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1 EA D Desenvolvimento Histórico da Geometria 1. OBJETIVOS • Interpretar a relação existente entre o desenvolvimento his- tórico da Geometria e como suas aplicações podem contri- buir para a aprendizagem e para o ensino desta disciplina. • Reconhecer a importância do ensino e aprendizagem da Geometria. • Identificar problemas que permeiam a compreensão da Geometria. 2. CONTEÚDOS • História. • Problemática do ensino da Geometria. • Importância do ensino da Geometria. • Atividades com figuras geométricas planas. • Matemática e as artes visuais. 28 © Metodologia do Ensino da Geometria 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Tenha sempre à mão o significado dos conceitos expli- citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de Conceitos-chave para o estudo de todas as unidades deste CRC. Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho. 2) Nesta primeira unidade, estudaremos alguns problemas geométricos que historicamente foram utilizados para solucionar problemas práticos do dia a dia dos povos an- tigos e atuais. É fundamental que você compreenda que a História é uma grande aliada na compreensão de im- portantes conteúdos e conceitos matemáticos e geomé- tricos. Portanto, leia e analise com atenção os conteúdos e exemplos disponíveis no decorrer desta unidade, pois eles facilitam o entendimento dos conceitos e teorias re- lacionados. 3) Lembre-se de que no ensino a distância, o aprendizado é realizado de forma cooperativa e colaborativa. Portan- to, compartilhe com seus colegas suas dúvidas e conhe- cimentos. Se necessitar de auxílio sobre algum assunto relacionado a esta unidade, entre em contato com seu tutor. Ele estará sempre pronto para ajudá-lo. 4) Para conhecer as relações geométricas expostas em mosaicos que compõem o trabalho do artista gráfico Maurits Cornelis Escher, acesse o site disponível em: <http://www.mcescher.com/Shopmain/ShopEU/facsili- meprints/prints.html>. Acesso em: 1º dez. 2011. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Deve se aprender fazendo o que se aprende; porque, embora se pense que aprendeu uma coisa, só se terá certeza quando se tentar fazer a coisa. Sopholes 29 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria A preparação das terras férteis para o plantio nas margens dos rios, a construção de moradias e templos e a observação dos astros no céu (necessidades diárias de sobrevivência para o ho- mem) são algumas das variadas atividades humanas que sempre dependeram do conhecimento e de operações geométricas. Você, como educador, sabe a importância do desenvolvi- mento histórico da Geometria para o ensino deste Caderno Refe- rência de Conteúdo? Conhece os problemas que se interpõem em sua compreensão? Vamos iniciar, então, nosso estudo realizando um breve re- trospecto histórico da Geometria. Nele, conheceremos alguns pro- blemas e debateremos sobre a importância do seu ensino. Bom estudo! 5. HISTÓRIA A civilização egípcia desenvolveu-se ao longo de uma extensa fai- xa de terra fértil propícia à agricultura que margeava o rio Nilo. A pirâmi- de social egípcia era fixa e composta de um faraó (nobreza), sacerdotes, escribas, camponeses e escravos. Havia uma administração estatal, cen- tralizada no faraó, fortalecida pela crença de que o poder divino estava vinculado ao poder civil na pessoa do faraó. A família do faraó, os sacer- dotes e os nobres tinham acesso a uma educação rudimentar e alguns escribas obtinham, mediante aprovação do faraó, acesso à educação. A economia egípcia era baseada na agricultura e no trabalho escravo. Os camponeses cultivavam a terra e entregavam o que co- lhiam aos nobres e ao faraó. Tinham direitos a uma pequena par- cela do que produziam para sua subsistência. Posteriormente, a economia foi ampliada para um comércio de troca de mercadorias com outros povos que viviam em outras regiões (Mesopotâmia). O desenvolvimento da Geometria está relacionado ao con- ceito de medida, tendo início, talvez, a 3500 a.C., quando os habi- tantes da Mesopotâmia e Egito começaram a erguer os primeiros templos em homenagem aos deuses e faraós. 30 © Metodologia do Ensino da Geometria Os construtores adotavam unidades de medidas das partes do corpo do Rei, assim como palmo, pé, passo e outras. De pos- se dessas medidas construíam réguas de madeira, ou cordas com nós, que serviam como unidade de referência de medida. A divisão dos campos férteis, às margens do rio Nilo, era rea- lizada de maneira que eles ficassem com a forma retangular. Suas construções abrigavam cômodos regulares e retangulares, o que obrigava os construtores a estruturarem ângulos retos (de 90°). Como eles conseguiam fazer isso? Simples! Eles cravavam duas estacas na terra e assinalavam um segmento de reta. A seguir, utilizavam cordas como compassos e determinavam dois arcos de circunferência que se interseciona- vam em dois pontos. Uniam esses dois pontos por um segmento de reta que interceptava o segmento (corda) determinado pelas duas estacas, obtendo-se nesse ponto de intersecção dois ângulos retos. Não entendeu? Observe na Figura 1 o desenho geométrico. Figura 1 Mediatriz. O problema mais comum, para um construtor, era traçar a perpendicular a uma reta por um ponto dado. Os antigos geôme- tras e construtores utilizavam três cordas de comprimentos 3, 4 e 5 31 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria unidades, respectivamente. Para obter a perpendicular, formavam com essas cordas um triângulo retângulo que determina, pelas cordas 3 e 4, uma perpendicular. Observe que as medidas utilizadas se referem às medidas de um triângulo retângulo que amplamente estudamos e ensinamos em nossas aulas de Matemática por meio do Teorema de Pitágo- ras que enuncia: "a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa (maior lado)". No caso anterior, teríamos: 2 2 23 4 5+ = , isto é, 9+16=25 como mostra a Figura 2. Figura 2 Teorema de Pitágoras. Na antiguidade, foram desenvolvidos e padronizados instru- mentos para medir ou traçar ângulos retos e construir linhas per- pendiculares que recebiam o nome de esquadros. Durante muito tempo, os arrecadadores de impostos de ter- ras provavelmente calculavam a extensão dos campos férteis por meio de um simples golpe de vista. Dessa maneira, sem fazer uso de nenhuma técnica que os ajudassem a medir com precisão, cal- culavam o imposto devido ao rei. Mais tarde, por meio da observação do trabalho de operá- rios que pavimentavam retângulos com mosaicos quadrados, no- 32 © Metodologia do Ensino da Geometria taram que, para conhecer o total de mosaicos que seriam utiliza- dos, bastaria contar os de uma fileira e repetir esse número tantas vezes quantas fileiras houvesse. Assim, nasceu a fórmula da área do retângulo: multiplicar a base pela altura. Para descobrirem a área do triângulo, os arrecadadores de impostos seguiram um raciocínio geométrico relacionado à área de um retângulo. Bastava tomar um quadrado ou um retângulo e dividi-lo em quadradinhos iguais. Suponhamos que o quadrado da Figura 3 tenha 16 "quadra- dinhos iguais" e o triângulo oito. Esses números exprimem, en- tão, a área dessas figuras. Realizando um corte, segundo a linha diagonal do quadrado, obtiveram dois triângulos iguais, cuja área, naturalmente, é a metade da área do quadrado, conforme pode ser observado (Figura 3). Figura 3 Medida da área. Como faziam quando a superfície era irregular? A solução era utilizar o método da triangulação que consiste, a partir de um vértice qualquer da figura, traçar segmentos aos demais vértices, obtendo-se triângulos cujas áreas somadas resul- tem a área total da superfície, como mostra a Figura 4. 33 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria Figura 4 Triangulação de uma área irregular. Com o desenvolvimento dos métodosde medidas, novos problemas surgiram, como o mencionado a seguir. Alguns terrenos seguem o contorno de um morro ou a curva de um rio. Assim, um novo problema se apresenta: como determi- nar o comprimento de uma circunferência e a área de um círculo? Para demarcar círculos, era necessário usar uma corda (raio) e girá-la em torno de um ponto fixo que era uma estaca cravada no solo como centro da figura. Um conceito geométrico muito importante que os povos da antiguidade dominavam era de que o diâmetro da circunferência correspondia a aproximadamente um terço do comprimento total da circunferência, qualquer que fosse o comprimento do diâmetro. Há cerca de 2000 anos a.C., Ahmes, um escriba egípcio, pre- tendia, diante do desenho de um círculo no qual havia traçado o respectivo raio, determinar sua área. Para resolver esse problema considerou o raio do círculo como o lado de um quadrado, cons- tatando que esse quadrado estava contido no círculo entre três vezes e quatro vezes. Ahmes concluiu que para determinar a área de um círculo, bastaria calcular a área de um quadrado de lado igual ao raio desse 34 © Metodologia do Ensino da Geometria círculo e multiplicar a área desse quadrado por 3,14. O número 3,14 é fundamental na Geometria e na Matemática e é conhecido como π (pi). No entanto, foram os gregos que tornaram o número 3,14 um pouco menos inexato: 3,1416, e hoje este número irracional tem uma aproximação de várias dezenas de casas decimais. Seu nome, designado pela letra pi (π ) do alfabeto grego, foi originado da pri- meira sílaba da palavra peripheria, que significa circunferência. No século 18 d.C., foram descobertos vários papiros em es- cavações no Egito. Do ponto de vista matemático, os mais impor- tantes são os papiros de Moscou e os de Rhind. O papiro de Rhind está escrito em hierático, da direita para a esquerda, tem 32cm de largura por 513cm de comprimento. É da- tado de cerca de 1650 a.C., embora o texto diga que foi copiado de um manuscrito cerca de 200 anos antes. O papiro tem o nome do escocês Alexander Henry Rhind que o comprou, por volta de 1850, em Luxor, no Egito. É também designado por papiro de Ahmes, o escriba egípcio que o copiou. Encontra-se atualmente no Museu Britânico. O papiro contém uma série de tabelas e 84 problemas e as suas soluções. No papiro de Rhind, o cálculo de áreas tendia a empregar a conversão da figura a analisar em uma figura de área conhecida que a aproximasse. A Figura 5 do papiro de Rhind, compara a área do círculo com a de um quadrado circunscrito. Na resolução, o es- criba considera um diâmetro igual a nove e calcula a área do cír- culo. Obtém, assim, um valor de 64 setat. Um quadrado com nove jet de lado tem 81 setat. Portanto, a área do quadrado é maior que a do círculo como pode ser observado, também, no site disponí- vel em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/ rhind/P48_55.htm>. Acesso em: 6 jan. 2011. O papiro de Moscou (Figura 6), escrito em hierático por um escriba desconhecido por volta de 1850 a.C., possui dimensões aproximadas de 8cm de largura por 5m de comprimento. Contém 35 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria 25 problemas, sendo impossível interpretar muitos deles devido ao grau de degradação do manuscrito. Nesse papiro, é apresenta- da uma forma de cálculo do tronco de pirâmide descrita na Figura 6: um tronco de pirâmide tem seis cúbitos de altura, quatro cúbi- tos de base por dois cúbitos no topo. Qual o volume? Figura 5 Papiro de Rhind. Figura 6 Papiro de Moscou. 36 © Metodologia do Ensino da Geometria Os egípcios faziam cálculos astronômicos para determinar quando iriam ocorrer as cheias do Nilo. Baseados nesses cálculos eles construíram um calendário com 12 meses de 30 dias. A construção das grandes pirâmides faz supor que o conhecimento matemático dos egípcios era muito mais avançado que o conhecido nos papiros. É possível afirmar, que a matemática egípcia foi um dos pilares da mate- mática grega, a qual foi a base para o desenvolvimento da matemática moderna nas áreas da Álgebra, Geometria e Trigonometria. Mesopotâmia, em Grego significa "terra entre rios". Situava- -se no oriente médio, no chamado crescente fértil, entre os rios Tigre e Eufrates, onde hoje está situado o Iraque e a Síria. A socie- dade da Mesopotâmia tinha uma pirâmide social extremamente rígida, não permitindo a mobilidade social. A camada mais alta era formada pelo rei e seus familiares, seguidos por uma nobreza fundiária, sacerdotes e ricos mercadores. Na base da sociedade, estavam os camponeses e os escravos. Esta sociedade era altamente militarizada e cruel para com os povos dominados por meio de guerras ou da cobrança de impostos. As mesmas dificuldades que acarretaram o desenvolvimento das ciências no Egito foram a mola propulsora do desenvolvimento nessa região. Porém, ao contrário do que ocorria com as águas do rio Nilo, os períodos de cheia dos rios Tigre e Eufrates eram irregulares, obri- gando a realização de numerosas obras de irrigação e drenagem. A população residia em cidades governadas por um rei-sacerdo- te, chamado Patesi. É dessa região a elaboração do primeiro código es- crito de leis. O código de Hamurabi, conhecido como "Lei de Talião", es- crito pelo rei Hamurabi, em torno de 2.000 a.C., privilegiava a nobreza. A economia estava baseada na agricultura e no comércio de trocas. A localização geográfica da região facilitava o contato en- tre os povos conhecidos da época. No período entre 4.000 a.C. e 1200 a.C., com o desenvolvimento da escrita cuneiforme, muitas cidades se desenvolveram (Lasash, Ur, Uruk e Babilônia). A escrita cuneiforme era realizada por meio de cunhas, produzidas em ta- bletes de barro cozido. Uma das tabelas mais importantes, sob o 37 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria ponto de vista matemático, foi a chamada tábua "Plimpton 322", a qual traz uma série de informações matemáticas, entre elas a relação entre os três lados de um triângulo. Há evidências de que os babilônios antigos sabiam calcular os ternos pitagóricos, pois na tábula matemática, catalogada como Plimpton 322 (Figura 7), escrita, aproximadamente, entre 1900 e 1600 a.C., aparecem duas colunas que correspondem à hipotenu- sa e um dos catetos de triângulos retângulos de lados inteiros. Figura 7 Tábua "Plimpton 322". Os babilônios conheciam as regras gerais da área do retân- gulo, do triângulo retângulo, do triângulo isósceles e dos trapézios. Dominavam o cálculo do volume de um paralelepípedo, do volu- me de um prisma reto de base trapezoidal. Consideravam o com- primento de uma circunferência como o triplo de seu diâmetro, a área do círculo como um duodécimo da área do quadrado de lado igual ao comprimento da respectiva circunferência e sabiam que para calcular o volume de um cilindro circular reto bastava calcular o produto da área da base pela altura. Eles tinham conhecimento de que os lados correspondentes de dois triângulos retângulos semelhantes são proporcionais e de que a perpendicular baixada do vértice de um triângulo isósceles, em que incidem os lados congruentes, divide ao meio a base. Sa- 38 © Metodologia do Ensino da Geometria biam, também, que um ângulo inscrito em uma semicircunferên- cia é um ângulo reto, conheciam o Teorema de Pitágoras e utiliza- vam 3 1/8 como estimativa para pi e desenvolveram técnicas para equações quadráticas e biquadráticas. Figura 8 Ângulo inscrito em uma semicircunferência é reto. A história da civilização grega tem suas origens nas invasões de povos bárbaros (dórios, aqueus, jónicos e eólios), na península balcâni- ca por volta do segundo milênio a.C. Esses povos foram conquistando as civilizações ali estabelecidas e avançando em direção à ilha de Creta. O período histórico da civilização grega teria início, por volta de 800 a.C. Nesse período, os gregos mudaram do sistema de es-crita hieroglífica para o alfabeto fenício. Isso lhes permitiu transmi- tir por escrito a sua literatura, utilizando o papiro. Com o crescente comércio e a necessidade de defesa, o povo reunia-se em torno de fortificações, formando a principal unidade política de Grécia Antiga: a cidade-Estado ou polis (Atenas, Espar- ta, Tebas, Corinto, Argos,...). A Geometria Dedutiva Demonstrativa começou com Tales de Mi- leto, mercador e viajante que viveu algum tempo no Egito, despertando admiração ao calcular a altura de uma pirâmide por meio da sombra. 39 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria Descobertas matemáticas e geométricas associam-se a Ta- les, como: 1) Se dois triângulos têm dois ângulos e um lado em cada um deles respectivamente iguais, então esses triângulos são iguais. 2) Em um triângulo retângulo isósceles os ângulos agudos medem 45°. 3) Qualquer diâmetro efetua a bissecção do círculo. 4) Os ângulos da base de um triângulo isósceles são con- gruentes e, por consequência, os catetos também são congruentes. 5) Ângulos opostos pelo vértice são iguais. É atribuído a Tales, o fato de ter determinado a altura da pirâ- mide de Quéops no Egito. Ele utilizou um artifício geométrico muito simples: cravou verticalmente uma estaca no solo e esperou o ins- tante do dia em que a extensão de sua sombra projetada no solo fosse igual ao comprimento da própria estaca. Nesse momento, me- diu o comprimento da sombra projetada no solo pela pirâmide, ob- tendo, assim, a sua altura por semelhança de triângulos. Na Figura 9, é possível observar o esquema geométrico desse acontecimento. Figura 9 Esquema geométrico – semelhança de triângulos. 40 © Metodologia do Ensino da Geometria Na Grécia, por volta de 500 a.C., foram fundadas as primei- ras universidades. Alguns instrumentos geométricos foram cria- dos, como, por exemplo, o compasso, que substituiu a utilização de cordas e estacas. Os gregos conseguiam medir, por exemplo, a distância de uma embarcação à praia utilizando o seguinte artifício: dois observadores (A e B) posicionavam-se de maneira que um deles (A) observasse o barco sob um ângulo de 90° em relação à linha da praia, e o outro observador (B), observasse o mesmo barco sob um ângulo de 45° como esquematizado na Figura 10. Feito isso, o barco e os observa- dores ficavam posicionados exatamente nos vértices de um triângulo retângulo isósceles. Para determinar a distância do barco até a praia (observador A) bastava medir a distância entre os observadores A e B. Figura 10 Determinação da distância de um barco à praia. A principal fonte de informações sobre a Matemática grega é o Sumário Eudemiano (335 a. C), escrito por Eudemo, discípulo de Aristóteles. A obra evidencia que já se conheciam três médias: aritmética, geométrica e subcontrária (harmônica). 41 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria Pitágoras (572 a.C. 475 a.C.) fundou, nesse período, a escola Pitagórica em Crotona (sul da Itália). À Pitágoras, foi atribuído a axiomatização das relações entre os lados de um triângulo retângulo (terminologia geométrica). Os três problemas clássicos da Geometria grega que deram início ao estudo da axiomática geométrica foram: • Trissecção de um ângulo (dado um ângulo, construir com ré- gua e compasso um ângulo com um terço de sua amplitude). • A duplicação do volume do cubo (dado um cubo, cons- truir com régua e compasso outro com o dobro do volu- me do anterior). • A quadratura do círculo (dado um círculo, construir com régua e compasso um quadrado de mesma área). A procura pela solução desses problemas ilustra o valor heu- rístico de problemas matemáticos não resolvidos. Em sua álgebra geométrica, os gregos utilizaram dois métodos para resolver cer- tas equações simples: das proporções e da aplicação de áreas. O problema de transformar a área de uma figura retilínea em outra figura retilínea era de interesse dos pitagóricos. Na Figura 11, temos que a área do quadrilátero AEDRA (em azul) é igual a área do pentágono AEDCBA (em amarelo). Figura 11 Figuras planas equivalentes. 42 © Metodologia do Ensino da Geometria O Teorema de Pitágoras já era conhecido pelos babilônios há mais de um milênio, mas sua primeira demonstração geral pode ter sido dada por Pitágoras. O Teorema de Pitágoras é válido, tam- bém, para outras figuras geométricas. Observe na Figura 12, que a área do semicírculo azul é igual à soma da área do semicírculo marrom e a área do semicírculo vermelho. Soma das áreas dos semicírculos I e II = 19,57 cm2 Área do semicírculo II = 9,01 cm2 Área do semicírculo = 19,57 cm2 Área do semicírculo I = 10,56 cm2 Figura 12 Teorema de Pitágoras com semicírculos. Utilizando o mesmo conceito de que retas paralelas inter- ceptadas por um transversal determinam ângulos alternos inter- nos congruentes, Eratóstenes media o comprimento da circunfe- rência da Terra e seu respectivo raio em 200 a.C. Como? Vamos ver a seguir. Eratóstenes viveu no Egito entre os anos 276 e 194 a.C. e, segundo a história, era bibliotecário-chefe da famosa biblioteca de Alexandria, e foi lá que encontrou em um velho papiro, indica- ções de que ao meio-dia de cada 21 de junho, na cidade de Siena, 43 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria 800km ao sul de Alexandria, uma vareta fincada verticalmente no solo não produzia sombra. Eratóstenes percebeu que o mesmo fenômeno não ocorria no mesmo dia e horário em Alexandria e concluiu que se o mundo é plano como uma mesa, então as sombras das varetas têm de ser iguais. Se isso não acontece é porque a Terra deve ser curva! Erastóstenes resolveu, então, realizar um experimento: fin- cou uma vareta no solo, em Alexandria, ao meio dia do dia 21 de junho, e mediu o comprimento de sua sombra; em seguida, fez o mesmo em Siena e percebeu que, quando fazia o mesmo com uma vareta de mesmo comprimento, a sombra não era produzida. Assim, obteve o ângulo A, conforme a Figura 13. Figura 13 Esquema imaginado por Erastóstenes. Erastóstenes mediu o ângulo A=7° (aproximadamente). Se as varetas estão na vertical, imaginou que se fossem longas o bastante iriam se encontrar no centro da Terra como esquematizado na Figu- ra 13. Assim, concluiu que ângulo B terá o mesmo valor que A, pois o desenho de Erastóstenes se reduz a um conceito geométrico muito simples que descreve: se duas retas paralelas interceptam uma reta transversal, então os ângulos correspondentes são iguais. As retas paralelas são os raios de luz do Sol e a reta transver- sal é a que passa pelo centro da Terra e pela vareta em Alexandria. 44 © Metodologia do Ensino da Geometria O ângulo B (também igual a 7°) é a fração conhecida da circunfe- rência da Terra e corresponde à distância entre Siena e Alexandria! Erastóstenes sabia que essa distância valia cerca de 800km e então deduziu que 7° 1/50 da circunferência (360°) e que esta medida corresponde a cerca de 800km. Assim, concluiu que 800km vezes 50 são 40.000km, de modo que deve ser esse o valor da circunfe- rência da Terra. O valor encontrado na atualidade é de cerca de 40.072km ao longo da linha do equador. Um erro pequeno para um raciocínio simples realizado há tanto tempo. Com a medida da circunferência calculada é possível agora calcular o diâmetro, o raio, o volume e a área da superfície, por meio de fórmulas simples. Sabemos que o comprimento de uma circunferência é obti- do por 2 TRπ , que em graus corresponde a 360°. Assim, se realizar- mos uma proporção considerando o comprimento do arco de 7°, obtido por Erastóstenes equivalente a 800.000 metros, teremos: 800.000 360º2 7º 800.000 360º 6.548.000 2 7T R R mπ π ⋅ ∴ ⋅ = ⋅ ∴ = = ⋅ O valor do raio da Terra RT = 6.548km é o valor obtido em 234 a.C. e o raio da Terra RT = 6.378km é o valor moderno obtido com a utilização de instrumentos de medida mais precisos. Observe que o conhecimentoutilizado por Erastóstenes (retas paralelas corta- das por uma transversal) é formalmente adquirido hoje nas aulas de Geometria do Ensino Fundamental e Médio. Outro notável matemático da Antiguidade foi Euclides, que se destacou como mestre de Matemática na escola de Alexandria, então o maior centro de cultura helenística. Escreveu a obra Os Ele- mentos, em grego, que é, depois da Bíblia, o livro com maior nú- mero de edições na história do mundo Ocidental. A sua impecável estrutura lógica conferiu-lhe uma vitalidade surpreendente que, por meio dos séculos, o conservou como livro básico de estudo até hoje em nossas escolas. A Geometria que é ensinada nas escolas de qua- se todo o mundo é inspirada nos textos de Geometria Euclidiana. 45 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria Euclides nasceu na Síria e era descendente de pais gregos. Estudou em Atenas e foi chamado pelo rei Ptolomeu I do Egito (306-283 a.C.) para ensinar Geometria e Aritmética na escola de Alexandria. Conta-se que o jovem faraó Ptolomeu, desejando pe- netrar naquele mundo fascinante de linhas e círculos, pediu a Eu- clides que adotasse um método mais fácil para ele aprender Geo- metria, ao que Euclides, teria respondido: "Não existem estradas régias para chegar a Geometria". Os Elementos são constituídos por treze livros, além de dois outros que teriam sido publicados muito depois de Euclides (275 a.C), no qual são descritos uma apresentação sistemática das pro- priedades, teoremas, axiomas e postulados da Geometria métrica. A seguir, transcrevemos a definição de ângulo plano, retira- do do livro I de Os Elementos: Ângulo plano retilíneo é a inclinação recíproca de duas linhas retas, que se encontram, e não estão em direitura uma com outra. Se alguns ângulos existirem no mesmo ponto B, cada um deles vem indicado com três letras do alfabeto; e a, que estiver no vértice do ângulo, isto é, no ponto no qual se encontram as retas, que formam o ângulo, se põe no meio das outras duas; e destas uma está posta perto de uma das descritas retas, em alguma parte, e a outra perto da outra linha. Assim o ângulo feito pelas retas AB, CB representar- -se-á com as letras ABC, ou CBA; o ângulo formado pelas retas AB, DB, com as letras ABD, ou DBA; e o ângulo que fazem as retas DB, CB, com as letras DBC, ou CBD. Mas, se um ângulo estiver separado de outro qualquer, poder-se-á marcar com a mesma letra, que es- tiver no vértice, como o angulo no ponto E (EUCLIDES, 1944, p. 4). Na mesma obra, observe a definição de ângulo reto: Quando, uma linha reta caindo sobre outra linha reta, fizer com esta, dois ângulos iguais, um de uma, e outro de outra parte, cada um destes ângulos iguais se chama ângulo reto; e a linha incidente se diz perpendicular á outra linha, sobre a qual cai (EUCLIDES, 1944, p. 5). Note que a transcrição de alguns postulados era de difícil entendimento: "Pede-se como coisa possível, que se tire de um ponto qualquer para outro qualquer ponto uma linha reta" (EUCLI- DES, 1944, p. 7). Na verdade, esse postulado enuncia que por dois pontos distintos é possível traçar uma única reta. 46 © Metodologia do Ensino da Geometria Observe também que o postulado "E que uma linha reta de- terminada se continue em direitura de si mesma, até onde seja necessário" pode ser interpretado como "uma reta é infinita" (EU- CLIDES, 1944, p. 7). Nestas transcrições, observa-se a grande dificuldade na épo- ca de se descrever uma definição geométrica sem, no entanto, lan- çar mão de desenhos geométricos. Outros conceitos geométricos da antiguidade são ampla- mente estudados na Geometria da atualidade. A razão áurea (ou número de ouro) tem sido um desses conceitos que determina uma proporção entre dois segmentos ou duas medidas equivalen- te a 1,618: 1, e é identificada por Phi (lê-se Fi). Se em um retângulo, ao se dividir o lado maior pelo menor, temos como resultado o número 1,618, dizemos que estamos pe- rante um retângulo de ouro, que nos cânones estéticos da antiga Grécia era o mesmo que dizer proporção perfeita. Figura 14 Proporção áurea – número de ouro ou razão áurea – proporção perfeita. Platão (427 a.C. – 347 a.C.) fundou uma academia orientada por propósitos sistemáticos de investigação científica e filosófica, em cuja entrada havia a seguinte mensagem: "que aqui não aden- trem aqueles não versados em geometria". Sua academia foi o elo 47 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria da matemática pitagórica com a escola de Alexandria. Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), que embora não fosse um matemático de- clarado, foi o sistematizador da lógica dedutiva. Em 306 a.C. Pto- lomeu começa a construir a famosa Universidade de Alexandria, com salas de aula, laboratórios, jardins, biblioteca que ostentava mais de 600.000 rolos de papiro. Euclides foi escolhido para chefiar o departamento de ma- temática. Nenhum trabalho, exceto a Bíblia, foi tão largamente usado e estudado e, provavelmente, nenhum exerceu influência maior no pensamento científico do que Os Elementos de Euclides. 6. PROBLEMÁTICA DO ENSINO DA GEOMETRIA Possuir conhecimento básico de Geometria é fundamental para os alunos interagirem adequadamente com o meio em que vivem, assim como para iniciarem um estudo mais formal desse conteúdo. Os conhecimentos básicos, que compreendem propriedades, conceitos geométricos e suas relações, deveriam, geralmente, ser adquiridos pelo aluno por meio das experiências geométricas su- postamente vivenciadas durante sua escolaridade no Ensino Fun- damental e Médio. No entanto, observa-se que os alunos possuem grandes deficiências em relação à compreensão da Geometria. Na prática em sala de aula, é possível perceber que esses fu- turos professores apresentam um conhecimento geométrico mui- to restrito, evidenciando que a Geometria não tem sido adequa- damente ensinada como deveria no Ensino Fundamental e Médio. Constata-se que os alunos ingressantes nos cursos de Licen- ciatura em Matemática chegam à universidade sem atingir níveis básicos de conhecimento e compreensão da Geometria que lhes possibilitem um razoável entendimento dos conteúdos ministrados. 48 © Metodologia do Ensino da Geometria Os holandeses Dina e Pierre Marie Van Hiele iniciaram, por volta de 1957, uma pesquisa para responder à questão: por que os estudantes entendem tão pouco de Geometria? Após 27 anos de pesquisa, eles dividiram o conhecimento geométrico em cinco níveis de compreensão hierarquizados. Segundo o modelo, não se atinge um nível sem dominar os anteriores (RIBEIRO, 2005). De acordo com a teoria de Van Hiele, existem cinco níveis de aprendizagem geométrica ou níveis de desenvolvimento do pen- samento geométrico: 1) Nível 1 (ou nível básico): agrega alunos que só conse- guem reconhecer ou reproduzir figuras. 2) Nível 2: composto por alunos que conseguem perceber características das figuras e descrever algumas de suas propriedades. 3) Nível 3: alunos que ordenam logicamente as proprieda- des das figuras. 4) Nível 4: alunos que conseguem construir demonstrações. 5) Nível 5: alunos que, não só constroem demonstrações, mas também conseguem comparar diferentes sistemas axiomáticos. Assim, nossos alunos pouco dominam os conceitos elemen- tares e fundamentais da Geometria. Também não compreendem os objetos geométricos, confundindo propriedades do desenho com propriedades do objeto. Infere-se, portanto, que esses alunos estariam incluídos, de acordo com os níveis de Van Hiele, no primeiro nível (nível básico) ou mesmo no segundo nível. Em grande parte, toda essa problemática tem como origem os programas e práticas de nossas instituições de ensino. Nelas, a Geometria é abordada pelo professor de forma tradicional, apre- sentando demonstrações com argumentos ordenados e prontos. Exemplo disso é o quadrado com lados paralelos às bordas da fo- lha de papel, retângulos sempre com dois lados diferentes,alturas em triângulos sempre acutângulos, entre outros. 49 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria Isso induz o aluno a não reconhecer estes desenhos quando apresentados em outras situações. Agravando ainda mais a situa- ção, a posição relativa do desenho ou seu traçado particular passa a fazer parte das características do objeto, tanto no aspecto con- ceitual quanto no aspecto figural. Que a Geometria é um importante campo do conhecimento matemático não se questiona. Segundo Michel Atiyah (1976), "[...] é justamente a Geometria que, por um lado evoca a intuição e conduz ao descobrimento, e por outro, permite a conexão entre o mundo físico e a matemática". Lorenzato (1995) destaca que, para justificar a necessidade do ensino geométrico na sala de aula, bastaria o argumento de que sem estudar Geometria as pessoas não desenvolvem o pensar geométrico ou o raciocínio visual. Portanto, sem essa habilidade, elas dificilmente conseguirão resolver as situações de vida geome- trizadas; também não poderão se utilizar da Geometria como fator altamente facilitador para a compreensão e resolução de questões de outras áreas do conhecimento humano. Em 1921, Einstein, assim, pronunciou-se sobre a Geometria: "Atribuo especial importância à visão que tenho da Geometria, porque sem ela eu não teria sido capaz de formular a teoria da relatividade". Tendo a Geometria relevante importância no desenvolvi- mento mental do aluno, na resolução de problemas, por que en- tão a Geometria foi e tem sido relegada a um plano secundário no ensino matemático? Lorenzato (1995) destaca que o ensino da Geometria, se comparado com o ensino de outras áreas da Matemática, tem sido o mais problemático. No Brasil, a Geometria está ausente ou qua- se ausente da sala de aula. Vários trabalhos de pesquisadores brasileiros, entre eles Peres (1991) e Pavanelo (1993), citados por Lorenzato (1995), confirmam essa lamentável realidade educacional, que possui inúmeras causas. 50 © Metodologia do Ensino da Geometria A primeira causa dessa omissão é que os professores não de- têm os conhecimentos geométricos necessários para a realização de suas práticas pedagógicas, portanto, esses professores estão diante de um dilema educacional: tentar ensinar Geometria sem conhecê-la ou então não ensiná-la. A segunda causa deve-se à exagerada importância que de- sempenha o livro didático em nosso meio educacional. Em muitos deles, a Geometria é apresentada apenas como um aglomerado de definições, propriedades, nomes e fórmulas, desligados de quais- quer aplicações ou explicações de natureza histórica ou lógica. A terceira causa é o currículo dos cursos de formação de fu- turos professores de Matemática. Neles, a Geometria possui uma frágil posição, quando consta do currículo. Como ninguém pode ensinar bem aquilo que não conhece, aí está mais uma razão para o atual esquecimento geométrico no ensino matemático. Nos programas e guias curriculares, a Geometria é apresen- tada rigidamente separada da Aritmética e da Álgebra. O movi- mento da Matemática Moderna também contribuiu para o atu- al caos do ensino da Geometria. Antes de sua chegada ao Brasil, nosso ensino geométrico era marcadamente lógico-dedutivo, com demonstrações não apreciadas pelos nossos alunos. A proposta da Matemática Moderna de algebrizar a Geo- metria não vingou no Brasil, mas conseguiu eliminar os modelos anteriores, criando, assim, uma lacuna nas práticas pedagógicas que perdura até os nossos dias, surgindo um ciclo vicioso, no qual a geração que não estudou Geometria não sabe como ensiná-la. A Geometria é a mais eficiente conexão didático-pedagógica que a Matemática possui, interligando-se com a Aritmética e com a Álgebra. Portanto, os objetos e as relações geométricas são im- portantes instrumentos de apoio para a compreensão e o enten- dimento daquelas. 51 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria Dessa maneira, conceitos, propriedades e questões aritmé- ticas ou algébricas podem ser ilustrados, facilitados ou realçados pela Geometria. Em contrapartida, podemos associar figuras geo- métricas a equações, do mesmo modo que associamos pontos a pares ordenados de números reais, por exemplo. Essa associação entre figuras geométricas e equações, per- mite-nos utilizar os recursos da Álgebra no tratamento de proble- mas geométricos, dando origem à Geometria Analítica. É preciso, portanto, um amplo e contínuo esforço, de dife- rentes áreas educacionais, para que mudanças se efetivem no atu- al quadro do ensino da Geometria escolar. Para isso, é preciso identificar o ponto de equilíbrio dinâmico entre o intuitivo e o dedutivo, o concreto e o abstrato, o experi- mental e o lógico, tendo em vista, uma aprendizagem significativa da Geometria. É preciso, também, modificar os currículos dos cursos de for- mação de professores, investir fortemente no aperfeiçoamento do educador em exercício e lançar novas publicações com conteúdos geométricos tanto para alunos como para professores. 7. IMPORTÂNCIA DO ENSINO DA GEOMETRIA Freudenthal (1993, p. 57) eminente matemático e educador, destaca que a Geometria é essencialmente a compreensão do es- paço: a criança "deve aprender a conhecer, explorar, conquistar, de modo a poder aí viver, respirar e mover-se melhor". Em seus estudos, o autor destaca dois aspectos da riqueza geométrica que, numa análise superficial, poderiam parecer con- traditórios, mas que, na verdade, se completam: por um lado, as descobertas realizadas "com os próprios olhos e mãos, são mais convincentes e surpreendentes"; por outro lado, salientando a ne- cessidade de explicação lógica das suas conclusões, ele enfatiza que 52 © Metodologia do Ensino da Geometria a Geometria pode fazer sentir aos alunos "a força do espírito huma- no, ou seja, do seu próprio espírito" (FREUDENTHAL, 1993, p. 58). A Geometria, tanto no plano quanto no espaço, possibilita aos alunos descobrirem propriedades, construir conceitos e explo- rar conexões com outras disciplinas. A Geometria é uma especial fonte de problemas de vários tipos: de visualização e representação; de construção e lugares ge- ométricos; de transformações geométricas. Além disso, permite inúmeras conexões com outros domínios da própria Matemática, tais como, a Aritmética, a Álgebra, o Cálculo Combinatório, a Aná- lise Matemática, entre outros. Usiskin (1994) destaca que a Geometria se constitui como um importante veículo para representar conceitos matemáticos, cuja origem não é visual ou física. Como exemplo, é possível citar a reta numerada que descre- ve o conjunto dos números reais, gráficos diversos que nos trans- mitem mais rapidamente informações numéricas. O conceito de simetria, com sua origem no mundo real, é com frequência, in- troduzido em Álgebra, como propriedade dos gráficos de certas funções ou relações. Segundo Usiskin (1994, p. 21), a Geometria é composta de quatro dimensões distintas de compreensão: [...] a geometria como visualização, construção e medida de figu- ras (contar o número de cubos, sobre os quais estão colocados alguns cubos visíveis); a Geometria como estudo do mundo real, físico (quando observamos a regularidade dos hexágonos numa colméia); a Geometria como veículo para representar outros con- ceitos matemáticos (a reta numerada descreve o conjunto dos nú- meros reais); e a Geometria como um exemplo de sistema mate- mático (idéias de lógica e dedução são facilmente compreendidas utilizando-se Geometria). O autor destaca, ainda, que, "no estudo da Geometria, em geral, a visualização, o desenho e a construção de figuras devem ser valorizados", e salienta, que: 53 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria [...] embora a Geometria derive do mundo físico, suas ligações com esse mundo são ignoradas na grande maioria dos textos escolares elementares. E, mesmo quando encontradasnesses livros, as liga- ções da Geometria com o mundo real parecem não ter uma dire- ção muito precisa. Ordenar essas ligações é um problema curricular não resolvido (USISKIN, 1994, p. 21). Assim, vamos desenvolver algumas atividades matemáticas e geométricas utilizando a composição e decomposição de figuras planas. 8. COMPOSIÇÃO E DECOMPOSIÇÃO DE FIGURAS PLANAS A decomposição e a composição de figuras geométricas pode constituir-se numa atividade geométrica que permite me- lhor conhecer as propriedades e as relações entre os elementos das figuras. Assim, é importante que o aluno realize experiências, faça tentativas e corrija erros. Para além da intuição e imaginação necessárias à resolução de problemas, poderá, eventualmente, o professor interagir com os alunos por meio de uma análise mais detalhada das figuras, no sentido de justificar ou confirmar determinados resultados, pro- priedades e conceitos inerentes às figuras geométricas. Nesse sentido, algumas habilidades e competências geo- métricas poderão ser alcançadas pelos alunos com a utilização da composição e decomposição de figuras planas, como: 1) Aptidão para realizar construções geométricas e para reconhecer e analisar propriedades de figuras geomé- tricas, nomeadamente recorrendo a materiais manipu- láveis e a softwares geométricos. 2) Aptidão para utilizar a visualização e o raciocínio espa- cial na análise de situações e na resolução de problemas em Geometria e em outras áreas da Matemática. 3) Compreensão dos conceitos de comprimento e períme- tro, área, volume e amplitude. 54 © Metodologia do Ensino da Geometria 4) Aptidão para efetuar medições e estimativas em situa- ções diversas, bem como a compreensão do sistema in- ternacional de unidades. 5) Predisposição para procurar e explorar padrões geomé- tricos e o gosto por investigar propriedades e relações geométricas. 6) Aptidão para formular argumentos válidos recorrendo à visualização e ao raciocínio espacial, explicitando-os em linguagem corrente. 7) Sensibilidade para apreciar a geometria no mundo real e o reconhecimento e a utilização de ideias geométricas em diversas situações. 8) Sensibilidade para a ordem de grandeza de números, as- sim como a aptidão para estimar valores aproximados de resultados de operações e decidir da razoabilidade de resultados obtidos por qualquer processo de cálculo ou por estimação. 9) Aptidão para concretizar, em casos particulares, relações entre variáveis e fórmulas e para procurar soluções de equações simples. Destacam-se, a seguir, alguns objetivos que podem ser obtidos com a utilização da composição e decomposição de figuras planas: 1) Decompor um polígono em triângulos e quadriláteros e relacionar entre si as figuras obtidas. 2) Por composição de figuras, obter uma figura dada. 3) Resolver problemas, relacionando entre si, proprieda- des das figuras geométricas. 4) Inventar um puzzle (quebra-cabeça, desafio) ou jogo ge- ométrico. 5) Resolver problemas utilizando o processo de tentativa e erro. Nesse sentido, vamos realizar algumas atividades de compo- sição e decomposição de algumas figuras planas. 1) Conteúdos explorados: a) Figuras geométricas, composição e decomposição, área e perímetro, semelhança e congruência, vértices e dia- gonais, entre outros. 55 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria 2) Objetivos: a) Trabalhar conceitos de composição e decomposição de figuras geométricas, de forma que os alunos percebam as diferentes maneiras de se compor e decompor figuras planas. b) Desenvolver o raciocínio lógico e geométrico. 3) Material: a) Quadrados no tamanho 10cm x 10cm, ou maiores, dese- nhados como o da Figura 15, em papel de cores diferen- tes. Tesoura e cola. Papel quadriculado. Utilizando um quadrado recortado ao meio pelos pontos médios de dois de seus lados opostos, e com uma dessas metades recortada pela diagonal (Figura 15), resolva e responda às ques- tões subsequentes. Fonte: Rocha (2004, p. 26). Figura 15 Quadrado padrão Utilizando todas as peças obtidas do recorte do quadrado da Figura 15, construa, por composição, às figuras a seguir (Figura 16), lembrando que elas não estão em escala. 56 © Metodologia do Ensino da Geometria (a) (b) (c) (d) Fonte: adaptado de Rocha (2004, p. 127). Figura 16 Figuras planas. O nome de um polígono é determinado de acordo com o número de lados e as propriedades geométricas inerentes a ele. Assim, que nome recebe cada um dos polígonos representados na Figura 16, qual o número de diagonais e o número de vértices? Para responder a essas perguntas fazemos: 1) Figura (a): hexágono; nove diagonais; seis vértices. 2) Figura (b): triângulo; zero diagonal; três vértices. 3) Figura (c): quadrilátero (paralelogramo); duas diagonais; quatro vértices. 4) Figura (d): quadrilátero (trapézio); duas diagonais; qua- tro vértices. Das figuras anteriores (Figura 16), quais as que não possuem eixo de simetria? A resposta seria que somente a figura (d) possui um eixo de si- metria e, portanto, as demais figuras não possuem eixo de simetria. Considere um triângulo do recorte do quadrado da Figura 15 como uma unidade de área. Assim, qual é a área de cada uma das figuras (a), (b), (c) e (d) da Figura 16. Observe que as três peças obtidas do recorte do quadrado da Figura 15 se encaixam perfeitamente nas figuras (a), (b), (c), 57 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria (d) da Figura 16. Como estamos considerando que um triângulo é uma unidade de área e na Figura 15 (quadrado) temos quatro triângulos congruentes, pode-se concluir que as áreas das figuras (a), (b), (c) e (d) são iguais a quatro unidades de área, como pode ser observado na Figura 17. (a) (b) (c) (d) Fonte: adaptado de Rocha (2004, p. 127). Figura 17 Área das figuras planas. Podemos também realizar outra atividade utilizando agora, por exemplo, um quadrado de 10cm x 10cm recortado em X, como pode ser observado na Figura 18, e desenvolver algumas atividades geométricas. Fonte: adaptado de Rocha (2004, p. 127). Figura 18 Área das figuras planas. 58 © Metodologia do Ensino da Geometria Compor as figuras (Figura 19), utilizando todas as peças do quadrado recortado, lembrando que as figuras não estão em escala. (a) (b) (c) (d) Fonte: adaptado de Rocha (2004, p. 128). Figura 19 Área das figuras planas. O nome de um polígono é determinado de acordo com o número de lados e as propriedades geométricas inerentes a ele. Assim, que nome recebe cada um dos polígonos da Figura 19 e qual o número de diagonais e o número de vértices? Para responder essas perguntas fazemos: 1) Figura (a): hexágono; nove diagonais; seis vértices. 2) Figura (b): quadrilátero (trapézio); duas diagonais; qua- tro vértices. 59 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria 3) Figura (c): quadrilátero (paralelogramo); duas diagonais; quatro vértices. 4) Figura (d): triângulo; zero diagonal; três vértices. Das figuras mencionadas anteriormente na Figura 19, quais não possuem eixo de simetria? A resposta seria que somente a figura (c) possui eixo de si- metria. Vale destacar que novas atividades podem ser desenvolvidas ao se explorarem outros conceitos e figuras geométricas. 9. MATEMÁTICA E ARTES VISUAIS Algumas atividades geométricas podem ser desenvolvidas tendo como contexto as artes visuais. De modo geral, os mosaicos, mostram a relação simétrica e harmônica existente entre a Mate- mática e a Arte. Assim, é possível apresentar a Geometria ao aluno como parte integrante do conhecimento matemático e da construção cultural e artística da humanidade. Desse modo, resgata-se no educando o pensamento geométrico, a capacidade de interpreta- ção e intervenção no espaço em que vive. Devemos, por isso, adicionar ao estudo da Geometria a visu- alização, a representação, a manipulação dos objetos, bem como a criação de novos objetosque estão associados aos fenômenos físicos, naturais, sociais e culturais do indivíduo e do meio em que vive. Maurits Cornelis Escher (2010) soube muito bem trabalhar a perspectiva, a tridimensionalidade, conceitos e propriedades geo- métricas de figuras planas para compor seus mosaicos, como pode ser observado nas imagens da Figura 20. Uma verdadeira obra de arte. 60 © Metodologia do Ensino da Geometria Fonte: Escher, (2010). Figura 20 Mosaicos de Escher. Objetivando fixar os conceitos e conhecimentos adquiridos nesta unidade, proponho que leia e responda às questões avaliati- vas que se seguem. 10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Sugerimos que você procure resolver e responder as ques- tões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade, ou seja, da aprendizagem de conteúdos geométricos. A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda- dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na edu- cação a distância, a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco- bertas com os seus colegas. Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade: 1) Verifique se as medidas 26, 65 e 70 são lados de um triângulo retângulo. Justifique sua resposta. 2) Se uma escada de 13 metros está encostada numa parede, com seu "pé" a 5 metros dessa parede, a que altura da parede a escada está encostada? Justifique sua resposta. 61 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Desenvolvimento Histórico da Geometria 3) Na determinação da altura de um monumento ou da distância de uma em- barcação à praia, além do conceito de triângulo retângulo, quais outros con- ceitos geométricos são considerados? Justifique sua resposta. 4) Quais as principais dificuldades encontradas pelos alunos no aprendizado de conteúdos geométricos? Justifique sua resposta. 5) Por que a Geometria foi e tem sido relegada a um plano secundário no ensi- no matemático? Justifique sua resposta. 6) Por que muitos alunos do Ensino Fundamental e Médio não aprendem de- vidamente Geometria? Quais as principais dificuldades encontradas pelos alunos no aprendizado da Geometria, suas causas e consequências? O aluno não aprende Geometria porque o professor não ensina? E o professor, não ensina porque não aprendeu? O que está oculto no aprendizado e na com- preensão da Geometria? Justifique sua resposta. 7) Defina simetria. Justifique sua resposta. 11. CONSIDERAÇÕES Com o estudo desta unidade, realizamos um breve retros- pecto histórico da Geometria e conhecemos alguns problemas ge- ométricos que foram solucionados com hábil inteligência. Vimos que algumas atividades em sala de aula podem ser inseridas de acordo com fatos históricos da Geometria, por exem- plo, a determinação da altura de um monumento ou a largura de um rio. Realizamos também algumas atividades geométricas de exploração de conceitos utilizando a composição de figuras planas. 12. E-REFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 5 Papiro de Rhind. Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/ seminario/rhind/images/48.gif>. Acesso em: 6 jan. 2012. Figura 6 Papiro de Moscou. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~leo/imatica/ historia/imagens/ht_moscou.gif>. Acesso em: 13 dez. 2011. Figura 7 Tábua "Plimpton 322". Disponível em: <http://www.math.ubc.ca/~cass/courses/ m446-03/pl322/322.jpg>. Acesso em: 13 dez. 2011. 62 © Metodologia do Ensino da Geometria Figura 13 Esquema imaginado por Eratóstenes. Disponível em: <http://www.zenite.nu/ figs/f08/sombras.gif>. Acesso em: 9 jan. 2012. Figura 14 Proporção áurea – número de ouro – proporção perfeita. Disponível em: <http://www.matematicahoje.com.br/imagens/rev_aureo04.gif>. Acesso em: 13 dez. 2011. Sites pesquisados DMAT – DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA. Livro I dos elementos de Euclides. Disponível em: <http://www.mat.uc.pt/~jaimecs/euclid/1parte.html>. Acesso em: 13 dez. 2011. SÓ MATEMÁTICA. História da geometria. Disponível em: <http://www.somatematica. com.br/geometria.php>. Acesso em: 13 dez. 2011. ZÊNITE. Medida do raio da Terra. Disponível em: <http://www.zenite.nu/>. Acesso em: 13 dez. 2011. 13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, R. M. Descobrindo padrões em mosaicos. São Paulo: Atual, 1993. BORBA, M. C. Informática e educação matemática. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. BOYER, C. B. História da matemática. São Paulo: Edgar Blücher, 2001. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998. ______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1998. FIORENTINI, D. (Org.). Coletânea de trabalhos do PRAPEM - VII ENEM. Campinas: Unicamp, 2001. FISCHBEIN, E. The theory of figural concepts. Education Studies in Mathematics. Netherlands: Kluwer Academic Publishers, n. 24, p. 139-162, 1993. LINDQUIST, M. M.; SHULTE, A. P. (Orgs.). Aprendendo e ensinando geometria. Tradução de Hygino H. Domingues. São Paulo: Atual, 1994. LORENZATO, S. A. Por que não ensinar geometria? Educação Matemática em Revista. 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