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Francisco Chaves Pinheiro, Índio simbolizando a Nação Brasileira, 1872. Escultura em terracota, 192 cm x 75 cm x 31 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. A escultura de Fran- cisco Chaves Pinheiro (1822 -1884) é uma alegoria do império brasileiro, representa- do pela figura de um ín- dio forte e altivo. Ele usa uma tanga, um cocar indí- gena e uma capa, e segura um cetro e um escudo com o brasão do Império. Estima-se que cerca de mil diferentes povos habitavam o território correspondente ao do atual Brasil quando os colonizadores europeus começaram a invadir suas terras, no final do século XV. Muitos desses povos foram dizimados pelo contágio de doenças trazidas pelos europeus e em decorrência da resistência à escravização e das numerosas guerras que ocorreram nas áreas costeiras. Para escapar do devastador contato com os colonizadores, diversos grupos migraram do litoral para o inte- rior do continente, mas a ocupação de suas terras prosseguiu na mesma direção. Embora submetidos a todo tipo de violência durante cinco séculos, muitos povos sobreviveram, e, nas últimas décadas, contrariando todas as expectativas, a população indígena retomou seu crescimento. Hoje existem no Brasil cerca de 240 povos indígenas, que falam mais de 150 línguas e dialetos. Somam quase 900 mil indivíduos, segundo dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. Eles estão presentes em to- das as regiões do país, mas as maiores con- centrações populacionais encontram-se nas áreas de várzea da bacia do rio Amazonas, na região do rio Xingu e nas fronteiras oeste e norte do país. Por que estudar as culturas indígenas? Albert Eckhout, Mulher tapuia, 1637-1644. Óleo sobre tela, 266 cm x 159 cm. Museu Nacional da Dinamarca. O pintor holandês Albert Eckhout (1610 -1666) integrou a comitiva de artistas e cientistas trazidos por Maurício de Nassau a Pernam- buco durante o período em que governou o Brasil holandês, entre 1637 e 1644. Eckhout produziu retratos etnográficos – isto é, de caráter descritivo, documental –, em tamanho natural, dos habi- tantes locais, como este de uma mulher tapuia. O tema da pintura, entretanto, é a antropofagia, a prática de ingerir carne humana, em geral associada a rituais fu- nerários ou guerreiros. Essa prática, comum entre alguns grupos, na época, contribuiu para a construção da imagem dos indígenas pelos europeus como povos bárbaros. Reprodução/Museu Nacional da Dinamarca, Copenhague, Dinamarca. R e p ro d u çã o /M u se u N a ci o n a l d e B e la s A rt e s, R io d e J a n e ir o , R J . 18 PercursosArte_BEA_VU_PNLD2018_014a047_C01.indd 18 07/06/16 08:35 Pajé Agostinho Ikã Muru. Fotografia de Deborah Castor para Una Isi kayawa: livro da cura do povo huni kuin do rio Jordão (Rio de Janeiro: Dantes, 2014). O pajé Agostinho Ikã Muru te- ve um papel fundamental na organização e promoção de festivais culturais e intercâm- bio entre as comunidades do povo kaxinawá, que se auto- denomina huni kuin. Estabe- lecidos no Acre, os Huni Kuin têm um intenso contato com a sociedade não indígena. Eles se referem ao presente como o tempo da cultura e vêm se dedicando a ações de incenti- vo à preservação de suas ati- vidades cotidianas tradicio- nais, como a tecelagem e o canto, e à difusão de seus saberes ancestrais, como o uso medicinal das plantas. Nesta pintura, Rego Mon- teiro (1899-1970) associa a temática indígena a uma linguagem moderna, for- mas geometrizadas e efei- tos de luz e sombra para enfatizá-las. Assim como os artistas europeus que viveram em sua época, entre eles Pablo Picasso (1881-1973), Monteiro voltou seu interesse para os povos não ociden- talizados em busca de temas pouco convencionais, como a interação entre o corpo e a arma usada na caça por povos indígenas no Brasil. R e p ro d u çã o /M u se u d e A rt e M o d e rn a A lo ís io M a g a lh ã e s, R e ci fe , P E . D e b o ra h C a st o r/ A ce rv o d a f o tó g ra fa Os indígenas foram inicialmente entendidos e retratados pelos euro- peus como seres exóticos e primitivos. Caracterizá-los como inferiores justificava e facilitava os propósitos coloniais. Mais tarde, no século XIX, empenhados em construir uma identidade para a nação, intelectuais e artistas tomaram o índio como um símbolo para representar, de forma heroica e idealizada, a natureza exuberante do país. Os indígenas só re- cuperaram a própria voz na segunda metade do século XX, principalmen- te na década de 1970, quando se organizaram para fazer frente às políticas de integração nacional do governo militar e lutar pela demarcação de suas terras e pelo direito à preservação de seu modo de vida. A aproximação de organizações civis às comunidades indígenas e os estudos de antropólogos e outros intelectuais contribuíram para evidenciar que o modo de vida e os saberes desses povos constituem um patrimônio cultural de toda a humanidade. Há muito por aprender com os povos in- dígenas, pois eles se organizam em modelos sociais diferentes do nosso e se relacionam de forma sustentável com o ambiente em que vivem. Observe os trabalhos desta dupla de páginas e verifique o que eles representam, em que época foram realizados, quem são seus autores e que linguagens foram 1. O que esses trabalhos têm em comum? 2. Em que aspectos diferem? 3. O que se pode dizer a respeito das culturas indígenas no Brasil com base na observação desses trabalhos? utilizadas. Depois, reflita Vicente do Rego Monteiro, O atirador de arco, 1925. Óleo sobre tela, 65 cm x 81 cm. Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Recife, Pernambuco. MATRIZES culturais | CAPÍTULO 1 | AS CULTURAS INDÍGENAS | 19 PercursosArte_BEA_VU_PNLD2018_014a047_C01.indd 19 07/06/16 08:35