da hipótese em que o agente quer, por exemplo, lesionar e, após a lesão, resolve causar a morte da vítima. 16 Direito Penal – Parte Geral/Juarez Cirino dos Santos - 5.ed. - Florianópolis: Conceito Editorial, 2012. 17 Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). Rogério Sanches Cunha - 4. ed. rev., ampl. e atual.- Salvador: JusPODIVM, 2016. RETA FINAL | DPE/CE 19 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE DOLO DE DANO A vontade do agente é causar efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. DOLO DE PERIGO O agente atua com a intenção de expor a risco o bem jurídico tutelado. É interessante notar que o dolo deperigo pode se manifestar em situações que, na prática, confunde-se com a inobservância do dever de cuidado, elemento elos crimes culposos. Imaginemos a situação em que o agente expõe a perigo direto e iminente a vida ou a saúde de outrem. DOLO GENÉRICO O agente tem vontade de realizar a conduta descrita no tipo penal, sem um fim específico (Ex.: art. 121, CP, “matar alguém”). DOLO ESPECÍFICO O agente tem vontade de realizar a conduta, visando um fim específico que é elementar do tipo penal (Ex.: art. 159, CP, “Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate)” DOLO DE PROPÓSITO A vontade e consciência refletida, pensada, premeditada. Ainda temos o seguinte: DOLO NORMATIVO18 DOLO NATURAL • Adotada pela teoria clássica/causal e pela neokantista • Integra a culpabilidade. • Tem três elementos: a) Consciência b) Vontade c) Consciência atual da ilicitude (sabe da ilicitude do seu comportamento) • Adotado pela teoria finalista • Integra o fato típico • Tem dois elementos: a) Consciência (sabe o que faz) b) Vontade (querer ou aceitar) OBS.: a consciência da ilicitude esta afeta à culpabilidade. 8.7 TEORIAS DO DOLO Agora veremos as teorias do dolo. TEORIAS DO DOLO 8.7.1 TEORIA DA VONTADE (ADOTADA NO DOLO DIRETO) Vontade livre e consciente de praticar o crime. 8.7.2 TEORIA DA REPRESENTAÇÃO (ADOTADA NA CULPA CONSCIENTE) Só é possível o resultado se o agente consegue prevê-lo antes. É, na verdade, culpa consciente (veremos abaixo). 8.7.3 TEORIA DO ASSENTIMENTO/CONSENTIMENTO (ADOTADA NO DOLO EVENTUAL) Também chamada de teoria do consentimento ou da anuência, complementa a teoria da vontade, recepcionando sua premissa. Para essa teoria, há dolo não somente quando o agente quer o resultado, mas também quando realiza a conduta assumindo o risco de produzi-lo.19 18 Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). Rogério Sanches Cunha - 4. ed. rev., ampl. e atual.- Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 195. 19 Masson, Cleber Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120) – vol. 1/Cleber Masson. – 13. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019, p. 440. RETA FINAL | DPE/CE 20 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE 8.8 DETALHES SOBRE A TENTATIVA Sobre a tentativa, precisamos saber alguns pontos importantes. Segundo o art. 14, II, do CP, a tentativa é quando o agente inicia a execução, mas o crime não se consuma por circunstâncias alheias à sua vontade. O parágrafo único aponta que “salvo dispositivo em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.” Em síntese, a tentativa é uma causa de diminuição de pena, a ser incidida na terceira fase da dosimetria da pena. Além disso, bom relembrarmos que a adequação típica pode ser imediata ou mediata. ADEQUAÇÃO TÍPICA IMEDIATA ADEQUAÇÃO TÍPICA MEDIATA É imediata quando o fato se amolda ao tipo legal sem a necessidade de qualquer outra norma. O ajuste do fato à lei incriminadora se dá de forma direta. Exemplo: o artigo 121 do Código Penal pune a conduta matar alguém. O fato de X matar Y se ajusta diretamente à lei incriminadora do referido dispositivo Ocorre a adequação típica mediata quando, para adequar o fato ao tipo, utiliza-se de uma norma de extensão, sem a qual é absolutamente impossível enquadrar a conduta. O ajuste do fato à lei incriminadora se dá de forma indireta. Os artigos 13, §2º (agente garantidor) (causal), 29 (partícipe) (pessoal), assim como o artigo 14, II (tentativa) (temporal), do Código Penal são normas de extensão. Vamos estudar as teorias sobre a tentativa. TEORIAS DA TENTATIVA SUBJETIVA (VULUNTARÍSTICA OU MONISTA) Nesse caso, inicia-se a possibilidade de punir a partir do momento em que o agente ingressa na fase da preparação. Sabemos que se pune a partir da execução, exceto quando os atos de preparação constituam crimes autônomos, como possuir petrechos destinados especialmente à falsificação de moeda (art. 291, CP). OBJETIVA (REALÍSTICA OU DUALISTA) Para esta teoria o objetivo da punição da tentativa volta-se ao perigo efetivo que o bem jurídico corre. É a adotada pelo Código Penal. Na teoria subjetiva (acima), a mera preparação já seria uma tentativa. Por outro lado, na teoria objetiva é necessário que o agente tenha iniciado a execução e que a consumação não se dê por motivos alheios à sua vontade. SINTOMÁTICA Ideias herdadas da Escola Positiva (estudada em criminologia). Para os adeptos da teoria sintomática, o fundamento de punição da tentativa concentra-se na análise da periculosidade do agente. Seria possível punir inclusive os atos preparatórios, e pior, sem reduzir a pena. SUBJETIVA-OBJETIVA Também chamada de teoria da impressão. Para os adeptos da teoria subjetiva- objetiva, o juiz PODERIA, no caso concreto, diminuir ou não a pena. Portanto a tentativa não seria uma causa de diminuição de pena obrigatória. CAIU NA DPE-PE-2015-CESPE: “Em relação à tentativa, adota-se, no Código Penal, a teoria subjetiva, salvo na hipótese de crime de evasão mediante violência contra a pessoa”.20 20 ERRADO. Como vimos, o Código Penal adota a teoria objetiva. http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10625629/artigo-121-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1033702/c%C3%B3digo-penal-decreto-lei-2848-40 http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10636919/artigo-29-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10638135/artigo-14-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10638075/inciso-ii-do-artigo-14-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1033702/c%C3%B3digo-penal-decreto-lei-2848-40 RETA FINAL | DPE/CE 21 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE CLASSIFICAÇÕES DA TENTATIVA TENTATIVA IMPERFEITA OU INACABADA O agente é impedido de prosseguir, deixando de praticar os atos executórios que assim o desejava. Ex.: agente que está atirando em A, mas é preso em flagrante e não consegue consumar o crime. TENTATIVA PERFEITA (ACABADA OU CRIME FALHO) O agente faz tudo que está ao seu alcance, praticando todos os atos executórios à sua disposição, mas mesmo assim não consegue consumar o crime. Ex.: agente que dispara 20 tiros em outro, mas as munições acabam. Ele não acerta nenhum tiro e a vítima sai correndo. Há tentativa perfeita. TENTATIVA BRANCA OU INCRUENTA O agente não atinge a vítima. Em outras palavras, o bem juridicamente tutelado não chega a ser lesionado. Ex.: tiro que não acerta a vítima. TENTATIVA VERMELHA OU CRUENTA O agente atinge a vítima. Em outras palavras, o bem juridicamente tutelado chega a ser lesionado, em que pese o crime não tenha consumado. A vítima é atingida. TENTATIVA IDÔNEA O resultado, embora seja possível, não é atingido por circunstâncias alheias à vontade do agente. É a tentativa por excelência. TENTATIVA INIDÔNEA É o crime impossível (absoluta impropriedade do objeto ou absoluta ineficácia do meio). Para o STJ, adotando-se a teoria objetivo-formal, o rompimento de cadeado e destruição de fechadura da porta da casa da vítima, com o intuito de, mediante uso de arma de fogo, efetuar subtração patrimonial da residência, configuram meros atos preparatórios que impedem a condenação por tentativa de roubo circunstanciado. AREsp 974.254-TO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 21/09/2021, DJe 27/09/2021. Segundo o art. 14, II, do Código Penal, o crime é considerado tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Mas o texto legal é muito aberto, não trazendo maior clareza ou precisão a respeito de algo que concretamente possaindicar quando a execução de um crime é iniciada, talvez por não se tratar de uma missão humanamente simples, sendo ela objeto de debates também em outros países. Diante da abertura legislativa, a solução desta causa é bastante complexa. Como mencionam Zaffaroni e Pierangeli, o problema mais crítico e árduo da tentativa é a determinação da diferença entre os atos executivos e os atos preparatórios, que normalmente não são puníveis. Com razão, eles mencionam que determinar este limite é dificílimo, e, ao mesmo tempo, importantíssimo, esclarecendo que existem diversos critérios doutrinários que propõe uma solução, explicando seis diferentes, mas reconhecendo que nenhum deles é totalmente suficiente. Apesar das dificuldades, referidos autores adotam o chamado critério objetivo- individual, sugerido por Welzel, por meio do qual a tentativa começa com a atividade do autor que, segundo o seu plano concretamente delitivo, se aproxima da realização. Outra não é a posição de Paulo César Busato, para quem o tipo deve ser percebido por intermédio da ação realizada, para que se identifique concretamente a presença de uma tentativa, dizendo ser esta a orientação dominante na academia. Diz ele que o sujeito flagrado de posse de um pé de cabra, RETA FINAL | DPE/CE 22 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE mais um saco de estopa e um papel com anotação sobre a combinação do cofre, em frente à porta recém-arrombada de uma residência, teria dado início à realização do seu plano de furto, malgrado não tenha realizado o núcleo do tipo, tampouco a ofensa patrimonial. Seguindo outra trilha - variante do critério objetivo-individual, embora a reconhecendo como doutrinariamente minoritária, Juarez Cirino exige comportamento manifestado em execução específica do tipo, segundo o plano do autor, numa conexão ou semelhança muito grande com a teoria objetivo-formal, que exige o início da realização do núcleo da norma penal incriminadora. Assim, seriam condutas meramente preparatórias a de dirigir-se ao local da subtração patrimonial, ainda que portando armas, montar mecanismo de arrombamento no local, etc. Não há jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores sobre a divergência, no entanto, aplica-se o mesmo raciocínio já desenvolvido pela Terceira Seção deste Tribunal (CC 56.209/MA), por meio do qual se deduz a adoção da teoria objetivo- formal para a separação entre atos preparatórios e atos de execução, exigindo-se para a configuração da tentativa que haja início da prática do núcleo do tipo penal. No caso, o rompimento de cadeado e a destruição de fechadura de portas da casa da vítima, com o intuito de, mediante uso de arma de fogo, efetuar subtração patrimonial da residência, configuram meros atos preparatórios impuníveis, por não iniciar o núcleo do verbo subtrair, o que impedem a condenação por tentativa de roubo circunstanciado Pessoal, há alguns crimes que não admitem tentativa. Vamos lembrar? CRIMES QUE NÃO ADMITEM TENTATIVA CRIMES CULPOSOS Os crimes culposos não admitem tentativa, exceto a culpa imprópria, que na verdade é um dolo punido a título de culpa, por questão de política criminal. CRIMES PRETERDOLOSOS Os crimes preterdolosos são aqueles em que se pratica uma conduta dolosa, menos grave, porém obtém um resultado danoso mais grave do que o pretendido, na forma culposa. Eles não admitem tentativa. CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS O crime se consuma com a própria omissão, independente de resultado. Ex.: omissão de socorro. CONTRAVENÇÕES PENAIS O art. 4º da Lei de Contravenções penais aduz que não é punida a tentativa de contravenção. Então, embora seja possível a tentativa, esta é impunível. CRIMES HABITUAIS Se consuma com a reiteração dos atos. Não acontecendo a reiteração, o fato é atípico. Por isso é impossível a tentativa. CRIMES UNISSUBSISTENTES Consuma-se com um único ato, por isso é incabível a tentativa. 9. CRIME IMPOSSÍVEL Também precisamos saber sobre crime impossível, estampado no art.17 do Código Penal. O que é o crime impossível? RETA FINAL | DPE/CE 23 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE É também chamado de quase crime, crime oco ou tentativa inidônea. Configura-se crime impossível quando o agente não consegue realizar o seu intento por ineficácia absoluta do meio, ou impropriedade (absoluta) do objeto. Algumas teorias surgem para explicar o crime impossível; vamos ver? 9.1 TEORIAS SOBRE O CRIME IMPOSSÍVEL 9.1.1 TEORIA SINTOMÁTICA Ainda que o crime seja impossível, o agente merece ser punido por mostrar periculosidade. Tem viés totalmente positivista! 9.1.2 TEORIA SUBJETIVA Ainda que o crime seja impossível, deve o agente ser punido com a pena equivalente à tentativa (portanto, com causa de diminuição de pena). 9.1.3 TEORIA OBJETIVA A teoria objetiva se desdobra em duas: objetiva pura e objetiva temperada. OBJETIVA PURA: não há crime mesmo que a ineficácia do meio ou a impropriedade do objeto sejam relativas. Não é adotada pelo Código Penal. OBJETIVA TEMPERADA: não há tentativa apenas se a ineficácia do meio ou a impropriedade do objeto sejam absolutas. Se for relativa e o crime não se consumar por circunstâncias alheias à vontade do agente, o agente responderá por tentativa. É a adotada pelo Código Penal. Para fechar, reforço que o crime impossível ou quase-crime apresenta-se em três espécies em nosso ordenamento: INEFICÁCIA ABSOLUTA DO MEIO IMPROPRIEDADE ABSOLUTA DO OBJETO MATERIAL OBRA DE AGENTE PROVOCADOR Ex.: tentar matar com arma de brinquedo. Ex.: mulher que toma remédio para abortar, sem estar grávida. Ex.: flagrante provocado, conforme enunciado 145 da Súmula do STF. 10. CRIMES CULPOSOS Agora sobrevoaremos os crimes culposos. Segundo o Código Penal, o crime culposo pode ser cometido por três hipóteses: imprudência, negligência e imperícia, que se consubstanciam na inobservância do dever OBJETIVO de cuidado. 10.1 CONCEITO DE CULPA Inobservância de um dever objetivo de cuidado. Veremos agora as espécies de culpa. 10.2 ESPÉCIES DE CULPA IMPRUDÊNCIA (ação) Ação que extrapola os limites esperados, agindo sem cautela e zelo. Ex.: motorista que anda a 200 km/h e atropela alguém. NEGLIGÊNCIA (omissão) Deixar de fazer algo que deveria ter feito. Ex.: acidente de carro ocasionado por falta de cuidado com os freios. IMPERÍCIA (ação) Praticar um ato em que não se tem conhecimento. Ex.: médico clínico geral que decide realizar cirurgia plástica e deforma rosto de paciente. Cuidado, pois se assumiu o risco, poderá ficar caracterizado o dolo eventual. RETA FINAL | DPE/CE 24 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE SE LIGA, ALUN@ RDP: existe tese defensorial no sentido de que o §4º do art. 121, CP é inconstitucional no que se refere à inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício. Isso porque se o agente não observa a regra técnica necessária no caso concreto, naturalmente ele agiu com culpa (pois se tivesse atuado com dolo responderia por homicídio doloso). Dessa forma, não há falar em aumento de 1/3 da pena como previsto no parágrafo, pois haveria bis in idem na punição (já que justamente por ter deixado de observar a regra técnica, ocorreu o homicídio culposo e, conforme a redação do §4º, o agente ainda por cima veria sua pena aumentada). Confira a redação do dispositivo21: 10.3 COAUTORIA EM CRIME CULPOSO 10.4 PARTICIPAÇÃO EM CRIME CULPOSO É possível, quando duas ou mais pessoas, conjuntamente, agindo por imprudência, negligência ou imperícia, violam o dever objetivo de cuidado a todos imposto, produzindo um resultado naturalístico. Um exemplo segundo Masson (2014, p. 63522) é o seguinte: “Imagine-se o exemplo em que dois indivíduos, em treinamento, efetuam disparos de arma de fogo em uma propriedade rural situada próximaa uma estrada de terra pouco movimentada. Atiram simultaneamente, atingindo um pedestre que passava pela via pública, o qual vem a morrer pelos ferimentos provocados pelas diversas munições. Há coautoria em um homicídio culposo.” Não é possível. A unidade de elemento subjetivo exigida para a caracterização do concurso de pessoas impede a participação dolosa em crime culposo. Um exemplo segundo Masson (2014, p. 63623) é o seguinte: “Na hipótese em que alguém, dolosamente, concorre para que outrem produza um resultado naturalístico culposo, há dois crimes: um doloso e outro culposo. Exemplo: “A”, com a intenção de matar “B”, convence “C” a acelerar seu carro em uma curva, pois sabe que naquele instante “B” por ali passará de bicicleta. O motorista atinge velocidade excessiva e atropela o ciclista, matando-o. “A” responde por homicídio doloso (CP, art. 121), e “C” por homicídio culposo na direção de veículo automotor (Lei 9.503/1997 – CTB, art. 302).” Precisamos saber ainda a diferença entre CULPA CONSCIENTE E CULPA INCONSCIENTE. 10.5 CULPA CONSCIENTE O agente prevê o resultado, mas acredita que ele não acontecerá. Cuidado 01: se ele prevê o resultado e também o aceita, temos o dolo eventual. Cuidado 02: previsão é diferente de previsibilidade. Todos os crimes culposos necessitam da previsibilidade, que é a possibilidade do resultado ser previsível (já que se não há previsibilidade, não há punição, pois, caso contrário, haveria responsabilidade penal objetiva). A previsão, por outro lado, é a visualização prévia, pelo agente, do acontecimento de determinado crime, isto é, o agente conhece o perigo. 10.6 CULPA INCONSCIENTE Neste caso, o resultado também é previsível, mas o agente, no caso concreto, não prevê. Agora vamos aos elementos do crime culposo (anotem em seus cadernos). 21 Homicídio culposo § 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965) Pena - detenção, de um a três anos. Aumento de pena § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003). 22 Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1/Cleber Masson. – 8.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. 23 Idem. RETA FINAL | DPE/CE 25 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE 10.7 ELEMENTOS DO CRIME CULPOSO CONDUTA HUMANA VOLUTÁRIA A voluntariedade está relacionada à ação, e não ao resultado. VIOLACÃO A UM DEVER OBJETIVO DE CUIDADO O agente atua em desacordo com o que é esperado pela lei e pela sociedade. RESULTADO NATURALÍSTICO Necessidade de um resultado no mundo dos fatos. NEXO CAUSAL Elo entre a conduta e o resultado naturalístico. PREVISIBILIDADE É a possibilidade de prever o resultado, conhecer o perigo. TIPICIDADE Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. Agora entraremos no outro elemento do fato típico, qual seja, o nexo de causalidade. 11. NEXO DE CAUSALIDADE De início, saibam que nexo de causalidade é a ligação entre a conduta praticada e o resultado obtido. Para explicar o nexo causal, surgem algumas teorias, que veremos agora. 11.1 TEORIAS SOBRE O NEXO DE CAUSALIDADE 11.1.1 EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS 11.1.2 CAUSALIDADE ADEQUADA/SIMPLES 11.1.3 TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA É a adotada como regra no Código Penal. É chamada também de CONDITIO SINE QUA NON. Para ela, causa é todo e qualquer acontecimento provocado pelo agente, sem o qual o resultado não teria ocorrido. Regra no Código Penal. Aqui, causa é todo comportamento capaz de produzir o resultado. A razoabilidade do antecedente como causa do resultado advém das regras de experiência. É adotada com relação às concausas relativamente independente que, por si só, causariam o resultado. Art. 13 § 1º do CP. Talvez, a mais importante para nossa prova. A imputação objetiva busca limitar o nexo físico. Só responde aquele que criou ou incrementou um risco juridicamente proibido. Duas vertentes são as mais conhecidas, a saber: a) Claus Roxin e b) Günther Jakobs. CAIU NA DP-DF-2019-CESPE: “A superveniência de causa relativamente independente da conduta do agente excluirá a imputação do resultado nos casos em que, por si só, ela tiver produzido o resultado”.24 CAIU NA DPE-PA-2009-FCC: “Para formação do nexo de causalidade, no sistema legal brasileiro, a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado, imputando-se os fatos anteriores a quem os praticou”.25 24 CERTO. 25 CERTO. RETA FINAL | DPE/CE 26 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE 11.2 CONTRIBUIÇÃO DE CLAUS ROXIN Segundo a doutrina26, “Claus Roxin visa, com o desenvolvimento da teoria da imputação objetiva, determinar um critério de imputação capaz de concretizar a finalidade da norma penal. Para ele, um resultado só deve ser imputado como sua obra e preenche o tipo objetivo unicamente quando: (1) o comportamento do autor cria um risco não permitido para o objeto da ação; (2) o risco se realiza no resultado concreto; e (3) este resultado se encontra dentro do alcance do tipo” No tocante à visão de Roxin sobre a imputação objetiva, Luiz Regis Prado, em seu Curso de Direito Penal (2019), arremata: Imputação objetiva: Procura fixar os critérios normativos que permitem atribuir um resultado a determina do comportamento (ação ou omissão). Com vistas a elaborar uma teoria geral da imputação para os delitos de resultado (dolosos ou culposos) desvinculada do dogma causal, Claus Roxin elaborou uma série de critérios normativos, a saber: • a diminuição do risco; • a criação ou não criação de um risco juridicamente relevante; • o incremento ou falta de aumento do risco permitido e o âmbito de proteção da norma. O denominador comum desses critérios encontra-se no princípio do risco, pelo qual o decisivo é saber se a conduta do autor criou ou não um risco juridicamente relevante de lesão típica de um bem jurídico em relação com determinado resultado. Para que um resultado seja objetivamente imputável a um comportamento é preciso que este incorpore um risco juridicamente desaprovado consubstancia do em um resultado.”27 Entraremos agora no método hipotético de Thyrén. 11.3 MÉTODO HIPOTÉTICO DE THYRÉN Aplicando a teoria dos antecedentes causais, surge um método para saber se determinado fato é ou não causa. Esse método foi cunhado por Thyrén, daí porque o método leva o seu nome. Para saber se determinado fato é ou não causa, de acordo com a teoria dos antecedentes causais, suprime-se mentalmente um determinado fato que está no desenvolvimento linear do crime. Se não ocorrer resultado naturalístico em razão dessa supressão, é porque esse fato era causa; de outro lado, se persistir, causa não será. Ex.: “A” efetuou 4 disparos de arma de fogo contra “B”, que veio a óbito. Para saber se este fato é causa, suprime-se hipoteticamente a ação e verifica-se se o resultado aconteceria. Além de Claus Roxin, Günther Jakobs também traz importante contribuição acerca da teoria da imputação objetiva, que veremos a seguir. 26 Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120) – vol. 1/Cleber Masson. – 13. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019, p. 411 27 Prado, Luiz Regis Curso de Direito Penal Brasileiro. – 17. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 339 RETA FINAL | DPE/CE27 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE 11.4 CONTRIBUIÇÃO DE GÜNTHER JAKOBS PARA A IMPUTAÇÃO OBJETIVA RISCO PERMITIDO Há riscos que nem sempre são proibidos. Para Jakobs, o risco permitido é aquele que a sociedade aceita como válido. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA Se o indivíduo agiu dentro da legalidade, sem qualquer relação com ato criminoso, ele confiará que o próximo também o fará. Exemplo dado por Jakobs: um freguês de um mercado ao pagar o seu pão, por exemplo, não deve desconfiar se o dono do mercado irá usar o dinheiro de forma lícita ou ilícita. Não faz parte do papel do freguês controlar o que o proprietário irá ou não fazer com o dinheiro, seu papel é somente pagar o que deve. PROIBIÇÃO DO REGRESSO Este é o desdobramento lógico do princípio da confiança. No caso do freguês dado acima, se ele compra pão, e o dono da padaria utiliza o dinheiro para comprar uma arma de fogo a fim de assaltar o banco, o indivíduo que comprou o pão nada tem relação com o possível crime. Há, neste caso, uma proibição do regresso. Feitas essas considerações, veremos agora as possibilidades de concausas. 11.5 O QUE É UMA CONCAUSA? CONCEITO DE CONCAUSA “Nada mais é do que o concurso de fatores (preexistentes, concomitantes ou supervenientes) que, paralelamente ao comportamento do agente, são capazes de modificar o curso natural do resultado.” 11.5.1 TIPOS DE CONCAUSAS CONCAUSA DEPENDENTE O resultado obtido depende da conduta do indivíduo. O agente responde pelo crime, pois o resultado está dentro da cadeia normal do nexo de causalidade. CONCAUSA INDEPENDENTE Capaz de produzir, por si só, o resultado. Podem ser: a) absolutamente independentes e b) relativamente independentes. Vamos explicar cada uma em uma tabela distinta, para facilitar a compreensão. CONCAUSAS ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTES (RESPONDE PELO CRIME TENTADO) PREEXISTENTES Acontecem antes da conduta do agente. Ex.: “A” dispara um tiro em “B”, que morre. Na perícia, constata-se que “B” havia tomado veneno antes, sendo esta a causa da morte. Assim, temos uma concausa absolutamente independente, respondendo o autor apenas por tentativa. CONCOMITANTE Acontece ao mesmo tempo, por isso o nome “concomitante”. Ex.: “A” atira para matar “B”. No entanto, na hora do disparo, este é alvejado por um carro, que o atropela e mata. Neste caso, “A” responderá por homicídio tentado. SUPERVENIENTE Acontecem após à conduta do agente, daí porque o nome “concausa superveniente”. “A” administra dose letal de veneno para “B”. Enquanto este último ainda está vivo, desprende-se um lustre da casa, que acaba por acertar sua cabeça, sendo esta sua causa mortis. RETA FINAL | DPE/CE 28 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE Este responderá por homicídio tentado. CONCAUSAS RELATIVAMENTE INDEPENDENTES (RESPONDE PELO CRIME CONSUMADO) PREEXISTENTE Acontecem ANTES da conduta. Ex.: “A” atira nas pernas de “B”, apenas para “dar um corretivo”. Acontece que “B” era hemofílico e vem a óbito em razão da perda de muito sangue. Sem entrar na discussão da responsabilidade subjetiva/objetiva, isto é, se “A” sabia ou não da hemofilia, o resultado morte poderá ser imputado a “A”. CONCOMITANTE Acontecem ao mesmo tempo da conduta do agente. Ex.: “A”, com intenção de matar, atira em “B”, mas não atinge o alvo. A vítima, assustada, tem um infarto fulminante e morre. “A” responderá por homicídio consumado. SUPERVENIENTE Está prevista no artigo 13, §1º, do Código Penal: “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. Ex.: “A”, com intenção de matar, atira em “B”; este é socorrido, mas no trajeto para o hospital a ambulância sofre um acidente totalmente inesperado e capota, vindo “B” a falecer exclusivamente em decorrência do acidente. “A” responderá por homicídio tentado. Situação diversa ocorreria caso “B” falecesse em decorrência da imperícia do médico que fez sua cirurgia de emergência; isso porque, nesta segunda hipótese, a cirurgia não foi causa absolutamente independente, eis que se “A” não tivesse feito o disparo, “B” não precisaria ter se submetido ao procedimento cirúrgico. Assim, “A” responderá por homicídio consumado. 12. RESULTADO JURÍDICO E NATURALÍSTICO Dentro ainda do fato típico, agora sobre o elemento “resultado”, precisamos entender que há dois principais tipos: resultados jurídicos e naturalísticos. RESULTADO JURÍDICO NATURALÍSTICO Todo crime tem resultado jurídico. É, em suma, a violação ou o perigo/ameaça de lesão ao bem jurídico. Nem todos os crimes têm resultado naturalístico, pois o resultado naturalístico é a modificação no mundo dos fatos. Ex.: todo crime material terá modificação no mundo dos fatos. Se “A” mata “B”, há uma modificação no mundo dos fatos, pois “B” deixará de existir. Já os crimes de mera conduta, por exemplo, não têm resultado naturalístico. Ex.: ameaça. RETA FINAL | DPE/CE 29 CURSO RDP DIREITO PENAL APOSTILA 01 | RETA FINAL - DPE/CE O simples fato de “A” falar que vai matar “B” já consuma o crime, sem qualquer necessidade de resultado no mundo exterior. Rogério Sanches (201628) traz três classificações curiosas que podem ser cobradas em provas: CRIME DE TENDÊNCIA INTERNA TRANSCENDENTE (OU CRIME DE INTENÇÃO): “O sujeito ativo quer um resultado dispensável para a consumação do delito. O tipo subjetivo é composto pelo dolo e por elemento subjetivo especial (finalidade transcendente). Ex.: na extorsão mediante sequestro - art. 159 do Código Penal- a obtenção da vantagem (resgate) é dispensável para a consumação (que se contenta com a privação da liberdade da vítima). CRIME DE RESULTADO CORTADO: espécie de crime de intenção, o resultado (dispensável para a consumação), não depende do agente, não está na sua esfera de decisão. Ex.: na extorsão mediante sequestro, a obtenção da vantagem-pagamento do resgate, dispensável para a consumação do crime, não depende do agente, mas de terceiros ligados à vítima. CRIME MUTILADO DE DOIS ATOS: também espécie de crime de intenção, o crime mutilado de dois atos se verifica quando o resultado dispensável depende de novo comportamento do agente, está em sua esfera de decisão. Ex.: no crime de petrechos para falsificação de moeda, a efetiva falsificação das moedas e sua colocação em circulação, ambos resultados dispensáveis para a consumação, dependem de nova decisão do agente.” 13. TIPICIDADE Relembre que o fato típico é composto pelos seguintes elementos: conduta (já vimos), nexo de causalidade (já vimos), resultado (acabamos de ver) e tipicidade (veremos agora).29 A tipicidade pode ser meramente formal ou material (conceito dentro de tipicidade conglobante, como veremos). Em resumo, a tipicidade formal é a mera subsunção do fato à norma. Ex.: matar alguém é crime; se você realizou essa conduta, você cometeu um fato típico (e presumidamente ilícito, de acordo com a teoria da indiciariedade ou ratio cognoscendi). No entanto, a mera tipicidade formal pode levar a inúmeras injustiças. Para isso, a doutrina criou um outro conceito de tipicidade, chamada de tipicidade material. A tipicidade material é a EFETIVA lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. Isto é, além da subsunção dos fatos à norma, agora deve haver uma tipicidade MATERIAL, ou seja, relevante para o direito. 13.1 TIPICIDADE FORMAL 13.2 TIPICIDADE MATERIAL Mera subsunção do fato à norma. Necessidade de efetiva lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico relevante. Furtar R$ 2,00 (dois reais) é formalmente típico. Furtar R$ 2,00 é formalmente típico, mas não é materialmente típico, como regra. 28 Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120) /Rogério Sanches Cunha - 4. ed. rev., ampl. e atual.- Salvador: JusPODIVM,
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