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Disciplina: Teoria do conhecimento Aula 1: Investigação filosófica Apresentação Você sabe o que torna o homem diferente de outras espécies? Nossa capacidade de conhecer e racionalizar. A razão humana, o que somos e a natureza do conhecimento são temas centrais da Filosofia desde seu nascimento. Nesta aula, veremos as primeiras análises acerca da natureza do conhecimento, voltando no tempo até a Grécia Antiga. A proposta é compreender como os filósofos investigavam o conhecimento e como seus trabalhos influenciariam os pensadores subsequentes. Objetivos Explicar o fundamento da teoria do conhecimento; Analisar as diversas formas de conhecimento na Grécia Clássica; Comparar as teorias do conhecimento propostas por Platão e Aristóteles. Página 1 de 196 Razão, conhecimento, conhecer... Como estas palavras se relacionam a nosso cotidiano? Desde os tempos mais remotos, o homem questiona o mundo em que vive. Como espécie, o que nos difere de outro animal é a capacidade de pensar, a inteligência e a lógica que o raciocínio humano promove. De acordo com o professor, escritor e filósofo brasileiro Mario Sergio Cortella, a Filosofia nasceu da necessidade de discutir sobre a razão e a origem de todas as coisas, simplesmente porque somos capazes de refletir acerca de tudo. Para entender melhor seu ponto de vista, assista ao vídeo em que ele discorre mais sobre o assunto: Filosofia no dia a dia com Mario Sergio Cortella https://www.youtube.com/watch?v=3oxP-wjI4lE A famosa frase do filósofo francês René Descartes (1596-1650) resume bem o sentido máximo da Filosofia, que é fundada na racionalidade: René Descartes (Fonte: Shutterstock) É possível que vocês esteja se perguntando...quem foi Descartes? Ele foi um dos mais importantes pensadores que desenvolveu um método de investigação sobre o qual nos deteremos mais na aula 3. Página 2 de 196 Dessas questões acerca de conhecer o mundo nasceu a teoria do conhecimento, cujo objetivo é investigar, de forma ampla, a natureza do saber. Mas que natureza é essa? Vejamos... Natureza do conhecimento Existem diversos tipos de conhecimento, tais como o conhecimento científico e o senso comum ou conhecimento popular. Cada um possui seu próprio método: algo que o forma e estabelece sua natureza, ou seja, aquilo que o caracteriza. No caso do conhecimento científico e filosófico, sua principal característica é a racionalidade, a busca em demonstrar os fenômenos de maneira lógica. Para estudarmos o conhecimento, muitas questões são colocadas, como, por exemplo, o que é esse saber em si. Ao longo da história, muitos filósofos buscaram, de diferentes modos, responder a esta e a outras questões, como o que é verdade e como podemos nos aproximar de seu sentido (real e lógico). E você? O que pensa sobre o conceito de verdade? Alguns afirmam que se trata daquilo que aconteceu e que não pode ser questionado, mas tal noção não tem esse sentido exatamente. Exemplo Tomemos como exemplo um fato histórico como a Segunda Guerra Mundial. Imagine que dois soldados – um norte-americano e um alemão – tenham participado de uma mesma batalha. Será que ambos a contariam de maneira semelhante? Página 3 de 196 Provavelmente, não! Mas por que não, se a batalha era a mesma? Porque cada um narra a batalha a partir de seu ponto de vista, o que inclui uma série de particularidades. Há, aqui, então, duas verdades sobre um mesmo evento. Por isso: A verdade não é absoluta! A questão da verdade é muito importante para estudarmos o conhecimento. Por esse motivo, vamos nos remeter a ela outras vezes durante esta disciplina. Significado de Filosofia Ao longo do tempo, desde seu nascimento, na Antiguidade Clássica, a Filosofia assumiu inúmeros sentidos, e o termo se tornou parte de nosso cotidiano. É comum, por exemplo, para nós ouvirmos expressões como filosofia de vida. Mas o que quer dizer Filosofia? De acordo com o sentido etimológico: FILOSOFIA = AMOR AO CONHECIMENTO A prática filosófica surgiu exatamente do desejo em conhecer o mundo. Hoje, tendemos a associar a Filosofia às Ciências Humanas, mas, quando esta nasceu, sua ciência irmã era a Matemática. Estátua de Pitágoras (Fonte: Shutterstock) Página 4 de 196 Pitágoras havia estudado com outro famoso sábio grego: Tales de Mileto. O objetivo do trabalho de Mileto era descobrir a origem de tudo, e tanto ele quanto seus discípulos se voltavam para o universo. Essa Filosofia é conhecida como cosmogônica ou filosofia da natureza. Seus adeptos, como os já citados Mileto e Pitágoras, também são chamados de pré-socráticos, pois antecedem o pensamento do filósofo ateniense Sócrates (469-399 a.C.) – pai da Filosofia Ocidental –, cujo trabalho foi fundamental para a consolidação do pensamento filosófico na Grécia Clássica. Muito do que foi produzido na Antiguidade Clássica se perdeu ao longo do tempo, como é o caso do próprio trabalho de Sócrates, que nada deixou escrito. Conhecemos seu pensamento por meio de seu discípulo: o filósofo e matemático Platão (428-348 a.C.). Leitura Para saber mais sobre esse matemático, conheça a História e a Filosofia de Pitágoras. <http://www.ghtc.usp.br/server/Sites- HF/Alain-Jacques-Burlet/html/node3.html > Escola sofista Entre os principais sofistas, destacamos os filósofos: Górgias (485-380 a.C.) – grego; Antífone (480-410 a.C.) – ateniense; Protágoras (486-411 a.C.) – grego.1 Página 5 de 196 http://www.ghtc.usp.br/server/Sites-HF/Alain-Jacques-Burlet/html/node3.html file:///W:/2018.2/teoria_do_conhecimento__GON962/aula1.html Diferente dos pré-socráticos, os sofistas tinham como método filosófico conhecer o homem, e não a natureza. Para Protágoras, todo o conhecimento – que é mutável – parte do homem, porque ele também muda sua percepção das coisas ao longo do tempo. Para os sofistas, o conhecimento não é absoluto, pois o indivíduo é subjetivo, e cada um constrói uma perspectiva própria de verdade. Lembra-se do exemplo anterior dos soldados da Segunda Guerra? Essa é a ideia. Podemos, então, entender os sofistas como professores que se dispõem a levar o conhecimento – mediante pagamento – aos diversos cidadãos da Grécia. De acordo com Silva (2017, p. 142): Página 6 de 196 Com a ideia de formar o cidadão para o Estado, ou melhor, para atuar como cidadão em uma democracia que estava nascendo, os sofistas ensinavam às pessoas as técnicas argumentativas necessárias para o discurso. Assim, a defesa de seu próprio pensamento levava o cidadão a adquirir e ampliar seu espaço nessa sociedade. Para os sofistas, o conhecimento se amparava na retórica e na oratória. Era por meio dessas práticas que se construiria o conhecimento e que se formaria do indivíduo considerado virtuoso. Os sofistas eram contra a ideia de que as leis e os costumes são de natureza divina e universal, pois o homem não é único nem possui uma só forma de pensar: seu pensamento é relativista. Por isso, eles sofreram várias críticas de filósofos, como, por exemplo, de Platão. Antiguidade Clássica Todo pensamento filosófico e todo conhecimento produzido são frutos de seu próprio tempo. Página 7 de 196 Para compreendermos os métodos e as teorias que estudamos – nesta ou em outra disciplina –, temos de nos remeter ao contexto histórico no qual os filósofos e pensadores estão inseridos. Por isso, vamos analisar, brevemente, o período histórico conhecido como Antiguidade Clássica, que envolve Grécia e Roma antes do século V d.C., marcado pela queda do Império Romano. A história grega é anterior à história romana. A atual história ocidental deve à Grécia um enorme legado, como o teatro, a democracia e, é claro, a Filosofia. A Grécia era formada por diversas cidades-estados que possuíam autonomia e se organizavam de forma soberana. Dessas cidades, destacamos Atenas – berço da democracia e da cidadania. Ruínas da antiga Atenas (Fonte: Sven Hansche/Shutterstock) Quando tratamos desses conceitos, não estamos nos referindo à concepção atual – muito mais ampla do queaquela existente na Grécia. A democracia grega não incluía, por exemplo, mulheres, escravos e estrangeiros, ou seja, excluía uma enorme parcela da população. Da mesma forma, a participação na vida pública e aquele considerado cidadão eram algo restrito aos homens livres, nascidos em Atenas. Ainda assim, mesmo com tais limitações, Atenas era muito à frente de seu tempo, e o culto ao saber era extremamente importante para essa sociedade. Embora compartilhem o olhar voltado para o homem, os sofistas e os socráticos não faziam parte de um mesmo pensamento. Ao contrário, os sofistas foram duramente criticados por filósofos como Platão e Aristóteles (384-322 a.C.), que discordavam do pagamento recebido por eles em troca de ensinamentos. A partir de Sócrates, houve uma mudança relevante no pensamento filosófico. Página 8 de 196 Atribui-se a ele a seguinte afirmação: Estátua de Sócrates (Fonte: Sven markara/Shutterstock) Para Sócrates, o saber e a verdade não estavam dados, mas iam sendo descobertos à medida que o indivíduo questionava a si mesmo acerca daquilo que sabia. Sócrates fazia questionamentos aos cidadãos atenienses sobre os mais diversos assuntos – como, por exemplo, ética e moral –, pois entendia que o conhecimento nasce do diálogo. Seu método é chamado de dialético justamente por isso. Embora vivesse entre nobres e fosse reconhecido como um sábio, Sócrates não era oriundo de uma família rica. Sua mãe exercia o ofício de parteira, o que influenciou o pensamento filosófico socrático. A partir do exercício de trazer as crianças à vida, Sócrates desenvolveu a maiêutica, que busca trazer à luz o conhecimento. Para ele, a verdade existe, ainda que não nos demos conta dela. É possível chegar à verdade por meio de indagações: cada um questiona aquilo que acredita saber, e se abre para novas perspectivas e novos conhecimentos, ou seja, desenvolve outro olhar sobre uma questão. Leitura Para saber mais sobre esse filósofo, conheça as ideias de Sócrates, o mestre em busca da verdade. <https://novaescola.org.br/conteudo/177/socrates-mestre- verdade> Página 9 de 196 https://novaescola.org.br/conteudo/177/socrates-mestre-verdade Platão Embora tenha sido admirado em seu tempo, Sócrates não era uma unanimidade entre os atenienses e foi condenado a morrer envenenado pela ingestão de cicuta, acusado de corromper os costumes e a juventude. Um dos mais notórios discípulos de Sócrates foi Platão, cuja premissa filosófica separa o mundo sensível do mundo das ideias, o que ficou conhecido como dualidade platônica. A extensa obra de Platão é escrita em forma de diálogos, possivelmente sob influência do método dialético, e se dedica a diversos assuntos, inclusive a política – um tema não amplamente abordado por Sócrates. Platão entende que o mundo das ideias é amparado na razão, enquanto o mundo sensível pode nos levar ao engano. Esse pensamento é ilustrado na obra A República (PLATÃO, 1956, p. 287-291), no chamado O mito da caverna <http://imagomundi.com.br/filo/mito_cave.pdf> O mito da caverna. Estátua de Platão (Fonte: Nice_Media_PRO/Shutterstock) Como vimos, para Platão, os prisioneiros que vivem na caverna conhecem o mundo apenas por meio de projeções, que, por sua vez, não correspondem a imagens reais, mas a simples representações. Apenas deixando esse mundo de sensações ilusórias, é possível conhecer a verdade, que está além dos sentidos e que existe no plano das ideias, da racionalidade. Em outras palavras, o conhecimento advindo de nossas percepções é falho, enquanto o conhecimento advindo da observação e da racionalidade é verdadeiro. Página 10 de 196 http://imagomundi.com.br/filo/mito_cave.pdf Além de O mito da caverna, podemos destacar O mito da parelha <galeria/aula1/anexo/anexo.pdf> , que se encontra em outra importante obra: Fedro (PLATÃO, 1966, p. 73-75). Nele, Platão divide a alma em três partes, representadas pelo cocheiro e por dois cavalos. O cocheiro é a razão, e os cavalos – um bom e um mau – simbolizam o filósofo e um tirano, respectivamente. Quando a alma se deixa guiar pelo cavalo mau, que reproduz o desejo e os impulsos, não é possível perceber a verdade como um todo. Já quando a alma se deixa conduzir pelo cocheiro e pelo cavalo bom, que retrata a moral, é possível chegar à verdade e ao conhecimento. Aristóteles O trabalho de Platão afetou profundamente a obra de Aristóteles, de quem foi mestre. Ambos entendiam que a Filosofia era uma ciência, e que a natureza de seu conhecimento era baseada na racionalidade. Mas Aristóteles não compartilhava a tese platônica da dualidade entre mundo sensível e mundo das ideias. Se esta foi fundamental na teoria do conhecimento de Platão, Aristóteles, por sua vez, entendia que a racionalidade também passa pela percepção, por aquilo que os sentidos humanos captam. Para Aristóteles, o conhecimento está na capacidade humana de observar, perceber e distinguir a essência das coisas, separando-a do que é casual. Platão entendia que essa essência está no mundo das ideias, enquanto Aristóteles, naquilo que, de fato, é observado. Esse debate tão relevante foi retratado séculos depois, no Renascimento, por um dos mais importantes artistas da história, Rafael Sanzio, em sua obra A Escola de Atenas. Escola de Atenas (Fonte: Serato/Shutterstock) Página 11 de 196 file:///W:/2018.2/teoria_do_conhecimento__GON962/galeria/aula1/anexo/anexo.pdf Aristóteles ampliou muito a obra de seus antecessores. Como filósofo e pensador, dedicou-se aos mais diversos assuntos, como a ética, a política e a lógica – tão cara à Filosofia. O conceito chave para entendermos a concepção aristotélica referente à teoria do conhecimento é a metafísica. Sua preocupação é compreender o mundo que nos rodeia. A princípio, só podemos fazê-lo a partir daquilo que sentimos e observamos, certo? A metafísica busca analisar além dessa primeira impressão, dessa percepção superficial, e procura refletir sobre o que compõe a natureza dos seres e das coisas. Exemplo Como poderíamos definir a espécie humana? Esta deve ser definida por suas características particulares ou gerais? Se afirmamos que todos os homens pertencem a uma etnia específica, desconsideramos inúmeros grupos étnicos. Logo, nossa etnia não pode nos definir como espécie, visto que é uma particularidade, um caso. Mas podemos reconhecer que todos os seres humanos são mamíferos. Esta seria, então, nossa essência, aquilo que nos define. Cabe à razão separar o que é um acaso ou acidente daquilo que é, de fato, a essência. Todo homem é racional, pois a racionalidade e a busca pelo conhecimento também são parte de sua essência. De acordo com Aristóteles (1984, p. 11): Página 12 de 196 Todos os homens têm, por natureza, o desejo de conhecer. O prazer causado pelas sensações é a prova disso, pois, mesmo fora de qualquer utilidade, as sensações nos agradam por si mesmas e, mais do que todas as outras, as sensações visuais. A metafísica aristotélica busca entender o que faz as coisas serem como são e, para isso, dedica-se a investigar a causa de todas as coisas. Se nos sentimos doentes, precisamos saber a causa de nosso mal-estar para que possamos administrar o tratamento adequado. Logo, para compreender a essência das coisas, é necessário conhecer as causas, aquilo que tornou algo como é. Quando somos crianças, temos uma série de potencialidades, não é? À medida que crescemos e diante de diversas escolhas que fazemos na vida, tornamo-nos adultos. Aristóteles propôs investigar o que fez com que tomássemos determinado caminho, e não outro, ou seja, o que nos tornou aquilo que somos. Para ele, são quatro as causas a ser analisadas: material, formal, eficiente e final. Tomemos como exemplo um livro. Ele é feito de papel e expressa as ideias de um autor. Aplicando o modelo das causas de Aristóteles, temos: Causa material – papel (aquilo de que é feito); Página 13 de 196 Causa eficiente – autor (aquele que o fez); Causa formal – conteúdo (a coisa em si); Causa final – propósito (intenção).Atividade 1. Pense em outros exemplos e aplique a teoria de Aristóteles acerca das causas. 2. Diante do fato de que o conhecimento científico se ampara na racionalidade, assinale a opção cuja proposição não representa esse tipo de saber: a) Leis de Newton. b) Teorema de Pitágoras. c) Superstições populares. d) Evolucionismo de Darwin. e) Teoria da relatividade de Einstein. Página 14 de 196 3. (FUNCAB - 2012) Mestres da retórica e da oratória, os sofistas opunham-se aos pressupostos de que as leis e os costumes sociais eram de caráter divino e universal. Assim, deu-se entre eles o: a) Relativismo. b) Naturalismo. c) Cientificismo. d) Racionalismo. e) Ceticismo filosófico. 4. (FUNCAB - 2012) A Escola de Atenas – pintura renascentista de Rafael de Sanzio – retrata um dos maiores conflitos filosóficos de todas as épocas. No meio da tela estão Platão, apontando para cima, e Aristóteles, com a mão espalmada para baixo. A obra indica o conflito entre: a) O céu e o inferno. b) O divino e o mundano. c) O intangível e o tangível. d) A virtude (no alto) e o vício (no chão). e) O conhecimento inteligível e o sensível. Notas Protágoras1 Página 15 de 196 Responsável pela famosa afirmação: O homem é a medida de todas as coisas. Referências ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Abril Cultural, 1984. 2 v. HOBUSS, J. F. N. Introdução à história da Filosofia Antiga. Pelotas: NEPFIL online, 2014. (Série Dissertatio-Filosofia). PLATÃO. A República. 6. ed. São Paulo: Atena, 1956. ______. Fedro. Lisboa: Guimarães, 1966. (Coleção Filosofia & Ensaios). SILVA, R. A. da. Caminhos da Filosofia. Curitiba: InterSaberes, 2017. Próximos Passos Conhecimento medieval; Sentido de verdade relacionado ao cristianismo; Pontos fracos e fortes das definições. Explore mais Assista ao vídeo: Introdução à Filosofia. <https://www.youtube.com/watch? v=1YOKnrxumb8> Página 16 de 196 https://www.youtube.com/watch?v=1YOKnrxumb8 Disciplina: Teoria do conhecimento Aula 2: Método Científico nas Ciências Humanas Apresentação: Nesta aula, analisaremos a questão do conhecimento na Antiguidade pós Aristóteles. A proposta é compreender como as noções de Filosofia e de investigação filosófica se alteraram durante a Idade Média até chegarmos ao filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626). Investigaremos a mudança no conceito de paradigma e da base do conhecimento, que, na Idade Média, misturou-se com uma questão religiosa, ampliando a discussão entre fé e razão como fundamento da verdade. A partir do cristianismo, que deu origem a uma Filosofia cristã, discutiremos as proposições acerca do conhecimento para os filósofos argelino e romano, Agostinho de Hipona (354 d.C.-430 d.C.) – Santo Agostinho – e Boécio (480 d.C.-524 d.C.), respectivamente, e para o frade católico Tomás de Aquino (1226-1274). A ideia é refletir sobre as transformações do pensamento filosófico que nos conduziram a novas metodologias, como a metodologia indutiva proposta por Bacon. Objetivos: Analisar a teoria do conhecimento proposta após Aristóteles; Investigar a mudança de paradigma filosófico na Idade Média; Identificar as proposições de São Tomás de Aquino para a investigação filosófica. Página 17 de 196 Teoria do conhecimento de Aristóteles Na aula anterior, vimos os fundamentos da teoria do conhecimento a partir da Grécia Antiga e analisamos o pensamento de três dos principais pensadores da história da Filosofia: Sócrates (469 a.C.-399 a.C.) Platão (428-348 a.C.) Aristóteles (384-322 a.C.) Agora, veremos questões caras a essa teoria, como a relação entre conhecimento, verdade e religião, destacando o Período Medieval. Mas é importante lembrar que não era apenas o Ocidente que produzia Filosofia. O Oriente (China e Índia) possuía vertentes filosóficas relevantes, que estudaremos mais detidamente em outras disciplinas. Existem inúmeras formas de explicar o mundo e, como vimos na primeira aula, esta foi uma inquietação humana desde os tempos mais remotos. Página 18 de 196 O homem pré-histórico registrou nas paredes das cavernas em que habitava imagens que traduziam seu dia a dia, mas que também eram uma maneira de expressar o mundo que o cercava: as famosas pinturas rupestres. Pintura em Lascaux (Fonte: https://goo.gl/nGAcmF <https://goo.gl/nGAcmF> ) Em outras palavras, muito antes da Filosofia, já havia um pensamento filosófico, mesmo que não sistematizado. Já vimos algumas abordagens na Grécia e na França. Agora, retornaremos à Antiguidade com foco em Roma. Mas por que essa mudança, se sabemos que a Grécia foi o berço da Filosofia e das discussões acerca da natureza do conhecimento no Ocidente? Vejamos... Novo pensamento filosófico As poderosas cidades-estado gregas – como Atenas, Tebas e Esparta – entraram, aos poucos, em declínio, provocado por fatores: Internos – como a insatisfação social; Externos – como as guerras contra outros povos. Leitura Para conhecer uma dessas batalhas, leia a História da Guerra do Peloponeso <galeria/aula2/anexo/anexo1.pdf> . À medida que o mundo mudava, a Filosofia transformava-se junto com ele. Vimos que o conhecimento filosófico está profundamente relacionado a uma interpretação daquilo que se observa e de como vivemos em sociedade. Se um modo de vida se altera, um novo pensamento filosófico provavelmente surge com o objetivo de compreender e analisar essa nova realidade. Isso não significa, entretanto, que tudo produzido anteriormente será apagado ou esquecido. Página 19 de 196 https://goo.gl/nGAcmF file:///W:/2018.2/teoria_do_conhecimento__GON962/galeria/aula2/anexo/anexo1.pdf Todo conhecimento – fruto de um acúmulo de teorias e de conceitos filosóficos – é retomado e revisitado ao longo da história do pensamentohumano. Após o fim do chamado Período Clássico (séculos VI a IV a.C.), iniciou-se o Período Helênico, que foi marcado pelo domínio macedônio, cujo maior representante foi Alexandre, o Grande (356 a.C.-323 a.C.). Saiba mais Para saber mais sobre esse rei da Macedônia, descubra quem foi Alexandre, o cara. <https://super.abril.com.br/historia/alexandre-o-cara/ > Nesse último período, a cultura que havia se desenvolvido na Grécia foi levada a outras regiões (ocidentais e orientais) por meio da expansão militar e das conquistas de Alexandre. Regiões como Egito, Síria e Roma passaram a conhecer e a incorporar aspectos da cultura grega. Para Roma, que ascenderia como potência, essa cultura se tornou um marco, e seu legado influenciou profundamente todos os costumes e hábitos romanos. Uma das principais cidades do Período Helênico – Alexandria, no Egito – era conhecida por sua Biblioteca, que continha obras de diversos povos, e cujo objetivo era ter, pelo menos, um exemplar de tudo o que havia sido produzido até então. Considerada uma das sete maravilhas do mundo antigo, a Biblioteca de Alexandria demonstrava a preocupação dessa sociedade com o conhecimento. Seu acervo foi fundamental para manter o legado da cultura e da Filosofia na Antiguidade. Interior da biblioteca de Alexandria (Fonte: https://goo.gl/hPdXuV <https://goo.gl/hPdXuV> ) Página 20 de 196 https://super.abril.com.br/historia/alexandre-o-cara/ https://goo.gl/hPdXuV Zenão Cítio (Fonte: https://goo.gl/EwK9My <https://goo.gl/EwK9My> ) Estoicismo Em finais do Período Clássico, no século IV, uma nova escola filosófica começou a tomar forma: o estoicismo. Em Atenas, a Filosofia havia se voltado para a vida pública, como vimos com os sofistas e as discussões políticas propostas por Platão. Na decadência do Período Clássico e durante o helenismo, o pensamento filosófico voltou seu olhar para o homem, sua formação moral e seus valores. O estoicismo ou Escola Estoica foi fundada na Grécia pelo filósofo Zenão de Cítio (333 a.C.-263 a.C.), para quem a natureza era regida por uma lei-razão – o princípio-chave do conhecimento. Sua Filosofia defendia que o homem deve estar pautado na virtude, atingindo seu equilíbrio e sua harmonia ao abandonar os bens materiais e cultivar a ética. A éticaera, portanto, uma das bases do estoicismo, que divide a Filosofia em três partes distintas, a saber: Ética Física Lógica Página 21 de 196 https://goo.gl/EwK9My O estoicismo influenciou diversos filósofos e, durante o Período Helênico, foi levado a outras regiões, como Roma, em que Sêneca (4 a.C.-65 d.C.) – um dos principais filósofos estoicos de seu tempo – adotou essa vertente filosófica. Cabia à razão extinguir tudo o que não era virtuoso e todos os impulsos que acometiam o homem. Como vimos na aula anterior, quando apresentamos O mito da parelha <galeria/aula2/anexo/anexo2.pdf> , de Platão, a impulsividade era considerada o oposto da razão, da racionalidade e, portanto, devia ser controlada ou reprimida. Para os estoicos, esse controle era fundamental, embora não fosse uma tarefa fácil. Afinal, já havia o reconhecimento de que os instintos humanos são inevitáveis, mas devem ser submetidos à razão, que, por sua vez, domina a emoção, as paixões humanas. Esse comportamento virtuoso era fervorosamente defendido por Sêneca, a quem o período histórico não favoreceu. Ele viveu durante o governo de dois dos mais polêmicos imperadores romanos: Calígula (12 d.C.-41 d.C.) e Nero (37 d.C.-68 d.C.). Saiba mais Para saber mais sobre esses soberanos, descubra quem foi: Calígula, o injustiçado; <http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/caligula-o- injusticado.phtml#.WpmVyejwbIU> Nero: imperador rockstar; <http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/nero-imperador- rockstar.phtml#.WpmWHejwbIU> Devido a sua defesa da retidão, ao não apego aos bens materiais e à virtude ancorada na razão, Sêneca foi visto com maus olhos pelos imperadores. A felicidade e o conhecimento só eram obtidos por meio da racionalidade, da lógica. A paixão, por sua vez, era considerada uma doença da alma, que devia ser sempre combatida e controlada. Para Sêneca, a teoria do conhecimento defendia parte do interior para o exterior, ou seja: primeiro, o homem se constitui moralmente e, depois, relaciona-se com aquilo que o cerca. A razão e a concepção filosófica de Sêneca possuem um sentido prático, pois norteiam a vida do homem em sociedade. Mudança de paradigma filosófico na Idade Média Com vimos, conforme o mundo mudava, a Filosofia se transformava. Página 22 de 196 file:///W:/2018.2/teoria_do_conhecimento__GON962/galeria/aula2/anexo/anexo2.pdf http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/caligula-o-injusticado.phtml#.WpmVyejwbIU http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/nero-imperador-rockstar.phtml#.WpmWHejwbIU Sem dúvida, uma das principais influências do pensamento ocidental foi o cristianismo: à medida em que surgia e se consolidava, as questões que fundamentavam o pensamento filosófico e a ideia de conhecimento tinham seus paradigmas alterados. O que isso significa? Se, durante a Antiguidade, buscava-se o conhecimento pela razão, que construía um sentido de verdade, agora, essa verdade estava ancorada na fé e na religião. Havia, então, uma discussão extremamente interessante e fundamental não só para compreender o conhecimento filosófico, mas para nortear o próprio sentido de ciência. Por sua natureza, a fé não é matéria da racionalidade, pois é baseada na crença e no dogma: ou se crê em algo ou não se crê. Não há, dessa forma, um fundamento racional. Esse pensamento opôs, durante muito tempo, fé e ciência (razão). Assim, concluímos que, se a razão é o fundamento do conhecimento filosófico, a fé é seu oposto, certo? Santo Agostinho (Fonte: Shutterstock/Renata Sedmakova) Bom, não exatamente. Filósofos como o argelino Agostinho de Hipona (354 d.C.-430 d.C.) – Santo Agostinho – e o italiano São Tomás de Aquino (1226-1274) se dedicaram a analisar que não há uma oposição necessária entre fé e razão. Além disso, é possível pensar na Filosofia a partir do conhecimento religioso e, ainda assim, ser racional. A corrente de pensamento que, de certa forma, inaugurou um pensamento filosófico com base cristã foi a patrística. Vamos entendê-la melhor. 1 Página 23 de 196 file:///W:/2018.2/teoria_do_conhecimento__GON962/aula2.html São Tomás de Aquino (Fonte: https://goo.gl/TyJs5c <https://goo.gl/TyJs5c> ) Patrística À medida que o cristianismo se expandia na Europa, sobretudo após a conversão do imperador Constantino, no século IV d.C., novas formas de ver o mundo, ancoradas nas questões religiosas, passaram a ser interesse das análises filosóficas. Saiba mais Para saber mais sobre esse soberano, leia o texto Constantino e as transformações do Império Romano no século IV <http://www.unicamp.br/chaa/rhaa/downloads/Revista%2011%20- %20artigo%202.pdf> . A patrística foi formada pelos chamados primeiros padresprimeiros padres que, além de construírem um pensamento filosófico cristão, também elaboraram um conhecimento teológico importante para a cultura e o pensamento ocidental. A Filosofia patrística, que tinha como um dos principais representantes Santo Agostinho, buscava compreender – e, em alguns casos, construir – a relação entre o racionalismo, a ciência e a fé. Os filósofos da Antiguidade que vimos até então preocupavam-se em observar e compreender o homem e o mundo que constrói. Página 24 de 196 https://goo.gl/TyJs5c http://www.unicamp.br/chaa/rhaa/downloads/Revista%2011%20-%20artigo%202.pdf Já os filósofos cristãos se dedicavam ao mundo espiritual em detrimento do terreno, abordando questões como: A natureza do pecado A relação entre corpo e alma A origem do mundo segundo a vontade divina Santo Agostinho era um importante membro da Igreja Católica que viveu entre os séculos IV e V a.C. Entre suas principais obras, destacamos A cidade de Deus (426 d.C.), em que constituiu uma Filosofia da história com base na providência divina e em sua justificação teológica. Na obra de Agostinho, a concepção de uma cidade de Deus é construída em oposição à cidade dos homens. Esta última está entregue aos prazeres da carne, enquanto a primeira pertence àqueles que renunciam aos bens terrenos, buscando a paz e a felicidade nas coisas divinas. Para Agostinho, a verdade provém unicamente de Deus. Para tentar compreender a verdade das coisas, é necessário recorrer à fé, mas também à razão. Afinal, uma está ligada à outra. Isso significa que, mesmo que se defenda a existência de uma verdade divina e irrefutável, não há desprezo pela razão. Nessa obra filosófica, há influência de Platão e do chamado neoplatonismo, que, como bem lembramos, defende a existência de um mundo das ideias, ou seja, não material. Para Agostinho, o conhecimento está ancorado na iluminação. Deus criou o mundo por meio da razão, e cabe a este alcançá-la, iluminando-se pela sabedoria divina, a fim de aproximar-se da verdade e de compreender as questões espirituais e terrenas. Entretanto, se essa Filosofia cristã seria determinante para toda a Filosofia que se produziu durante o Período Medieval, não era a única vertente filosófica. Vamos nos ater, agora, à outra linha da Filosofia. Escolástica Outros pensadores – entre os quais destacamos o filósofo romano Boécio (480 d.C.-524 d.C.) – representam exatamente a transição entre uma teoria do conhecimento baseada na Antiguidade e uma influenciada por diversas outras linhas e escolas de pensamento. Sobre Boécio, Sangalli (2014) ressalta que: Página 25 de 196 Tendo estudado nas escolas de Atenas do século V, Boécio se caracteriza filosoficamente por um ecletismo enciclopédico, como afirma Fraile (1965, p. 795), porque aproveitou o que considerava de melhor de cada escola filosófica, fossem elas platônicas, neoplatônicas, aristotélicas ou estoicas, sempre permeadas pela formação cristã. Não se limitou à atividade teorética de filósofo, pois buscou uma carreira na vida pública, dedicando-se à prática política. Além de ser profundo conhecedor da filosofia grega pagã e de exercer cargo político, foi um legítimo representante da classe dominante, possuidor das virtudes próprias do ideal de homem que se ocupavae se realizava pelo cultivo ao conhecimento e à sabedoria. Sangalli (2014) também afirma que Boécio foi um dos primeiros escolásticos, já que, em sua obra, encontramos a relação entre razão e fé, típica dessa vertente, da qual São Tomas de Aquino é considerado um dos maiores exemplos, como veremos adiante. Umas das principais características da obra de Boécio é exatamente unir diferentes escolas e correntes de pensamento, o que faz dele nem um filósofo da Antiguidade nem um filósofo medieval, mas alguém que transita entre esses dois mundos. Sua influência se estende até a era moderna. Entendendo a importância da questão teológica, para Boécio, a Filosofia é o amor pelo conhecimento e pela sabedoria, e deve deter-se no saber das coisas divinas, posto que Deus é, em si, sabedoria. Nesse aspecto, buscar o conhecimento significa buscar a Deus. O início do processo de conhecimento começa, então, pelos sentidos: aquilo que podemos perceber e sentir, algo mais palpável, a partir do qual começamos a utilizar outras ferramentas, como a imaginação. Da imaginação, passamos a racionalizar o mundo até chegarmos à sabedoria, que possui uma natureza divina, já que Deus é a sabedoria absoluta. Página 26 de 196 Boécio (Fonte: https://goo.gl/k5CE3H <https://goo.gl/k5CE3H> ) Atenção Mesmo no mundo medieval, não havia um único Deus. Diversas influências – orientais, por exemplo – podiam ser notadas na cultura e no pensamento do Ocidente Medieval. A Filosofia islâmica, na qual destacamos os filósofos Avicena (980-1037) e Averrois (1126-1198), é profundamente influenciada por Platão e Aristóteles. Suas interpretações e seus trabalhos a partir destes são obras importantes para o desenvolvimento do pensamento medieval. Diante da relevância do cristianismo para o sistema de pensamento medieval, cabe-nos tecer, aqui, uma pequena análise do sentido do cristianismo para a Idade Média. Como vimos no início desta aula, a busca por uma explicação e uma representação sobre o mundo é algo que caracteriza o homem desde os primeiros grupamentos humanos. Ao longo do tempo, surgiram várias possibilidades elucidativas. Durante a Idade Média, tais esclarecimentos residiram no cristianismo e na existência de um Deus de onde emana a verdade absoluta, que pode ser decifrada por meio da cuidadosa leitura e interpretação das Escrituras. Essa é a tarefa à qual se dedicam os representantes da escolástica. Investigação filosófica Entre os escolásticos, a obra do dominicano São Tomás de Aquino é uma das mais significativas. Ele retomou a filosofia grega clássica, como Platão e Aristóteles – sobretudo este último, cuja obra o influenciou profundamente. As teorias de Aquino deram origem ao tomismo. Seu fundamento consiste na verdade revelada, que consta nas Sagradas Escrituras. Por meio da Bíblia, Deus revelou ao homem a natureza, a verdade e o conhecimento sobre todas as coisas. Página 27 de 196 https://goo.gl/k5CE3H Cabe ao homem, por meio da razão, identificar nesses registros a verdade divina e, portanto, o conhecimento legítimo sobre todas as coisas. A partir da razão e desvendando a verdade, podemos chegar à prova da existência de Deus, de forma concreta e inequívoca. Aquino criticou fortemente o filósofo Averrois – que também foi influenciado por Aristóteles – e o movimento criado a partir de sua obra: o averroísmo. Retomando brevemente Aristóteles, sabemos que o filósofo se dedicou a estudar a alma, a que atribui algumas características fundamentais. Entre estas encontra-se o intelecto – responsável por interpretar o que é sentido e percebido por meio de algo racional. De acordo com Martins, J. A. (2009, p. 3): Página 28 de 196 Ao longo dos séculos, os comentadores dos textos aristotélicos dividiram o intelecto em intelecto passivo, responsável pela recepção das impressões sensíveis, e intelecto ativo, que torna essas impressões em conhecimento. O intelecto ativo está dividido, por sua vez, em intelecto possível e intelecto agente. O intelecto agente é o que abstrai as espécies sensíveis, recebidas pelos sentidos, e atualiza a intelecção. O intelecto possível é responsável pela transformação disso que foi captado pelos sentidos – substrato ou matéria do conhecimento – em espécies inteligíveis ou o conhecimento das coisas, ou seja, é por esse intelecto possível que o homem é considerado capaz de conhecer. Esse processo não exige que haja qualquer conhecimento em ato anterior, porque o intelecto possível possui em si todas as espécies inteligíveis em potência, que serão atualizadas quando da recepção das espécies sensíveis, ou seja, pelo processo do conhecimento. Enfim, verifica-se que o intelecto é em potência porque possui a capacidade de tornar aquilo que era em potência em ato. Os interpretes de Aristóteles – entre eles Averrois – passaram a produzir novos entendimentos acerca de verdade e conhecimento. Os averroístas acreditavam que havia mais de uma possibilidade de alcançar a verdade: esta podia ser atingida tanto pelo conhecimento filosófico quanto pelo conhecimento religioso. Eis, aqui, um dos pontos em que o averroísmo fere o cristianismo – tendo sido condenado pela Igreja Católica –, que entende que apenas pela religião, é possível chegar à verdade. Página 29 de 196 Aquino (2016) colocou-se contra as proposições de divisão do intelecto, da mesma forma que rejeitou a ideia de universo eterno de Aristóteles, oposta à interpretação das Escrituras. Ele recuperou a obra aristotélica, mas a cristianizou para que fosse compatível com a fé cristã. Atividade 1 - Observe a imagem a seguir: Triunfo de São Tomás de Aquino - Benozzo Gozzoli – século (XV Fonte: https://goo.gl/rWGZ4P <https://goo.gl/rWGZ4P> ) Nela, Aquino aparece entre Platão e Aristóteles, enquanto aos seus pés está o filósofo Averrois. Faça uma análise interpretativa dessa imagem, considerando o que vimos acerca da obra de Aquino. Filosofia moderna Se a fé foi o princípio norteador da Filosofia medieval, não podemos dizer o mesmo do período seguinte: a modernidade. Página 30 de 196 https://goo.gl/rWGZ4P Embora o cristianismo ainda permaneça como fator fundamental tanto na cultura quanto na política dos Estados Modernos, outras influências surgem, como o humanismo e a valorização da empiria. Nesse contexto, há a obra do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), que desenvolveu o chamado método indutivo, a partir do qual desconstruiu algumas premissas clássicas, o que influenciou a Filosofia moderna. Progressivamente, essa Filosofia se afastou da questão religiosa e se aproximou dos pressupostos científicos, como veremos na próxima aula. Atividade 1 - (Adaptado de: Colégio Pedro II - 2016) Leia o fragmento de texto a seguir: “Não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos grande parte dela. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para realização de importantes tarefas. Ao contrário, se desperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma obra é concretizada, por fim, se não se respeita nenhum valor, não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai”. Fonte: Sêneca, 2007, p. 26. Com base nesse texto, é CORRETO afirmar que: a) A Filosofia estoica influencia, principalmente, as regras de vida. b) O homem deve se entregar a suas paixões, já que não pode fugir de seus instintos. c) Grande parte da ética de Roma está calcada na aceitação dos valores vigentes e da vida em sociedade. d) A vida é breve, e temos de aproveitá-la da melhor maneira possível, inclusive com hábitos hedonistas. e) Este pensamento foi desenvolvido sob os pilares da tradição patrística latina, culminando na construção de um conjunto de regras morais. 2 - (SEDUC/CE - 2009) A obra A cidade de Deus, de Santo Agostinho, tem como tema central a: a) Constituição de uma Filosofia da história com base na providência divina e em sua justificação teológica. b) Afirmação das verdades reveladas e da teologia cristã como base dapolítica mundana. c) Afirmação das verdades reveladas e da teologia cristã como base da política mundana. d) Constituição dos princípios da cidade de Deus em conflito com a cidade terrena ou a cidade do diabo. e) N.R.A. Página 31 de 196 3 - (Adaptado de: UFU - 2011) Considere o seguinte texto sobre Tomás de Aquino: “Fique claro que Tomás não aristoteliza o cristianismo, mas cristianiza Aristóteles. Fique claro que ele nunca pensou que, com a razão, se pudesse entender tudo. Não, ele continuou acreditando que tudo se compreende pela fé: só quis dizer que a fé não estava em desacordo com a razão, e que, portanto, era possível dar-se ao luxo de raciocinar, saindo do universo da alucinação”. Fonte: Eco, 1984, p. 339. De acordo com esse texto, é CORRETO afirmar que: a) A Filosofia proposta por Aquino funda-se no exercício da razão – e apenas dela. b) A atitude de Tomás de Aquino é de conciliação da Filosofia de Aristóteles com as certezas da fé cristã. c) Tomás de Aquino se empenha em mostrar os erros da Filosofia de Aristóteles para comprovar que é incompatível com a doutrina cristã. d) O estudo da Filosofia de Aristóteles levou Tomás de Aquino a rejeitar as verdades da fé cristã que não fossem compatíveis com a razão natural. e) Com a ajuda da Filosofia de Aristóteles, Tomás de Aquino conseguiu uma prova científica para as certezas da fé, como, por exemplo, a existência de Deus. Notas Paradigmas Modelos relacionados diretamente à natureza do conhecimento – no caso da Filosofia. Referências AQUINO, T. de. O ente e a essência. Petrópolis: Vozes, 2014. ______. A unidade do intelecto, contra os averroístas. Tradução, introdução e notas de Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento. São Paulo: Paulus, 2016. (Coleção Filosofia Medieval). ECO, U. Elogio de Santo Tomás de Aquino. In: ______. Viagem na irrealidade cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. LACERDA, T. Deus como problema filosófico na Idade Média. Curitiba: Intersaberes, 2018. MARTINS, J. A relação entre ciência e religiãoA relação entre ciência e religião. Curitiba: Intersaberes, 2017. MARTINS, J. A. Um opúsculo seminal: o Contra os averroístas de Tomás de Aquino. In: JORNADA DE ESTUDOS ANTIGOS E MEDIEVAIS, VIII., 2009, Maringá. Anais. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2009. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/ jeam/ anais/ 2009/ pdf/ 45.pdf <http://www.ppe.uem.br/jeam/anais/2009/pdf/45.pdf> . Acesso em: 8 mar. 2018. SANGALLI, I. J. A conquista da felicidade via Filosofia: o exemplo de Boécio. Trans/Form/Ação, Marília, v. 37, n. 3, set./dez. 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php? script= sci_arttext&pid= S0101-31732014000300008&lng= en&nrm= iso&tlng=pt <http://www.scielo.br/scielo.php? 1 Página 32 de 196 http://www.ppe.uem.br/jeam/anais/2009/pdf/45.pdf http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732014000300008&lng=en&nrm=iso&tlng=pt script=sci_arttext&pid=S0101-31732014000300008&lng=en&nrm=iso&tlng=pt> . Acesso em: 8 mar. 2018. SÊNECA. Sobre a brevidade da vida. Porto Alegre: L&PM, 2007. Próximos Passos Influência do pensamento de Bacon no mundo moderno; Teoria do filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) à luz do conhecimento filosófico; Pensamento dos filósofos francês René Descartes (1596-1650) e alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646- 1716). Explore mais Leia os textos: A importância da quididade segundo a teoria do conhecimento de Tomás de Aquino; <http://www.ufscar.br/~semppgfil/wp-content/uploads/2012/05/32-Richard-Lazarini.pdf> A lógica de Boécio: breves considerações acerca da relevância de argumentos tópicos na Consolação da Filosofia. <https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/searafilosofica/article/viewFile/9632/6783> Assista ao vídeo: Filosofia medieval cristã – patrística e escolástica. <https://www.youtube.com/watch?v=Eu- CWNAa6lU > No Oriente, a religião e a Filosofia estão interligadas. Para saber mais sobre o assunto, leia o texto Filosofia e o fato obstinado da religião: o Oriente reorienta o Ocidente. <http://www.pucsp.br/rever/rv3_2007/t_paine.pdf > Página 33 de 196 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732014000300008&lng=en&nrm=iso&tlng=pt http://www.ufscar.br/~semppgfil/wp-content/uploads/2012/05/32-Richard-Lazarini.pdf https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/searafilosofica/article/viewFile/9632/6783 https://www.youtube.com/watch?v=Eu-CWNAa6lU http://www.pucsp.br/rever/rv3_2007/t_paine.pdf 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 1/23 Teoria do conhecimento Aula 3: Descartes e o problema do conhecimento Apresentação: Nesta aula, discutiremos sobre o período de transição entre o pensamento medieval e o pensamento moderno, materializado no trabalho do filósofo inglês Roger Bacon (1214-1292) e em sua concepção acerca do método. Trabalharemos o conceito de renascimentos, buscando compreender como decorre a retomada de valores científicos e filosóficos que norteiam a moderna teoria do conhecimento. Por fim, estudaremos as teorias do também filósofo inglês Francis Bacon (1561- 1626), a elaboração do método indutivo e como este abriu caminho para a produção do filósofo francês René Descartes (1596-1650) – conhecido como pai da Filosofia moderna. Objetivos: Analisar a contribuição de Roger Bacon para a elaboração do método científico; Localizar temporalmente os renascimentos como fundamentais ao pensamento filosófico ocidental; Identificar o método indutivo e seus desdobramentos rumo ao método cartesiano. Página 34 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 2/23 Elaboração do método científico Como vimos nas primeiras aulas, uma das mais importantes questões que embasam a teoria do conhecimento é o conceito de ciência. Durante os diversos períodos históricos, houve diferentes interpretações e noções distintas, até chegarmos à chamada ciência moderna, que abordaremos nesta aula. Mas como podemos definir ciência? Existem muitas possibilidades. De modo mais simples, podemos afirmar que ciência é aquilo que muda. Como? De que forma? Como estudamos na aula anterior, o pensamento medieval tinha uma grande influência do pensamento religioso, e as contradições entre fé e ciência eram significativas. Nomes como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino tentaram eliminá-las, alinhando ciência e fé. Por que, então, isso era visto como uma contradição? Ora, porque a fé é baseada no dogma . Todas as religiões possuem dogmas, nos quais sua prática é fundada. A ciência, por sua vez, é o oposto: as teorias científicas estão sujeitas à comprovação, e aquilo que acreditamos ser uma verdade científica pode ser alterada ao longo do tempo. Você já ouviu falar em Geocentrismo? É uma teoria científica, onde acreditava-se que o sol girava em torno da terra. 1 Página 35 de 196 https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/gon962/aula3.html 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 3/23 Observamos o nascimento e o pôr do sol, e não sentimos a Terra girar. Logo, o que se move é o sol, e não a Terra. Essa afirmação foi feita de forma empírica, ou seja, baseada em nossa experiência e observação. Esse modelo – denominado heliocêntrico – causou inúmeras controvérsias na época em que foi formulado. Essa teoria científica foi refutada e substituída por outra mais correta. Este é o sentido do pensamento científico: ele se altera à medida que novas observações, pesquisas e novos experimentos são feitos. A ciência evolui e transforma-se conforme novos métodos e novas teorias são concebidos. O filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994), que viveu no século XX, chamou esse princípio de falseabilidade ou refutabilidade, sobre o qual trataremos mais adiante. Ainda que a ciência tenda a se afastar cada vez mais da fé, após as tentativas de aproximação feitas pela Igreja, esse distanciamento não foi repentinoou definitivo. A discussão entre fé e ciência provocou diversos debates no final da Idade Média e no início da Idade Moderna. Quando nos aprofundamos no estudo da Filosofia e da teoria do conhecimento, acabamos por desconstruir a ideia – hoje já bastante superada – de que a Idade Média se constituiu como a Idade das Trevas. Essa denominação pejorativa, cunhada durante o iluminismo, entendia o Período Medieval como estático, sem mudanças significativas, em que apenas o pensamento teológico tinha predominado em detrimento da razão. Como vimos, isso não corresponde à realidade. Ainda que tenha havido um intenso movimento intelectual eclesiástico, a ciência não desapareceu durante o medievo. Página 36 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 4/23 Uma das mais importantes instituições de conhecimento – as universidades – nasceram no Ocidente durante a Idade Média. Saiba mais Para saber mais sobre o assunto, conheça As 10 universidades mais antigas do mundo. <//revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI343904- 17770,00-AS+UNIVERSIDADES+MAIS+ANTIGAS+DO+MUNDO.html> Embora a primeira universidade ocidental tenha sido instituída em Bolonha, na Itália, foi a Universidade de Paris que se destacou quanto aos estudos filosóficos. No século XIII , vimos emergir o pensamento do filósofo inglês Roger Bacon (1214-1292) – também grafado como Rogério: um dos mais significativos nomes que marcou a transição de pensamento entre fé e ciência, entre medieval e moderno. Roger Bacon era um religioso franciscano que vivia nesse período, cuja experiência o aproximava da teologia, mas seus estudos matemáticos e filosóficos o acercavam da ciência e do discurso científico. A exemplo de seus antecessores, ele estudou profundamente a obra de Aristóteles e, a partir de diversas influências, dedicou-se a pensar no método científico – fundamental na concepção de uma metodologia da ciência. Algumas questões que podemos observar em sua obra são: Como fazemos ciência? Como chegamos a uma verdade científica? Para que serve a ciência? 2 Página 37 de 196 https://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI343904-17770,00-AS+UNIVERSIDADES+MAIS+ANTIGAS+DO+MUNDO.html https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/gon962/aula3.html 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 5/23 Roger Bacon (Fonte: https://goo.gl/emVTnJ <https://goo.gl/emVTnJ> ) Roger Bacon desenvolveu esse método baseando-se na observação: o ponto de partida para diversos pensadores e inúmeras correntes de pensamento da Filosofia desde a Antiguidade. Mas esse filósofo foi muito além e sistematizou um método, uma forma de pensar a ciência. De fato, começamos, então, com a observação, mas, a partir dela, formulamos uma hipótese científica. Vamos relembrar o sentido dessa expressão: trata-se de uma possibilidade, uma tentativa de explicação. Exemplo Imagine o mundo que nos cerca. Atualmente, somos bombardeados com muitas propagandas de produtos diversos. Alguns são essenciais, e outros, nem tanto, mas continuamos consumindo, ainda que não tenhamos necessidade específica da mercadoria. Essa dinâmica – que chamamos de sociedade de consumo – pode ser percebida em nosso dia a dia por meio da observação, a partir da qual formulamos uma hipótese para tentar explicar por que consumimos bens Página 38 de 196 https://goo.gl/emVTnJ 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 6/23 de que não precisamos. Vamos a algumas hipóteses prováveis: 01 Na sociedade contemporânea ocidental, há valorização do ter em detrimento do ser. 02 Em um mundo de novas tecnologias e redes sociais, há mais distanciamento entre os indivíduos, e o consumo completaria essas lacunas na vida em sociedade. 03 O consumo nos motiva a buscar novas formas de obter dinheiro, e é o símbolo de sucesso e bem-estar. Tudo isso significa que, a partir da observação, formulamos explicações plausíveis para compreender um fenômeno – nesse caso, o consumo. Chegamos, agora, ao que seria, para Roger Bacon, a última parte do método científico: o experimento, que deve produzir dados para fundamentar as hipóteses. Exemplo Podemos fazer os seguintes experimentos: Solicitar que cada indivíduo de um grupo mantenha um valor específico e predeterminado para gastar; Privar um grupo de gastos injustificados; Página 39 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 7/23 Realizar entrevistas entre pessoas que buscam ajuda para controlar seus gastos, inquirindo-os quanto ao que sentem quando consomem mercadorias desnecessárias. Assim como existem várias possibilidades para a hipótese, também há inúmeros experimentos que podem ser conduzidos para demonstrá-las. O que acabamos de fazer foi aplicar o método proposto por Roger Bacon, fundando-o na(o): Observação; Hipótese; Experimento. O experimento vai ao encontro da ideia do filósofo de que a ciência deve ser prática, ter um uso e uma aplicação. Além disso, é fundamental para o homem chegar a Deus e melhorar sua vida terrena. Lembre-se de que Roger Bacon era um religioso. Mesmo elaborando um método científico, ele não deixou de lado suas crenças. A exemplo de outros religiosos, que se dedicaram à Filosofia, a Bíblia era entendida por ele como um documento que contém a verdade. Nesse espírito de uma ciência prática, Roger Bacon propôs a criação de uma enciclopédia das ciências, que reuniria os mais importantes saberes de sua época. Página 40 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 8/23 Denis Diderot (Fonte: https://goo.gl/VSS8Kn <https://goo.gl/VSS8Kn> ) Apesar de ter sido pensada no século XIII, a realização de uma enciclopédia do conhecimento foi retomada no século XVIII, no iluminismo, pelos filósofos franceses Denis Diderot (1713-1784) e Jean le Rond d’Alembert (1717-1783). As ideias de Roger Bacon o levaram à prisão entre 1277 e 1279. Sua defesa do método experimental o fez alvo de teólogos que o acusavam de defender a astronomia e a alquimia em detrimento da verdade bíblica e de introduzir os princípios aristotélicos na educação. O pensamento vanguardista de Roger Bacon o inseriu em um movimento que originou o Renascimento, cujo princípio era o seguinte: O homem é capaz de controlar a natureza e o meio que vive por meio da ciência e do desenvolvimento tecnológico. Página 41 de 196 https://goo.gl/VSS8Kn 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 9/23 Jean le Rond d’Alembert (Fonte: https://goo.gl/idTcjJ <https://goo.gl/idTcjJ> ) Renascimentos fundamentais ao pensamento filosófico ocidental O termo renascimento consagrou-se na história entre os séculos XIV e XVI. Incialmente pensado como um único movimento, hoje, entendemos que não houve apenas um, mas diversos renascimentos na história, a saber: Renascimento comercial e urbano; Renascimento cultural; Renascimento científico. Página 42 de 196 https://goo.gl/idTcjJ 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 10/23 De forma geral, caracterizamos o Renascimento como o momento em que o conhecimento e a cultura produzidos na Antiguidade foram retomados e passaram a constituir os valores morais e estéticos do homem moderno. Mas, se durante a Idade Média, essa cultura da Antiguidade desapareceu, como pôde ser retomada? Ora, porque, efetivamente, a Antiguidade jamais se extinguiu. Essa cultura, esses valores e essas formas de organização política haviam sido deixadas de lado no Ocidente, mas seguiram sendo fundamentais no Oriente. Justamente por meio do contato contínuo com o Oriente, a cultura da Antiguidade foi retomada. De acordo com Rosa (2012, p. 318): Página 43 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/111/23 A preservação da cultura helênica se deu, fundamentalmente, através dos árabes (que a receberam dos nestorianos cristãos) e do Império Bizantino, cujos sábios, eruditos e escribas, ao copiar e ao comentar algumas obras filosóficas e científicas gregas, tornariam possível, a partir do século XII, a divulgação, ainda que criteriosa e restrita, desses trabalhos. Inicialmente traduções latinas de textos árabes (Álgebra, de al-Khwarizmi, Óptica, de al-Haythan, ou comentários árabes sobre Aristóteles), mais tarde, os textos gregos estariam disponíveis no original ou em latim. 3 Página 44 de 196 https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/gon962/aula3.html 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 12/23 Nestorianos Seguidores de Nestório (386 d.C.-451 d.C.) – patriarca de Constantinopla que, no século V, havia formulado uma teoria na qual defendia que Jesus possuía uma dupla natureza: humana e divina. O contato da Europa com o Oriente intensificou-se a partir de meados da Idade Média. O objetivo primordial era buscar mercadorias – as chamadas especiarias orientais (como seda, por exemplo) – para vender na Europa, onde esses artigos atingiam um alto preço, fazendo desta uma empresa extremamente lucrativa. Na bagagem, além das cobiçadas especiarias, vinham, também, livros, técnicas e culturas que logo penetrariam na Europa e seriam determinantes para a mudança na forma de ver o mundo. O comércio com o Oriente é fundamental para compreendermos diversos momentos da história da Europa, além do Renascimento, como é o caso das Cruzadas e, mais tarde, da unificação dos Estados Ibéricos. O Renascimento cultural mudou o foco de pensamento: antes, era Deus – todo saber e toda verdade emana Dele – e, depois, passou a ser o homem – que pensa e deseja. Voltamos, então, à máxima do sofista grego Protágoras (486 a.C.-411 a.C.) que estudamos na primeira aula: “O homem é a medida de todas as coisas”. Portanto, progressivamente, o mundo deixou de ser teocêntrico para ser antropocêntrico. Assim: 3 Página 45 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 13/23 Na ciência, foram valorizados os estudos de Medicina e anatomia; Na Física, foi valorizada a astronomia, que contestaria o modelo heliocêntrico; Na arte, a pintura e a escultura dividiram seu interesse entre temas religiosos e retratos de ricos burgueses – classe que se tornaria mecenas de diversos artistas. Esse mundo vive em transformação, e a noção de conhecimento continua em movimento. Nesse contexto, destacamos o filósofo inglês (1561-1626) Francis Bacon, que viveu entre os séculos XVI e XVII. Métodos indutivo e cartesiano Francis Bacon teve uma intensa vida política e ocupou diversos cargos administrativos na Inglaterra, retirando-se após ser acusado de corrupção. Ele retomou as discussões sobre o método. No início de suas pesquisas, tornou-se um estudioso de São Tomás de Aquino e de Aristóteles, mas reconheceu que o método aristotélico podia induzir ao erro. O método que desenvolveu – método indutivo puro – aproxima-se mais daquele elaborado por Roger Bacon do que daquele pensado por Aristóteles. Além das etapas já apontadas por Roger Bacon – observação, hipóteses e experimento –, Francis Bacon introduziu a organização e a coleta sistemática de dados. Além disso, estabeleceu que, para tornar-se válido, um mesmo experimento precisava ser repetido inúmeras vezes até que não houvesse margem para dúvidas. Ele defendia a ideia de que o método científico devia ser rigoroso, pois se opunha ao que chamava de ídolos. 4 Página 46 de 196 https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/gon962/aula3.html 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 14/23 Francis Bacon (Fonte: https://goo.gl/fBHDUy <https://goo.gl/fBHDUy> ) Essa teoria de Francis Bacon é muito interessante. Ele entendia que o conhecimento científico é turvado pela existência de ídolos, divididos em quatro categorias: Ídolos da tribo Ao pensar em tribo, o filósofo remetia-se à própria espécie humana e a sua maneira de perceber o mundo por meio dos sentidos. Para ele, essa percepção não é absoluta, pois cada indivíduo sente e enxerga a natureza das coisas de forma particular. Página 47 de 196 https://goo.gl/fBHDUy 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 15/23 Ídolos da caverna O homem analisa a natureza das coisas a partir de sua própria percepção de mundo, de sua caverna particular, como vimos no mito de Platão. Isso gera imprecisões, já que cada pessoa tem uma visão de mundo condicionada por quem é, pelas relações sociais que compartilha, pela região que habita etc. Ídolos do foro Estes ídolos são estabelecidos a partir da linguagem. A comunicação descuidada causa diversos ruídos e interpretações errôneas que induzem ao equívoco. Ídolos do teatro Estes ídolos são derivados do próprio pensamento filosófico. As análises e afirmações não podem ser verificadas. Saiba mais Para entender melhor o assunto, acesse a tabela e veja a sistematização da Teoria dos ídolos de Francis Bacon. <galeria/aula3/anexo/teoria_bacon.pdf> Francis Bacon entendia que os ídolos são tudo aquilo que nos impede de atingir a verdade. Ao adotar o método indutivo, esses erros e problemas de análise derivados dos ídolos não ocorrem mais. Página 48 de 196 https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/gon962/galeria/aula3/anexo/teoria_bacon.pdf 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 16/23 Pela valorização acerca do método baseado na experiência, Francis Bacon é considerado o pai do empirismo moderno e fundador da corrente de pensamento fundamentada na empiria. Atividade 1 - Compare as teorias de Roger Bacon e de Francis Bacon no que diz respeito ao método. Conhecimento moderno As teorias acerca do método são fundamentais para compreendermos como o conhecimento moderno se transforma. Por isso, diversos pensadores dedicam-se a metodologias, e suas teorias – como vimos por meio da análise das propostas metodológicas de Roger Bacon e Francis Bacon – levaram a uma discussão que culminou na obra de do filósofo francês René Descartes (1596-1650), considerado um dos mais influentes pensadores da Filosofia moderna e da Matemática. Sua obra Discurso do método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência – que ficou conhecida apenas como Discurso do método, publicada no século XVII – ilustra, de forma precisa, o que Descartes entendia em termos de metodologia filosófica: Somente a partir da razão, podemos buscar a verdade, que emerge do método científico, rigidamente observado. Página 49 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 17/23 Atividade 2 - (ENEM - 2001) O franciscano Roger Bacon foi condenado, entre 1277 e 1279, por dirigir ataques aos teólogos, devido a uma suposta crença na alquimia, na astrologia e no método experimental, e, também, por introduzir no ensino as ideias de Aristóteles. Em 1260, Roger Bacon escreveu: “Pode ser que se fabriquem máquinas graças às quais os maiores navios, dirigidos por um único homem, desloquem-se mais depressa do que se fossem cheios de remadores; que se construam carros que avancem a uma velocidade incrível sem a ajuda de animais; que se fabriquem máquinas voadoras nas quais um homem [...] bata o ar com asas como um pássaro. [...] Máquinas que permitam ir ao fundo dos mares e dos rios”. Fonte: Braudel, 1996. Considerando a dinâmica do processo histórico, as ideias de Roger Bacon: a) Eram fundamentalmente voltadas para o passado, pois não apenas seguiam Aristóteles, como também se baseavam na tradição e na teologia. b) Inseriam-se plenamente no espírito da Idade Média ao privilegiar a crença em Deus como o principal meio paraantecipar as descobertas da humanidade. c) Opunham-se ao desencadeamento da primeira Revolução Industrial ao rejeitar a aplicação da Matemática e do método experimental nas invenções industriais. d) Estavam em atraso com relação a seu tempo ao desconsiderar os instrumentos intelectuais oferecidos pela Igreja para o avanço científico da humanidade. e) Inseriam-se em um movimento que convergiria mais tarde para o Renascimento ao contemplar a possibilidade de o ser humano controlar a natureza por meio das invenções. Página 50 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 18/23 3 - (UEL - 2003) O Renascimento – amplo movimento artístico, literário e científico – expandiu-se da Península Itálica por quase toda a Europa, provocando transformações na sociedade. Sobre o tema, é CORRETO afirmar que: a) O racionalismo renascentista reforçou o princípio da autoridade da ciência teológica e da tradição medieval. b) Os estudiosos do período buscaram apoio na observação, no método experimental e na reflexão racional, valorizando a natureza e o ser humano. c) Houve o resgate, pelos intelectuais renascentistas, dos ideais medievais ligados aos dogmas do catolicismo, sobretudo da concepção teocêntrica de mundo. d) O humanismo pregou a determinação das ações humanas pelo divino e negou que o homem tivesse a capacidade de agir sobre o mundo, transformando-o de acordo com sua vontade e seu interesse. e) Nesse período, reafirmou-se a ideia de homem cidadão, que terminou por enfraquecer os sentimentos de identidade nacional e cultural, os quais contribuíram para o fim das monarquias absolutas. Página 51 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 19/23 4 - (PUC-PR - 2009) Leia o fragmento de texto a seguir: “São de quatro gêneros os ídolos que bloqueiam a mente humana. Para melhor apresentá-los, assinalamos os nomes: ídolos da tribo, ídolos da caverna, ídolos do foro e ídolos do teatro”. Fonte: Bacon, 1999, p. 33. Para o autor, é CORRETO afirmar que: a) Os ídolos do foro são as ideias formadas em nós por meio de nossos sentidos. b) Os ídolos do teatro são todos os grandes atores que nos influenciam na vida cotidiana. c) Por meio dos ídolos, mesmo considerando que temos a mente bloqueada, podemos chegar à verdade. d) Os ídolos são falsas noções e retratam os principais motivos pelos quais erramos quando buscamos conhecer. e) Os ídolos da tribo e da caverna são os conhecimentos primitivos que herdamos de nossos antepassados mais notáveis. Página 52 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 20/23 Notas Dogma Crença fundamental e imutável, que não pode ser questionada, pois é matéria de fé. Trata-se, portanto, daquilo que não muda. século XIII Momento de intensa efervescência cultural e intelectual na Europa, dinamizado exatamente pelas instituições universitárias. Nestorianos Seguidores de Nestório (386 d.C.-451 d.C.) – patriarca de Constantinopla que, no século V, havia formulado uma teoria na qual defendia que Jesus possuía uma dupla natureza: humana e divina. 1 2 3 Página 53 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 21/23 Mecenas Indivíduo rico que protege artistas, homens de letras ou de ciências, proporcionando recursos financeiros, ou que patrocina, de modo geral, um campo do saber ou das artes. Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. 4 Página 54 de 196 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 22/23 Referências BACON, F. Novum organum. São Paulo: Nova Cultural, 1999. BRAUDEL, F. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV- XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996. v. 3. CORREIA, A. A universidade medieval. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 45, p. 292-329, 1950. Disponível em: //www.revistas.usp.br/ rfdusp/ article / viewFile/ 66131/ 68741 <//www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66131/68741> . Acesso em: 13 mar. 2018. LACERDA, R. C. O sentido moral do saber no pensamento de Rogério Bacon. 2009. 94 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Centro de Humanidades, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2009. Disponível em: //www.uece.br/ cmaf/ dmdocuments/ dissertacao2009_ sentindo_ moral_ saber_ bacon.pdf <//www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66131/68741> . Acesso em: 13 mar. 2018. RETONDAR, A. M. A (re)construção do indivíduo: a sociedade de consumo como “contexto social” de produção de subjetividades. Sociedade e Estado, v. 23, n. 1, p. 137-160, jan./abr. 2008. Disponível em: //www.scielo.br /pdf /se /v23n1 /a06v23n1.pdf <//www.scielo.br/pdf/se/v23n1/a06v23n1.pdf> . Acesso em: 13 mar. 2018. ROSA, C. A. de P. História da Ciência: da Antiguidade ao Renascimento Científico. Brasília: FUNAG, 2012. STANGUE, F. Tópicos de Filosofia Moderna. Curitiba: InterSaberes, 2017. Página 55 de 196 https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66131/68741 https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66131/68741 https://www.scielo.br/pdf/se/v23n1/a06v23n1.pdf 20/03/2022 18:43 Estácio https://estudante.estacio.br/disciplinas/estacio_7019730/temas/3/conteudos/1 23/23 Próximos Passos Método cartesiano; Conhecimento científico em Copérnico e Galileu Galilei; Pensamento de Leibniz. Explore mais Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza; <//www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do? select_action=&co_obra=2278 > Origem e memória das universidades medievais: a preservação de uma instituição educacional. <//www.scielo.br/pdf/vh/v23n37/v23n37a07> Página 56 de 196 https://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2278 https://www.scielo.br/pdf/vh/v23n37/v23n37a07 Discplina: Teoria do conhecimento Aula 4: Conhecimento comum e conhecimento científico Apresentação: Nesta aula, estudaremos a Revolução Científica e explicaremos de que forma esse movimento mudou o paradigma da teoria do conhecimento. Além disso, analisaremos os novos padrões filosóficos a partir do método cartesiano e de suas implicações para a ciência e, em particular, para a Filosofia, entendendo o sentido e a separação entre conhecimento científico e conhecimento comum. Objetivos: Analisar o sentido da Revolução Científica para a construção do conhecimento; Identificar a importância do método para o conhecimento científico com base no método cartesiano; Distinguir conhecimento científico de conhecimento comum. Página 57 de 196 Revolução Científica Na aula anterior, conhecemos os diversos tipos de renascimentos e identificamos de que forma afetaram a história da ciência e do pensamento filosófico. Esses movimentos deram origem a outro mais focado no desenvolvimento científico: a Revolução Científica . Nosso foco, agora, é explicar suas implicações para a teoria do conhecimento. No Renascimento, há vários estudos acerca do homem e da natureza. Mas qual é a diferença entre o que era pensado nesse período e na Antiguidade? Na Antiguidade, surgiu a primeira sistematização do pensamento, que foi retomada no Renascimento de várias maneiras, quando passou a ser sofisticada e apurada, dando origem à ciência. A ciência existe mesmo onde não a percebemos diretamente. Podemos citar como exemplo a arte. O senso comum a entende como algo separado do viés científico: a arte é fruto da livre imaginação, e a ciência está presa a teorias e metodologias. Entretanto, nem sempre, arte e ciência estão distantes. Na maior parte do tempo, caminharam juntas, e descobertas científicas eram, frequentemente, materializadas na arte. Para ilustrar, vejamos as obras recordes do italiano Leonardo da Vinci (1452- 1519) – um dos mais famosos pintores da história: A última Ceia | Fonte: Wikipédia<https://goo.gl/vVfYah> 1 Página 58 de 196 file:///W:/2018.2/teoria_do_conhecimento__GON962/aula4.html https://goo.gl/vVfYah Mona Lisa | Fonte: Wikipédia <https://goo.gl/vVfYah> A primeira é uma das obras mais reproduzidas no mundo, e a segunda, um dos quadros mais conhecidos pelo público. Além dessas obras, Da Vinci também deixou um vasto legado sob a forma de gravuras, esquemas, invenções e tratados. Ele é um símbolo do Renascimento não pelo sucesso que atingiu como pintor, mas porque congregava diversos conhecimentos e estava interessado nas áreas de Arquitetura, Engenharia, Mecânica e Anatomia. A propósito, o tema da anatomia foi essencial para a obra desse artista e é um bom exemplo para compreender a questão científica na arte. Afinal, é um assunto que remonta a Antiguidade – período no qual estudos sobre o corpo humano começaram a ser feitos. No século III a.C., a dissecação de cadáveres foi fundamental para o desenvolvimento da medicina. No Ocidente medieval, as pesquisas nessa área ficaram mais complicadas, pois, com o predomínio da Igreja Católica, a questão da inviolabilidade do corpo humano fez com que tais estudos avançassem menos. Página 59 de 196 https://goo.gl/vVfYah Contudo, no Período Renascentista, essas investigações foram retomadas, e, a exemplo de tantos outros artistas e cientistas, Da Vinci tornou-se aluno das famosas aulas de Anatomia. Nelas, observava como eram estruturados os músculos, os tendões, a textura da pele, das unhas e dos cabelos. São Jerônimo no Deserto | Fonte: Wikipedia <https://goo.gl/etuuSH> Esse conhecimento transparece em suas obras, como vemos na representação belíssima da estrutura física de São Jerônimo. Inacabada, a obra foi bastante danificada ao longo do tempo, mas, ainda assim, podemos notar os músculos tensionados e a expressão de sofrimento que a figura demonstra. Comentário Página 60 de 196 https://goo.gl/etuuSH Da mesma forma que influencia a arte, a ciência influencia toda uma nova visão de mundo, mesmo que não nos tenhamos dado conta disso. Este foi exatamente o sentido que adquiriu a partir do Renascimento: a elaboração de um discurso científico envolve diversas áreas do conhecimento. Imprensa e reformas religiosas É evidente que o Renascimento não foi o único fator que levou à Revolução Científica. Há todo um contexto que não podemos ignorar, além de transformações no próprio sentido do conhecimento. Essas mudanças foram tanto práticas – como a invenção da imprensa ou do pensamento – quanto teóricas – como as reformas religiosas. Prensa Manual de Gutenberg | Fonte: Wikipedia <https://goo.gl/PqpTmg > Por exemplo, no século XV, o alemão Johannes Gutenberg (1398-1468) desenvolveu seu invento – a prensa de tipos móveis –, permitindo que livros, panfletos e periódicos fossem impressos em grande quantidade, mais Página 61 de 196 https://goo.gl/PqpTmg rapidamente e a um custo menor. Isso levou a uma enorme divulgação de conhecimento. Antes de Gutenberg, os livros eram copiados à mão, predominantemente por membros da Igreja, que, é claro, acabava decidindo o que seria ou não reproduzido. Nessa época, a Europa não era exatamente uma sociedade letrada, e a maior parte da população era analfabeta. Mas, então, porque imprimir foi tão importante? Além de divulgar o conhecimento, o próprio impresso se tornou mais acessível. Esse foi um passo relevante para a alfabetização do povo. As reformas religiosas também se valeram da imprensa, que as popularizou. Embora remontem 500 anos desde que ocorreram, como fenômeno complexo, ainda são discutidas, estudadas e fundamentais para a compreensão do mundo ocidental. Para além da teologia, as reformas estão impregnadas de inúmeros conceitos que deram forma a uma sociedade laica e que foram retomados no iluminismo. Obras e nomes importantes Neste contexto de grandes e progressivas mudanças de pensamento e da natureza do conhecimento, algumas obras se tornaram emblemáticas para a Revolução Científica, como os estudos de: Página 62 de 196 Nicolau Copérnico (1473-1543) Astrônomo e matemático polonês. Por suas pesquisas e pela importância de suas teorias e de seus modelos, é considerado o pai da astronomia moderna. Andreas Vesalius (1514-1564) Médico belga que revolucionou a medicina e a arte com suas pesquisas em anatomia. Página 63 de 196 Galileu Galilei (1564-1642) Físico, matemático, astrônomo e filósofo florentino. Johannes Kepler (1571-1630) Astrônomo, astrólogo e matemático alemão que desenvolveu suas leis a partir da obra de Copérnico. Página 64 de 196 Nesse cenário, destacamos dois principais nomes: Copérnico e Galilei. Como astrônomo, Copérnico dedicou-se a construir o modelo heliocêntrico, entendendo que tanto a Terra quanto os demais planetas giravam em torno do sol. Para ele, a Terra também girava ao redor de seu próprio eixo. Para além de seu trabalho científico, Copérnico foi um cônego secular católico, e sua vivência religiosa não impedia suas descobertas científicas. Seu trabalho não foi visto como um problema pela Igreja, até porque seus estudos não haviam sido analisados até depois de sua morte. Todavia, os pensadores que se dedicaram a continuar suas investigações se tornaram alvo da Igreja devido a diversos fatores, entre os quais estão a Reforma e a Contrarreforma. Galilei foi um desses e teve menos sorte em alinhar conhecimento científico e religioso: suas afirmações foram alvo da Inquisição Católica. Leitura Para entender melhor os estudos mencionados, leia os seguintes textos: Sobre as revoluções das esferas celestes; <https://www.wdl.org/pt/item/3164/ > A lição de anatomia de Andreas Vesalius e a ciência moderna; <http://www.scielo.br/pdf/ss/v1n3/a07v1n3.pdf > Astronomia – diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo; <https://www.wdl.org/pt/item/4187/> As três leis de Kepler sobre o movimento dos planetas. <http://astro.if.ufrgs.br/Orbit/orbits.htm> Estas obras de astronomia se concentram em demonstrar a validade do modelo heliocêntrico, no qual é o sol – e não a Terra – o centro de nosso sistema. Na aula anterior, estudamos essa teoria brevemente, lembra- se? Página 65 de 196 https://www.wdl.org/pt/item/3164/ http://www.scielo.br/pdf/ss/v1n3/a07v1n3.pdf https://www.wdl.org/pt/item/4187/ http://astro.if.ufrgs.br/Orbit/orbits.htm Reformas religiosas X Teorias científicas A Reforma Protestante, que se propagou rapidamente pela Europa no século XVI, a partir das teses do monge alemão Martinho Lutero (1483-1546), rompeu com a hegemonia religiosa no Ocidente. Até então, o catolicismo havia sido soberano, mas a mudança dos tempos e das mentalidades, a decadência do sistema feudal e os renascimentos geraram a necessidade de uma nova fé que respondesse melhor às demandas daquela sociedade em transformação. A Reforma Protestante levou a Igreja a redefinir alguns de seus princípios, dando início ao Concílio de Trento, que ocorreu entre 1545 e 1563. Nele, foram reafirmados alguns dogmas católicos e instituído o Index Librorum Prohibitorum: a lista de livros condenados pela Igreja. Não foi surpresa perceber que a maior parte de cientistas e filósofos – pensadores que desejavam entender o mundo a partir de modelos explicativos não teológicos – teve suas obras incluídas nessa lista, da qual faziam parte, entre muitos outros nomes: Nicolau Copérnico (1473-1543); Giordano Bruno (1548-1600); Galileu Galilei (1564-1642); René Descartes (1596-1650). O Tribunal do Santo Ofício – conhecido como Inquisição – havia sido criado para combater os desvios da fé católica. Nada mais desviante do que questionar as Sagradas Escrituras. Logo, tanto Galilei quanto o cientista Bruno foram perseguidos por esse tribunal. 2 Página 66 de 196 file:///W:/2018.2/teoria_do_conhecimento__GON962/aula4.html Leitura Para entender melhor os fundamentos de tal instituição católica, leia o texto Tribunal do Santo Ofício da Inquisição: o suspeito é o culpado. <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104- 44781999000200002&script=sci_arttext&tlng=pt
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