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A questão ontológica do tempo na Filosofia da religião tradicional africana-Monografia Erasmo Jeque

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5 
 
 
Erasmo jeque 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A questão ontológica do tempo na Filosofia da religião tradicional africana em John 
Mbiti: uma reflexão hermenêutica pela sua reformulação 
 
Licenciatura em Ensino de Filosofia com habilitações em Ética 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Universidade Unilicungo 
Beira 
2019 
 
6 
 
 
Erasmo jeque 
 
 
 
 
 
 
 
A questão ontológica do tempo na filosofia da religião tradicional africana em John 
Mbiti: uma reflexão hermenêutica pela sua reformulação 
 
 
Monografia apresentada ao Departamento de filosofia, 
Faculdade de letras e humanidade, extensão da Beira, 
para a obtenção do grau académico de Licenciatura em 
Ensino de filosofia com habilitações em ética. 
 
 Supervisor: 
dr. Cândido Pires 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Universidade Unilicungo 
Beira 
2019 
 
7 
 
Índice 
Declaração………………………………………………………………….………………….i 
Dedicatória……………………………………………………………………………………ii 
Agradecimentos………………………………………………………………………………iii 
Resumo ……………………………………………………………………………………...iv 
Introdução ................................................................................................................................... 9 
1.1. Vida ............................................................................................................................ 12 
1.2. As principais obras ..................................................................................................... 14 
1.3. Influências intelectuais .............................................................................................. 14 
CAPÍTULO II: O CONCEITO DE TEMPO NA RELIGIÃO TRADICIONAL AFRICANA 
EM JOHN MBITI ..................................................................................................................... 17 
2.1. Conceito de Religião .................................................................................................. 17 
2.2. Religiões tradicionais Africanas ......................................................................... 18 
2.3. O tempo na religião tradicional africana ............................................................ 20 
2.3.1. Tempo potencial e tempo actual ......................................................................... 21 
2.3.2. Tempo calculado e cronológico .......................................................................... 23 
2.3.3. O conceito do passado, presente e do futuro ...................................................... 25 
2.3.4. O conceito de história e pré-história ................................................................... 27 
2.3.5. Espaço e tempo ................................................................................................... 28 
2.3.6. Descobrindo ou ampliando a dimensão futura do tempo ................................... 29 
2.4. Compreendendo o conceito de tempo em John Mbiti ............................................... 29 
CAPÍTULO III: REFLEXÃO FILOSÓFICA SOBRE A DIMENSÃO DO FUTURO NA 
RELIGIÃO TRADICIONAL AFRICANA ............................................................................. 31 
3.1. Controvérsia sobre o tempo entre as religiões ocidentais e as religiões africanas .... 31 
3.2. As correntes da filosofia africana em relação ao tempo ............................................ 32 
3.2.1. Etnofilosofia ....................................................................................................... 32 
3.2.2. Filosofia crítica ................................................................................................... 33 
3.2.3. Hermenêutica ...................................................................................................... 34 
8 
 
3.2.3.1. A nova ordem cultural ........................................................................................ 35 
3.2.3.2. A reforma filosófica africana .............................................................................. 36 
3.2.3.3. THOMAS KUHN: a reforma do conhecimento ................................................. 37 
3.2.3.4. Um exemplo da reforma religiosa cristã............................................................. 40 
3.2.3.5. Antecedentes da reforma católica ....................................................................... 41 
3.3. Reforma das religiões africanas ................................................................................. 42 
3.3.1. A pertinência da reforma da religião africana .................................................... 43 
3.3.2. O conceito clássico do tempo ................................................................................. 44 
3.3.3. Os novos moldes da reforma da religião tradicional africana ............................ 48 
Referências bibliográficas ..................................................................................................... 52 
Bibliografia principal ............................................................................................................ 52 
Bibliografias complementares .............................................................................................. 52 
Endereço electrónico ............................................................................................................. 53 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
Introdução 
O presente trabalho é uma monografia científica, que se circunscreve nos campos da filosofia 
africana e da filosofia da religião, com o tema “a questão do tempo na filosofia da religião 
tradicional africana em John Mbiti: uma reflexão hermenêutica pela sua reformulação’’. 
Por causa do colonialismo europeu, e também da longa convivência comercial com os árabes, 
os africanos exercem por via de regra duas religiões: a sua própria religião tradicional, por um 
lado, e a religião cristã ou muçulmana imposta pelo colonialismo europeu e pelos mercadores 
árabes, por outra. Essa duplicidade religiosa é recorrente em África. Por muito devotado que 
seja o africano para a religião ocidental, ele não consegue abandonar na prática a sua religião 
de tradição. O africano perfilha duas religiões, na medida em que se sente incompleto em cada 
uma delas. Torna-se duplo. 
Se em alguma medida a convivência com a religião cristã (católica e protestante) e muçulma-
na é pacífica, sem motivos de preocupação, já o mesmo não se pode dizer sobre a sua convi-
vência com a igreja universal. Esta faz questão de demonstrar claramente através de meios de 
comunicação social (televisão e rádio) o desagrado de conviver com as religiões tradicionais, 
na medida em que se identifica com práticas mágicas miraculosas, e concorre para o mesmo 
mercado de clientes disponíveis para pagar a prestação de serviços mágicos pelo pastor ou 
pelo curandeiro. Na lógica empresarial da igreja universal, o dinheiro que o crente africano 
despende no curandeiro, deveria ser gasto unicamente para o dízimo na igreja universal. Toda 
uma ideologia é montada no sentido de inverter a tendência do africano por recorrer à religião 
da casa para que todo dinheiro reverta para a igreja. 
Da forma recorrente a igreja classifica exclusivamente a competência mágica da religião tra-
dicional africana como feitiçaria, omitindo a mágica positiva e normal para a resolução de 
problemas vulgares do cidadão que esta religião também desempenha. Como resultado desta 
conspiração sistemática contra a religião tradicional, os crentes da igreja universal renunciam 
na prática ao culto da sua religião tradicional em detrimento da sua estabilidade. 
A religião tradicional é um catalisador da adesão preferencial do africano para a igreja univer-
sal, por causa da sua identidade quanto aos factos mágicos e realização de milagres. Por con-
seguinte, um maior número de cidadãos africanos vão em ordem inversa, abandonando o culto 
da religiãotradicional, pondo em risco a sobrevivência desta. Com a sua extinção, desapare-
ceria também o amor tradicional que temos pelos nossos antepassados, bem como os rituais 
que prestamos para eles, visto que a religião tradicional é uma religião de carácter familiar ou 
clãnico, voltada para os defuntos de cada família. Com ela desapareceriam também a nossa 
memória dos nossos defuntos, o que seria desastroso para a cultura africana. Não deixemos 
que isso aconteça. 
10 
 
No entanto, a religião tradicional está em clara desvantagem em relação a esta igreja, na me-
dida em que não dispõe de um discurso messiânico, que dê esperança ao crente de uma vida 
espiritual depois da morte. Embora esta religião contemple um espaço para o futuro, quando 
se trata de propiciar o alcance de objectivo dos seus crentes, este futuro tem um alcance ime-
diato ou de médio termo. Falta nele o futuro a longo termo, e sobretudo após o término da vi-
da. Ela reverte-se assim de alguma deficiência ontológica quanto ao factor tempo. Este cená-
rio sombrio da religião tradicional africana obriga-nos a levantar as seguintes questões: De 
que natureza se reveste o tempo na religião tradicional? Em que medida podemos acomodar 
o futuro a esta religião? Que reformas podem ser feitas para que o africano se sinta completo 
na sua religião tradicional, seguindo-a exclusivamente, sem necessidade de adoptar outra 
religião? 
Na obra African Religions and Philosophy, Mbiti afirma que as religiões tradicionais africanas 
não lidam com o futuro, estando circunscritas ao passado, por essa razão não existe espaço 
para uma esperança messiânica, que incida sobre o juízo final ou vida após a morte, diferen-
temente das religiões ocidentais que se dedicam a esse aspecto. Embora Mbiti verse sobre o 
tempo na religião africana filosoficamente, não propõe a superação desta problemática da 
temporalidade dentro da religião tradicional africana, simplesmente a identifica, e a interpreta 
à semelhança de um trabalho etnológico. Por essa razão o seu discurso tem sido classificado 
como etnofilosófico. A etnofilosofia é severamente criticada pelo seu passadismo e pelo una-
nimismo pela chamada filosofia crítica. A crítica é tão severa que a etnofilosofia parece não 
ter pernas para andar actualmente, enquanto se restringir aos princípios parcelares. 
Segundo Marilena Chaui1 o futuro é uma possibilidade aberta, contrariamente ao passado que 
se reserva a memória, o futuro é ainda como quer Heidegger, o fundamental, entre o passado e 
o presente, porque oferece diversas possibilidades ao Dasein. O sentido em que estes autores 
empregam a questão do tempo, é totalmente inexistente na religião africana. Na obra base 
deste trabalho, advogada por Mbiti, o tempo está simplesmente circunscrito ao passado e ao 
presente, e esta forma de encarar o tempo, tendo em conta que essa estrutura temporal infiltra-
se até na religião, põe em causa a mesma, pelo facto de ser restrita. A omissão da dimensão 
futura retira o fundamento da existência do homem africano, contrariamente ao islamismo e 
cristianismo, que são religiões que fundamentam o destino do homem, pormenor de que as 
religiões tradicionais africanas ainda carecem. 
No segundo capítulo versaremos sobre o conceito de tempo no seio da religião tradicional na 
filosofia africana. Segundo Mbiti falar do tempo na perspectiva africana pode em parte sur-
preender bastante, pelo facto da sua composição não ser igual ao contexto ocidental que esta-
 
1 Chaui,2000,p.308 
11 
 
mos habituados. Vulgarmente, o tempo é concebido como uma sucessão de passado, presente 
e futuro. Não obstante, esta forma de olhar o tempo para o africano é quase inexistente, por-
que nele o tempo é bidimensional, formado por um passado longo e por um presente, pela au-
sência do futuro. Mbiti não só expõe como é esse tempo para os africanos, como também pro-
cura justificar as bases que levam o africano a olhar para o fenómeno tempo de forma não 
ocidental. 
No terceiro capítulo avançamos uma reflexão filosófica sobre a dimensão do futuro na reli-
gião africana. Com apoio de Thomas Kuhn, em relação a reforma do conhecimento, e de 
Lerma em relação ao dinamismo cultural, ensaiamos a possibilidade da reforma da religião 
tradicional africana, a sua pertinência e os moldes de que ela se beneficiaria em função da re-
modelação. É nesse sentido, que ela deve mudar. A mudança aqui referida, não é a rejeição do 
passado, porque é nela onde os nossos antepassados residem. A mudança a que referimos aqui 
é a introdução do futuro. Segundo Heidegger, o futuro é uma possibilidade aberta, e a nossa 
possibilidade como africanos é a cultura do futuro. 
A expansão do território educacional não se pode valer como a única tese para solucionar a 
ausência da dimensão futura do tempo, mas também podemos nos socorrer na hipótese de 
transcrição de textos orais em textos escritos, a semelhança do que Platão fez com Sócrates, 
trabalho puramente hermenêutico, apoiar-se em outras instâncias religiosas, podemos ainda 
projectar nossas lucubrações filosóficas da nossa participação no futuro. Pensamos que a pre-
ocupação com os acontecimentos do futuro esteja na vida de qualquer homem. E toda a ins-
tância que se dedique em esclarecer essa preocupação com o futuro tecendo argumentos de 
como será a vida de qualquer ser nela, agradaria a todos. A religião tradicional africana, como 
uma instância religiosa ainda não alberga esse agrado ao africano, o que faz do próprio africa-
no faminto de uma explicação propriamente africana sobre os acontecimentos futuros após 
morte. Essas reflexões circundam em torno de um objectivo, que é de potenciar a dimensão do 
futuro na religião tradicional africana. 
Para este trabalho socorremo-nos na sua abordagem de método hipotético dedutivo: à exem-
plo das religiões ocidentais, traduz-se por uma hipótese genérica que se afigura ser imprescin-
dível para o fortalecimento da religião endógena africana, para a resolução efectiva da crítica 
do seu passadismo. Como método de procedimento, afirmamo-nos no método comparativo, 
na medida em que a religião tradicional precisa de se confrontar com as religiões ocidentais 
para se actualizar e melhorar. Algumas entrevistas também sustentaram o nosso trabalho, 
quando se pediu parecer das pessoas abalizadas sobre a proposta de reformulação religião tra-
dicional africana. 
12 
 
CAPÍTULO I: VIDA E OBRA 
1.1. Vida2 
Actualmente considerado pai da teologia africana, John Samuel Mbiti, nasceu numa segunda-
feira de 30 de Novembro de 1931, na vila de Mulango, Quénia. É filho de Samuel Mutuvi 
Ngaangi e de Velesi Mbandi Mutuvi pertencente ao povo Akamba. Teólogo, professor e pas-
tor tem como esposa, a senhora Verena Mbiti-Siegenthaler. O seu matrimónio resultou em 
quatros filhos, nomeadamente: Kyeni Samuel, Maria Mwende, Esther Mwikali e Anna- 
Kavata. 
Mbiti fez os seus primeiros estudos nas escolas missionárias, o ensino primário na vila de Mu-
lango, onde percorria a pé 8 a 10 quilómetros diários. Fez o ensino secundário na escola se-
cundária aliança pertencentes as igrejas protestantes situada perto da cidade de Nairobi em 
1946-1949. Durante seu percurso no ensino secundário, ele descobriu o seu desejo profundo e 
alegria de autor ao escrever a sua primeira romança: Mutunga na ngewa yake, sendo ela pu-
blicada em 1954 pela secretaria literária de África oriental em Nairobi. Mbiti abalou-se pro-
fundamente por saber que as entidades responsáveis (missionários) pela avaliação e recomen-
dação de obras a serem publicadas na sua língua, Kikamba, perderam o seu único manuscrito 
da sua segunda romança que era maior, e nem ao menos dele se desculparam. 
Em 1949 depois de ter concluído o ensino secundário, Mbiti inscreveu-se na universidade 
Makerere na cidade de Kampala, Uganda e posteriormente nos estados unidos (EUA) ondeestudou teologia. Mbiti centrou seus estudos na língua inglesa e na geografia, com estudos 
adicionais nas áreas de economia, história, sociologia e artes finais. Apesar da faculdade na 
altura não oferecer disciplinas de estudos religiosos, ele seguiu um papel muito activo na vida 
cristã da comunidade universitária que se concentrava na capela da universidade. Foi seguin-
do as tradições dos anglicanos e dos católicos romanos que ele acaba aceitando servir o minis-
tério sagrado. 
Mbiti obteve o grau de bacharelado em artes em 1953, e passou a leccionar por poucos perío-
dos na escola onde ele estudou em Quénia, e em 1954 ele marcou o começo de uma vida de 
pesquisador, recolhendo histórias tradicionais e provérbios. Tempos depois, Mbiti se inscreve 
na faculdade de Barrington, agora chamado colégio Gordon-Barrington na região de nova In-
glaterra. 
 
2https̸ en.m.wikipedia.org>wiki, john 
13 
 
É aqui, no colégio de Gordon-Barrington que em 1956 e em 1957, Mbiti ganhou outro bacha-
relato em artes, isto em 1956 e em 1957 o bacharelado em teologia. Tendo voltado a Quénia 
onde ele ensinava por dois anos no colégio do treinamento dos professores em Kangundo. 
Durante este tempo ele andava pregando nas igrejas locais, acabando por ser oferecido a posi-
ção de palestrante William Paton e serviu dando palestras entre 1959 e 1960 nos colégios de 
Sely Oak na cidade de Birmingham, Inglaterra. 
Em 1963 Mbiti obteve o seu doutoramento na universidade de Cambridge, no reino unido. Foi 
Durante o seu tempo em Cambridge que ele conheceu a sua esposa, a Sra. Verena Siegentha-
ler da suíça. Onde vira a se casar em 1965. 
Um ano antes, 1964 Mbiti regressa ao seu continente servindo-se antes como instrutor e de-
pois como professor na universidade de Makerere Uganda, onde ensinou a religião e teologia, 
e posteriormente ocupa o cargo de director do conselho de igrejas. Uma das grandes ajudas 
que ele teve no seu serviço académico foi pelo facto de ser um poliglota, tendo domínios de 
Kikamba, Kiswahili, Gikuyu, inglês, Alemão, Francês, Holandês comum, Grego, Hebreu, e 
um pouco de língua Lunganda e Latina. Mbiti serviu no departamento de estudos religiosos e 
filosofia na universidade de Makerere, a sua área preferida de estudos foi o novo testamento, 
mas também foi dado responsabilidade de ensinar na área de religião africana. 
De 1974 até 1980 ele serviu como director e professor no instituto ecuménico do concilio 
mundial das igrejas na genebra. Depois disso ele toma uma posição paroquial e serviu de 
1981 até a sua reforma e 1996. Mbiti ocupou cátedras visitantes em universidades e seminá-
rios de todo o mundo como, África, Austrália, Grã-bretanha, Canada, Alemanha, Suíça e esta-
dos unidos e em reconhecimento da sua contribuição a igreja e conhecimento científico ele foi 
premiado em três doutorados honorários: 
 Doutorados de letras humanitárias (Honorus causa) em 1973 por Barrington College, 
nos estados unidos; 
 Doutor teológico (Honorus causa) em 1991 pela universidade de Laussane, na suíça; 
 E doutorado de divindade (Honorus causa) em 1997 por general Theological Seminary 
em nova Iorque. 
A partir de 2005, Mbiti foi considerado um emérito professor da universidade de Berna e mi-
nistro da paróquia para a cidade de Burgdorf. 
 
14 
 
1.2. As principais obras 
Em conformidade da sua natureza inquisitiva, ele lia tudo dos poucos materiais que estavam 
disponíveis e suplementava seu conhecimento através das pesquisas originais no campo, fre-
quentemente apoiado por seus estudantes. Daí que o seu jeito como pesquisador e autor pro-
duziu uma das suas e mais conhecidas obras, intitulada: filosofia e religiões africanas, publi-
cado pela primeira vez em 1969, e tendo obtida a sua segunda edição revisada e ampliada em 
1990. 
Em 1970 publicou a obra intitulado conceitos de deus em África. Nesta obra o autor defende 
que, a herança cultural e religiosa africana baseia-se em Deus dentro de um conceito que não 
foi pensado nas religiões tradicionais. Isto porque as primeiras bíblias a chegarem até a África 
eram em inglês ou francês. Os estudiosos e teólogos as traduziam em dialetos locais da Áfri-
ca, usando as palavras locais para Deus3. E bíblia e teologia em cristianismo africano em 
1986, nesta obra Mbiti, propõe que a teologia seja simplesmente uma reflexão e expressão 
teológica feita por cristãos africanos. 
De 2005 até sua morte em 2019, Mbiti foi professor emérito da Universidade de Berna e mi-
nistro da paróquia na cidade de Burgdorf, na Suíça. Mbiti morreu em Burgdorf em 6 de outu-
bro de 20194. 
1.3. Influências intelectuais 
A simpatia que Mbiti desenvolve e se dedica ao estudo das religiões advém do lar cristão em 
que ele cresceu e dos primeiros contactos escolares missionários em sua vida. Todavia, a edu-
cação cristã e o esvaziamento da religião tradicional não foram as únicas experiencias que in-
citaram Mbiti a se interessar pela temática, com efeito, apresentaremos alguns pensadores fi-
lósofos que influenciaram em grande medida o percurso intelectual de Mbiti. 
Edward B. Tylor com sua obra Cultura Primitiva influenciou os demais autores africanos 
que se dedicaram a fazer estudos de índole africana. No caso concreto, Mbiti leva de Tylor a 
concepção de que a religião é a relação entre os homens e espírito. A influência que Tylor 
exercera em Mbiti não limita-se apenas aí. Faremos a questão de recordar uma passagem des-
crita por Mbiti (1969, p. 7), que já era defendida por Tylor a tempo: 
 
3 Https: ̸ ̸www.gospelprime.com.br̸ teologia 
4 https://en.wikipedia.org/wiki/John_Mbiti#Biography 
https://en.wikipedia.org/wiki/John_Mbiti#Biography
15 
 
A atmosfera académica foi preenchida com a teoria de evolução que fora aplicado em muitas 
áreas de estudo. Portanto, é esta teoria que deu cores a muitas descrições anteriores, interpre-
tações e explicações sobre as religiões africanas. Uma das dominantes atitudes neste período 
inicial foi o pressuposto de que as crenças africanas, características culturais e até mesmo ali-
mentares, foram um empréstimo do mundo exterior. Estudiosos alemães empurraram esta su-
posição ao extremo, e até hoje nem todos abandonaram completamente. 
Essas suposições, foram recusadas por Mbiti, porque para ele apesar do contacto que a africa-
nos tiveram, havia um processo de dar e receber. O que Tylor já teria dito, de que a cultura é 
uma herança que o homem recebe ao nascer, desde o momento em que é posta no mundo, a 
criança começa a receber uma série de influências do grupo em que nasceu: as maneiras de 
alimentar-se, o vestuário, a cama ou a rede para dormir, a língua falada, a identificação de 
um pai e de uma mãe, e assim por diante. 
Plácide Tempels: em Tempels, Mbiti teria buscado o sentido da estrutura hierárquica ontoló-
gica dos Bantu, onde no topo dessa estrutura encontra-se Deus, o criador segundo Tempels 
(Apud Castiano, 2010, p. 72), de todas as forcas vivas e não vivas. Força esta que segundo 
Mbiti, parece haver em todo o universo, e Deus por sua vez é a fonte e controlador final desta 
força. Os espíritos têm acesso a parte dela, e já alguns seres humanos possuem o conhecimen-
to e capacidade, de tocar, manipular e usa-las, tais como, o curandeiro, o sacerdote e fabrican-
te de chuva, outros para o seu bem e outras para a sociedade. O que Tempels já explicara na 
sua obra, intitulada ontologia Bantu. 
Tempels, não só se serviu ao Mbiti, pela explicação que ele dera sobre a estrutura hierárquica 
das forças, mas também porque a partir do ser (força), elemento que ele escolheu para fazer 
leituras filosóficas, motivou aos outros filósofos a identificarem outras formas para o mesmo 
fazerem, para o caso de Mbiti, foi a religião. 
Alex Kagamé: de Kagamé, Mbiti herda a ideia de uma força que permeia todo o universo on-
tológico,o Ntu. Mas esta não foi a única simpatia que Mbiti obtera ao ler Alex Kagamé, é 
muito notável outros rastos, na concepção do queniano, o tempo é uma composição de even-
tos, acontecimentos. O que para Kagamé se encontra na categoria Hantu, que é a força que 
situa no espaço e no tempo todo o acontecimento. Portanto, o tempo não está isolado do lugar, 
por isso Kagamé afirma que "todo homem que olha o seu relógio está vendo o tempo em um 
lugar". Mbiti absorve de Kagamé esta concepção, por isso, com supérfluas diferenças, ele 
olha o tempo ligado aos acontecimentos (tudo que decorre em qualquer lugar) e Kagamé liga-
do ao espaço. 
Cheikh Anta Diop: de Cheikh, Mbiti leva o mesmo ritmo investigativo em estudar as cultu-
ras africanas e apresentar questões importantes sobre o viés cultural inerente a pesquisa cientí-
fica. É possível observar na obra Mbitiana: O conceito de Deus na África. O autor advoga a 
16 
 
pertinência do contacto entre as culturas. Essas ideias, já eram a tempo defendidas por Diop, 
ele defendia que havia uma continuidade cultural partilhada entre os povos africanos que era 
mais importante do que o desenvolvimento variado de diferentes grupos étnicos demonstrados 
pelas línguas e culturas ao longo do tempo5. 
Mbiti é dotado de conhecimento e conceito que vem de diversas obras de autores, antropólo-
gos. Das quais se destacam antropólogos como, Edward B. Tylor, Herbert Spencer, Basil Da-
vidson entre outros. Destes ele buscou a ideia de que, o evolucionismo tratou de dar cores a 
muitas descrições anteriores, interpretações e explicações sobre as religiões africanas. Umas 
da dominante atitude neste período inicial foram o pressuposto de que as crenças africanas, 
características culturais e até mesmo alimentares, foram um empréstimo do mundo exterior. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 Cheikh, Anta Diop, the cultural unity of black áfrica: the domains of patriarchy and of matriarchy and classical 
antiquity (London: Karnak house: 1989), p.53-11). 
17 
 
CAPÍTULO II: O CONCEITO DE TEMPO NA RELIGIÃO TRADICIONAL AFRI-
CANA EM JOHN MBITI 
Neste capítulo, versaremos sobre o conceito de tempo na religião africana e o conceito filosó-
fico de tempo em John Mbiti, e não africana de tempo, a cuidado de autores mais representa-
tivos, referimos de Platão, Aristóteles, Santo agostinho, Tomás de Aquino, Kant e Heidegger. 
Mas antes de todas essas abordagens, traremos noções gerais sobre o que seja o fenómeno re-
ligioso, tendo como base a sua etimologia. 
2.1.Conceito de Religião 
Segundo Koslowski (2013, p.107) uma das coisas que podemos reconhecer é o conceito de 
religião ser uma invenção ocidental latina que tem sua origem remota no latim religio. A pa-
lavra latina religio é definida como cultus deorum, isto é, culto, cultivo, adoração. O 
termo é o oposto de relegere, negligenciar. A primeira refere-se comportamento correto de 
culto e a segunda, a prática ritualista do culto. 
Sem distanciar do contexto, de acordo com a obra de Marilena Chauí (2000, p.380), a palavra 
religião vem do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o verbo ligare 
(ligar, unir, vincular), assim sendo, a religião é um vínculo entre o mundo 
profano e o mundo sagrado; Já Kerényi (1972, p. 127) relata que religio pode estar relaciona-
do com a questão da escuta, de saber ouvir atentamente, no sentido de ouvir o que os deuses 
têm a nos dizer. Desse modo, “a verdadeira religio é moderada, é uma abertura absoluta ao 
acontecer divino do mundo, um sutil escutar atentamente seus signos e uma vida encaminhada 
a ela e organizada em sua função”. 
Portanto, é dos dois termos, relegere e religare que nascem as demais concepções do que seja 
religião. Entendida nas suas linhas gerais, como esta ligação entre o mundo profano e o sagra-
do. Segundo Koslowski (2013, p. 110) os antropólogos e sociólogos tipificam as definições de 
religião em substantivas e funcionais. As definições substantivas são aquelas em que a religi-
ão é definida em termos de entidades sobrenaturais, sendo, pois, crença em deus, crenças em 
seres sobrenaturais, a vida de deus na alma do homem, um mistério. Uma clássica definição 
desse tipo é do antropólogo Edward Tylor (1832- 1917), que define a religião como a crença 
em deuses; Já as definições funcionais buscam estabelecer a utilidade ou os efeitos que a re-
ligião tem na sociedade. Um representante clássico é Émile Durkheim, para quem (2000, p. 
32) ‟a religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, 
isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, 
chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem”. A religião ainda segundo ele, tem a fina-
18 
 
lidade de manutenção da ordem social por meio da solidariedade, evitando assim a anomia 
(apud Koslowski, 2013, p.110). 
Visitado Urbano Zilles (2010, p. 6) a religião aparece a ser definida como a relação do ho-
mem com deus ou com o divino. Quando se fala da relação do homem com deus designa-se, 
antes tudo, uma maneira própria de ser do homem; Já Hegel entende por religião a relação 
com o absoluto na forma do sentimento, da representação, da fé; e no seu centro que tudo 
compreende de, tudo está somente como algo acidental e evanescente (apud Zilles, 2010, 
p.11). 
Para Tillich (1973, p. 160) religião não é um sentimento, ela é uma atitude do espírito em que 
elementos práticos, teóricos e emocionais estão unidos para formar um todo complexo, a reli-
gião não é uma função do espirito humano, mas sim uma dimensão cultural; Freud (apud, Zil-
les, 1991, p. 145-147) olha para a religião como uma neurose obsessiva, como regressão do 
adulto ao mundo ideal da criança, porém, na religião, o homem foge da dura realidade, es-
condendo-se num mundo ideal da infância. Por isso a religião é ilusão; Para Marx, a religião 
é uma consciência errónea do mundo. E por isso, é a expressão da alienação do homem e não 
seu fundamento 
2.2. Religiões tradicionais Africanas 
Um dos primeiros avisos que Jostein Gaarder et al (2000, p. 96) dá em referência as religiões 
africanas, é que seu estudo se torna difícil para os pesquisadores pelo facto dela não ter es-
critos, mais recentemente, etnólogos e antropólogos sociais vêm se utilizando de métodos ci-
entíficos modernos para estudar as religiões africanas, porém mesmo eles as vêm de uma 
perspectiva externa. Uma fonte de conhecimento sobre as religiões africanas são os mitos que 
sobreviveram por meio da tradição oral, mas também se deve considerar que o conteúdo das 
histórias contadas pode ter-se alterado ao longo das gerações. 
Porém, apesar dessas dificuldades, a tentativa de defini-la não deixou de existir, porque o fe-
nómeno religioso não é selectivo, ela é sempre referente ao homem como espécie. Segundo 
Mbiti (1969, p.01) a religião é a parte da herança africana que remota a séculos da história 
humana em África, e essa herança pode ser discernida a partir de crenças, cerimónias e rituais. 
Mbiti (1969, p.04) pensa que estudar as religiões africanas não implica somente estudar as 
ideias que os africanos provavelmente têm sobre deus e os espíritos, é também estudar a jor-
nada de vida de cada indivíduo. A religião segundo Mbiti é um fenómeno ontológico, da qual 
19 
 
constitui a vida de todo o ser humano, desde a nascença até a morte. É ontológico porque refe-
re-se a uma questão existencial. 
Na vida o africano está imerso a participação religiosa que começa antes do nascimento e con-
tinua a pois a sua morte. Para ele, assim como a comunidade de que o africano faz parte, viver 
é estar preso perante o drama religioso. E este é fundamental, por isso o homem vive num 
universo religioso (Ibidem) 
Nos africanos, essa religiosidade pode ser compreendida a partir da seguinte citação Mbitiana: 
As religiões africanas não estão escritas nospapéis, mas sim nos corações, nas mentes, na his-
tória oral, nos rituais que as pessoas praticam. E, consequentemente, as personagens religiosas 
não são padres, mas sim os rainmakers (fazedores-de-chuva), idosos que orientam as cerimó-
nias e mesmo reis (1969, p. 4) 
 
Pensamos que é devido essa concepção que Mbiti julga, que estudar as religiões africanas não 
é somente estudar as ideias que os africanos provavelmente têm sobre Deus e os espíritos, é 
também e sobretudo estudar a jornada de vida de cada indivíduo que é o responsável formal 
para a orientação das diferentes cerimónias que fazem parte da vida de uma comunidade (Ibi-
dem). 
Tentaremos condensar todas as particularidades anunciadas por Mbiti, que denotam a religio-
sidade do africano, numa única expressão, pouco mais longa se quisermos. Comecemos: 
O facto de elas não possuírem escritos sagrados, sendo praticada por africanos em contextos 
situacionais (contextual), ou seja, não tem a pretensão de se universalizar, leva Mbiti a pensar 
que elas não propagam-se, pois, se o facto for, não é intencional a semelhança da cristãs e is-
lâmica, mas a partir das migrações, casamentos, ou até conquistas de novas terras, devendo 
cada individuo (africano) pertencer a uma religião, não há espaço para a conversão, os africa-
nos estão condenados a permanecer na sua religião até após a morte, (o que Castiano apelida 
de naturalismo), acreditamos ser este naturalismo que leva Mbiti a pensar que não há na reli-
gião africana fundadores e reformadores, o que há, é uma espécie de consideração quase a es-
ta categoria, comummente, acontecido com os reis, heróis, que chegam a ter um estatuto qua-
se divino (1969, p. 4-5) 
Continuando: “O mais caricato é que na religião africana não há espaço que advogue, nem 
de brincadeira, ideias apocalípticas que narram sobre uma vida eternamente dócil ou horrí-
vel após a morteˮ (Ibidem, p. 5). 
Segundo Mbiti (1969, p. 23) isto explicaria a dificuldade que os africanos tradicionalmente 
têm em planificar o futuro da sua comunidade e de nutrir ideias de uma esperança messiânica, 
20 
 
isso explica também a causa porquê o Zamani é colocado no domínio mitológico sem, no en-
tanto, conter mitos apocalípticos que evoquem a destruição ou degeneração do mundo no fu-
turo. 
Já para Gaarder (2001, p. 97-98) a religião africana é familiar e tribal. Familiar porque ela 
compreende os vivos e mortos, o ancestral paira sobre o lar dos vivos garantindo a sobrevi-
vência dos seus descendentes. Entretanto, a família não consiste apenas nos vivos e nos mor-
tos, mas também nos ainda não nascidos, nos descendentes. E dever do indivíduo é dar conti-
nuidade à família, porém, quando uma família se extingue, a conexão dos espíritos ancestrais 
com a terra é cortada, pois não sobra ninguém para manter contato com eles; é tribal porque é 
liderada por um chefe ou rei, com muita frequência, é ele também o sacerdote responsável 
pelos sacrifícios da tribo. O rei é o guardião cotidiano desses preceitos; ele personifica o con-
tacto com os antepassados, com a tradição. 
Gaarder, ainda acrescenta que: 
Na maioria das tribos e famílias existe a crença num deus supremo, embora este receba muitos 
nomes. Foi esse Deus supremo que criou todas as coisas vivas, os animais e o ser humano. Foi 
ele ainda o responsável pelos decretos que regulam a sociedade, pelos costumes a que a tribo 
tem o dever de obedecer. Com frequência ele é também o deus do destino, que governa a vida 
dos seres humanos e controla a boa ou má fortuna da tribo (Ibidem). 
A comunidade de espíritos está entre Deus e os homens. Portanto, para além desta comunida-
de de espíritos ninguém mais pode alcançar. É por isso, conclui Mbiti, que nas religiões afri-
canas, as actividades e orações estão focalizadas nas relações entre os vivos e os espíritos dos 
defuntos (Mbiti, 1969, p. 25). 
2.3. O tempo na religião tradicional africana 
Segundo John Mbiti (1969, p. 5;17) o tempo para os africanos é uma composição de eventos 
que ocorrem no presente e se direcionam para o passado, isto é, o tempo é bidimensional, com 
um passado longo, um presente e o futuro é inexistente. A religião tradicional africana absor-
ve o mesmo esquema. Daí serem religiões que não buscam fundamentar o futuro, mas um 
presente que se vive para o passado. O passado é de privilégio porque é nele onde a eternida-
de e Deus habita. É por essa razão que nas religiões tradicionais africanas não há espaço que 
advogue, nem de brincadeira, ideias apocalípticas que narram sobre uma vida eternamente 
dócil ou horrível após a morte. 
A religião tradicional africana é um sistema de crenças dedicadas ao passado, contudo, não 
dedicam-se na fundamentação de possíveis acontecimentos futuros, o destino do homem, e 
21 
 
nem se valem de uma esperança messiânica que salve ou castigue a humanidade. O que há, 
são fundamentos sobre a criação do mundo e das coisas nele existente, num dado período que 
é imemorável, isto é, num passado muito longínquo. 
É-nos sincero afirmar que tenha faltado um pouco de rigorosidade na descrição do futuro na 
religião tradicional africana por parte de John Mbiti. O filósofo afirma que nas religiões tradi-
cionais africanas não existe o futuro. O que não é muito verdadeiro, pois existe, só que é um 
futuro terreno, um futuro antes da morte. O que não existe é um futuro celestial. E isto é bas-
tante notável nas atitudes do homem africano, quando em situações de propósitos e resoluções 
dos problemas de sua vida, como o desemprego e melhores condições de vida ele recorre ao 
curandeiro para que seja solucionado. Essa solução não acontece de imediato, mas sempre em 
tempos posteriores, que é o futuro. E este facto revela a existência de um futuro que seja ter-
reno, e não celestial, apesar de ser bastante necessário. 
2.3.1. Tempo potencial e tempo actual 
Antes de deixarmos ficar aquilo que, com certeza, Mbiti define ser o tempo na concepção 
africana, deixa-nos lembrar que, o título do segundo capítulo (em seu índice) da sua obra 
(African religions and philosophy) já responde a pertinência do tempo no emprego que fare-
mos aqui. Diz Mbiti (1969, p. 16): o conceito de tempo é a chave para a compreensão e in-
terpretação da religião e filosofia. Aliás, diz ainda, que o conceito de tempo pode ajudar a 
explicar, as crenças, atitudes, práticas e o modo geral de vida dos africanos não apenas na 
configuração tradicional, mas também na sua situação moderna (seja política, económicas, 
educacionais ou na vida religiosa). 
Segundo Mbiti (1969, p. 17), para os africanos o tempo é simplesmente uma composição de 
eventos que ocorreram no passado, os que provavelmente estão a ocorrer no presente e aque-
les eventos que estão imediatamente por ocorrer. Todavia, o que não tenha ocorrido ou o que 
não tem probabilidade de uma imediata ocorrência cai na categoria de ‟nenhum momento”. E 
aquele tipo de eventos que se tem a certeza absoluta de que irão ocorrer, e isto particularmente 
no campo dos fenómenos naturais, portanto inevitáveis, caem na categoria de «tempo poten-
cial» (potential time). 
Devemos perceber, que é a partir dessa classificação de tempo, que já começamos a perceber 
as diferenças em relação a concepção ocidental. O que Mbiti, já dizia: “A consequência mais 
significativa desta forma de classificar os eventos ou fenómenos naturais e sociais, é conce-
22 
 
ber -se o tempo como um conceito bi-dimensional, com um passado longo, um presente e vir-
tualmente com um futuro imediatoˮ (Ibidem). 
Visitados outros autores como Santo Agostinho, esta concepção bidimensional africana de 
tempo difere. Logo que se lê Santo Agostinho, nas suas abordagens sobre a estrutura da 
temporalidade, encontra-se a diferença. Para ele, o tempo implica passado, presente e futuro 
(apud Reale et antiseri, 2005, p. 97). 
Já Plotino, entende o tempo como uma sucessão de momentos sempre posteriores e transcor-ridos, e que, portanto, está constantemente voltada para momentos sempre posteriores e carre-
gados de momentos transcorridos (Idem, 2007, p. 362). 
Até aqui, tentamos lhe ilustrar como o tempo é concebido sob outras perspectivas não africa-
nas. Sempre com um passado, presente e futuro indeterminado. Esta maneira de perceber o 
tempo, não se emprega no contexto africano. Deixe-nos explicar com Mbiti, o que pretende-
mos dizer: 
O conceito linear do tempo no pensamento ocidental, com um passado indefinido, presente e 
um futuro também indefinido, é praticamente inexistente no pensamento africano, ou seja, esta 
forma de pensar para os africanos é praticamente estrangeiro. O futuro é virtualmente ausente 
porque os eventos que estão nele ainda não aconteceram, ainda não foram compreendidos, 
portanto não podem constituir tempo, tanto, como, ao facto de haver eventos que se encontram 
e que não tinham tido lugar e não foram realizados, por conseguinte, não constitui tempo. Se, 
como sempre, acontecimentos futuros são determinados a ocorrer, ou cai dentro do inevitável 
ritmo da natureza, que na melhor das hipóteses constituem apenas o tempo potencial e não 
tempo actual (1969, p. 17). 
 
 
Se perguntado, o fundamento da orientação bidimensional nos africanos, Mbiti responderia 
que: “o que está acontecendo agora sem dúvida se desenrola o futuro, mais uma vez um 
evento ocorreu, já não é, no futuro, mas no presente e do passado” (Ibidem). 
Segundo Mbiti esta orientação bi-dimensional do tempo domina a forma como o africano 
compreende-se a si mesmo enquanto indivíduo, como comunidade cultural e o universo como 
um todo que constitui as cinco categorias ontológicas (Ibidem) 
O tempo actual é o que está presente e o que é passado, isto é, o tempo deve ser primeiro ex-
perienciado, para que ele faça sentido para o africano ou se torne no tempo actual. Assevera 
Mbiti: 
Que para o africano, um indivíduo só pode ser efectivamente compreendido na medida em que 
se desvendar a sua história, isto é, revelar a sua ligação com os seus antepassados. A pessoa 
não é qualificada em termos do seu futuro ou do que provavelmente está a preparar para o seu 
futuro, simplesmente porque estes eventos ainda estão por ocorrer (Ibidem). 
23 
 
É na base disso, que Mbiti diz que para os africanos, não tem muito sentido qualificar uma 
pessoa na base de um futuro hipotético, ou seja, ainda por vir. Dito de outra forma, o facto de 
o futuro não ser experimental, não lhe é concedido o sentido e não pode, portanto, constituir 
parte do tempo. O futuro para ele, é apenas uma extensão do presente (Mbiti, 1969, p. 17). 
Deixe-nos, lembrar que nos primeiros parágrafos, deste capitulo, definiu-se o tempo como 
uma composição de eventos, isso devendo-se ao facto do africano relacionar e fazer o uso de-
le ligado aos fenómenos, ou seja, não se faz o controle do tempo com base nos ponteiros de 
relógio, mas em cada evento que o meio lhe oferece. É sobre esta vertente que iremos desen-
volver já a seguir: 
2.3.2. Tempo calculado e cronológico 
Segundo Mbiti (1969, p. 19) a contagem do tempo nos africanos não tem sido apenas por cau-
sa da matemática, mas por um propósito concreto e especifico em conexão com os eventos. 
Como o tempo é uma composição de eventos, as pessoas não podem considerar e nem conta-
lo em um vácuo6. Os calendários numéricos não existem nas sociedades tradicionais africa-
nas, se existirem calendários numéricos nas sociedades africanas, então, elas não serão alber-
gados por muito tempo. Observemos como ele diz: “Se tais calendários existirem, eles pro-
vavelmente serão de curta duração, retomando talvez a algumas décadas, mas certamente 
não no reino dos séculosˮ (Ibidem). 
Para além do que designamos acima, de calendários numéricos, há também segundo Mbiti o 
que chamamos de calendário fenoménico, em que o tempo é contado ou considerado em sua 
relação com os eventos e quando ocorrem, ou seja, como eles constituem o tempo. Por exem-
plo: 
Ex.1: Uma mãe expectante conta os meses lunares da sua gravidez com o período lunar; Um 
viajante conta o número de dias que leva para andar (em anos anteriores), de uma parte do 
país para outra; 
Portanto, é com base nisso que Mbiti advoga, que os dias, meses, anos, o tempo de vida e a 
história humana são contados de acordo com os seus eventos específicos, pois são estes que 
lhe atribuem ou o fazem de significativos. Observemos isso nas suas próprias palavras: 
 
6O que Kant, em outras palavras ja assevera, ao referir que o tempo sem o objecto real, nao seria, no entanto, um 
embargo real. É necessario que se tenha em mente, que ambos nao considerao as coisas como sendo tempo, mas 
onde o tempo encontra a sua representacao. 
24 
 
O nascer do sol é um evento reconhecido por toda a sociedade, não importa se o sol nasce as 5 
ou 7 da manhã, desde que ele suba. Quando uma pessoa diz que ele vai encontrar outra ao 
nascer do sol, não importa se o local toma o sol às 5 ou às 7 da manhã, desde que seja no perí-
odo geral do nascer do sol. Não importa se as pessoas vão para cama as 9 da tarde ou as 12 da 
meia-noite, o importante é caso de ir para a cama. O tempo para os africanos é significativo no 
ponto de caso e não nos momentos matemáticos (Ibidem, p. 19). 
Mbiti alerta que a diferença entre as sociedades tecnológicas e africanas é de que, nas socie-
dades tecnológicas o tempo é uma mercadoria que deve ser utilizado, vendido e comprado, já 
nas sociedades tradicionais africanas, o tempo tem de ser criado ou produzido. Aqui o homem 
não é escravo do tempo, pelo contrário, ele faz do muito tempo o que desejar. 
É bastante claro, que o tempo para os africanos não é apenas uma sucessão de momentos, e 
que serve-se de instrumento para delimitar as suas actividades, pelo contrário, o tempo já faz 
parte do africano, notavelmente nas suas atitudes, crenças e actividades. Dito de outra forma, 
o tempo é tão compacto ao ser africano, e que pode ser caracterizado nos principais aspectos 
da sua vida. Para tornar a nossa explicação, mais eficiente possível, citaremos: 
O conceito básico do tempo é subjacente e influencia a vida e a atitude dos povos africano na 
aldeia, em grande medida aqueles que trabalham ou vivem nas cidades. Entre outras coisas, a 
vida económica do povo esta profundamente ligada ao seu conceito de tempo, assim como, 
muitos dos seus conceitos religiosos e práticas estão, também, intimamente ligados ao concei-
to fundamental de tempo (1969, p. 20). 
Se profundamente, olhar-mos para os exemplos que compõe o tempo, perceberemos a coerên-
cia de se definir o tempo como uma composição de ventos. Isto porque o tempo não é conhe-
cido ou considerado num vazio, isolado das actividades que demarcam a vida do povo africa-
no. Exemplificamos acima, o tempo inerentemente ao dia, mas isto não acontece apenas com 
os dias. Olhemos desde já, como os meses são encarados: 
O mês. São reconhecidos meses lunares em vez de numéricos, devido aos eventos das mudan-
ças da lua. Na vida das pessoas, certos eventos das pessoas estão associados a meses específi-
cos, de modo que os meses são nomeados de acordo com os eventos mais importantes ou as 
condições do tempo prevalecentes. Por exemplo, há o mês quente, o mês das primeiras chuvas, 
o mês da capina, o mês da colheita do feijão, o mês de caça, etc (Ibidem). 
Tentemos explicar, para africano não importa a duração dos dias, o importante é que o evento 
ocorra, se quisermos, especificar no contexto da caça, por exemplo, não importa que chova ou 
não, se poucos ou longos dias, o mais importante, é a ocorrência da caça. De tal forma, se ex-
pressa Mbiti: “Não importa se o mês de caça dura 25 ou 35 dias: o evento de caça é o que 
importa muito mais do que o comprimento matemático do mêsˮ (1969, p. 20). 
Ou ainda: “O número real de dias é irrelevante, uma vez que um ano não é calculadoem 
termos de dias matemáticos, mas em termos de eventos. Portanto, um ano pode ter 350 dias, 
25 
 
enquanto outro ano tem 390 dias. O ano pode, diferir em sua duração de acordo com os dias, 
mas não em suas estacões e outros eventos regularesˮ (Ibidem). 
Portanto, os dias, os meses estão intimamente ligados aos eventos, e assim o ciclo está com-
pleto, os fenómenos naturais começam a se repetir mais uma vez e o ano acaba, segundo 
Mbiti, o ano também é composto de eventos, mas de uma escala maior do que aqueles que 
compõe o dia, por exemplo, onde a comunidade é agrícola, são as actividades sazonais que 
compõem o ano, isto é, as pessoas reconhecem duas temporadas, nomeadamente, duas de 
chuva e duas de seca, quando um número de temporada é completado, então o ano também é 
completado, tendo em conta essas estacões que compõem o ano (Mbiti, 1969. p. 21). 
2.3.3. O conceito do passado, presente e do futuro 
Aqui Mbiti (1969, p. 22) propõem, que se discuta mais as dimensões do tempo e a sua relação 
com a ontologia africana. Para além do espaço de alguns meses a partir de agora, como vimos, 
o afro conceito de tempo é silencioso e indiferente. Isto significa que o futuro é virtualmente 
inexistente como tempo actual, uma parte relativamente curta é a projecção do presente, até 
ao período de dois anos. 
 Portanto, Mbiti por forma a evitar associações de pensamento com as palavras inglesas, co-
mo, passado, presente e futuro, propõem que se use dois termos ou palavras da língua Swahi-
li: são os conceitos do Sasa e do Zamani. 
Nesses dois tempos verbais, proposto por Mbiti, o Sasa cobre o período-presente, é o período 
de preocupações imediatas durante o qual se cruzam as existências individual e colectiva das 
pessoas que estão vivas no mundo material; podemos entender o Sasa como o período da ex-
periência pessoal com a sua própria existência. O futuro é extremamente breve e imediato. 
Isto é assim dado que, segundo Mbiti, qualquer evento futuro, para ter algum sentido e signi-
ficado, deve ser imediato porque as pessoas devem ter a certeza que ele vai ocorrer (Ibidem) 
A certeza é um dos pontos muito forte no povo africano, o que para ele lhe é evidente é ape-
nas o presente que transcorre sempre rumo ao passado. O futuro longínquo pelo facto de ser 
apenas ideal, hipotético e isolado de eventos, não é considerado significativo, e por conse-
guinte, tempo, isto é, não se pode ter certeza que um evento idealizado no futuro possa real-
mente acontecer. Olhemos, como em outras palavras, Mbiti nos esclarece: 
Os eventos, para fazerem parte do Sasa, ou seja, para fazerem algum significado ou terem al-
gum sentido, devem estar quase a ocorrer, ou estarem no processo da sua realização, ou ainda 
devem estar no horizonte da experiência actual. Quando, pelo contrário, intui-se que um even-
to está num futuro longínquo, então ele estará fora do horizonte experimental, assim também 
26 
 
não faz parte da realidade. Este provável evento está para além do real, isto é, do Sasa. Não faz 
sentido pensar nele (1969, p. 22). 
O Sasa abrange o tempo que, visto no sentido ocidental e linear, é o período-agora, ou seja, o 
período que está perto, onde o perto e o agora incluem igualmente um certo futuro (imediato), 
é da ideia do perto, que Mbiti diz, o futuro (neste caso o imediato) é uma extensão do presente 
(Mbiti,1969, p. 22). 
Segundo ele, o Sasa não é matematicamente e nem é numericamente mensurável. Quanto 
mais velha a pessoa for, mais longo é o seu Sasa. Uma comunidade tem também o seu Sasa, 
que é maior que o Sasa individual. Em outras palavras: “Sasa é o período em que é possível o 
indivíduo e uma determinada comunidade tomar a consciência da sua existência e, na base 
dela, projectar-se para o futuro e para o passado. Temos assim uma dimensão temporal com-
pleta (futuro imediato, presente dinâmico e passado experienciado) ” (Ibidem). 
O que nosso filósofo designa de Micro-Time, mas o importante neste conceito Mbitiano é a 
dimensão ‘experimental’ do tempo Sasa (Ibidem). 
Entremos agora no domínio do Zamani. Este conceito, como dissemos, é também importante, 
pois visa explorar o contexto dimensional no qual os africanos procuram encontrar novas 
identidades (African Personalities). 
O Zamani, traduzido para uma concepção ocidental de tempo, contempla somente o passado. 
Entrementes, na perspectiva africana e segundo Mbiti, é um passado que, em si mesmo, con-
tém o seu próprio passado, presente e futuro, mas numa escala longa quase interminável 
(Mbiti, 1969, p. 23). 
Em algum momento o Zamani sobre põe-se ao Sasa, sendo este, uma parte daquele. Expli-
quemo-nos: Segundo Mbiti (1969, p. 23) antes de os eventos serem incorporados no Zamani, 
eles devem ter tido a sua realização e actualização no Sasa. Zamani vai para além do Sasa e 
projecta-se para um período em que nada mais pode acontecer. É um tempo final de tudo, se-
jam fenómenos naturais ou eventos sociais, em que tudo é absorvido. Mbiti assim resume a 
relação entre os dois termos: 
Ambos, Sasa e Zamani têm qualidade e quantidade. Pessoas referem-se a ele como grandes, 
pequenos, curto, longo, etc., em relação a um fenómeno ou evento particular. Sasa liga geral-
mente os indivíduos ao ambiente imediato. É o período de vida consciente. Por seu lado, 
Zamani é o período do mito, dando a sensação de fundação ou segurança para o período do 
Sasa (Mbiti, 1969, p. 23). 
 
Como dissemos anteriormente, o Zamani é onde os eventos se direcionam, onde a chuva, o 
plantio, a vida e a história humana vão, é onde a eternidade reside sem no entanto fazerem 
parte de tais eventos. Não obstante, a história no geral funda-se no domínio do Zamani. Por 
27 
 
isso que, pensamos estar na hora de falarmos com Mbiti, sobre o conceito de historia e pré-
história, que a partir de agora passamos a desenvolver. 
2.3.4. O conceito de história e pré-história 
 
Em relação a história e pré-história, Mbiti começa por mostrar a extensão do Zamani, segundo 
ele (1969, p. 23) o Zamani congrega em si todas as criaturas por formas a dar uma sensação 
de harmonia no universo das coisas e do Ser. 
Segundo Mbiti, cada povo africano tem sua própria história, e essa história se move para trás 
a partir do Sasa, isto é, do Sasa para o Zamani, do momento experienciado para um longo pe-
ríodo em que nada pode ser experienciado. Na concepção tradicional africana, a História não 
se move para frente, ou seja, para um futuro de progresso ou para o fim do mundo, mas para o 
passado (Ibidem). 
Daí que, pode inferir-se baseando-nos na interpretação Mbitiana, que: 
 Não há muito espaço, entre os africanos, ideias ou noções de felicidade, de liberdade, de pro-
gresso e do desenvolvimento. Da mesma forma que não há ideias ou noções apocalípticas do 
mundo e de fatalidade. Não existem tempos de ouro implantados no futuro e nem é possível 
imaginá-lo. O tempo de ouro está somente no Sasa. Portanto não pode também existir um fu-
turo radicalmente diferente do que actualmente está a ser vivenciado e experienciado no Sasa 
(Ibidem). 
 
Para Mbiti (1969, p. 23) isso explica a dificuldade que os africanos tradicionalmente têm em 
planificar o futuro da sua comunidade e de nutrir ideias de uma esperança messiânica. Isso 
explica também a causa por que o Zamani é colocado no domínio mitológico sem, no entanto, 
conter mitos apocalípticos que evoquem a destruição ou degeneração do mundo no futuro. 
Esta é a forma como os africanos concebem o tempo, como enquadram a história. Não até 
que, nos dias de hoje isso se revele proveitoso, pelo contrário, pode pôr em causa a identidade 
do próprio africano, tendo em conta que lidamos, com conceitos que influenciam grandemen-
te nas suas vidas, todavia, o africano como um ser pensante não está condenado a se estatizar, 
isto porque a natureza de qualquer ser pensante é dinâmica. Se compreendermos este ponto de 
vista, poderemos deparar com grandes necessidades,que mais tarde desenvolveremos. Volte-
mos ao Mbiti: 
Segundo ele, ambos, a pré-história e história para os africanos são consideradas de mito, exis-
tem no entanto, inúmeros mitos em África que visam explicar ideias como, a criação do uni-
verso, o primeiro homem, a aparente retirada de Deus do mundo, a origem da tribo até a sua 
chegada no país, e assim por diante (1969, p. 23-24) 
28 
 
Mbiti, observa que: “É olhando para o Zamani que as pessoas dão ou encontram uma expli-
cação sobre a criação do mundo, a origem da morte, a evolução da língua e costumes, a ori-
gem da sabedoria e assim por diante ˮ(Ibidem, p. 24). 
Segundo Mbiti: 
História e pré-história tendem a ser telescópica e muito compacta, pois a tradição oral é prefe-
rida de gerações em gerações. A tentativa de caber tais tradições numa escala matemática de 
tempo não tem sido possível, porque, em todo caso, a história oral não possui nenhuma data a 
se lembrar. O homem, olha para trás como o lugar de onde veio e acredita que nada levará este 
mundo a uma conclusão. De acordo com interpretação da história vista da África, existem 
inúmeros mitos sobre o Zamani, mas nenhum deles retrata sobre o fim do mundo (Ibidem). 
O povo africano acredita, que a história humana continuará para sempre, num movimento rít-
mico do Sasa ao Zamani, e nada nele sugere que o movimento encontre o fim. Assim, como 
não há um fim para o ritmo de nascimento, casamento, procriação e morte, Portanto, os dias, 
meses e as estacões do ano para o povo africano não tem efeito (Ibidem). 
Nos parágrafos acima, teríamos dito que este movimento temporal, com sentido do Sasa ao 
Zamani, não é compreendido por si só, ele está intimamente ligado aos eventos. Poderá esta, 
ser a causa que faz com que os povos africanos não consigam diferenciar o espaço e o tempo. 
Mas sobre isto, desenvolveremos no item a seguir: 
2.3.5. Espaço e tempo 
Segundo Mbiti (1969, p. 27) espaço e tempo estão intimamente ligados, o que leva as pessoas 
a usarem a mesma palavra para referenciarem tempo, assim como espaço. No tempo, é o con-
teúdo que define o espaço. Com detalhes, Mbiti assevera: 
O que mais importa para as pessoas é o que está geograficamente próximo, assim como o Sasa 
abraça a vida que as pessoas experimentam. Por essa razão, os africanos estão particularmente 
ligados à terra, porque é a expressão concreta de Sasa e Zamani. A terra lhes fornece as raízes 
da existência, além de atá-los misticamente a seus partos. As pessoas andam nas sepulturas de 
seus antepassados e teme-se que qualquer coisa que os separe desses laços e traga desastre pa-
ra a vida familiar e comunitária. Remover os africanos pelas forças de suas terras é um acto de 
tão grande injustiça que nenhum estrangeiro pode conhecê-lo. Mesmo quando as pessoas dei-
xam voluntariamente suas casas no campo e vão morar ou trabalhar nas cidades, há um corte 
fundamental de laços que não pode ser reparados e que muitas vezes cria problemas psicológi-
cos com os quais a vida urbana ainda não pode lidar (Ibidem). 
Já dissemos anteriormente, que o tempo para o povo africano é classificado em função de seus 
eventos e significados, por exemplo, 18h configura-se para os Ankore, como o momento do 
gado em seu lugar, dormir. Portanto, neste contexto 18h não é somente para os africanos, o 
tempo, como também refere-se ao estábulo (o lugar onde dormem todo o gado), e é nesta or-
29 
 
dem de ideia que Mbiti, diz que, o Sasa e o Zamani encontram sua realização concreta na ex-
periencia, na terra, ou melhor, no espaço. 
2.3.6. Descobrindo ou ampliando a dimensão futura do tempo 
Mbiti (1969, p. 27-28) indica que, por causa do ensino missionário cristão, educação ociden-
tal, juntamente com a invasão da tecnologia moderna, os povos africanos estão descobrindo a 
dimensão futura do tempo. No nível secular, isso leva ao planejamento nacional para o cres-
cimento económico, independência política, a extensão das instalações educacionais e assim 
por diante. 
Já na vida da igreja, esta descoberta parece criar uma forte expectativa do milénio, e isso faz 
com muitos cristãos fujam de enfrentar os desafios desta vida e esperem pela vida do paraíso, 
e essa forte expectativa milenar conduz frequentemente a criação de muitas pequenas igrejas 
independentes centradas em torno de indivíduos que simbolizam comprem essa expectativa 
messiânica (Ibidem). 
 Segundo Mbiti: 
A descoberta e a extensão da dimensão futura do tempo possuem grandes potencialidades e 
promessas para a formação de toda a vida dos povos africanos. Se estes forem aproveitados e 
canalizados para o uso criativo e produtivo, eles poderão se tornarem benéficos; mas eles po-
dem sair do controle e precipitar tanto a tragédia quanto a desilusão. O conceito tradicional de 
tempo está intimamente ligada á vida inteira das pessoas, e nossa compreensão pode se abrir 
para compreender o pensamento, atitude e acções das pessoas (Ibidem, p. 28). 
Nos afirmamos, com a ideia de que a descoberta ou extensão da dimensão futura para os afri-
canos podem trazer, se usados cria e produtivamente grandes benefícios, não apenas largos 
passos económicos, mas como também, saciar a fome deixada pela inexistência desta dimen-
são temporal. Este processo de mudanças, não consiste em erradicar os velhos, talvez seja, 
nesta perspectiva que Mbiti, vê uma tragédia e desilusão, o ideal, certamente, é modernizar-se 
sem excluir a essência de tudo que constitui a vida africana. 
2.4. Compreendendo o conceito de tempo em John Mbiti 
Mbiti é etnofilósofo, talvez isto justifique o enfoque das suas teorias serem o passado. As suas 
lucubrações filosóficas não estão engendradas de argumentos futurísticos, mas de passadismo. 
Mbiti é adepto do passado, por isso que em sua obra ele simplesmente descreve e assume a 
estrutura temporal africana. O tempo, segundo ele é a composição de eventos que partem do 
sasa para o zamani. O sasa e o zamani são as únicas estruturas temporais. O futuro é inexis-
tente pelo facto de ser hipotético, isto é, não se tem a certeza de que acontecerão. A religião 
30 
 
afirma-se na mesma estrutura, o que faz com que não haja espaço para que se advogue ideias 
apocalípticas. Mbiti não propõe soluções para esta situação, o que faz dele um pensador con-
formado com as suas descrições. Mbiti está convencido de que o passado é o palco de grandes 
realizações. Até as suas teorias tendem a viajar para este palco de realizações (passado). Mbiti 
em no item 2.3.6 traz a ideia da descoberta da dimensão futura, mas esse futuro descoberto e 
proporcionador de esperança messiânica não enquadra-se na religião tradicional africana, e 
sim nas religiões cristãs a nível da África. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
31 
 
CAPÍTULO III: REFLEXÃO FILOSÓFICA SOBRE A DIMENSÃO DO FUTURO NA 
RELIGIÃO TRADICIONAL AFRICANA 
Pretendemos neste capítulo, reflectir em torno do tempo na religião tradicional africana. O 
tempo que aqui se pretende reflectir, é um pouco mais da que versamos no capítulo anterior. 
Desta vez vamos descreve-la dentro da religião africana, conferindo-lhe a dimensão futura, de 
igual maneira que se conferiu a filosofia africana. Isso todavia, implica uma reformulação no 
seio da própria religião, pois os africanos terão, não só uma religião que fundamente o seu 
passado, mas como também o destino de toda humanidade. Convidamos a reflectir: 
3.1. Controvérsia sobre o tempo entre as religiões ocidentais e as religiões africanas 
É sempre necessário antes que se traga o desenvolvimento de uma especificação de conheci-
mento, comecemos antes, por definir. Isto porque, de antemão, admitimos a possibilidade do 
leitor ser um iniciante na área, bem como pelo facto do leitor pertencer aos outros domínios 
de conhecimento. Comecemos: 
Entende-se por religiões ocidentais, toda a religião que possui uma visão linear da história, 
isto é, a história tem um começo e um fim, sendoque o mundo tenha sido criado num certo 
ponto e um dia irá terminar. São elas, o judaísmo, o islã e o cristianismo (Gaarder et all, 2000, 
p. 39). 
O foco de abordagem dessas religiões é a salvação, que não pode ser encontrada na vida ter-
rena, mas sim, na vida celestial. Todavia, esta salvação é condicionada na medida em que para 
possui-la deva-se levar um modelo de vida baseada na vontade de Deus. Portanto, há aqui, o 
espaço onde se desenvolve ideias apocalípticas, que centram-se na ideia do futuro. Em outras 
palavras, estamos a dizer que a salvação não é inerente ao passado e muito menos ao presente, 
encontra-se a salvação na outra vida, que olhada a partir do presente é um futuro não datável. 
O que estamos a tentar explicar, é que o tempo nas religiões ocidentais é tridimensional e vi-
rada para momentos sempre posteriores. E esta realidade já é advogada por um defensor da fé 
cristã, Santo Agostinho, quando afirma: 
O tempo implica passado, presente e futuro. Mas o passado não é mais e o futuro não é ainda. 
E o presente, "se existisse sempre e não transcorresse no passado, não seria mais tempo, mas 
eternidade". Na realidade, o tempo existe no espírito do homem, porque é no espírito do ho-
mem que se mantém presentes tanto o passado como o presente e o futuro (Santo Agostinho, 
apud Reale et Antiseri, 2005, p. 97). 
 
É também, tão notória esta forma dele conceber o tempo, na abordagem que faz para distin-
guir a cidade terrena e a cidade celestial: 
32 
 
 A história tem um princípio, com a criação, e um termo, com o fim do mundo, ou seja, com o 
juízo final e com a ressurreição. E tem três momentos intermediários essenciais, que marcam 
seu decurso: o pecado original com suas consequências, a espera da vinda do Salvador e a en-
carnação e paixão do Filho de Deus, com a constituição de sua Igreja (Ibidem, p.100). 
 
Os três momentos intermediários, compreendem essas dimensões temporais, isto é, o passado, 
presente e o futuro. Nesta perspectiva, o homem vive para valores que só podem ser encontra-
das no futuro. No obstante, as religiões africanas não operam nesta perspectiva, o tempo não é 
como quer Santo Agostinho, tridimensional, pelo contrário, é bidimensional, com um passado 
longo (Zamani), presente (Sasa) e um futuro quase inexistente ou imediato. 
Segundo Mbiti (1969, p.17), o tempo para os africanos é simplesmente uma composição de 
eventos, que transcorrem sempre do Sasa ao Zamani. E a religião africana absorve o mesmo 
esquema, daí que não há espaço para propagação de ideias apocalípticas. 
Para surgimento dessas ideias, apocalípticas, necessariamente ela passaria que albergar ou es-
tender a dimensão futura do tempo. O que não existe. Pois, o homem não vive em detrimento 
dos momentos sempre posteriores, a sua vida está centrada no Sasa e no Zamani. 
Enquanto que, o homem nas religiões ocidentais encontram a promessa de um conforto na 
vida futura, dependendo das suas acções. Nas religiões africanas isso não se revela possível, 
porque segundo Mbiti a pessoa não é qualificada em termos do seu futuro ou do que prova-
velmente está a preparar para o seu futuro, simplesmente porque estes eventos ainda estão por 
ocorrer (1969, p.17). 
Em suma, as religiões ocidentais se dedicam na fundamentação do destino do homem e da 
vida após a morte, a religião tradicional está baseada na vida quotidiana sempre em direção ao 
passado, ou seja, entre os vivos (presente/ sasa) e os antepassados (passado/ zamani). Assim 
como, Deus é concebido em relação ao zamani. Nas religiões ocidentais o conceito os homens 
se beneficiam do conceito esperança, pois acreditam nas melhores condições por vir, nas reli-
giões africanas, os homens se beneficiam do conceito memória, pois a sua vida depende da 
satisfação dos antepassados e deus que habita no domínio do passado. 
3.2. As correntes da filosofia africana em relação ao tempo 
3.2.1. Etnofilosofia 
Toda a filosofia de Mbiti enquadra-se na etnofilosofia, é por essa razão que vamos começar 
desde já debater a etnofilosofia. 
O passadismo, no que concerne a etnofilosofia, nos primeiros momentos da abordagem, Cas-
tiano já o referencia: “Etnofilosofia é um ramo especial das etnociências, porque é combatida 
33 
 
por muitos e venerados por outros, contudo os pensadores africanos não conseguem separar-
se dele pelo facto de este apelar para o seu passado” (2010,p.64) 
Segundo Appiah (apud Castiano, 2010, p. 66), a etnofilosofia é uma tentativa de explorar e 
sistematizar o mundo conceptual das culturas tradicionais de África. Este autor considera uma 
abordagem folclorista, que tenta compilar a história natural do pensamento popular tradicio-
nal sobre as questões centrais da vida humana. Na sequência disso são apontados como etno-
filósofos: P. Tempels, Marcel Griaule, Alex Kagamé e John Mbiti, porque cada um propôs-se 
em fundamentar a existência de filosofia nas culturas africanas usado caminhos diferentes. 
Os etnofilósofos objectam por fazer um estudo das culturas e tradições africanas, não apenas 
para lhes oferecer o estatuto filosófico e científico, mas para erguer a sua identidade como ser 
africano, uma autêntica contra-tese de vários pensamentos influenciados pelo evolucionismo. 
Este processo se revela possível para os filósofos africanos, na base dos dados que se encon-
tram no passado, ou melhor na história. Nem todo filósofo africano se identifica com o ponto 
de vista oferecida pela etnofilosofia, dai crítica sobre ela mesma. É já no item a seguir que 
desenvolveremos este posicionamento crítico. 
3.2.2. Filosofia crítica 
Paradoxalmente, ao mesmo tempo que as sociedades africanas têm no futuro, o ponto central 
das suas preocupações e dos seus projectos, os debates que animam a filosofia africana pare-
cem imbuídos de preocupações contrárias. Com efeito, as disputas que ocupam os espíritos 
dos filósofos têm a que ver com o passado (…).Acrescente literatura filosófica africana tem 
demonstrado o nosso esforço de reflexão filosófica, é prisioneiro do apriori etnológico. Todos 
parecemos padecer deste condicionamento; não são simplesmente Tempels, Kagame as únicas 
vítimas do apriorismo etnológico, mas mesmo os críticos mais radicais da, etno-filosofia como 
Towa, Hountondji e Ebàussi não são completamente livres deste apriorismo. De facto, a etno-
filosofia que alguns defendem com toda a energia que têm e que outros atacam com toda a ve-
emência que lhes é possível, tornou-se pedra angular da filosofia africana, em volta da qual 
gravita todo o seu processo de reflexão. Qual a razão desta associação? Porque, a nossa refle-
xão que se quer filosófica, isto é universal e voltada em direcção ao futuro, deve embater ne-
cessariamente no discurso etnológico, que é particular e voltado para o passado? (1993, p. 12-
13) 
 
A citação acima, situa Ngoenha na posição da corrente crítica. O que ele faz, é uma crítica 
ferronha ao passadismo da etnofilosofia. Para ele o passado ressaltado pela etnofilosofia é 
uma preocupação contrária. Essa forma de olhar, faz de Ngoenha um futurista, e não um her-
meneuta. O hermeneuta, como desenvolveremos mais adiante, não dá privilégios excessivo ao 
passado e nem ao futuro, o que faz, é reler o passado em função da vida actual dentro de um 
projecto futuro. Ngoenha na íntegra faz um trabalho etnológico, mas criticando. 
Os críticos olham para etnofilosofia como um ramo da filosofia africana desconectada dos 
problemas do seu domínio de saber. A actividade do saber filosófico, não consiste em trazer 
34 
 
uma filosofia intacta, escondido nas diversas formas de manifestação cultural e procura cons-
tante de sistematizar o passado (Ngoenha, 1993, p. 89). 
E segundo ele, o ponto de vista fulcral da filosofia africana é o compromisso com o futuro, daí 
que o filósofo africano deve dedicar-se com vista a desmitificar este futuro, do contrário, ela 
será igual ao passado. Todavia, temos de pensar de formadiferente o nosso projecto de futuro. 
Mas para tal, temos que proclamar o fim da etnologia, e começar pelo próprio Muntu, pela sua 
situação concreta e dirigir-se em direcção do seu possível devir livre (Ibidem, p. 98-102). 
Segundo Ngoenha o problema da África consiste na tomada de consciência do seu futuro, por 
essa razão a filosofia africana está condenada numa reflexão etnológica. Para que se proclame 
o fim da etnologia, a filosofia africana deve percorrer, em um itinerário crítico, metódico e 
dialéctico em direcção a conquista de nós mesmos, e esta decisão exige a reintrodução no pro-
jecto filosófico de tudo o que nos projectos precedentes foi reduzido ao silêncio (Ibidem, p. 
99-110) 
O segundo passo para o proclame do fim da etnologia é a fuga da tradição para o futuro, ou 
seja, a submissão da tradição em função de um projecto futurista, que passa no entanto, pela 
confrontação crítica com os críticos da etnofilosofia. Mas para tal, deve-se usufruir da nossa 
tradição de forma criativa e isto significa que devemos servir-nos da nossa tradição como 
forma de utopia crítica e mobilizadora do presente com vista à realização de uma história real 
do Muntu (Ibidem, p.100). 
Até aqui, observamos a disputa travada entre a etnofilosofia e a filosofia crítica, uma presando 
o passado e a outra criticando, atribuindo cartas de honra ao futuro. É sobre a segunda que 
Ngoenha faz parte. O conflito entre essas duas correntes é precisada pela hermenêutica, e des-
de já passamos a apresentar. 
3.2.3. Hermenêutica 
Falar da corrente hermenêutica, é se beneficiar dos argumentos de que, tanto o passado e o 
presente servem-se de objecto de nossas lucubrações filosóficas. Segundo Ngoenha (1993, p. 
105) “trata-se de uma releitura pessoal da tradição, não para reconstruir o pensamento anti-
go como tal, mas para reactualizá-lo dentro do contexto dos novos sistemas de maneira a 
torná-lo presente de uma maneira eficaz”. Em outras palavras, o que a corrente hermeneuta 
faz é tentar elaborar um pensamento que possa responder às exigências e às preocupações da 
África actual. Para ela a sabedoria africana deve constituir a pedra angular e o lugar do filóso-
fo deve ser interpretar a tradição à luz do presente. 
35 
 
Para os hermeneutas toda a teoria que não tivesse em conta a tradição, seria inconsciente, uma 
vez que refutaria a única coisa que a África tem de particular. Em relação a etnofilosofia, a 
corrente hermenêutica partilha dos mesmos dados, a diferença é que a corrente etnofilosófica 
considera desses dados (símbolos, mitos, crenças, lendas e mais) de filosofia, e a corrente 
hermenêutica, procura um sentido, para se reapropriarem da tradição africana, de maneira a 
torná-la operante na vida actual. É neste último contexto, que os hermeneutas acusam a cor-
rente crítica, de não tomar minimamente em conta o património da sabedoria africana, que são 
os símbolos, os provérbios e as instituições nas suas lucubrações filosóficas (Ibidem, p. 106). 
O ponto fulcral da filosofia africana não é resistir-se ao passado, menos ao presente, mas é 
fazer esta mudança fundamental, de reler o passado a luz da actualidade. Rejeitar mudanças é 
condenar o referido projecto futuro. E sobre a perigosidade de ater-se a mudança é o que 
Lerma versa logo abaixo. 
3.2.3.1.A nova ordem cultural 
De acordo com DE NAPOLI (1985/86, p. 1), “cultura é um conjunto de significado de valo-
res partilhados e aceites por uma comunidade”. A cultura inclui comportamentos, conheci-
mentos, crenças, arte, moral, leis, costumes, hábitos, aptidões, tanto adquiridos como herda-
dos. Desta forma, segundo Laraia (2001) o ser humano não é somente o produto da cultura, 
mas, igualmente, produtor de cultura. 
A cultura possui características fundamentais, algumas bastante notáveis quando a definimos. 
Para o nosso caso, não traremos todas elas7, pois neste debate importa-nos duas das suas ca-
racterísticas, a estabilidade e dinamismo. 
A cultura é dinâmica porque esta sujeito a mudanças, criação e recriação, isto é, reformula-se 
constantemente através da acção directa dos próprios membros da sociedade que provocam 
mudanças conscientes devido algumas situações. Neste sentido podemos afirmar que a cultura 
nunca é a mesma. Ela cresce e se desenvolve como um ser vivo, que se deixar de respirar 
morre. O funcionamento, o crescimento e as mudanças acontecem em primeiro lugar por for-
ças endógenas, e em segundo, por forças exógenas. Como diz Martinez (2007,p. 51;59) a cul-
tura “não é algo acabado ou definitivo mas sim algo em contínuo aperfeiçoamento”. A cultura 
que resiste as mudanças, podem estar condenadas a morte. Diz ele: “uma cultura abstracta, 
estática, repetitiva, sempre igual a sí mesma está chamada a desaparecer”. 
Mudanças culturais não crucificam a identidade e a tradição da própria cultura, pelo contrário, 
as mudanças caracterizam a própria cultura. Dentro da própria cultura já existe um dispositivo 
 
7 A cultura pode ser simbólica, seletiva, universal e regional, determinante e determinada. 
36 
 
de segurança que garante a autenticidade e originalidade da cultura. Martinez (2007, p. 51) 
chama isto de estabilidade, portanto, sempre há algo estável na cultura, que de alguma manei-
ra protege dos inevitáveis ritmos de mudança, o desaparecimento da própria identidade cultu-
ral. O inimigo da originalidade e identidade cultural, não são as mudanças, mas sim a estatici-
dez, a recusa da mudança. Um dos notáveis exemplos, de que a mudança não retira a identi-
dade e originalidade é o seguinte: “uma laranjeira ao longo do tempo está sujeito a cresci-
mento, isto é, a laranjeira vai mudando, e ao longo deste processo de crescimento/mudança 
ela continua sendo laranjeira. Mas se privamos ela deste crescimento, ela de certeza morre-
rá”. 
Porém, a mudança cultural se faz necessária, incluindo na próprio religião africana, que tam-
bém é um fenómeno cultural africano, resistir o poder de mudanças é igualmente aceitar a de-
capitação da religião tradicional africana, e da cultura no geral. O mesmo aconteceu, com a 
cultura católica, quando resistiam as mudanças da época, foram abalados por uma profunda 
crise que posteriormente convidou os movimentos reformistas. 
3.2.3.2. A reforma filosófica africana 
Falar da filosofia africana, é falar de três posicionamentos: a dos etnofilósofos, dos críticos e 
dos hermeneutas. A etnofilosofia é um movimento de pensamento, que da continuidade ao 
contexto do surgimento da própria filosofia africana, com as personalidades, W. Du Bois, 
Marcus Garvey. e B. Washington, em referência a identidade e estatuto do próprio ser africa-
no. 
A etnofilosofia consistiu em mostrar a partir das suas marcas culturais, como, mitos, contos e 
fábulas, que os africanos possuem um sistema de pensamento coerente, Tempels o fez a partir 
da ontologia, isto é, do ser, Kagamé o fez a partir da língua, Mbiti o fez a partir da religião. 
Esses filósofos, procuraram dar respostas as denegrições oferecidas por filhos do evolucio-
nismo. Referimos aqui, do senhor Levy Brhul, Morgan, Hegel, Tylor entre outros que tinham 
uma concepção reducionista do homem negro. Para se fazer apar dessas concepções difundi-
das na história, muitos dos filósofos africanos e alguns não-africanos, começando por Tem-
pels, envidaram esforço, tempo e dedicação para se reafirmarem como sendo homens iguais a 
todos. Portanto, nascia assim um movimento de pensamento, um estilo e paradigma que se 
dedicava-se na fundamentação da tradição (passado). É pelo apego ao passadismo que Castia-
no (2010, p. 64) afirma que a etnofilosofia é combatida por muitos pelo facto de este apelar 
para o seu passado (2010, p. 64) 
37 
 
Esta forma de olhar, para os traços culturais como filosofia, uma filosofia, intacta e coletiva, 
não foi albergado por todos, referimos aqui, do segundo posicionamento,

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