Buscar

Manejo do Trauma Agudo

Prévia do material em texto

Manejo do Trauma Agudo
Sistemas de trauma
Os sistemas de trauma incluem a continuidade dos cuidados, começando no momento do trauma, com o acesso do paciente aos cuidados, e estendendose pelo processo de reabilitação. No nível mais básico, o objetivo do sistema de trauma é levar o paciente certo ao local certo no tempo certo( R DURHAM, 2006).
Sistemas de trauma são inclusivos e, assim, envolvem todos os hospitais para assegurar as necessidades de todos os pacientes de trauma, independentemente da gravidade da lesão ou da localização geográfica (Fig. 1). Eles capitalizam os recursos de todos os hospitais desde instalações de acesso crítico aos grandes centros de trauma níveis I e II. Guiados por protocolos de triagem, os pacientes de trauma são transportados para locais que são apropriados para fornecer o nível de cuidados necessários, com base na gravidade das lesões. Por vezes isso requer a transferência dos pacientes de hospitais menores para centros de trauma. Os benefícios dessa abordagem incluem o uso eficiente de todos os recursos disponíveis e a redução da lotação potencial dos centros de trauma com pacientes pouco graves, permitindo que a maior parte dos pacientes recebam cuidados adequados dentro da sua própria comunidade(SABISTON ET AL, 2008).
Figura 1
Fonte: SABISTON et al, 2008.
Graduação das lesões
Os sistemas de graduação são normalmente baseados na anatomia da lesão ou na fisiologia demonstrada após uma ou mais lesões infringidas. A Abbreviated Injury Scale (AIS) tem sido o sistema anatômico de classificação de lesões mais usado desde que foi inicialmente publicada em 1971. As lesões são caracterizadas por uma taxonomia de seis dígitos que descreve a região corporal, o tipo de estrutura anatômica e o detalhe anatômico específico da lesão (ID CIVIL, CW SCHWAB, 1988).
Além dos sistemas de graduação anatômicos, foram desenvolvidas outras escalas que incluem o insulto fisiológico da carga de lesão. Estes sistemas de graduação fisiológicos são mais capazes de identificar a condição global do paciente e podem também guiar melhor a tomada de decisões em tempo real. Uma escala deste tipo frequentemente utilizada é a escala de coma Glasgow (ECG), que reflete o nível de consciência de um paciente. Com pontuações entre 3 e 15, a ECG é composta por uma avaliação da abertura dos olhos, resposta verbal e função motora. A ECG e, mais especificamente, a pontuação motora em isolado foram consideradas um reflexo da evolução do paciente após lesão cerebral aguda(SABISTON ET AL, 2008). 
O Revised Trauma Score (RTS), figura 2, é outro sistema de pontuação fisiológico bem estudado que caracteriza a condição do paciente de trauma incorporando a ECG, a pressão arterial sistólica e a frequência respiratória. Estas escalas têm tido valor para propósitos de pesquisa e têm sido usadas com sucesso para realizar decisões de triagem(TINKOFF G, 2008).
Figura2
Fonte: SABISTON et al, 2008.
Cuidados de trauma pré-hospitalar
Imediatamente após um paciente sofrer o trauma, o sistema de trauma inicia a fase préhospitalar de cuidados. A equipe préhospitalar tem um papel integral no tratamento do paciente de trauma devido à natureza tempodependente do trauma(SABISTON ET AL, 2008). A abordagem inicial ao paciente de trauma no contexto préhospitalar inclui quatro prioridadeschave:
1. Avaliar o cenário. 
2. Realizar uma avaliação inicial.
3. Tomar decisões de triagemtransporte. 
4. Iniciar intervenções críticas e transportar o paciente.
A avaliação inicial consiste em uma abordagem sistemática para identificar rapidamente condições que põem em risco a vida e que necessitam de intervenção urgente. A mnemônica ABC guia a avaliação inicial, durante a qual via aérea, respiração e circulação (do inglês airway, breathing e circulation) são sequencialmente avaliadas e abordadas. Enquanto a coluna vertebral é protegida, a via aérea do paciente é assegurada e a ventilação assistida é realizada conforme necessário. A hemorragia externa é identificada e imediatamente controlada enquanto a reanimação hídrica é iniciada(SASSER SM, 2012).
As intervenções de emergência no local podem ser imediatamente salvadoras da vida, mas os resultados ótimos no final dependem de uma decisão eficaz de triagem e transporte. Utilizando a abordagem “busca e corre”, todas as intervenções préhospitalares essenciais podem ser prestadas enquanto o paciente está sendo transportado(SASSER SM, 2012).
A preocupação clínica inicial que a equipe préhospitalar deve ter é a via aérea do paciente de trauma. O padrãoouro para a manutenção da via aérea no paciente de trauma grave continua sendo a entubação oral endotraqueal, normalmente utilizando uma técnica de sequência rápida. Devese sempre assumir que o paciente tem uma lesão da coluna vertebral e manter precauções adequadas(WINCHELL RJ, 1997). 
O controle da hemorragia externa e iniciação da reanimação são necessidades críticas durante a fase de cuidados pré hospitalares. A pressão direta continua sendo o centro do controle hemorrágico, embora o uso de torniquetes tenha se tornado mais comum no tratamento de trauma exsanguinante das extremidades. Com a experiência militar recente e avanços no desenvolvimento de dispositivos, os torniquetes mostraram benefício em situações selecionadas(SABISTON ET AL, 2008). 
Os pacientes em choque necessitam de início de reanimação para corrigir a depleção de volume intravascular após o controle hemorrágico. A magnitude adequada de administração de volume de cristaloide tem sido questionada recentemente, e o conceito de uma reanimação controlada tornouse bem aceito(SABISTON ET AL, 2008). 
Avaliação e tratamento iniciais
A base da abordagem inicial ao paciente de trauma é o curso ATLS. Desde o seu desenvolvimento em 1980, o curso ATLS forneceu uma abordagem estruturada e padronizada ao paciente de trauma que se baseia no conceito de rapidamente identificar e abordar condições que põem em risco a vida durante a avaliação inicial do paciente. Mais especificamente, o ATLS comporta três conceitos importantes, independentemente de onde os cuidados são prestados(ATLS, ED 9; 2012): 
1. Tratar a maior ameaça à vida primeiro.
2. A falta de um diagnóstico definitivo não deve atrasar a aplicação do tratamento urgente indicado. 
3. Uma história inicial e detalhada não é essencial para começar a avaliação do paciente com lesões agudas. 
Seguindo uma ordem definida de avaliação, as condições que põem em risco a vida são imediatamente abordadas no momento da identificação. Essa avaliação inicial, também chamada avaliação primária, segue a mnemônica ABCDE: Airway (via aérea) e proteção da coluna cervical Breathing (respiração) Circulation (circulação) Disability (incapacidade) ou condição neurológica Exposure (exposição) e controle do ambiente(M DE SOUSA RODRIGUES, 2017).
Além disso, a avaliação primária pode ser repetida sempre que haja qualquer alteração das condições do paciente. Apesar de ser simples em estrutura, a avaliação primária oferece uma ferramenta na qual o cirurgião pode confiar para identificar que condição põe em risco a vida e para onde dirigir o esforço clínico.
Via Aérea
O estado da via aérea do paciente deve ser imediatamente avaliado. A simples resposta verbal fornece a informação mais significativa porque a capacidade de falar normalmente indica proteção adequada da via aérea. Os pacientes que não conseguem falar têm depressão do estado mental ou alguma obstrução ao fluxo do ar, sendo ambas indicações para tratamento da via aérea. Outros indicadores de comprometimento da via aérea incluem respiração ruidosa, trauma facial grave (em específico com sangue ou corpos estranhos na orofaringe) e agitação do paciente. A determinação da patência da via aérea bem como a decisão de obter um melhor controle da via aérea, se necessário, devem ser concluídas em segundos após a chegada do paciente. Após a avaliação inicial, reavaliação frequente para deterioração e o desenvolvimento de comprometimento da via aérea é central(SABISTON ET AL, 2008). 
Até estar excluído comavaliação adequada, todos os pacientes de trauma devem ser considerados como tendo lesão da coluna vertebral, e as precauções adequadas devem ser mantidas. Isso tem importância significativa durante a manipulação da cabeça e do pescoço enquanto a via aérea está sendo abordada. A proteção da coluna cervical inclui ouso de colar cervical rígido e a manutenção da técnica de rolagem em bloco para todos os movimentos do paciente. Durante a avaliação e o tratamento da via aérea, a porção anterior do colar cervical pode ser removida para melhorar a exposição, mas a estabilização manual por um assistente deve ser realizada quando o colar não está fixo(ATLS, ED 9; 2012)
Quando a via aérea do paciente de trauma é considerada inadequada, uma via aérea definitiva deve ser assegurada. A via aérea definitiva de escolha para a maior parte dos pacientes de trauma é a entubação oral endotraqueal após uma técnica de sequência rápida. Enquanto o paciente está sendo preparado para entubação, a ventilação com máscara deve ser realizada, e adjuvantes como as cânulas de Guedel orofaríngea e nasofaríngea podem ajudar na manutenção da patência da via aérea. Com aplicação de pressão na cricoide, é administrado um sedativo ao paciente e um bloqueador neuromuscular de ação rápida, como a succinilcolina, para aumentar a visualização glótica. A laringoscopia direta com entubação endotraqueal é realizada, com cuidado, para evitar a mobilização da coluna cervical. A posição adequada do tubo na traqueia é confirmada pela ausculta torácica e abdominal, medição de dióxido de carbono expirado e por fim uma radiografia de tórax(ATLS, ED 9; 2012).
Respiração
Após a abordagem da via aérea, a respiração é avaliada pela inspeção dos movimentos do tórax, auscultação dos sons respiratórios e medida da saturação de oxigênio. Esforço respiratório limitado ou dispneia requerem suporte ventilatório e avaliação posterior do tórax. Os problemas de ventilação podem ser secundários a um pneumotórax hipertensivo, hemotórax maciço ou tórax instável com contusão pulmonar. O pneumotórax hipertensivo pode causar deterioração respiratória, mas também se apresentar na forma de colapso cardiovascular((STOKES DC, 1997).
O desvio da traqueia na fúrcula esternal com ausência ou diminuição unilateral dos sons respiratórios e comprometimento cardiopulmonar devem sugerir imediatamente pneumotórax hipertensivo. A descompressão torácica deve ser realizada rapidamente com uma agulha de grande calibre ou uma toracostomia com tubo, dependendo da disponibilidade de equipamentos (STOKES DC, 1997).
O hemotórax maciço também necessita de toracostomia com tubo para evacuação de sangue e reexpansão do pulmão. A contusão pulmonar grave é tratada com ventilação mecânica agressiva, muitas vezes com níveis elevados de pressão positiva expiratória final. Para evitar a perda de pressão positiva expiratória final, devese resistir à desconexão contínua do ventilador para aspiração a fim de ventilar o paciente quando a oxigenação só irá melhorar com ventilação mecânica ininterrupta(SABISTON ET AL, 2008). 
Circulação
Seguese uma avaliação do sistema cardiovascular, com o objetivo primário de determinar se o paciente está em choque. Os pacientes devem ser rapidamente avaliados para detectar sinais clínicos de choque, conforme demonstrado no figura 3. Embora hipotensão indique claramente descompensação cardiovascular, os pacientes podem estar em choque muito antes da diminuição da pressão arterial devido à capacidade de compensação do corpo. De longe, a causa mais comum de choque no paciente de trauma é a hemorragia. A perda de sangue deve ser excluída antes de outras causas de choque serem consideradas responsáveis(SABISTON ET AL, 2008). 
No momento da identificação da presença de choque, a reanimação deve ser iniciada de imediato com 1 a 2 litros de solução de cristaloide quente em infusão por dois cateteres endovenosos (EV) periféricos curtos e de grande calibre. O paciente deve ser submetido a uma avaliação rápida para identificar a causa da perda de sangue que põe a vida em risco. Existem essencialmente cinco grandes localizações por meio das quais a exsanguinação pode ocorrer, e, assim, a avaliação subsequente concentrase na identificação de quais destas localizações é a causa do choque. A perda de sangue exsanguinante pode ocorrer por perda de sangue externa e pelo tórax, abdome, retroperitônio (fratura pélvica) ou múltiplas fraturas de ossos longos(ATLS, ED 9; 2012).
O exame físico inicial identifica fontes de perda de sangue externo e fraturas de ossos longos. Estas são tratadas imediatamente com pressão direta e imobilização de fraturas, respectivamente. Uma radiografia de tórax pode então avaliar a presença de perda de sangue para o tórax e uma radiografia pélvica identificará uma fratura pélvica. Para avaliar o abdome, o ultrassom focado para o trauma abdominal ((Focused Abdominal Sonography in Trauma [FAST]) é um exame ecográfico rápido que avalia a presença de fluido intraperitoneal. Especificamente, o FAST pode avaliar os espaços hepatorrenal, esplenorrenal e pélvicos para a presença de fluido, que presumivelmente será sangue no contexto de trauma(PHILIP N, 2008). 
Figura 3
Fonte: SABISTON et al, 2008.
Após a administração inicial de fluidos EV, os pacientes são avaliados para detectar sinais de evolução do choque. Aqueles que respondem demonstrando uma normalização do estado fisiológico podem ser avaliados de forma extensiva de modo a identificar todas as lesões. Uma falha comum durante esse momento é a continuação da administração de fluidos EV a um ritmo elevado que pode mascarar a perda de sangue contínua. A falha em responder ao bolus inicial de cristaloide indica perda de sangue contínua que necessita de intervenção imediata(ATLS, ED 9; 2012).. 
A perda de sangue externa deve ser controlada, e as fraturas, reduzidas e imobilizadas. Uma toracostomia com tubo é necessária para a perda de sangue torácica quando a radiografia de tórax demonstra a presença de hemotórax. Hemorragia intratorácica contínua após a colocação de dreno torácico pode necessitar de toracotomia. A hemorragia intraabdominal em um paciente hemodinamicamente instável justifica laparotomia de emergência(SABISTON ET AL, 2008).
As fraturas pélvicas requerem tratamento imediato de qualquer aumento de volume pélvico com um fixador ou lençol, seguido de angiografia pélvica com embolização da hemorragia arterial. Em simultâneo ao tratamento da hemorragia contínua, hemoderivados devem ser administrados para manter o volume intravascular adequado(SABISTON ET AL, 2008).
Incapacidade e Exposição
Durante a avaliação primária, é importante realizar uma determinação rápida da função neurológica. De importância particular é a caracterização global da função neurológica para avaliar a presença de lesão cerebral e lesão medular traumáticas. A ECG deve ser determinada para identificar deficits na abertura dos olhos, na capacidade verbal e na resposta motora que potencialmente reflitam o grau de lesão neurológica. Quando são necessárias medicações sedativas, notar o nível basal de função neurológica antes da sua administração pode ser benéfico. 
A medula é grosseiramente avaliada pela visualização de movimento das extremidades. A falta de movimento das extremidades pode indicar lesão da medula espinhal que pode, no final, ser a fonte de choque após as fontes de perda de sangue terem sido excluídas. Toda a roupa deve ser removida nesse momento de modo a permitir um exame adequado e qualquer intervenção que seja necessária. É obtida a temperatura central e é importante manter o paciente de trauma aquecido(SABISTON ET AL, 2008)..
Os pacientes em choque têm alterações fisiológicas significativas que impedem a capacidade de manter a temperatura corporal. Assim, o controle do ambiente deve ser mantido com cobertores quentes e aumento da temperatura da sala, bem como mediante outras intervenções, como administração de fluidos quentes e aquecedores corporais(SABISTON ET AL, 2008).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. U.S. Department of Health and Human Services, Health Resources and Services Administration: Model trauma systems planning and evaluation. 
2. Rodney Durham, MD, Etienne Pracht, PhD, Barbara Orban, PhD, Larry Lottenburg, MD, Joseph Tepas, MD, and Lewis Flint, MD; Evaluation of a Mature Trauma System; 2006. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1570571/>
3. CIVIL, IAN D. M.B., Ch.B., F.R.A.C.S.*; SCHWAB, C WILLIAM M.D., F.A.C.S. The Abbreviated Injury Scale, 1985 Revision: A Condensed Chart For Clinical Use. 1988. Disponível em: <https://journals.lww.com/jtrauma/Abstract/1988/01000/The_Abbreviated_Injury_Scale,_1985_Revision__A.12.aspx>
4. Tinkoff G, Esposito TJ, Reed J, et al. American Association for the Surgery of Trauma Organ Injury Scale I: spleen, liver, and kidney, validation based on the National Trauma Data Bank. J Am Coll Surg. 2008;207:646–655. 7. Healey C, Osler TM, Rogers FB, et al. Improving the Glasgow Coma Scale score
5. Sasser SM, Hunt RC, Faul M, et al. Guidelines for field triage of injured patients: Recommendations of the National Expert Panel on Field Triage, 2011. MMWR Recomm Rep. 2012;61:1–20.
6. Winchell RJ, Hoyt DB. Endotracheal intubation in the field improves survival in patients with severe head injury. Trauma Research and Education Foundation of San Diego. Arch Surg. 1997;132:592–597.
7. Rodrigues, M. de S., Galvão, I. M., & e Santana, L. F. (2017). Utilização do ABCDE no atendimento do traumatizado. Revista De Medicina, 96(4), 278-280.
8. American College of Surgeons Committee on Trauma: Advanced trauma life support for doctors. Ed 9; 2012
9. Stokes DC. Consultation with the Specialist: Respiratory Failure. 1997;18(10):361-6.
10. Philip N. Salen MD,Scott W. Melanson MD,Michael B. Heller MD. The Focused Abdominal Sonography for Trauma (FAST) Examination: Considerations and Recommendations for Training Physicians in the Use of a New Clinical Tool; 2008. Disponível em: < https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1553-2712.2000.tb00521.x >
11. SABISTON, D. C. et al. Sabiston textbook of surgery: the biological basis of modern surgical pratice; 18 ed. Filadéfia, PA, USA: Saunders/Elsevier, 2008.

Continue navegando