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Liceu 8054 “Nova Vida”, prof. Lubanzilanga Nzau-2022 1 TEMA 2 – FILOSOFIA AFRICANA 2.1 Existe Filosofia africana? A questão acima colocada encontra-se no centro de um dos temas mais discutidos por pensadores africanos e ocidentais a partir do século XIX. Adicionalmente, outra questão se coloca: devem as tradições orais (contos, provérbios, adivinhas, etc), ser consideradas como um corpo filosófico africano? O debate sobre a filosofia africana trás consigo a problemática da racionalidade africana. São os africanos racionais ou irracionais? As questões formuladas suscitaram uma série de controvérsias entre pensadores ocidentais e africanos. Os primeiros negando esta racionalidade e os segundos, defendo a razão como uma característica universal de que são portadores todos os seres humanos sem excepção. Para melhor entendimento consideramos necessário passar em revista algumas destas teorias. Para Kant, era mais do que evidente que os negros não se comparavam aos brancos, pois a natureza não lhes havia dotado de certas aptidões artísticas, científicas e filosóficas que são comuns em homens de raça branca, pois entre os milhões de pretos deportados de seus países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que demonstrasse aptidão grandiosa na arte ou na ciência. Já entre os brancos, segundo Kant, arrogam-se constantemente aqueles que mesmo saindo da plebe mais baixa, exibem aptidões grandiosas e ganham prestígio. Na mesma linhagem de Kant aparece Hegel, que destitui os africanos de toda e qualquer forma de racionalidade. Para este filósofo, os africanos eram totalmente inocentes e inconscientes de si mesmos e do mundo à sua volta. A principal característica do negro para Hegel, é a subjectividade, pois este ainda não havia alcançado a noção plena de Deus, de lei, de si e do outro. Ora, sendo a razão a fonte da moralidade, da cultura e da história, a África era a-histórica, pois nela não se encontravam quaisquer vestígios de razão. Por seu lado, Lévi-Bruhl, considerou a mentalidade africana como sendo primitiva e pré-lógica, aceitando e associando contradições de vária ordem. A mentalidade africana aceita ideias que a mentalidade ocidental considera absurdas, pois o negro não reflete com base na causalidade material dos fenómenos e no racionalismo lógico. Daí que era legítimo, segundo Lévi-Bruhl que os africanos abandonassem a sua mentalidade pré-lógica para seguir modelos de pensamentos europeus que são mais evoluídos e desenvolvidos. Liceu 8054 “Nova Vida”, prof. Lubanzilanga Nzau-2022 2 Já o sociólogo Spencer, à luz do evolucionismo de Darwin defendeu o evolucionismo social, onde ideias difundidas acreditam que as sociedades evoluem naturalmente de um estágio inferior para os estágios superiores e mais complexos de organização social. Assim, povos civilizados (particularmente os europeus) têm o dever de ocupar, dominar e explorar as culturas “mais atrasadas”, a fim de levar-lhes desenvolvimento, progresso moral e cultural e permitir-lhes que alcancem os estágios superiores de civilização. Como se pode constar muitos pensadores ocidentais negaram a racionalidade aos africanos, criando assim a Zoomorfização dos africanos e o Afro pessimismo. A zoomorfização é a ideia difundida de que os africanos representam uma fase atrasada no processo de evolução através da sua estrutura somática, identificando homens africanos com certos animais como macacos e chimpanzés, que são considerados seus parentes mais próximos. Esta zoomorfização legitima uma série de barbaridades, de violência e de práticas desumanas, contra o “homem preto”, por este ser mais próximo da animalidade do que da humanidade. O africano à luz da zoomorfização é meio humano e meio animal. Afro-pessimismo é o ideal amplamente difundido pela indústria cultural ocidental que legitima a imagem negativa de África como um lugar natural da violência, da pobreza e do subdesenvolvimento que resultam da incapacidade racional e inferioridade natural dos africanos. O Afro-pessimismo subalterniza a África, pois considera que nela não há exemplos ou modelos a seguir, resultando daí que tudo o que há em África deve ser abandonado para seguir modelos mais evoluídos de pensamento, de ser e estar provenientes do ocidente. Deste modo, o conjunto de reacções dos africanos perante esta animalização e irracionalização causado pelo ocidente, gerou aquilo que podemos chamar as correntes da filosofia africana. 2.2 Correntes da Filosofia Africana Os debates sobre a racionalidade africana deram origem uma corrente de pensamentos que podemos denominar como correntes da filosofia africana. Entre estas correntes estão as seguintes: Pan-africanismo, Negritude, etnofilosofia, filosofia profissional e filosofia da libertação. 2.2.1 Pan-africanismo Foi um movimento nascido nos Estados Unidos da América, no século XIX, cuja ideia inicial era o retorno dos negros que se encontravam na diáspora para o continente Liceu 8054 “Nova Vida”, prof. Lubanzilanga Nzau-2022 3 africano. Com o passar do tempo, o Pan-africanismo tornou-se um movimento de luta contra o racismo, a colonização de África e o ideal de luta pela igualdade racial ente brancos e negros. As principais ideias defendidas pela corrente pan-africanista são: -A construção de uma personalidade africana que seja a base ideológica, política, económica e cultural de África. -A criação da solidariedade africana que reforce os laços de união e de irmandade africana. -Defesa da soberania, da integridade e da independência política e económica de África eliminado assim toda forma de colonialismo. O Pan-africanismo difundiu-se pelo mundo através da realização de várias conferencias em continentes como África, América e Europa. Congressos Pan-africanistas -De Londres (1900), convocada por Henry Syvester Williams e liderado por William Edward Burghardt Du Bois; -De Paris (1919), com a participação, pela primeira vez de africanos. A ideia de África para os africanos; -De Londres (1921), com influência dos marxistas e de Du Bois, o movimento abre-se ao princípio da solidariedade entre os povos e as classes em luta, qualquer que seja a cor; -De Lisboa (1923), no qual se debate o problema do desarmamento mundial, o fim da guerra e a necessidade de igualdade entre brancos e negros; -De Tunis (1929), em que se fez o balanço do grau de cumprimento das questões vistas nos congressos anteriores; -De Manchester (1945), secretariado por N’krumah e auxiliado por Kenyatta. Foi mais significativo em relação aos precedentes por causa do seu carácter popular, isto é, os camponeses, as organizações políticas e sindicais estão nele representados. Os africanos começam a falar pela primeira vez da sua independência; -De Bamako (1963), falou-se em consolidar e salvaguardar as liberdades e independências das nações africanas contra qualquer restauração do imperialismo ocidental e também contra o perigo do comunismo; -De Adis Abeba (1963) onde se criou a Organização de Unidade Africana; E por fim a recente institucionalização da União Africana (UA), lançada a 9 de Julho de 2002 em Durban, na África do Sul. Liceu 8054 “Nova Vida”, prof. Lubanzilanga Nzau-2022 4 Entre os principais expoentes estão os seguintes pensadores: Willian Dubois, Edward Wilmot Blyden, Henry Silvester Williams, Kwame Nkrumah. O termo Pan-africanismo foi criado pela primeira vez por Sylvester Williams, advogado negro de Trinidad. Em suma, o Pan-africanismo significa que os africanos lutavam por um mundo em que cada povo teria o direito de se organizar a si mesmo. E o negro, depois de quatro séculos de escravatura e de desprezo das outras raças, teve que forjar um modo de defender a sua dignidade e auto-determinação. Assim, nasce o Pan-africanismo como pensamento da afirmaçãoda personalidade africana. 2.2.2 Negritude A palavra negritude foi criado pelo antilhano Aimé Césair. Ele apelava aos negros na diáspora a regressarem para a África, visto que a igualdade racial entre brancos e negros fora de África era impossível. Mais tarde entendeu-se que o regresso em causa não era possível, mas sim era necessário um resgate cultural dos valores africanos. O expoente máximo desta corrente foi Leopold Sédar Senghor para o qual a negritude é uma concepção ideológica através da qual deviam se exaltar e defender os valores e a cultura africana. A negritude, foi assim, um movimento que tinha como objetivo defender e promover a identidade do homem negro, os seus valores culturais, morais e religiosos. A negritude surge como uma reacção à alienação do negro, que estava a ser feita pelo europeu, através de um processo de doutrinação e assimilação a que os negros estavam submetidos. A negritude não era a defesa de uma cor, mas a defesa de uma visão dos fenómenos baseada na afrocentricidade e não no eurocentrismo, incitando os africanos a tomar consciência dos seus valores culturais, hábitos e costumes em vez de desprezá-los e negá-los, pois são estes que conferem ao africano uma identidade. No ponto de vista filosófico, a Negritude é a expressão do pensamento de Senghor. Concebe a negritude como uma análise da modalidade da presença-não-mundo negro. Quando a Negritude nasceu foi submetida a duas concepções: 1-Negritude dos fenómenos culturais: é considerada como um património cultural, um conjunto de valores e, sobretudo um espírito de civilização que deve ser exaltado face ao mundo. Liceu 8054 “Nova Vida”, prof. Lubanzilanga Nzau-2022 5 2-Negritude revolucionária: é um grito de revolta contra a escravatura sofrida e a colonização. A poesia da Negritude teve como objectivo tirar da mente do negro o complexo de inferioridade, a vergonha da cor, a passividade, a preguiça. O objectivo da Negritude era de manifestar os valores culturais africanos. Não é a defesa da pele, isto é, não é a defesa de certo racismo invertido, mas é a consciência de um determinado grupo social da sua colocação no mundo e aexpressão da mesma por meio de uma imagem concreta. Ela é apresentada como consciência, defesa e vivência dos valores culturais africanos. 2.2.3 Etnofilosofia É uma corrente que está virada para o estudo da visão de mundo do africano, as suas crenças, valores, os provérbios, os contos, etc. Para se conhecer o pensamento do povo africano, a etnofilosofia defendia que era necessário ir ao encontro da sua cultura, da sua língua, dos seus ritos, valores, hábitos e costumes. Contrariamente ao que foi defende por pensadores ocidentais, a etnofilosofia defende que os africanos possuem conceitos de religião, lógica, psicologia, moralidade e política bastando olhar para as suas tradições para termos prova disto. O que os europeus disseram sobre a irracionalidade do africano, foi uma visão baseada na sua cultura, isto no eurocentrismo, ora para compreender o africano era necessário partir de um afro centrismo, de uma visão alternativa. O principal expoente desta corrente é Placide Tempels. 2.2.4 Filosofia profissional A filosofia profissional é uma corrente que defende que a filosofia é uma abordagem racional e sistemática dos problemas do homem, da vida e do mundo. Contraria assim a etnofilosofia por considerar que o saber filosófico não é uma recitação de mitos e tabus, nem a sua acumulação acrítica. A filosofia profissional africana seria uma forma originalmente europeia de pensar, refletir e raciocinar, sendo, tal forma, relativamente nova na maior parte da África. Os defensores desta corrente entendem que a filosofia africana devia sim centra-se naqueles problemas clássicos levantados pelos pensadores ocidentais e que se transformam numa conquista universal tais como Lógica, Metafísica, Epistemologia, Ética, Gnoseologia, etc. https://pt.wikipedia.org/wiki/Europa Liceu 8054 “Nova Vida”, prof. Lubanzilanga Nzau-2022 6 A filosofia, como aliás outras ciências sociais, necessita para existir e progredir, como já se disse, do debate crítico entre argumentos contraditórios de indivíduos inseridos num grupo profissional (“massa crítica”), e é esse debate que está ausente da etnofilosofia. Um dos principais expoentes desta corrente é Paulin Hountoundji. 2.2.5 Filosofia da libertação A filosofia da Libertação é aquela que busca libertar o africano de todas as formas de opressão política, cultural e ideológica. Ela realça assim a necessidade de buscar uma visão de mundo diferente daquela que o opressor criou. Inspirada no comunismo marxista, esta corrente nasceu na América Latina e estendeu-se para o continente africano. A filosofia da libertação é uma negação de todas as formas de alienação, essencialmente política e cultural, impostas pelo colonizador europeu aos povos oprimidos de América e África e busca de uma identidade própria baseada nos valores dos povos colonizados. São expoentes desta corrente os nacionalistas africanos tais como Amílcar Cabral, Samora Machel, Agostinho Neto e outros. BIBLIOGRAFIA LAU, Rafael Lando, KAPARAKATE, Pacheco. Filosofia. 12ª Classe, Texto Editores, Luanda 2005. ALEMIDA, Aires. TEIXEIRA, Célia. MURCHO, Desidério. MATEUS, Paula. GALVÂO, Pedro, A Arte de Pensar-Filosofia 10º ano, Vol. 1, Didáctica editora, 7ª Edição, Lisboa, 2012. CHAUI, Marilena, Convite à Filosofia, 5 ͣ Edição, Editora Ática, São Paulo 1995.
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