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INTRODUÇÃO A apostila Direito do Trabalho tem como objetivo levar o leitor a conhecer, de forma simples, objetiva e prática, as rotinas trabalhistas empresariais, desde o nascedouro do contrato de trabalho até a sua extinção. Nela será estudado também todo o conteúdo do contrato de trabalho, considerando a jornada de trabalho e a remuneração, para que, nesta breve imersão no mundo do Direito do Trabalho, possamos levar o leitor a ter uma visão mais realista dos desafios atuais concernentes às modificações realizadas pela Reforma Trabalhista, por meio da Lei nº 13.467 de 2017 e pela Lei nº 13.874 de 2019 (Lei da Liberdade Econômica). Sob esse foco, esta apostila foi estruturada em quatro módulos. No módulo I, analisaremos as diversas relações de trabalho e emprego existentes, buscando deixar claras as diferenças entre trabalho e emprego. Além disso, conheceremos os demais possíveis tipos de trabalhador: autônomo, eventual, avulso, voluntário e religioso. Veremos ainda as relações de emprego bilateral e trilateral, considerando a terceirização e o trabalho temporário. No módulo II, focaremos o conteúdo do contrato de trabalho referente à remuneração e ao salário, analisando as suas diferenças. Quanto à remuneração, analisaremos ainda as parcelas remuneratórias e as suas repercussões jurídicas. Já quanto ao salário, veremos as definições de salário fixo e variável, além das comissões e das parcelas de natureza salarial. As parcelas de natureza não salarial também serão analisadas, considerando a participação nos lucros ou resultados (PLR), as diárias e a ajuda de custo. Por fim, conheceremos os conceitos de salário-utilidade, ou in natura, as parcelas de natureza não salarial e o modelo de contratação CLT flex. No módulo III, estudaremos o conteúdo do contrato de trabalho relativo à jornada de trabalho e às férias. Para tanto, iniciaremos analisando a evolução histórica do conceito de proteção à jornada de trabalho. Veremos também as definições de horário de trabalho e tempo à disposição, de tempo de prontidão e sobreaviso, além das acepções de tempo integral e parcial de trabalho. Além disso, estudaremos os intervalos interjornadas semanais e anuais, o descanso semanal remunerado (DSR), os feriados e as férias. No módulo IV, trataremos das formas de extinção do contrato de trabalho, considerando as formalidades rescisórias e o instituto do aviso-prévio. Analisaremos ainda o conceito e os requisitos legais da despedida por justa causa, a despedida indireta, a culpa recíproca e o acordo comum entre empregado e empregador. Por fim, veremos os conceitos de garantia de emprego e estabilidade, analisando as possibilidades de estabilidade provisória. SUMÁRIO MÓDULO I – RELAÇÕES DIVERSAS DE TRABALHO E EMPREGO ........................................................ 7 TRABALHADOR VERSUS EMPREGADO ............................................................................................. 7 Diferenças conceituais .............................................................................................................. 7 RELAÇÃO DE EMPREGO BILATERAL E CONCEITO DE EMPREGADO ............................................ 8 Requisitos da relação de emprego .......................................................................................... 9 Demais tipos de trabalhador.................................................................................................. 12 EMPREGADOR, GRUPO ECONÔMICO E SUCESSÃO TRABALHISTA ........................................... 17 Conceitos de empregador e empregador por equiparação .............................................. 17 Grupo econômico urbano ...................................................................................................... 18 Sucessão trabalhista ................................................................................................................ 20 RELAÇÕES TRILATERAIS: TERCEIRIZAÇÃO E TRABALHO TEMPORÁRIO .................................... 21 Terceirização ............................................................................................................................. 21 Trabalho temporário ............................................................................................................... 28 MÓDULO II – CONTEÚDO DO CONTRATO DE TRABALHO: REMUNERAÇÃO E SALÁRIO .............. 31 CONTRATO DE TRABALHO: REMUNERAÇÃO E SALÁRIO, GORJETAS E GUELTAS ................... 31 Conceito de contrato de trabalho e contrato verde e amarelo ......................................... 31 Contrato de Trabalho Verde e Amarelo ................................................................................ 32 Gorjetas e gueltas como parcelas remuneratórias ............................................................. 34 SALÁRIO, COMISSÃO E PARCELAS DE NATUREZA SALARIAL ...................................................... 35 Salário ........................................................................................................................................ 35 PARCELAS DE NATUREZA NÃO SALARIAL ..................................................................................... 38 Abonos ...................................................................................................................................... 39 Prêmios ..................................................................................................................................... 39 Gratificações ajustadas e bônus ............................................................................................ 41 Ajudas de custo e diárias para viagem ................................................................................. 42 Participação nos lucros ou resultados .................................................................................. 42 SALÁRIO-UTILIDADE OU SALÁRIO IN NATURA ............................................................................... 46 Salário in natura ....................................................................................................................... 46 Utilidades de natureza não salarial ....................................................................................... 47 CLT flex ....................................................................................................................................... 50 MÓDULO III – CONTEÚDO DO CONTRATO DE TRABALHO: JORNADA DE TRABALHO E FÉRIAS .. 53 JORNADA DE TRABALHO, TEMPO DE PRONTIDÃO E SOBREAVISO, TEMPO INTEGRAL E TEMPO PARCIAL ............................................................................................................................................. 53 Evolução histórica da proteção em relação à jornada de trabalho .................................. 53 Conceito e classificação de jornada de trabalho ................................................................. 54 HORAS EXTRAORDINÁRIAS, BANCO DE HORAS, CONTROLE DE JORNADA DE TRABALHO E EXCEÇÕES .......................................................................................................................................... 62 Banco de horas ........................................................................................................................ 63 Controle de jornada de trabalho ........................................................................................... 65 INTERVALOS ...................................................................................................................................... 67 Intervalos intrajornada e interjornada ................................................................................. 68 Intervalos interjornadas semanais e anuais: DSR/feriados e férias ................................. 71 Flexibilização trabalhista trazida pela MP nº 905/2019, válida somente durante a suavigência (de 11/11/2019 até 20/04/2020) ............................................................................. 73 MÓDULO IV – EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO .......................................................... 79 CLASSIFICAÇÃO DA EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E FORMALIDADES RESCISÓRIAS ............................................................................................................................................................ 79 Formas de extinção do contrato de trabalho ...................................................................... 79 Procedimentos rescisórios ..................................................................................................... 82 Instituto do aviso-prévio ......................................................................................................... 87 DESPEDIDA POR JUSTA CAUSA ....................................................................................................... 92 Conceito legal de justa causa e seus requisitos legais ....................................................... 92 Hipóteses legais de justa causa ............................................................................................. 98 DESPEDIDA INDIRETA, CULPA RECÍPROCA E ACORDO COMUM ENTRE EMPREGADO E EMPREGADOR ............................................................................................................................... 106 Despedida indireta (art. 483 da CLT) .................................................................................. 106 Culpa recíproca (art. 484 da CLT) ........................................................................................ 110 Acordo comum entre empregado e empregador (art. 484-A da CLT) ........................... 111 GARANTIAS DE EMPREGO E ESTABILIDADES: PERMANENTES OU PROVISÓRIAS ................ 113 Conceito de garantia de emprego e estabilidade ............................................................ 113 Estabilidade provisória da gestante ................................................................................... 115 Estabilidade provisória do cipeiro ...................................................................................... 118 Estabilidade provisória do trabalhador acidentado ........................................................ 120 Estabilidade provisória do dirigente sindical .................................................................... 120 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 124 PROFESSORA-AUTORA ...................................................................................................................... 125 Neste módulo, analisaremos as diversas relações de trabalho e emprego existentes, buscando deixar claras as diferenças entre trabalho e emprego. Além disso, conheceremos os demais possíveis tipos de trabalhador: autônomo, eventual, avulso, voluntário e religioso. Veremos ainda as relações de emprego bilateral e trilateral, considerando a terceirização e o trabalho temporário. Trabalhador versus empregado Diferenças conceituais Historicamente, o trabalho autônomo sempre foi a principal forma de prestação de serviços conhecida pela humanidade. Somente a partir da Primeira Revolução Industrial o trabalhador autônomo passou a exercer um papel secundário na sociedade, dando lugar ao trabalhador subordinado da indústria taylorista-fordista. Nesse cenário histórico, com o objetivo principal de tutelar o empregado subordinado hipossuficiente, surge o Direito do Trabalho como disciplina autônoma em relação ao Direito Civil. A diferenciação entre as formas de relação de trabalho e de emprego ganha então especial importância para o Direito do Trabalho, tornando imprescindível o entendimento dos conceitos de trabalhador e empregado. O conceito de empregado está inserido no gênero “trabalhador”, o que o torna uma espécie de trabalhador. O gênero “trabalhador” pode ser dividido em empregados e trabalhadores em geral. Süssekind (2009, p. 17) afirma que o “conceito de relação de trabalho é tão amplo, abrangendo todo contrato de atividade, que o fundamento da sua conceituação é a pessoa do trabalhador, qualquer que seja a modalidade do serviço prestado.” Dessa forma, é correto afirmar que todo empregado é trabalhador, mas nem todo trabalhador é empregado. MÓDULO I – RELAÇÕES DIVERSAS DE TRABALHO E EMPREGO 8 São exemplos de trabalhador: trabalhador autônomo, trabalhador eventual, trabalhador avulso e trabalhador voluntário. A espécie “empregado” pode ser dividida entre “empregado típico” (previsto no artigo 3º da CLT) e “empregado atípico” (que possui legislação trabalhista própria, como o empregado doméstico e o rural). Delgado (2016, p. 279-280) adota essa mesma classificação e afirma o seguinte: “Relação de trabalho: tem caráter genérico: refere‑se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Relação de emprego: do ponto de vista técnico‑jurídico, é apenas uma das modalidades específicas da relação de trabalho juridicamente configuradas.” Como a relação de trabalho engloba vários tipos de trabalhadores, estudaremos, inicialmente, a relação de emprego bilateral para poder diferenciá-la das demais relações de trabalho. Relação de emprego bilateral e conceito de empregado Preliminarmente, não se podemos olvidar de que, historicamente, toda a construção teórica do Direito do Trabalho voltou-se para uma espécie qualificada de trabalhador: o empregado. O objeto histórico do Direito do Trabalho reside, portanto, na relação de emprego. O princípio da proteção, como o próprio nome diz, refere-se à tutela de determinada classe pelo ordenamento jurídico. No caso em questão, a classe é a trabalhadora, e o ordenamento jurídico é o trabalhista. Dessa forma, no Direito do Trabalho, a definição do seu objeto acabou por delimitar, igualmente, o alcance do princípio da proteção. O princípio da proteção se confunde com a própria razão de ser do Direito do Trabalho, revelando-se um instrumento de proteção/tutela jurídica da relação bilateral entre empregado e empregador. É importante destacarmos que, quando tratamos do Direito do Trabalho, estamo-nos referindo ao Direito Material do Trabalho. Essa referência é importante, sobretudo no âmbito do Direito brasileiro, uma vez que, na esfera processual, o Direito do Trabalho não tem como objeto somente a relação de emprego. 9 Nesse sentido, merece destaque o texto do inciso I do art. 114 da Constituição Federal de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional de nº 45/2004, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho brasileira para processar e julgar “[...] as ações oriundas da relação de trabalho [...].” Desse modo, o objeto do Direito Processual do Trabalho foi ampliado para a relação de trabalho, enquanto o objeto do Direito Material do Trabalho permanece limitado à relação de emprego. Requisitos da relação de emprego O conceito de empregado urbano, previsto no artigo 3º da CLT, é o seguinte: “Art. 3º - Considera-se toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” Na conceituação da figura do empregado urbano, destacam-se quatro requisitos legais. Vejamos cada um deles a seguir: a) Pessoalidade: O primeiro requisito é a pessoalidade do empregado, o que significa que o trabalho deve ser prestado por pessoa física (pessoa natural). A pessoa jurídica não pode, portanto, ser considerada empregado. Esse requisito se manifesta em duas dimensões: na necessidade de o trabalho ser executado por uma pessoa física e na necessidade de o trabalho ser prestado de formapessoal pelo empregado. Devemos ressaltar, entretanto, que o Direito do Trabalho é regido pelo princípio da primazia da realidade. Sendo assim, é possível reconhecer vínculo de emprego mesmo se o empregado prestar serviços como pessoa jurídica por meio de contrato de prestação de serviços, prática fraudulenta, conhecida como “pejotização” atualmente. Nesse sentido, Delgado (2016, p. 102) afirma que, no âmbito do Direito do Trabalho, “[...] deve-se pesquisar, preferencialmente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes [...]”. b) Não eventualidade: O segundo requisito é a não eventualidade, ou seja, a continuidade, que se revela pela permanência, em certo decurso de tempo, do labor prestado pelo empregado ao seu empregador. Continuidade é trabalho dia após dia. No entanto, a CLT não adotou essa teoria para conceituar empregado, mas sim a teoria da permanência, ou seja, basta que o empregado trabalhe no local sem eventualidade. Em outras palavras, é necessário que o trabalho tenha caráter permanente, ou seja, não pode ser esporádico ou eventual. 10 Pelo princípio da continuidade da relação de emprego, o empregado vincula-se ao empregador por prazo indeterminado. Por esse motivo, o trabalhador eventual não pode ser considerado empregado. Dica: Não confundir trabalhador eventual com trabalhador intermitente. Leia mais sobre o trabalhado eventual na página 14 e sobre trabalho intermitente na página 57 desta apostila. c) Subordinação jurídica: O terceiro requisito é a subordinação jurídica, que se caracteriza pelo exercício de atividade por parte do trabalhador sob dependência do empregador, fiscalizada e dirigida por este. A palavra subordinação é de etimologia latina e significa: sub = baixo e ordinare = ordenar. Portanto, o seu significado é de submetimento, sujeição, dependência, sendo este último vocábulo o preferido pela CLT. Amauri Mascaro Nascimento explica o conceito de subordinação jurídica, dizendo: “é um estado de dependência real, produzido por um direito, o direito do empregador de comandar, dar ordens, donde a obrigação correspondente para o empregado é se submeter a tais ordens”1. A subordinação é, sem dúvida, o mais importante dos elementos fáticos jurídicos da relação de emprego e também um pressuposto de existência do Direito do Trabalho. O conceito de subordinação engloba a ideia de dependência hierárquica, econômica, técnica, estrutural ou, até mesmo, social. No entanto, a mais importante delas, reconhecida pela doutrina trabalhista clássica, é a ideia de subordinação jurídica, visto que o trabalhador se sujeita ao empregador, única e exclusivamente, em relação ao seu trabalho e por força de contrato, preferencialmente escrito, celebrado entre as partes. A subordinação própria do contrato de trabalho é mais do que a necessidade de o trabalhador seguir certas regras na prestação do serviço, mesmo quando impostas pelo beneficiário do trabalho, titular do empreendimento. Compreende a prerrogativa, da qual se investe o tomador de serviço em decorrência da relação de emprego, de modular, a cada passo ou quando queira, segundo as conveniências do negócio – observados, é óbvio, os limites legais e contratuais próprios –, a atividade exercida pelo trabalhador, determinando o trabalho a ser feito, a forma, o local e o momento da sua realização bem como fiscalizando, durante a prestação de serviço, o cumprimento das ordens dadas ou, quando pertinente, sancionando o seu descumprimento. Em síntese, subordinação é o oposto de autonomia. Por esse motivo, o trabalhador autônomo não pode ser considerado empregado. Leia mais a respeito do trabalhador autônomo na página 12 desta apostila. 1 Op. cit., p. 646. 11 Teorias modernas sobre a subordinação trabalhista A doutrina italiana tem defendido a necessidade de se adotar novos modelos para disciplinar as novas relações de trabalho do século XXI. Para isso, sugeriu-se um modelo intermediário entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo, qual seja, o trabalho parassubordinado ou coordenado. Os trabalhadores, nesse caso, não são subordinados, mas prestam uma colaboração contínua e coordenada à empresa, que, por motivos fáticos e de desnível econômico, contratam os seus serviços em condições de inferioridade, sob a modalidade de contratos civis ou mercantis, sem, entretanto, possuírem uma efetiva liberdade negocial. A Espanha, em 2007, aprovou o Estatuto do Trabalho Autônomo, criando dois tipos de autônomos: o autônomo clássico e o autónomo economicamente dependente. O autônomo dependente é a pessoa física que realiza, de forma habitual, pessoal, direta, por conta própria e fora do âmbito de direção e organização de outra pessoa, uma atividade econômica ou profissional a título lucrativo, podendo dar ou não ocupação a trabalhadores por conta alheia; diferencia-se do autônomo clássico por obter o seu ganho concentrando-se em um só comitente, para o qual exerce a maior parte da sua atividade. Desse modo, a grande inovação é que a lei presume que o autônomo que tem a maioria da sua retribuição de trabalho provinda de um só cliente (75%) é econômica, mas não juridicamente dependente, configurando-se a hipótese de autônomo dependente. d) Onerosidade: O quarto requisito é a onerosidade, que se revela pela remuneração do trabalho executado, não podendo este ser gratuito. Do conceito de empregador, também podemos extrair dois requisitos da relação de emprego: alteridade e pessoalidade do empregado na prestação de serviços. Vejamos a redação do artigo 2º da CLT: “Art. 2º - Considera‑se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.” Como já vimos o conceito de pessoalidade, vejamos a definição de alteridade a seguir: e) Alteridade: A alteridade, conhecida como ajenidad, significa que o empregado presta os seus serviços sem assunção de qualquer risco, que fica por conta do empregador. Dessa forma, o empregado trabalha por conta alheia, enquanto o trabalhador autônomo trabalha por conta própria. 12 Também por conta desse requisito, como regra geral, o empregado pode participar dos lucros, mas não pode dividir os prejuízos com o empregador, pois não corre os riscos do negócio. Em síntese, para configurar a relação de emprego, é preciso identificar 5 (cinco) requisitos fáticos na relação jurídica: pessoalidade; não eventualidade; subordinação jurídica; onerosidade e alteridade. A ausência de qualquer um dos elementos indicados faz com que não se qualifique como relação de emprego a relação jurídica estabelecida. Se, por exemplo, o trabalhador pode fazer-se substituir por outrem, não há pessoalidade, descaracterizando-se a relação como de emprego. De igual modo, se o trabalho é prestado de modo gratuito, não oneroso, não há vínculo de emprego. A seguir, estudaremos os demais tipos de trabalhador, iniciando pela forma mais comum de trabalho: o autônomo. Demais tipos de trabalhador Trabalhador autônomo O contrato de prestação de serviços do trabalhador autônomo não era regulado pela CLT até a aprovação da Lei n° 13.467, em 2017, conhecida como Reforma Trabalhista. A Reforma Trabalhista acrescentou o art. 442-B à legislação celetista, que prevê expressamente o seguinte: “Art. 442-B - A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.” A Medida Provisória 808/2017 acrescentou cinco parágrafos ao artigo 442-B. No entanto, a sua vigência foi encerrada em23 de abril de 2018. Por meio de uma portaria do Ministério do Trabalho (Portaria 349/2018), o governo federal restabeleceu então as regras da contratação de autônomo previstas na Medida Provisória 808/2017. A Portaria 349/2018 assim dispõe sobre o trabalho autônomo: 13 “Art. 1º - A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º do Decreto- Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. § 1º Não caracteriza a qualidade de empregado prevista no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho o fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de serviços. § 2º O autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclusive como autônomo. § 3º Fica garantida ao autônomo a possibilidade de recusa de realizar atividade demandada pelo contratante, garantida a aplicação de cláusula de penalidade, caso prevista em contrato. § 4º Motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, e trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas relacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo, desde que cumpridos os requisitos do caput, não possuirão a qualidade de empregado prevista o art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. § 5º Presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo empregatício.” O único requisito da relação de emprego não previsto no caput do artigo 442-B foi a subordinação jurídica. Sendo assim, a Portaria 349/2018 previu expressamente, no artigo 1º, parágrafo 5º, que a subordinação jurídica continua sendo o critério divisor de águas entre o autônomo e o empregado celetista do art. 3º da CLT. De fato, a autonomia é a antítese da subordinação, logo o trabalhador autônomo se distingue do empregado por não ser um trabalhador subordinado. Além disso, a principal característica da atividade do autônomo é a sua independência, pois a sua atuação não se dá pela subordinação a um tomador de serviço. Nesse sentido, Barros (2016, p. 241) explica-nos o seguinte: “No trabalho autônomo, o prestador de serviços atua como patrão de si mesmo, sem submissão aos poderes de comando do empregador, e, portanto, não está inserido no círculo diretivo e disciplinar de uma organização empresarial. O trabalhador autônomo conserva a liberdade de iniciativa, competindo-lhe gerir sua própria atividade e, em consequência, suportar os riscos daí advindos.” 14 Segundo Vilhena (2005, p. 531-532), autônomo “é o trabalhador que desenvolve sua atividade com organização própria, iniciativa e discricionariedade, além da escolha do lugar, do modo, do tempo e da forma de execução.” O profissional autônomo clássico é, portanto, aquele que trabalha por conta própria, sem vínculo empregatício, assumindo os riscos do seu próprio negócio. Podemos citar como exemplos de trabalhadores autônomos alguns trabalhadores intelectuais como advogados, médicos, engenheiros e representantes comerciais. Trabalhador eventual O trabalhador eventual é uma das figuras que mais se aproxima da figura do empregado, pois reúne todos os requisitos da relação de empregado, exceto a não eventualidade. Trabalhador eventual é aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a um ou mais tomadores de serviços. Esse tipo de trabalhador é contratado para desempenhar as suas funções apenas em determinadas ocasiões, chamadas de trabalho eventual. Como exemplo, podemos citar o eletricista que realiza o reparo de uma instalação elétrica em uma fábrica. Trabalhadores como esse não trabalham de forma efetiva em determinado local, pois são chamados para executar o serviço e podem não mais voltar a tal local. Dica: Para distinguir as figuras do trabalhador eventual e do trabalhador intermitente, leia mais sobre o contrato intermitente na página 57 desta apostila. Trabalhador avulso A Constituição Federal equiparou o trabalhador avulso ao empregado urbano em direitos trabalhistas (art. 7º, XXXIV). Apesar dessa proteção constitucional, o trabalhador avulso não pode ser considerado empregado, uma vez que está ausente o requisito tipificador do vínculo de emprego: a não eventualidade. 15 De acordo com Delgado (2016, p. 342-343), “o trabalhador avulso é uma espécie de trabalhador eventual. Este tipo de trabalhador oferece sua força de trabalho, por intermédio de um órgão (sindicato ou OGMO), por curtos períodos de tempo, a distintos tomadores de serviços.” A distinção entre trabalhador eventual e avulso está, portanto, no fato de o trabalhador avulso atuar por meio de uma entidade intermediária. Essa entidade é responsável por arrecadar o valor correspondente ao trabalho prestado pelo avulso e efetuar o seu pagamento. Há somente duas entidades intermediárias: o Sindicato dos Trabalhadores Avulsos e o Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO). Há dois tipos de trabalhadores avulsos: o trabalhador avulso portuário (Lei n° 12.815/2013) e o trabalhador avulso não portuário (Lei n° 12.023/2009). Trabalhador voluntário e religioso Por influência italiana, o legislador pátrio editou a Lei n° 9.608/98, regulando o trabalho voluntário. Vejamos o artigo 2º da referida lei: “Trabalho voluntário é a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social.” A partir da análise do referido conceito, podemos verificar que o trabalho voluntário somente pode ser prestado a instituição privada de fins não lucrativos. Trata-se, portanto, de um requisito objetivo à caracterização do trabalho voluntário. Além disso, a atividade do trabalhador voluntário tem de possuir real finalidade assistencial, sem quaisquer objetivos lucrativos, a fim de que haja verdadeira identidade entre os serviços prestados e os objetivos sociais da entidade beneficente tomadora. A Lei determina ainda que o trabalho voluntário se caracteriza por uma atividade não remunerada. Em outras palavras, trata-se da necessária ausência de um dos elementos essenciais da relação de emprego: a onerosidade (a contraprestação econômica pelo trabalho prestado). O trabalho voluntário é realizado pela graciosidade da prestação de serviços, pela intenção generosa, liberal e gratuita do trabalho realizado. 16 De acordo com o art. 2º da Lei n° 9.608/98, o “serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, devendo dele constar o objeto e as condições do seu exercício.” Além disso, como consta no Parágrafo único do art. 1º da referida Lei, o serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciário ou afim. O reembolso de despesas pelo tomador de serviços não descaracteriza o trabalho voluntário, uma vez que o art. 3º e o seu Parágrafo único da Lei n° 9.608/98 preveem o seguinte: “Art. 3º - O prestador do serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas despesas que comprovadamente realizar no desempenho das atividades voluntárias. Parágrafo único. As despesas a serem ressarcidas deverão estar expressamente autorizadas pela entidade a que for prestado o serviço voluntário.” O trabalho não oneroso se divide em trabalho voluntário (Lei n° 9.608/98) e outras formas de trabalho, tais como o trabalho religioso. A jurisprudência e a doutrina majoritária vêm entendendo que trabalho religioso não deve ser reconhecidocomo uma relação de emprego, uma vez que o ofício do religioso é vocacional, sendo realizado por meio da prestação de serviços de auxílio espiritual à comunidade. Contudo, se houver desvirtuamento do papel da Igreja, principalmente com a prova de exercício de finalidade lucrativa, a jurisprudência reconhece o vínculo de emprego do pastor com a Igreja, conforme podemos verificar na seguinte decisão: “VÍNCULO EMPREGATÍCIO – CARACTERIZAÇÃO – PASTOR EVANGÉLICO. Em princípio, a função de pastor evangélico é incompatível com a relação de emprego, pois visa a atividades de natureza espiritual e não profissional. Porém, quando desvirtuada passa a submeter- se à tipificação legal. Provado o trabalho do reclamante de forma pessoa, continua, subordinada e mediante retribuição pecuniária, tem-se por caracterizado o relacionamento empregatício nos moldes do art. 3º da CLT.” (RO – 27889/2002-002-11-00 – TRT 11ª Região – Relator Juiz Eduardo Barbosa Penna Ribeiro – Publicado no DJAM em 10 dez. 2003). Findo o estudo das principais formas de relação de trabalho, focaremos, a seguir, o estudo dos conceitos de empregado e empregador, e as principais características da relação de emprego. 17 Empregador, grupo econômico e sucessão trabalhista Conceitos de empregador e empregador por equiparação Como vimos, “considera‑se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço” (caput do art. 2º da CLT). O empregador não é, no entanto, a empresa em si – ente que não configura, obviamente, sujeito de direitos na relação de emprego. Empregador é a pessoa física ou jurídica, ou o ente despersonificado titular da empresa ou do estabelecimento ou, até mesmo, o ente juridicamente despersonificado, como um condomínio, um espólio ou uma massa falida. A escolha do termo “empresa” pelo legislador foi influenciada pela corrente institucionalista da época. A partir da análise da Lei do Trabalho Rural, editada em 1973 (Lei n° 5.889/1973), podemos perceber que o legislador, sem influência da corrente institucionalista, já definiu o empregador de forma distinta, sendo empregador rural “a pessoa física ou jurídica”, e não a empresa (caput do art. 3° da Lei n° 5.889/1973). Como pudemos notar, o legislador não se preocupou em definir os requisitos do conceito de empregador. A noção jurídica de empregador é, portanto, relacional à de empregado: uma vez encontrada uma pessoa física que presta serviços como empregado, a pessoa que o contratou será considerada empregador, seja ela pessoa física, pessoa jurídica ou ente despersonalizado. Vejamos, agora, o conceito de empregador por equiparação previsto no parágrafo 1° do art. 2º da CLT: “§ 1º Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.” A doutrina trabalhista entende que as entidades enunciadas no § 1º do art. 2° da CLT configuram-se como empregadores típicos. No entanto, como o legislador definiu empregador como “empresa”, foi necessário criar um outro conceito para englobar os entes sem fins lucrativos. Sendo assim, surgiu o conceito de empregador por equiparação, que engloba todas as entidades citadas no referido artigo. Nos próximos tópicos, iremos estudar os demais parágrafos do artigo 2º da CLT, relativos ao tema do empregador: grupo econômico e sucessão trabalhista. Ambos os temas sofreram alterações legais a partir da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista). 18 Grupo econômico urbano O conceito legal de grupo econômico urbano era mais restrito, pois englobava somente as empresas que mantinham relação de subordinação a uma empresa principal. Vejamos a antiga redação do parágrafo 2º do artigo 2º da CLT: “§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.” A jurisprudência trabalhista havia ampliado esse conceito por analogia ao conceito de grupo econômico rural, que prevê também a possibilidade de reconhecimento de grupo de empresas quando presente mera relação de coordenação entre as sociedades, também conhecido como grupo econômico horizontal ou por coordenação. A Lei nº 13.467/2017 ampliou o conceito de grupo econômico urbano para prever, assim como no grupo econômico rural, a possibilidade de existência de grupo econômico quando houver relação de coordenação entre as empresas. Para fins de comparação, vejamos, novamente, a redação do parágrafo 2º após a Reforma Trabalhista: “§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.” Nesse ponto, a Reforma trabalhista foi positiva, pois está reconhecendo uma amplitude maior do conceito de grupo econômico urbano, há muito tempo já admitida pela jurisprudência e pela doutrina trabalhista. Além disso, na nova redação do parágrafo 2º do artigo 2º da CLT houve exclusão do seguinte trecho da redação anterior “[...] serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis [...]”. Apesar de sabermos que a responsabilidade passiva já é pacífica, uma vez que prevista em lei, havia uma grande dúvida antes da Reforma Trabalhista: a responsabilidade do grupo era também ativa, ou seja, o grupo era empregador único? Caso positivo, a responsabilidade do grupo seria dual: ativa e passiva. A doutrina trabalhista se dividia nesse sentido. A jurisprudência predominante do Tribunal Superior do Trabalho vinha reconhecendo a teoria da solidariedade dual: ativa e passiva, com fundamento na Súmula 129 do TST. 19 A partir da nova redação do parágrafo 2º do artigo 2º da CLT, parece-nos que o legislador reformista pretendeu acabar com essa polêmica, excluindo a expressão “relação de emprego”. Dessa forma, a sua intenção foi de a de que não restassem dúvidas a respeito de que a solidariedade do grupo seria somente passiva. Como vimos, a Lei nº 13.467/2017 inseriu ainda mais um parágrafo no artigo 2º da CLT: “§ 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.” Com isso, o legislador reformista criou três novos requisitos para a configuração do grupo econômico urbano: 1. demonstração de interesse integrado; 2. efetiva comunhão de interesses e 3. efetiva atuação conjunta das empresas. Isso quer dizer que a simples identidade de sócios não caracteriza grupo econômico. A criação desses novos requisitos para a comprovação de existência de grupo econômico dificultou, na prática, a caracterização desse tipo de entidade no processo trabalhista. A doutrina trabalhista vem então apresentando críticas a esse novo conceito, sob o argumento de que o conceito de grupo de empresas do Direito Empresarial tornou-se mais simplista do que o conceito justrabalhista. Dessa forma, será necessário aguardar o posicionamento da jurisprudência trabalhista para delimitar melhor o tema. ATENÇÃO: A Lei da Liberdade Econômica trouxe algumas alterações no campo do Direito Civil quanto ao instituto da desconsideração dapersonalidade jurídica. A Lei nº 13.874/2019 previu que a desconsideração da personalidade jurídica somente pode ocorrer em casos de confusão patrimonial e desvio de finalidade. Além disso, determinou que pode abranger sócios e administradores, mesmo em caso de grupo econômico. 20 Jorge Pinheiro Castelo sustenta, na 1ª nota técnica2 da OAB/SP sobre a Lei da Liberdade Econômica, que o novo art. 50 do Código Civil somente se aplica às relações de natureza civil, empresarial e econômica, não se aplicando ao Direito do Trabalho, que tem regramento sistemático, extenso e próprio nos arts. 2º, caput e § 2º, 10, 10-A, 448, 448-A caput e parágrafo único da CLT. No tocante ao grupo econômico, no mesmo sentido, manifestou-se a referida comissão: “Da mesma forma, no tocante à responsabilidade do grupo econômico trabalhista em face do inadimplemento de uma das empresas se dá pela simples percepção do conceito do empregador único, situação que independe de abuso de poder, desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial. A fixação da responsabilidade patrimonial do grupo econômico atrelada ao abuso de poder (desvio de finalidade e confusão patrimonial, além de outros), tratando as empresas do grupo como se terceiros fossem entre si, é incompatível com a própria noção e conceito do grupo econômico como empregador único, além de engessar e burocratizar a atividade econômica e a prestação de serviços. De fato, ao se afastar a noção do grupo econômico como empregador único, condição da qual deriva automaticamente a responsabilidade solidária, se impede a possibilidade do trabalhador prestar serviços a mais de uma empresa do grupo econômico ou a transferência do trabalhador entre as empresas do grupo econômico e mesmo a unicidade do vínculo empregatício.” Enfim, o assunto é polêmico e recomenda-se aguardar a posição dos tribunais trabalhistas sobre essas novas mudanças trazidas pela Lei da Liberdade Econômica. A seguir, analisaremos o instituto da sucessão trabalhista, que sofreu também alterações legislativas a partir da Reforma Trabalhista. Sucessão trabalhista Segundo os artigos 10 e 448 da CLT, sempre que houver modificações na estrutura jurídica ou na propriedade da empresa, essas não afetarão os direitos adquiridos pelos seus empregados. A doutrina trabalhista entende que são requisitos para a sucessão trabalhista: a transferência de uma unidade econômica-jurídica para outro titular e a continuidade na prestação de serviços do trabalhador na empresa sucessora. 2 Disponível em: https://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direitotrabalho/noticias/Nota%20Comissao%20Especial%20D- %20Trabalho%20OAB%20Sobre%20a%20Emenda%20Agluti_PCA_A_106832v1.pdf/download Acesso em: 07/04/2021 21 A transferência é automática, por força de lei, do antigo titular para o novo titular. A jurisprudência trabalhista vinha entendendo que a responsabilidade trabalhista, em caso de sucessão trabalhista, é integral do sucessor por todas as repercussões trabalhistas presentes e futuras dos contratos de trabalho da empresa sucedida. No mesmo sentido, a jurisprudência trabalhista já tinha ampliado a responsabilidade do sucedido de forma subsidiária, quando houvesse situações de fraude comprovadas no contexto sucessório (art. 9º da CLT e 186 do CC). A Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) incorporou tais posições jurisprudenciais ao acrescentar o artigo 448-A e o seu parágrafo único à Consolidação das Leis Trabalhistas. Vejamos: “Art. 448-A Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor. Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.” Por fim, as cláusulas de não responsabilização inseridas nos contratos empresariais somente são aplicáveis no âmbito civil, ou seja, como forma de direito de regresso do sucessor contra o sucedido. No entanto, tais cláusulas não são aplicadas no Direito do Trabalho. A seguir, abordaremos as relações trilaterias: terceirização e trabalho temporário. Relações trilaterais: terceirização e trabalho temporário Terceirização A terceirização consiste, em primeira medida, em um processo de reorganização das formas de produção resultantes das transformações econômicas trazidas pelo capitalismo na década de 1970. A ruptura com o padrão fordista e a implementação do sistema de gestão toyotista geraram um modo de vida e trabalho pautado na flexibilização dos modos de organização e gestão do trabalho, buscando encurtar, radicalmente, os tempos da produção bem como otimizar o uso da força de trabalho. A fim de diminuir os custos operacionais e pela necessidade de especialização acelerada, as empresas passaram a contratar terceiros para o desempenho de algumas atividades que, outrora, eram desenvolvidas por pessoal próprio. 22 Sob a ótica econômica, a terceirização representa uma estratégia por meio da qual um terceiro, em condições de parceria, com competência, especialidade e qualidade, produz bens ou presta determinados serviços para uma empresa que a contrata. Ao transferir ao terceiro contratado a realização de atividades acessórias, de apoio, a contratante pode dedicar-se somente à sua atividade principal, a denominada atividade-fim. Na ciência da administração, esse expediente recebe o nome de “focalização”, pois a empresa foca a sua atividade-fim, passando as demais atividades para terceiros. Terceirizar significa intermediar, descentralizar, delegar tarefas ou focalizar a sua atividade principal (atividade-fim). Essa relação de trabalho triangular rompe com a relação trabalhista clássica entre empregado e empregador, criando uma nova relação jurídica trilateral: Figura 1 – Relação trilateral Como podemos notar, na terceirização, há uma desnaturação da relação clássica empregado- empregador, uma vez que quem usufrui diretamente dos serviços realizados pelo trabalhador não é mais o seu empregador, mas sim o tomador de serviços. Nesse sentido, Delgado (2016, p. 435) explica-nos o seguinte: “[...] a terceirização pode ser caracterizada pela dissociação entre a relação econômica de trabalho da relação juristrabalhista que lhe seria correspondente, já que o trabalhador, mesmo que inserido no processo de produção da empresa tomadora de serviços, não possui vínculos trabalhistas com a mesma, que serão fixados com a entidade intermediadora.” 23 A terceirização mudou as formas de relação de trabalho: Antes a empresa era totalmente verticalizada, autárquica e de natureza autossuficiente. Na atualidade, a relação de trabalho é no sentido horizontal, e a empresa compartilha responsabilidades com outras empresas dissociadas e independentes, atuando praticamente em regime de parceria. A terceirização tem uma razão econômica legítima, uma vez que se destina à otimização da produção. Nesse caso, para que se dedique à sua finalidade básica, àquilo que produz, à sua vocação industrial e para que possa aperfeiçoar a sua produção e o seu rendimento, a empresa atribui a outras empresas – ou seja, a terceiros – a realização de atividades de apoio ou paralelas, secundárias à produção. Dessa forma, a terceirização não consiste em uma simples mudança na estrutura da relação empregado-empregador, devendo ser compreendida no contexto das mudanças na gestão dos processos produtivos e da consequente formação de uma nova visão do mundo do trabalho. Regulamentação da terceirização no Direito do Trabalho Como vimos, a terceirização é um fenômeno toyotista que ocorreu na década de 1970 e, portanto,é muito posterior à elaboração da CLT, que ocorreu em 1943. Por conta disso, a CLT só previa a figura da subcontratação de mão de obra: a empreitada e subempreitada (art. 455), englobando também a figura da pequena empreitada (art. 652, a, III). No Brasil, a origem história da terceirização está ligada ao segmento público, mais especificamente ao Decreto‑Lei n° 200/67 (art. 10) e à Lei n° 5.645/70 (art. 3º, parágrafo único). O Tribunal Superior do Trabalho, a fim de coibir a utilização da intermediação de mão de obra como forma de precarização das relações de trabalho, aprovou a Súmula 256 na década de 1970, que somente permitia a terceirização nos casos de vigilância e trabalho temporário (Lei nº 6.019/74). Com o aumento da prática da terceirização de serviços e a consequente pressão da classe empresária, inclusive de alguns setores de trabalhadores terceirizados, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho foi se flexibilizando em relação à rigidez trazida pela Súmula 256. Em 1980, o TST resolveu então rever o seu posicionamento conservador anterior e aprovou a Súmula 331 (antigo enunciado 256), passando a entender que a terceirização de serviços poderia ser de dois tipos: lícita e ilícita. A terceirização lícita ocorreria em quatro grupos de situação sociojurídica: nas situações especificadas na Lei nº 6.019/74; nas atividades de vigilância, regidas pela Lei n° 7102/83; nas atividades de conservação e limpeza, e 24 nos serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador – aqueles que não se ajustam ao núcleo das atividades empresariais do tomador de serviços. É importante ressaltarmos que, nas três últimas situações enunciadas, a terceirização só seria lícita se inexistente a pessoalidade e a subordinação entre trabalhador e tomador de serviços (Súmula 331, III, in fine). A pessoalidade e a subordinação diretas do trabalhador perante o tomador de serviços são permitidas apenas no tocante ao trabalho temporário, exatamente por ser uma prestação de curta duração que visa à supressão imediata das necessidades urgentes da empresa tomadora de serviços. Vejamos a redação dos incisos da Súmula 331 que abordam os conceitos de terceirização ilícita (Inciso I) e lícita (inciso III): “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.” Terceirização na atividade principal da empresa (atividade-fim versus atividade-meio) Do ponto de vista econômico, sempre houve uma forte pressão de diversos setores do mercado para eliminar os obstáculos à terceirização, inclusive na atividade-fim. O processo mundial de terceirização desenvolveu-se em função da necessidade de as empresas maiores contarem com a parceria de empresas menores especializadas em determinado processo tecnológico. Para Nascimento (1995, p. 80), “um bom exemplo são as montadoras de veículos, que vêm tomando mercado em nosso país e em diversos países no exterior. Isso porque não é possível determinar com clareza quais são os serviços essenciais (atividade-fim) e quais são os serviços acessórios (atividade-meio) à implementação dos fins da empresa.” Esse entendimento é compactuado pelo doutrinador Sergio Pinto Martins (2016, p. 99), que afirma o seguinte: “A terceirização não deve restringir-se à atividade-meio da empresa, pois deve ficar a cargo do administrador decidir tal questão. [...] a indústria automobilística é exemplo típico de delegação de serviços de atividade-fim, 25 decorrente, em certos casos, das novas técnicas de produção e até da tecnologia, pois uma atividade que antigamente era considerada principal pode ser hoje acessória. Contudo ninguém a acoimou de ilegal.” Recentemente, o STF reconheceu repercussão geral no Recurso Extraordinário ARE 713.211, sobre o tema da terceirização trabalhista de atividade-fim. O relator, ministro Luiz Fux, entendeu que a posição já consolidada da Justiça do Trabalho de proibir a terceirização na atividade-fim e admiti-la apenas nas atividades-meio (e desde quando não exista a pessoalidade e subordinação direta) deve ser discutida à luz da liberdade contratual e do princípio da legalidade. Enquanto se aguardava a decisão do STF sobre o Recurso Extraordinário ARE 713.211, para pacificar essa questão da permissão de terceirização na atividade-fim, foi aprovada a Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, que alterou determinados dispositivos da Lei nº 6.019/1974, cujo texto trata do trabalho temporário e das relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. A princípio, não houve expressa previsão legal sobre a possibilidade de contratação de empresa prestadora de serviços na atividade-fim, uma vez que a redação do artigo 4º-A utilizou a expressão “serviços determinados e específicos” e muitos autores passaram a defender que tal expressão não autorizava a terceirização na atividade-fim. Dessa forma, para que não pairassem mais dúvidas, o legislador reformista (Lei nº 13.467/2017) resolveu pacificar essa polêmica e alterou, novamente, o artigo 4º-A, deixando clara a permissão de terceirização inclusive na atividade principal. Vejamos: “Art. 4°-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.” Em 30 de agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim. Ao julgarem a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e o Recurso Extraordinário (RE) 958252, com repercussão geral reconhecida, sete ministros votaram a favor da terceirização de atividade-fim e quatro votaram contra. A tese de repercussão geral aprovada no RE foi a seguinte: “É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.” Em 15 de agosto de 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a Lei da Terceirização (Lei no 13.429/2017), que permitiu a terceirização de atividades-fim das empresas urbanas. Por maioria de votos, foram julgadas improcedentes 5 (cinco) Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 5685, 5686, 5687, 5695 e 5735), que questionavam as mudanças nas regras de terceirização de trabalho temporário introduzidas pela Lei nº 13.429/2017. 26 A partir desses julgamentos do STF e das Leis nº 13.429/2017 e nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), passou a ser inegável a possibilidade de terceirizar na atividade-fim da empresa. O TST deverá modular os efeitos do inciso III da Súmula 331 para novos contratos de terceirização. Direitos trabalhistas do trabalhador terceirizado Na terceirização, a contratante pode estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado (art. 5º-A, § 4º, da Lei nº 6.019/1974, acrescentado pela Lei nº 13.429/2017). Essa previsão tem caráter meramentefacultativo, diversamente da mencionada determinação cogente relativa ao trabalho temporário (art. 9º, § 2º, da Lei nº 6.019/1974). Entretanto, de acordo com o art. 4º-C da Lei nº 6.019/1974, acrescentado pela Lei nº 13.467/2017, são asseguradas aos empregados da empresa prestadora de serviços a que se refere o art. 4º-A da Lei nº 6.019/1974, quando e enquanto os serviços, que podem ser de qualquer uma das atividades da contratante, forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições: “I - relativas a: alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios; direito de utilizar os serviços de transporte; atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado; treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o exigir; II - sanitárias, de medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho e de instalações adequadas à prestação do serviço.” Além disso, o legislador reformista buscou evitar fraudes futuras na terceirização acrescentando duas importantes vedações: “Art. 5°-C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4o-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados. Art. 5°-D. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado.” 27 A Lei nº 13.467/2017 não garantiu, de forma obrigatória, aos trabalhadores terceirizados salário equivalente aos empregados da tomadora de serviços, deixando essa questão para livre negociação entre as partes. Vejamos o teor do parágrafo 1º do artigo 4º-C que alterou a Lei nº 6.019/1974: “§ 1° Contratante e contratada poderão estabelecer, se assim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo.” Devemos ressaltar, novamente, que, apesar de se tratar de mera faculdade no caso da terceirização, o salário equivalente é previsto legalmente como obrigatório no caso do trabalhador temporário (art. 12, a, da Lei nº 6.019/1974). Responsabilidade da tomadora de serviços Em 2000, a Súmula 331 foi revisitada, com a inclusão pelo TST do item IV, que versa sobre a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços. Vejamos: “IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.” Posteriormente, no mesmo sentido do inciso IV da Súmula 331 do TST, a Lei nº 13.429/2017 acrescentou o parágrafo 5º ao artigo 5-A da Lei nº 6.019/74. Vejamos a sua redação: “§ 5° A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.” Dessa forma, restou pacífico que, como regra geral, a tomadora de serviços responde subsidiariamente em casos de terceirização. Somente em casos de fraude, o empregado pode pleitear vínculo direto com a tomadora de serviços (inciso I da Súmula 331 do TST). 28 Trabalho temporário Assim como a terceirização, o trabalho temporário como relação trilateral de prestação de serviços é um fenômeno toyotista e, portanto, é posterior à época da elaboração da CLT (1943). A Lei nº 6.019/1974, de 3 de janeiro de 1974, inspirada na lei francesa, dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas. Tal Lei foi, recentemente, alterada pela Lei nº 13.429/2017. A atual redação do art. 2º do diploma legal conceitua o trabalho temporário como uma relação trilateral ao exigir, de forma objetiva, a existência de três partes no seu caput: pessoa física (trabalhador); empresa de trabalho temporário e empresa tomadora. A relação entre a prestadora e a empresa tomadora dos serviços é regida pela legislação civil, ao passo que o vínculo existente entre a empresa de trabalho temporário e os seus empregados (trabalhadores temporários) é disciplinado pela Lei nº 6.019/1974. Desse modo, inexiste contrato entre a empresa tomadora e o trabalhador temporário. Por outro lado, a empresa de trabalho temporário (empregadora), também denominada empresa interposta, transfere ao tomador do serviço, durante a vigência do contrato, o poder diretivo, disciplinar e técnico, visto que a prestação de serviços se dá de forma subordinada, como ocorre com o empregado efetivo temporariamente substituído. Por conta desses poderes de que se investe o tomador dos serviços, o trabalho temporário se diferencia dos chamados serviços terceirizados, visto que, nessa última hipótese, a subordinação do trabalhador se dá em relação à empresa terceirizada, também chamada interposta, e não em relação ao tomador dos serviços. O trabalho temporário é, portanto, uma forma de contratação que se apresenta como alternativa jurídica para as empresas que necessitam de mão de obra temporária. Além disso, a Lei nº 6.019/1974 dizia que o objetivo do contrato era o de "atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou acréscimo extraordinário de serviços.” No entanto, a expressão “acréscimo extraordinário” foi alterada pelo legislador por "demanda complementar ". Vejamos a atual redação do artigo 2º da Lei nº 6.019/1974: “Art. 2° Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.” 29 Quanto ao conceito de demanda complementar, o parágrafo 2º do artigo 2º é cristalino: “§ 2° Considera-se complementar a demanda de serviços que seja oriunda de fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal.” Essas duas limitadas hipóteses caracterizam a licitude do trabalho temporário. Caso haja a contratação da mão de obra temporária sem que sejam respeitados esses requisitos dispostos na Lei nº 6.019/1974, será estabelecido um vínculo empregatício com o tomador de serviços. Nesse caso, a relação deixa de ser trilateral para tornar-se bilateral, e o contrato deixa de ser por prazo determinado, passando a ser por prazo indeterminado. Contrato de trabalho temporário O contrato de trabalho temporário tem de ser realizado por escrito e, portanto, é solene. Nele devem constar, expressamente, o motivo que justificou a demanda de trabalho e a modalidade da remuneração da prestação de serviço, devendo estar claramente discriminadas as parcelas relativas a salários e encargos sociais. Prazo do contrato de trabalho temporário O contrato de trabalho temporário tem ainda prazo determinado. O prazo de vigência do contrato de trabalho temporário foi uma das mudanças importantes realizadas pela Lei nº 13.429/2017. A partir da Reforma Trabalhista, o contrato temporário não poderá exceder o prazo de 180 dias (e não mais 90 dias), consecutivos ou não, e poderá ser prorrogado por mais 90 dias, desde que comprovada a manutenção das condições que o deram causa. Por exemplo, um funcionário foi contratado por 180 dias, mas, próximo ao fim desse prazo, constatou-se a necessidade de se dar continuidade ao contratopelos mesmos motivos iniciais. Nesse caso, o contrato pode ser prorrogado. Dessa forma, o contrato de trabalho temporário passa a ter o prazo máximo de 270 dias. Além disso, não será mais necessário a intervenção do Ministério do Trabalho para autorizar a prorrogação do referido contrato. No entanto, é importante lembrarmos que, se houver desrespeito ao novo prazo estabelecido pela Lei nº 13.429/2017, o contrato deixará de ser por prazo determinado e vigorará por prazo indeterminado. 30 Direitos do trabalhador temporário Não se aplica ao trabalhador temporário, contratado pela tomadora de serviços, o contrato de experiência previsto no parágrafo único do art. 445 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O trabalhador temporário também não possui a garantia de permanência no emprego, enraizada no princípio da continuidade da relação de emprego. Por outro lado, o artigo 12, alínea a da Lei nº 6.019/1974 transmite ao trabalhador temporário os mesmos direitos que possui o trabalhador permanente da empresa tomadora, desde que sejam da mesma categoria. Desse modo, o temporário terá todos os direitos previstos na CLT, em consonância com o critério isonômico esculpido na lei que regula o trabalho temporário. Além disso, o trabalhador temporário tem direito a receber salário equitativo. Esse direito é relativo à equivalência de remuneração entre trabalhador temporário e empregados da mesma categoria da empresa-cliente ou tomadora de serviços. A Lei nº 13.429/2017 acrescentou a responsabilidade do tomador de serviços de garantir segurança, higiene, salubridade aos trabalhadores temporários, além dos mesmos direitos médicos, ambulatoriais e de refeição dos empregados diretos. Vejamos: Art. 9º § 1º É responsabilidade da empresa contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou em local por ela designado. § 2º A contratante estenderá ao trabalhador da empresa de trabalho temporário o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado. Responsabilidade do tomador de serviços Quanto à responsabilidade trabalhista das empresas participantes da relação jurídica tratada, a regra é que a empresa de trabalho temporário responda de forma direta/principal, e a empresa tomadora de serviço responda de forma subsidiária (na ausência da principal). O TST entende que a responsabilidade subsidiária depende da participação na fase de conhecimento e de constar no título executivo judicial, como determinado na sua Súmula 331, IV. No entanto, como em toda regra, há uma exceção, e esta ocorrerá quando houver falência da empresa de trabalho temporário, momento em que a empresa tomadora de serviços passará a responder de forma solidária, nos termos do artigo 16 da Lei nº 6.019/1974. Por fim, devemos lembrar que, por se tratar de exceção, a responsabilidade solidária dos tomadores de serviço não se aplica no caso de recuperação judicial, uma vez que as exceções devem ser interpretadas restritivamente. Neste módulo, estudaremos o conceito de contrato de trabalho e a sua natureza jurídica. Na sequência, focaremos os nossos estudos no conteúdo do contrato de trabalho referente à remuneração e ao salário, analisando as suas diferenças. Quanto à remuneração, analisaremos ainda as parcelas remuneratórias e as suas repercussões jurídicas. Já quanto ao salário, veremos as definições de salário fixo e variável, além das comissões e das parcelas de natureza salarial. As parcelas de natureza não salarial também serão analisadas, considerando a participação nos lucros ou resultados (PLR), as diárias e a ajuda de custo. Por fim, conheceremos os conceitos de salário- utilidade, ou in natura, as parcelas de natureza não salarial e o modelo de contratação CLT flex. Contrato de trabalho: remuneração e salário, gorjetas e gueltas Conceito de contrato de trabalho e contrato verde e amarelo Antes de estudarmos o conteúdo do contrato de trabalho, é importante entendermos o conceito de contrato de trabalho: Contrato de trabalho é o acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego (art. 442 da CLT). Dessa forma, o contrato de trabalho não é um contrato solene, pois a CLT aceita também o acordo tácito. MÓDULO II – CONTEÚDO DO CONTRATO DE TRABALHO: REMUNERAÇÃO E SALÁRIO 32 Maurício Godinho Delgado define o contrato de trabalho como “negócio jurídico expresso ou tácito mediante o qual uma pessoa natural obriga-se perante pessoa natural, jurídica ou ente despersonificado a uma prestação pessoal, não-eventual, subordinada e onerosa de serviços”.3 O contrato de trabalho é um contrato sinalagmático, consensual, de trato sucessivo, oneroso e celebrado intuito personae quanto ao empregado. A regra geral é contrato de trabalho celebrado por prazo indeterminado. A exceção são os contratos por prazo determinado, por exemplo: o contrato de trabalho a título de experiência. Contrato de Trabalho Verde e Amarelo A Medida Provisória nº 905/2019, publicada em 11 de novembro de 2019, instituiu o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo e alterou diversos dispositivos da legislação trabalhista. Contudo, no último dia do prazo, o Presidente da República revogou a referida medida provisória por meio de outra Medida Provisória nº 955/2020. O Contrato de Trabalho Verde e Amarelo foi uma nova modalidade de contrato de trabalho por prazo determinado que tinha como objetivo dar oportunidade de primeiro emprego para jovens entre 18 e 29 anos de idade. Nessa modalidade, podiam ser contratados trabalhadores com salário-base mensal de até um salário-mínimo e meio nacional (1,5 do salário-mínimo). O Contrato de Trabalho Verde e Amarelo era celebrado por prazo determinado de, no máximo, 24 meses, podendo ser prorrogado sucessivas vezes dentro desse prazo, não se aplicando o art. 451 da CLT a essa modalidade especial de contrato de trabalho. Dessa forma, o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo somente foi válido durante a vigência da MP nº 905/2019, isto é, no período de 11 de novembro de 2019 até 20 de abril de 2020. Feitas essas observações, vamos analisar o conceito de remuneração e buscar distingui-lo do conceito de salário. remuneração salário A palavra remuneração refere-se à ideia de recompensa ou gratificação, pois vem do latim remuneratio. A palavra salário, por sua vez, vem do latim salarium, referindo-se à parte do soldo pago aos soldados romanos em sal. Martins (2012, p. 203) ensina-nos que há várias formas de nos referirmos ao pagamento feito pela prestação de serviços. Por exemplo: 3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019. p. 420. 33 vencimento – para denominar a remuneração dos professores, magistrados e funcionários públicos; honorários – para profissionais liberais; soldo – para os militares; ordenado – para aqueles que utilizam, de forma preponderante, o esforço intelectual em relação aos esforços físicos e salário – para aqueles que, ao contrário, utilizam, de forma predominante, a atividade física em detrimento do esforço intelectual. Agora, vamos analisar a redação do caput do artigo 457 da CLT, o qual define remuneração: “Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.” Como podemos notar, a remuneração é um gênero de que o salário é uma espécie. Salário é, portanto, todo pagamento efetuado diretamente pelo empregador. Já a remuneração engloba os pagamentos efetuados diretamente pelo empregador e as gorjetas.Em interpretação extensiva do artigo 457 da CLT, a remuneração pode ser considerada como o conjunto de pagamentos proveniente do empregador ou de terceiros, recebido em decorrência da prestação de serviços subordinados. Nessa linha de pensamento, um conceito mais amplo de remuneração englobaria outras parcelas pagas por terceiros, não só as gorjetas previstas expressamente pelo art. 457 da CLT, mas também outras parcelas pagas por terceiros, como as gueltas e os honorários advocatícios. Já o salário é uma espécie do conceito de remuneração e engloba todo o pagamento efetuado diretamente pelo empregador. O conceito de remuneração é amplo, englobando todos os pagamentos recebidos pelo empregado em virtude do contrato de trabalho. Segundo Martins (2012, p. 205), “o termo remuneração pode ser compreendido, no âmbito do Direito do Trabalho, como sendo um conjunto de prestações que são recebidas habitualmente pelo empregado, em decorrência dos serviços por ele prestados a outrem e resultantes de contrato de trabalho.” 34 Gorjetas e gueltas como parcelas remuneratórias Conforme estudado anteriormente, as gorjetas são consideradas parcelas remuneratórias. A gorjeta é não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição aos empregados (art. 457, § 3º, da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.419/2017). Conforme entendimento da Súmula 354 do TST, as gorjetas não são consideradas salário, e sim remuneração. Vejamos: “Súmula nº 354 do TST. GORJETAS. NATUREZA JURÍDICA. REPERCUSSÕES (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado. Histórico: Redação original (revisão da Súmula nº 290) - Res. 71/1997, DJ 30.05, 04.05 e 06.06.1997” Dessa forma, somente incidirão sobre os valores das gorjetas as parcelas que forem computadas sobre a remuneração do empregado, como FGTS, INSS, férias e 13º salário. Pelos mesmos motivos, as gorjetas não incidirão sobre as parcelas que forem calculadas sobre o salário do empregado. Quanto ao pagamento de gueltas, tal prática de incentivo de vendas nasceu no mercado farmacêutico, na década de 1960, quando os balconistas de farmácia recebiam comissão diretamente do laboratório farmacêutico pela quantidade de medicamentos vendidos. Atualmente, esse tipo de pagamento é comum no setor comerciário também. As gueltas assemelham-se às gorjetas pelo fato de ambas englobarem valores pagos por terceiros alheios à relação laboral (naquelas pelos fornecedores, nestas pelos clientes) diretamente ao empregado ou repassados pelo empregador. Devido a tal similitude e à habitualidade, passou-se a questionar a natureza remuneratória das gueltas nos tribunais. Barros (2016, p. 616-617) afirma que “as chamadas gueltas, pagas ao empregado com habitualidade a título de incentivo, têm feição retributiva, ainda que pagas por terceiro. A onerosidade reside na oportunidade que o empregador concede ao empregado para auferi-la, à semelhança do que ocorre com as gorjetas.” A jurisprudência pátria, embora ainda escassa, vem tomando o mesmo rumo, como podemos conferir no seguinte julgado: “GUELTAS. NATUREZA JURÍDICA. Os valores pagos por terceiros, com a finalidade de fomentar a venda de produtos, denominados gueltas, assemelham-se às gorjetas, devendo integrar a remuneração, na forma como disciplina a Súmula 354 do C. TST.” (TRT 6ª Região – 0000107- 36.2010.5.06.0141 – Primeira Turma; DJ 10/03/2011, Rel. Des. Nise Pedroso Lins de Sousa.) 35 A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) demonstrou tendência a reduzir o alcance de parcelas de natureza salarial. Dessa forma, o espírito do legislador reformista poderá ter impacto na mudança da jurisprudência trabalhista sobre as gueltas e demais parcelas, no sentido de não as configurar como verbas remuneratórias no futuro. Salário, comissão e parcelas de natureza salarial Salário Como vimos, a remuneração é um gênero do qual o salário é uma espécie. Neste item, focaremos o salário do empregado como a verba de caráter alimentar do contrato de trabalho. Nem sempre o trabalho foi remunerado. Antigamente, a prestação de um serviço ocorria em troca de sal, pois este ajudava na conservação dos alimentos. Daí, como já vimos, a origem da palavra “salário”, que vem do latim salarium e significa “pagamento com sal”. Ao longo do tempo, o sal deixou de ter esse papel preponderante, e outras mercadorias passaram a ser utilizadas como elemento de troca. Por fim, passou-se a trocar o trabalho por moeda. Delgado (2016, p. 713) define salário como “um conjunto de parcelas contraprestativas que são pagas pelo empregador ao empregado, em decorrência de contrato de trabalho anteriormente estipulado entre ambos.” O salário pode ser classificado, de acordo a sua forma de aferição, como: salário por unidade de tempo – depende tempo, e não do serviço; salário por unidade de obra – depende do serviço, e não do tempo, e salário por tarefa (salário misto) – por unidade de tempo e unidade de obra. Também não devemos confundir salário-mínimo com salário normativo ou piso salarial. Vejamos cada um desses conceitos: a) Salário-mínimo: O salário-mínimo pode ser definido como aquele salário fixado em lei e conferido a todo trabalhador como um direito fundamental social amparado pelo art. 7º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. b) Salário normativo: O salário normativo é o valor fixado pelo Poder Judiciário nos processos de dissídio coletivo por meio de sentença normativa (art. 867 da CLT). 36 c) Piso salarial: O piso salarial é o valor ajustado entre o sindicato da categoria econômica (representante da empresa) e o sindicato profissional (representante dos empregados) no instrumento coletivo. Salário fixo versus salário variável O salário pode ser pactuado de forma fixa ou variável. A remuneração fixa é um valor previamente ajustado entre o empregado e a empregadora, a ser pago regularmente pelos serviços prestados. O salário fixo tem como vantagens: a facilidade do equilíbrio interno com um sistema de cargos e salários, e do equilíbrio externo, por meio da pesquisa de salários em outras organizações; a homogeneização e a padronização dos salários, que produzem um sentimento de justiça entre os demais empregados, e a facilidade da sua administração e do seu controle. Por outro lado, traz como desvantagem o fato de não motivar e incentivar os colaboradores dentro de uma organização, pois é rotineiro e previsível. Já o salário variável pode ser composto de diversas formas pelo empregador. Comparemos a antiga e a nova redação do artigo 457 da CLT, parágrafo 1º: Antiga redação: “Art. 457 § 1º Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador.” Nova redação, dada pela Lei nº 13.467/2017: “Art. 457 § 1º Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador.” Como podemos perceber, a Reforma Trabalhista manteve a comissão como parcela de natureza salarial. Dessa forma, houve por bem o legislador reformista manter tal parcela salarial, uma vez que tem nítido caráter contraprestativo para categorias como os empregados vendedores, pracistas ou viajantes (Lei n° 3.207/57). Vale lembrarmos que o trabalhador vendedor comissionista tem direito ao pagamento dos DSRs e feriados. Para tanto, o cálculo deve ser feito nos moldes previstos
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