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Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO: A síndrome do túnel do carpo (STC) descreve o conjunto de sinais e sintomas decorrentes da compressão do nervo mediano em seu trajeto por um “estreitamento tendíneo” O túnel do carpo é um anel formado pelo ligamento transverso do carpo (“teto”) e pelos ossos do carpo (“chão”), preenchido pelo nervo mediano e por 9 tendões flexores. Em decorrência de variações anatômicas, pode haver a persistência da artéria mediana (STC crônica) ou de fibras musculares no interior dessa passagem. Anatomia do túnel do carpo A STC é um acometimento bastante frequente em adultos, com maior prevalência no sexo feminino e em indivíduos de 40 a 60 anos. Geralmente se apresenta na mão dominante. A predominância dessa doença em mulheres refere-se à aspectos anatômicos, pois a área transversal o túnel do carpo é menor. ETIOPATOGENIA: De acordo com o mecanismo indutor de compressão, as etiologias da síndrome do túnel do carpo podem ser divididas em: Traumática: contempla fraturas e luxações (destacando-se a fratura de Colles), que formam hematomas, edema ou deformidades sobre o trajeto do nervo; Condições relacionadas ao trabalho: abrangem principalmente os movimentos repetitivos, porém também se associam ao uso de ferramentas com vibração e à aplicação contínua e excessiva de força ou pressão às mãos; Condições preexistentes: o desenvolvimento de STC é maior em indivíduos com diabetes, artrite reumatide, tireoideopatias e doenças do tecido conjuntivo, além de gestantes; Infecciosa: refere-se à formação de abcessos que comprimam o nervo mediano; Idiopática. Assim como as possíveis causas, a fisiopatologia dessa condição também é multifatorial, sendo o aumento da pressão no canal do carpo um dos contribuintes de maior importância, uma vez que afeta a microcirculação local. Esse distúrbio causa aumento da permeabilidade dos vasos, desencadeando edema e necrose/apoptose das células de Essa é a síndrome compressiva mais comum, ainda que não seja a única, uma vez que diversos nervos, como o ulnar, podem ser afetados. Formas bilaterais dessa síndrome estão associadas a pacientes com histórico familiar positivo para a STC Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO Schwann, prejudicando o funcionamento axonal. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO: O sintoma mais marcante da STC é a dor ou parestesia nos 3 primeiros dedos e na metade lateral do 4º quirodáctilo, sendo que o dedo médio é acometido primeiro na maioria dos casos. Ainda que essa seja a apresentação típica, pode haver desconforto restrito ao punho ou também envolver toda a mão. Área sensorial do nervo mediano A irradiação costuma se direcionar ao antebraço, sendo menos usual em áreas acima do ombro, ressaltando-se que não há comprometimento do pescoço. É perceptível uma variação dessas manifestações ao longo do dia, com aumento de intensidade à noite, podendo despertar os pacientes durante o sono. O envolvimento motor, presente em quadros mais graves, pode gerar queixas de fraqueza nos movimentos do polegar e atrofia da musculatura tenar, afetando a capacidade de segurar objetos. Atrofia tenar na mão direita O diagnóstico da STC é clínico, devenho ser suspeitado na presença de sinais e sintomas característicos já descritos acima. Ao exame físico, alguns pontos devem ser observados: Inspeção: permite identificar alterações na eminência tenar, que é irreversível, mesmo após a reversão da compressão; Testes de sensibilidade e motricidade: é necessário avaliar a resposta a sensações em toda a mão, antebraço e parte superior do braço. O prejuízo sensitivo acomete os dedos inervados pelo nervo mediano, poupando a área tenar, que, por sua vez, é alvo da fraqueza muscular, evidente pela dificuldade em abduzir e opor o polegar. Movimentos do polegar afetados pela STC avançada Testes especiais irritativos: o Teste de Phalen: consiste em manter a flexão (ou extensão, no teste invertido) máxima dos punhos por 1 Atividades de flexão e extensão dos punhos, além de elevação dos braços, podem provocar o aparecimento da dor O curso clínico da STC apresenta períodos de remissão e exacerbação alternados, sendo que a progressão da doença pode tornar as queixas sensitivas persistentes. Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO minuto, que comprime exageradamente o nervo mediano. É positivo quando há presença de dor ou dormência no território do nervo mediano. Teste de Phalen em extensão (teste reverso, esq.) e flexão (dir.) o Teste de Tinel: realizado pela leve percussão do punho, diretamente sobre o trajeto do nervo, sendo positivo quando induz parestesia (ou choque, na compressão total); Representação da sensação de formigamento ao teste de Tinel o Teste de Durkan: mais sensível, requer que o examinador pressione com os polegares a região carpal, ao longo de 30 segundos, provocando sintomas clássicos em pacientes com STC. Realização do teste de Durkan Diversos exames complementares também podem ser usados para a confirmação de formas duvidosas do quadro, tais como: Eletroneuromiografia: permite adereçar a gravidade da compressão nervosa, além de direcionar a abordagem cirúrgica e investigar diagnósticos diferenciais. Sua sensibilidade é de até 85%, com especificidade de 94 a 99%, porém é um exame operador-dependente, que pode ser influenciado por fatores como a temperatura da pele. Radiografia (incidência tunnel view): apresenta valor diagnóstico limitado, com a avaliação de estenose óssea do canal do carpo ou calcificação de partes moles; Radiografia do túnel carpal Ultrassonografia: evidencia área transversal aumentada (> 8,5-10 mm) para o nervo mediano, porém sua sensibilidade diminui em indivíduos mais velhos; Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO Túnel do carpo em USG transversal (dir.), com sinais de hipoecogenicidade, e em corte longitudinal (esq.), evidenciando compressão (setas) Ressonância magnética: é capaz de identificar anormalidades nervosas, além de distúrbios em tendões, vasos e ligamentos. Tem utilidade questionável na detecção da STC, servindo para descartar lesões de massa. Nervo mediano normal (sup.) e espessado (inf.) em ressonância magnética Os exames laboratoriais, por fim, podem ser solicitados quando a STC tiver causas possivelmente metabólico-hormonais, devendo ser realizadas dosagens de TSH/T4 livre (tireoide), VHS (artrite reumatoide), glicemia (diabetes) ou ácido úrico. TRATAMENTO: Em apresentações leves, com mínimo comprometimento das atividades diárias e ausência de hipotrofia tenar, a abordagem de primeira escolha e o tratamento conservador, que contempla: Órteses: o uso de talas, seja durante a noite ou continuamente, auxilia a diminuir a pressão exercida sobre o túnel do carpo ao limitar a extensão e flexão do punho. Esse tratamento tem duração média de 3 semanas a 3 meses, podendo ser associado à infiltração, para melhores resultados. Injeção de corticoides (metilprednisolona 20-40 mg): tem como principal objetivo a redução da inflamação sobre o canal do carpo, com alívio da dor percebido em dias ou semanas após o procedimento, e efeito prolongado. É recomendado limitar o número de injeções (no máximo 3) e respeitar um intervalo de seis meses, pois há risco de exacerbação da compressão, de aplicações acidentais no nervo (mediano ou ulnar), ou de ruptura do tendão flexor dos dedos. Caso o paciente se mantenha refratário, outras estratégias, cirurgias ou não, devem ser avaliadas. Sítio de injeção (em verde) para aplicação de corticoidesno canal do carpo Corticoides orais: são eficazes para o controle de sintomas a curto prazo, com uso de prednisona 20 mg por 10 a Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO 14 dias, sendo uma alternativa às injeções supracitadas. Esses medicamentos não devem ser administrados por mais de 4 semanas, devido aos efeitos colaterais cushingoides associados à terapia prolongada. Fisioterapia: a mobilização dos ossos do carpo é uma técnica que pode diminuir a intensidade dos sintomas em três semanas de tratamento. Em caso de falha terapêutica ou em quadros mais graves e incapacitantes, a cirurgia deve ser indicada, consistindo na secção do ligamento transverso do carpo (retináculo) para descompressão regional. Planos incisionais e sítio-alvo da abordagem cirúrgica na STC Nesse contexto, as abordagens mais usadas na atualidade são: Técnica aberta (tradicional): permite a visualização de toda a anatomia do punho, o que minimiza riscos de lesões em estruturas críticas adjacentes, além de fomentar uma exploração detalhada em busca de massas. Apesar de poder empregar diversas incisões longitudinais, a mais comum, se estende da prega de flexão do punho (no prolongamento radial do 4º dedo), à linha cardinal de Kaplan. Localização do ponto de incisão na cirurgia aberta de descompressão do túnel do carpo Técnica miniopen (minimamente invasiva): conta com uma incisão de, no máximo, 1,5 cm (contra os 3-4 cm da abordagem aberta), na porção distal do retináculo ou na dobra flexora do punho. Ponto da incisão na técnica miniopen Técnicas endoscópicas: requer a realização de uma incisão de 1 cm na prega de flexão do punho para introdução do endoscópio, sendo que, se a visualização for insatisfatória, o procedimento deve ser convertido numa cirurgia aberta. Inserção do endoscópio na prega flexora do punho Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO Como complicações associadas à reverão cirúrgica da síndrome do túnel do carpo, destacam-se a divisão incompleta do ligamento transverso (pode requerer reoperação), lesões de ramos do nervo mediano, infecções pós-operatóris, danos vasculares no arco palmar e síndrome complexa de dor regional. O surgimento de cicatrizes dolorosas é frequente, porém pode ser evitado com a adoção da técnica endoscópica, que preserva estruturas subcutâneas.
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