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Montes Claros/MG - Outubro/2015 Maria Socorro Isidório Religião e Arte 2015 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro, s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) - Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Antônio Alvimar Souza DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Jânio Marques Dias EDITORA UNIMONTES Conselho Consultivo Adelica Aparecida Xavier Alfredo Maurício Batista de Paula Antônio Dimas Cardoso Carlos Renato Theóphilo, Casimiro Marques Balsa Elton Dias Xavier José Geraldo de Freitas Drumond Laurindo Mékie Pereira Otávio Soares Dulci Marcos Esdras Leite Marcos Flávio Silveira Vasconcelos Dângelo Regina de Cássia Ferreira Ribeiro CONSELHO EDITORIAL Ângela Cristina Borges Arlete Ribeiro Nepomuceno Betânia Maria Araújo Passos Carmen Alberta Katayama de Gasperazzo César Henrique de Queiroz Porto Cláudia Regina Santos de Almeida Fernando Guilherme Veloso Queiroz Luciana Mendes Oliveira Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Maria Aparecida Pereira Queiroz Maria Nadurce da Silva Mariléia de Souza Priscila Caires Santana Afonso Zilmar Santos Cardoso REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Athayde Moraes Waneuza Soares Eulálio REVISÃO TÉCNICA Gisléia de Cássia Oliveira Káthia Silva Gomes Viviane Margareth Chaves Pereira Reis DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS Andréia Santos Dias Camilla Maria Silva Rodrigues Sanzio Mendonça Henriques Wendell Brito Mineiro CONTROLE DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO Camila Pereira Guimarães Joeli Teixeira Antunes Magda Lima de Oliveira Zilmar Santos Cardoso Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/ Unimontes Maria das Mercês Borem Correa Machado Diretora do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes Mariléia de Souza Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/Unimontes Paulo Cesar Mendes Barbosa Chefe do Departamento de Comunicação e letras/Unimontes Maria Generosa Ferreira Souto Chefe do Departamento de Educação/Unimontes Maria Cristina Freire Barbosa Chefe do Departamento de Educação Física/Unimontes Rogério Othon Teixeira Alves Chefe do Departamento de Filosofi a/Unimontes Alex Fabiano Correia Jardim Chefe do Departamento de Geociências/Unimontes Anete Marília Pereira Chefe do Departamento de História/Unimontes Claudia de Jesus Maia Chefe do Departamento de Estágios e Práticas Escolares Cléa Márcia Pereira Câmara Chefe do Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais Káthia Silva Gomes Chefe do Departamento de Política e Ciências Sociais/Unimontes Carlos Caixeta de Queiroz Ministro da Educação Renato Janine Ribeiro Presidente Geral da CAPES Jorge Almeida Guimarães Diretor de Educação a Distância da CAPES Jean Marc Georges Mutzig Governador do Estado de Minas Gerais Fernando Damata Pimentel Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Vicente Gamarano Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela vice-Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes Antônio Alvimar Souza Pró-Reitor de Ensino/Unimontes João Felício Rodrigues Neto Diretor do Centro de Educação a Distância/Unimontes Fernando Guilherme Veloso Queiroz Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Autora Maria Socorro Isidório Possui graduação e especialização em Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Mestrado em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutorado na mesma área e instituição – interrompido. É professora na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), no curso de Ciências da Religião. Sumário Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 A Arké da Arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.2 Arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.3 Arkeologia da Arte: Primícias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13 1.4 A Arte Religiosa: Arké-Tipo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 1.5 O Símbolo e a Imaginação Simbólica na Arte: Sentidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .24 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29 Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 Arte na Antiguidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 2.2 A Arte na África Antiga: Raízes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 2.3 A Arte no Egito Antigo: Ascensão e Eternidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.4 A Arte na Mesopotâmia Antiga: Homens e Deuses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 2.5 A Arte na Grécia Antiga - Período Clássico e Helenístico: Revolução Artística . . . . . 50 2.6 A Arte Cristã Primitiva: Matriz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 2.7 A Arte Cristã Catacumbária: Revolução Subterrânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .67 A Arte na Idade Média . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .67 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .67 3.2 A Arte Bizantina: Entrelaçando “Sagrado” e “Profano” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .67 3.3 A Arte Românica: Didatismo Estético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71 3.4 A Arte Gótica: Estilo “Bárbaro” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .74 3.5 A Arte Brasileira: Barroco Mineiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .78 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .81 Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .83 Referências Básicas e Complementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .85 Atividades de Aprendizagem- AA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89 9 Ciências da Religião - Religião e Arte Apresentação Prezado (a) acadêmico (a), Seja bem-vindo à disciplina Religião e Arte. Este trabalho é uma chave que dispomos para você ter em mãos para abrir outras portas que ampliem o rico e fascinante universo da religião. Um universo que possibilita vislumbrar vestígios de uma caminhada incrível, enredada por desa- fios, superações, redimensões e edificações empreitadas pelos nossos ancestrais de maneira ab- solutamente admirável. Caminhada pelas veredas da história humana em seus chãos primiciais. Nessa caminhada, a arte é também um vestígio, uma pegada que podemos seguir no encal- ço da trajetória ‘humana’ e do seu memorial. No descortinar sensível de si e do mundo, isto é, na inauguração do homem no Mundo e na História, a arte também é registro. Nós, professores do curso CRE-Unimontes, desejamos estudos frutíferos! A autora. 11 Ciências da Religião - Religião e Arte UNIDADE 1 A Arké da Arte Maria Socorro Isidório 1.1 Introdução Caro acadêmico, esta unidade é uma abertura para um adentramento ao universo do ima- ginário humano, impressionante pela capacidade de criar imagens e formas a partir de percep- ções, sensações, intuições e experiências no mundo. A arte é uma invenção humana que pode revelar que o mundo se encontra dentro e fora do artista, e essas dimensões nos interessam mui- to, pois podem nos levar a um melhor entendimento sobre religião. Nesse contexto, vamos caminhar pelas veredas da arte em sua origem, perscrutando o seu “ser” em suas múltiplas faces. Tentar descortiná-la pelas lentes da arqueologia, da antropologia, da história, da fenomenologia e de outras áreas que também se deslumbraram por algo tão ins- tigante. Algo que ora se afigura um “olhar” e um “dizer” com uma linguagem figurativa, que além de rica, é encantadora; ora parece um espelho que reflete não só imagens, como também dese- jos; também, por vezes, esse algo aparece como uma moldura étnico-cultural, que mostra como cada povo cultiva os seus valores e os reproduz esteticamente. Fascinante, esse tema joga luz sobre a religiosidade humana, uma “arte” composta de vários “estilos” e “escolas”. 1.2 Arte Quando começaram a criar seus mitos e a adorar seus deuses, as pessoas não es- tavam buscando uma explicação literal para fenômenos naturais. Com suas his- tórias, suas pinturas rupestres e suas esculturas simbólicas, procuravam expres- sar sua perplexidade e incorporar esse ‘mistério’ à sua vida. (Karen Armstrong) O que é arte? O que constitui a sua essência? Qual a sua finalidade? Não temos um conceito para algo tão rico e universal, mas parece que o sentido originário (e “original”) da criação artísti- ca não se encontra na ornamentação, na exibição ou na “arte pela arte”. Vestígios arqueológicos ◄ Figura 1: Pintura rupestre- Marcas. Fonte: Disponível em <https://encrypted- tbn2.gstatic.com/ images?q=tbn:ANd9G- cSzYZNibADSUcnG7Vt- 9DFAb6lg9_LyKzKBREea- wn65zLr4A-WyoA>. Acesso em 03 abr. 2015. 12 UAB/Unimontes - 5º Período mostram que o impulso originário da arte revela que ela é, antes de tudo, uma expressão íntima do homem ante um mundo ainda incompreensível. Nesse sentido, arte é uma visada e uma ex- pressão inicial sobre o mundo, “abrindo-o”, envolvendo-o e impregnando-o com marcas huma- nas, para dele fazer parte. Sobre essa dialética, Fritz Baumgart reflete o seguinte (2007): A arte não modifica o mundo, como o fazem as ferramentas. Ela serve menos à realização prática da vida do que a sua organização. Como princípio ordenador representa um dos meios mais diretos de dominar o caos exterior e interior do homem. O desconcertante, assustador e inconcebível da vida só pode ser orde- nado ao receber forma. A arte é a configuração do desordenado, que sempre significa ameaça. Desde a pré-história a arte servia à interpretação do mundo e do homem no mundo. O primeiro legado depois das ferramentas mais simples, antes que houvesse arquitetura, música, literatura, etc., foram pinturas e escultu- ras. Com elas inicia-se a história da humanidade propriamente dita (BAUMGART, 2007, p. 1). A palavra arte, do latim ars, está na raiz do verbo “articular”, que manifesta ajuntar, entrelaçar as partes de um todo. A manipulação de matérias para externar imagens interiores, funda um ma- terialismo poético, de liga, vínculo. Nesse pensamento, a criação artística teria no mundo fenomêni- co, uma fonte de inspiração; a combinação sensual de imagens, formas, intuições e representações, propiciariam ao artista uma técnica de bricolagem ou enxerto, em que se trabalharia com elemen- tos diversos – naturais, culturais, simbólicos – em jogos de combinações. Nesse sentido, Alfredo Bosi (1999) dispõe que a criação artística traz uma co-realidade prenhe de simbolismo, em que o “objeto” arte é um meio (signo) para uma segunda realidade, mais profunda (BOSI, 1999, p. 17). Na perspectiva TÉCNICA, a arte é um fazer; é uma ação/intenção humana ante o mundo, penetrando-o, realizando transfigurações através de um dialético movimento de criação de sig- nificados. É uma produção sensitiva que dá forma e engendra: “uma criação que organiza, orde- na e instaura uma realidade nova, um ser”, como pensado por Benedito Nunes (1989, p. 20). É uma “conquista do real”, em que a criatividade consegue forjar imagens e formas na ambiguida- de da matéria; como uma espécie de achega, um entrelaçamento ao mundo fenomênico. O sentido de criação artística do mundo, sua produção poética, é uma ação de Demiurgo, em que o homem faz da arte uma obra criadora, uma espécie de Opus Dei, através de uma imita- tion Dei, que revela uma póiesis, entendida por Aristóteles como “a imitação da realidade natural e humana, a essência comum das artes” (NUNES, 2009, p. 21). A arte como CONHECIMENTO revela a fonte de inspiração artística: a realidade – natural, psíquica, histórica. De acordo com Bosi, o termo alemão para arte é kunst, que em sentido, parti- lha com o inglês know e com o latino cognosco, além do grego gignosco; ambos escoam no senti- do de saber, teórico ou prático. Em consonância com Nunes (2009), pensamos a arte como fruto que brota da intuição hu- mana, que se inicia pela consciência e pelo sujeito – os seus devaneios, suas visões, suas sensa- ções e sentimentos; seus anseios –, mas flui pelas fendas do inconsciente, que “vai se abrindo” e se expondo através de imagens e formas, conquistando uma presença exterior. Essa dialética do consciente/inconsciente revela: Conhecimento intuitivo, a criação e a contemplação artísticas revelam-nos, por um instante apenas, o que a inteligência, a vida de relação e a percepção ordiná- ria ocultam. A arte, seja qual for, restabelece a capacidade originária da percep- ção. Se a nossa consciência pudesse comunicar-se diretamente com a realidade interior e exterior, a Arte seria dispensável. Ou então os homens todos seriam artistas (NUNES, 2009, p.63). Arte na acepção de EXPRESSÃO remete à ideia de projeção da vida interior, em sua varie- dade de expressões: o símbolo, o mito, o rito seriam modos de expressar sentimentos que repor- tam a construções de significados simbólicos acerca da “transcendência do mundo”. Expressão, segundo Nunes, “é o conjunto de efeitos exteriores da consciência, efeitos esses que são sintomas de processos interiores ou sinais de estados psíquicos, sentimentais e emoti- vos” (NUNES, 2009, p.72). Estados psíquicos podem ser captados na derme – numa pulsação muscular; na alteração sensível das pupilas, no eriçar de pelos corpóreos, isto é, pode-se ler uma expressão oculta nas nuances fisiológicas do sujeito, nas suas “representaçõesexteriores”, nas mí- micas corpóreas do seu eu. Na arte, a expressão de sentimentos e emoções do artista é muito forte. O artista externali- za essa “emanação artística interior” exercitando a sua imaginação em nuanças de criatividade. 13 Ciências da Religião - Religião e Arte Então, a expressão artística não se dá sem que os conteúdos da consciência se exponham na ex- plosão de cores, imagens, texturas, sons, poesia, formas, etc. A arte é uma tentativa estética de comunicação, sempre aquém de uma expressão verdadeira. 1.3 Arkeologia da Arte: Primícias A imagem tem uma dupla realidade: uma realidade psíquica e uma realidade física. É pela imagem que o ser imaginante e o ser imaginado estão mais pró- ximos. O psiquismo humano formula-se primitivamente em imagens. (Gaston Bachelard) Quando surgiu a arte no tempo e no espaço? E o que o tempo e o espaço podem informar sobre o significado originário da arte? É o que veremos neste tópico, conduzidos pela arqueolo- gia, ciência que se volta para o “estudo científico das civilizações pré-históricas ou desaparecidas, sobretudo pela interpretação dos vestígios que deixaram” (JAPIASSU, 2008, p. 16). Conduziremos esta parte do trabalho principalmente pelas trilhas empreendidas e os vestí- gios levantados pelo arqueólogo inglês Steven Mithen (2002) através do seu primoroso livro A pré -história da mente – a busca das origens da origem da arte, da religião e da ciência, um grandioso estudo da arqueologia cognitiva que numa abordagem interdisciplinar, deslinda dados reveladores sobre a origem da arte e da imaginação simbólica, brotando do chão da cognição humana. Apoiando-se em estudos/teorias evolucionárias da mente humana, o autor argumenta que, entre 60 e 40 mil anos atrás, no período denominado paleolítico superior, ocorreu uma explosão cultural que marcaria as origens do universo cultural humano. A imaginação simbólica humana explode e alça um extenso e panorâmico voo nas plagas do mundo, nele se embrenhando e des- bravando-o. De acordo com Mithen, a capacidade de criação artística está aliada à capacidade de criar marcas referentes em “objetos inanimados ou marcas distantes dos seus referentes” (MITHEN, 2002, p. 260), diferente de outros (parentes) primatas do período, que só conseguiram atribuir significado a algo próximo. Tal capacidade advém de uma faculdade simbólica (representação de uma ausência), reflexo de um tempo primicial em que o homem caçava e, quem sabe, atribuía significados a pegadas e rastros impregnados no chão da sobrevivência. Essa habilidade de fazer inferências com base em marcas do tipo pegadas foi um componente crítico do desenvolvimen- to da inteligência. Assim: As marcas involuntárias de animais apresentam uma série de propriedades em comum com as “marcas” intencionais ou símbolos dos humanos modernos, como as pinturas em face de rochas ou os desenhos na areia. Elas são inanima- das. Ambas estão espacial e temporalmente deslocadas do evento que as criou e que elas signifi cam (MITHEN, 2002, p. 261). GlOSSáRIO Paleolítico: palaiós = “antigo” + lithos = “pe- dra”: “pedra antiga” Pela extensão, a Pré-His- tória foi divida em três períodos: -Paleolítico inferior: cerca de 50.000 A.E.C. – conhecido como Idade da Pedra Lascada; -Paleolítico superior: aproximadamente 30.000 A.E.C; -Neolítico: por volta do ano 10.000 A.E.C.; conhecido por Idade da Pedra Polida. ◄ Figura 2: Pintura rupestre de um búfalo. Fonte: Disponível em <http://www.portaldarte. com.br/04-pintura-rupes- tre/bisao-ALTAMIRA.jpg>. Acesso em 03 abr. 2015. 14 UAB/Unimontes - 5º Período Nessa esteira de pensamento, três processos cognitivos cruciais na criação de arte foram de- tectados nos seguintes domínios: [1] o domínio de inteligência técnica, [2] capacidade cognitiva de comunicação intencional, característica decisiva da inteligência social humana, e [3] habilida- de de atribuir significados, que entrelaçados colaboraram com o que Mithen conceitua por ex- plosão cultural, movimento de abertura cognitiva acontecida há quarenta mil anos quando das primeiras produções artísticas. Nas palavras do arqueólogo: (...) e isso pode ser explicado por novas conexões entre os domínios da inteligên- cia técnica, social e naturalista. Os três processos cognitivos, antes isolados, ago- ra funcionavam juntos, criando o novo processo cognitivo que podemos chamar de simbolismo visual, ou simplesmente arte (MITHEN, 2002, p. 262). De acordo com o autor, isso só foi possível porque o cérebro do sapiens apresentou uma fluidez cognitiva, que espelharia novas conexões e acúmulos de informações. Por exemplo, pin- turas rupestres incrustadas em rochas de cavernas, podem ter sido perscrutadas pelo sapiens em outra dimensão, que não só a simbólica ou mágico-religiosa, conforme veremos adiante. Como signos do “mundo naturalista” (inteligência naturalista), elas, por si só, já trazem uma carga de in- formes referentes ao meio e os seus desafios (inteligência social); a sua reprodução artística pode ter servido também como uma espécie de “banco de memória” do mundo natural. Nessa linha de pensamento, o antropólogo Silas Guerrieiro (2006) acrescenta o seguinte: Não foi o cérebro que cresceu, mas a mente que mudou de atitude, por razões evolucionárias. Essas conexões, princípios da linguagem abstrata, da arte e da religião, pressupõem a crença de que significante e significado estão intimamen- te ligados. [...] Somente a mente do humano moderno tem fluidez necessária para relacionar elementos distintos, como por exemplo, animais e pessoas, num todo coerente. [...] E nesse processo de constituição da mente moderna, surge a possibilidade de desenvolvimento pleno da linguagem, da arte e da religião (GUERRIEIRO, 2006, p. 23-24). O quadro abaixo ilustra aspectos da fluidez cognitiva humana: Quadro 1 - Arte como Produto da Fluidez Cognitiva Fonte: STEVEN MITHEN, A pré-história da mente. 2002, p. 263. Acerca dos conteúdos da arte em sua origem, há uma variedade de artefatos pré-históricos que mostram a capacidade humana de transfigurar aspectos do real. O estudo de Mithen apon- ta que os artefatos classificados como “arte” se restringem aos figurativos ou os que precipitem a um código simbólico pela repetição dos mesmos “motivos”. Assim, no período entre quarenta e trinta mil anos atrás, em vários lugares foram encontradas peças de arte; no sudoeste da Ale- manha, encontraram-se variadas peças figurativas representando animais talhadas em marfim, como felinos, mamute, bisão e cavalo. 15 Ciências da Religião - Religião e Arte Além dessas peças, foram encontradas outras com motivos ornamentais pessoais como pin- gentes e contas; na França, entalharam-se contas de marfim imitando conchas do mar. Na mes- ma época, no sudoeste europeu, acharam-se cavernas ornadas com imagens de animais, de figu- ras antropomorfas e de sinais. As pinturas rupestres tornaram-se um “ícone” da arte pré-histórica, datando de trinta a dezessete mil anos atrás. Acerca da capacidade humana de destrinchar ana- tomicamente animais variados, em imagens e formas com uma sensibilidade artística fina, em tempos primordiais, Mithen coloca: As mais de trezentas ou mais imagens de animais nessa caverna - incluindo rino- cerontes, leões, renas, cavalos e uma coruja - são extraordinárias. Algumas são muito realistas e demonstram um conhecimento impressionante da anatomia animal e também incríveis habilidades artísticas (MITHEN, 2002, p. 254). A figura humana raramente era representada, pois os temas eram voltados para aspectos vitais daquele tempo: alimentação (sobrevivência) e fertilidade (reprodução da espécie). Sobre a representação artística da fertilidade, Baumgart (2007) discute que as mais antigas esculturas so- bre fertilidade, foram feitas em rochas, aproveitando o seu formato e protuberâncias,para trazer na materialidade do mundo, uma concepção psíquica de algo que é evocativo e essencial para o fluir do homem no mundo: a vida. As esculturas mais famosas do período são as chamadas “Vênus”, encontradas em vários lu- gares do mundo, variando apenas em um ou outro aspecto externo, que revelam plurais fun- dos culturais. No entanto, o seu conteúdo, de cunho mágico evocativo não diferia, como observa Baumgart: Aqui se torna ativa a ideia de magia da fertilidade (...). Esta ideia se manifestou principalmente em pequenas esculturas, como a estatueta de calcário pintada da Vênus de Willenford, da mesma época pré-histórica de c. 20.000 a.c. Já que se tratava tão-somente da evocação da fertilidade, os seios, o ventre e o sexo fo- ram excessivamente realçados, enquanto a cabeça não tem rosto e para braços e pernas indícios foram suficientes. Tais figuras, que ainda não representavam ne- nhuma deusa-mãe, mas eram suas percussoras, forma produzidas por toda parte na pré-história através de milênios, em formas sempre semelhantes ou também variantes (BAUMGART, 2007, p. 6). Essa representação da fertilidade através de um “arquétipo” feminino brota em uma época em que a agricultura estava ainda se desenvolvendo; a percepção (simbólica) de uma fertilidade que causa transformação e reprodução da vida era “sagrada” e precisava ser “cultuada”, ainda que fossem em imagens. É interessante refletir que essa arte nas cavernas atingiu uma ‘escala global’ e que a sua pro- dução não é fruto de calmaria, mas de período de duros enfrentamentos sob condições extrema- mente estressantes. O simbolismo e o aspecto religioso têm algo a revelar sobre isso. Também a arte e a religião podem ter sido mecanismos de adaptação ao meio. A sofisticação das produções artísticas no período (pré-história) fluxo de desenvolvimento cognitivo e de processos de pensamento da mente moderna (h. sapiens) pode ser notado não só na capacidade criativa simbólica da arte, mas também em suas dobras, isto é, no seu âma- go. Uma peça famosa da arte figurativa pode nos ajudar a pensar sobre esse desenvolvimento ◄ Figura 3: Vênus de Willendorf, Áustria. 25.000 A. E.C. A Vênus de Willendorf é uma representação de fertilidade dos tempos antigos. Fonte: Disponível em <http://1.bp.blogs- pot.com/-asWv47K- fEXc/UX3L45Qi8OI/ AAAAAAAABO0/7HCa- FOKqJzw/s1600/venus_ willendorf.jpg>. Acesso em 20 abr. 2015. 16 UAB/Unimontes - 5º Período da capacidade de simbolizar; trata-se de uma estatueta de marfim encontrada na Alemanha, datada de 30 a 33 mil anos de idade. Esculpida na presa de um mamute, é considerada a mais antiga obra de arte até então conhecida. Um exemplo de habilidade técnica e imaginação simbólica. Essa criação apresenta uma cabeça de leão em um corpo humano. Ante ela, pergun- ta-se: seria uma representação antropomórfi- ca de um animal com referências humanas ou uma representação totêmica, isto é, de um hu- mano descendente de um leão? Pode ser uma alternativa ou outra. De qualquer forma, é dig- no de nota a fluidez entre as inteligências so- cial e naturalista. Outra relevante imagem é a não menos fa- mosa, citada acima, é “O feiticeiro de Trois-Frè- res”, também do período Paleolítico Superior; como as anteriores, trata-se de uma pintura rupestre antropomorfa e/ou totêmica com as seguintes características: Uma fi gura pintada de pé, com pernas e mãos que parecem humanas, mas com costas e orelhas de um herbívoro, os chifres de uma rena, a cauda de um cavalo e um pênis posicionado como de um felino (MITHEN, 2002, p. 264). Peter Clayton (1982), refletindo sobre os locais em que foram encontradas pinturas rupes- tres – nas “profunduras” de certas cavernas –, a pintura do “Feiticeiro” e o caráter mágico-religioso Figura 6: “O Feiticeiro Dançarino de Tróis- Fréres”. Fonte: Disponível em <http://pt.slideshare.net/ ladonordeste/arte-e-reli- gio-no-paleoltico>. Acesso em 03 abr. 2015. ► Figura 5: Figura ilustrativa moderna de uma pintura rupestre denominada por pesquisadores de “O Feiticeiro Dançarino de Tróis- Fréres”- França. Fonte: Disponível em <http://goo.gl/TJM9N2>. Acesso em 03 abr. 2015. ► Figura 4: Estatueta de marfim “Homem leão”, proveniente de Hohlenstein-Stadel, sudoeste da Alemanha. Tem aproximadamente 33 mil anos e 28 centímetros de altura e de encantamento. Fonte: Disponível em <http://notre.prehistoire. free.fr/art/statueliongrand. jpg>. Acesso em 20 abr. 2015. ► 17 Ciências da Religião - Religião e Arte impregnado nesses vestígios, assevera que podem revelar as raízes do pensamento mágico-reli- gioso humano (religião). Em seu entendimento: As pinturas de animais tinham obviamente um signifi cado ritual e religioso. Al- guns exemplos como o bisonte de Niaux, ou o leão esculpido em chifres de rena de Isturitz, apresentam-se trespassados de setas _ um caso nítido de magia sim- pática. [...] Com excepção destes exemplos de pintura rupestre ou escultura in situ, todos os outros se localizam no local mais profundo das grutas, em circuns- tâncias que provocam um considerável temor mesmo para o observador actual. Não há dúvida de que existia alguém, uma espécie de fi gura xamanística que era o guia do ritual; e o chamado “feiticeiro” esculpido e pintado na caverna de “Les Trois Frères”, trajando uma pele de animal e usando uma máscara com chifres, pode bem ser essa criatura. Foi também encontrado nas escavações mesolíticas de Star Carr no Yorkshire Oriental uma espécie de capacete perfurado ostentan- do chifres de veado, provavelmente se destinava a ser usado em certas cerimô- nias. Isto constitui uma indicação quanto à tradição do uso de tais máscaras que alguns viajantes relataram ter encontrado na Sibéria já no século XVIII de nossa era (CLAYTON, 1982, p.12). Margot Berthold (2008) argumenta que o xamanismo tem uma estreita interface com a arte rupestre, porque há na pintura de animais de caça representados uma permuta entre a mágica que antecede a caçada – em que a presa é simbolicamente abatida – e um subsequente rito de expiação, alicerçado em práticas xamãnicas. Essa autora explana que o xamã utilizava-se de re- presentações artísticas, além de: Meditação, drogas, dança, música e ruídos ensurdecedores causam o estado de transe no qual o xamã estabelece um diálogo com deuses e demônios. Seu contato visionário com o outro mundo lhe confere poder “mágico” para curar doenças, fazer chover, destruir o inimigo e fazer nascer o amor. Essa convicção do xamã, deque ele pode fazer com que os espíritos venham em seu auxílio in- duzem-no a jogar com eles (BERTHOLD, 2008, p. 3). Ainda sobre o conteúdo “espiritualista” da arte pré-histórica e sua disposição em locais “es- peciais”, fez E. H. Gombrich (1993) intuir que possuiriam um caráter religioso, uma vez que: É uma estranha experiência descer nessas cavernas muitas vezes seguindo por corredores baixos e estreitos, mergulhar no negrume do ventre da montanha e, súbito, ver a lanterna elétrica do guia iluminar a imagem de um touro. Uma coisa é evidente: ninguém se teria arrastado por tal distância até as soturnas entranhas da terra, simplesmente para decorar um local tão inacessível. Além disso, poucas dessas pinturas estão claramente distribuídas pelos tetos das cavernas, exceto um punhado delas nas cavernas de Lascaux. Pelo contrário, são às vezes pintadas ou entalhadas umas sobre as outras, sem qualquer ordem aparente. A explicação mais provável para essas pinturas rupestres ainda que se trata das mais antigas relíquias da crença universal no poder produzido pelas imagens; dito em outras palavras, parece que esses caçadores primitivos imaginavam que, se fi zessem uma imagem da sua presa – e até espicaçassem com suas lanças e machados de pedra – os animais verdadeirostambém sucumbiriam aos seu poder (GOMBRI- CH, 1993, p. 22). ◄ Figura 7: Pintura rupestre. Em uma caverna de Lascaux (Dordogne, França), foi descoberto em 1940, uma das provas mais marcante do Paleolítico consistente em uma espécie de “Capela Sistina” pintada dentro dela. Fonte: Disponível em <ht- tps://withrythmasjazz.files. wordpress.com/2011/09/ lascaux-cave-walls- 438085-lw.jpg>. Acesso em 05 abr. 2105. 18 UAB/Unimontes - 5º Período Argumentando sobre o aparecimento da religião no Paleolítico Superior, Mithen aponta o ambiente das cavernas que contém pinturas rupestres, as figuras antropomorfas lá entranhadas, os túmulos de sujeitos com objetos simbólicos dispostos sobre os seus corpos e o “sentido” de transcendência e de crença em vida após a morte que impregna os lugares e as coisas. Para ele, esses vestígios sugerem experiências religiosas. Apesar da dificuldade em classificar característi- cas comuns para todas as religiões, alguns aspectos básicos tendem a uma universalidade, como a crença na vida após a morte, a liderança espiritual (“carisma”) e a crença na força do ritual em provocar mudanças. E todas compõem os ambientes e elementos citados acima. No pensamento de Mithen: Se analisamos a evidencia arqueológica desde o início do Paleolítico Superior, encontramos indícios de que cada uma dessas características estava presente. Poucas pessoas poderiam duvidar de que as cavernas pintadas, algumas das quais localizadas bem abaixo do solo, fossem um local para atividades rituais. De fato, as imagens antropomórfi cas dessa arte, como o feiticeiro da caverna de Les Trois- Frères, podem ser mais facilmente interpretadas como seres sobrena- turais ou como xamãs que se comunicavam com esses seres. [...] Essas cavernas pintadas provavelmente refl etem um mundo mitológico (MITHEN, 2002, p. 279). Esses argumentos revelam que o arvorar da imaginação simbólica ramificou expressões es- téticas da espiritualidade humana, em imagens, formas, gestos, sons, objetos, cheiros, seres “divi- nos”, e “profanos”, “sacralidades” e outras expressões que impregnaram o mundo material com o esplendor da Natureza e do seu encantamento. Na arquitetura também as criações artísticas voltavam-se para o aspecto espiritual. Os mo- numentais dolmens (dol=mesa; men=pedra) foram construções executadas com enormes blocos de pedras que, ao modo dos modernos templos, eram espaços de culto e “sacralidades”. Toman- do como exemplo, o “Santuário de Stonehenge”, Baumgart dispõe as características mais gerais dessa arquitetura do “sagrado”: O princípio de construções monumentais é representado por dolmens e gale- rias tumulares megalíticos (...). Em forma estruturada que se aproxima de grande arquitetura, vai mais além o santuário circular de Stonehenge, erigido no 2º ao 1º milênio na planície de Salisbury, com um diâmetro de 2,95 m que se estende até o anel exterior para c. de 114m. A altura das pedras é de 4m. Sua disposição com a pedra-altar no centro tem relação com o nascer do sol de 21 de junho, o que não permite concluir nada sobre determinado culto ao sol, porém sobre concepções de uma visão de mundo que abrange poderes terrenos e sobrena- turais e que se manifesta visivelmente na disposição da construção (BAUMGART, 2007, p. 10). ▲ Figura 8: Conhecido como Stonehenge, esse monumento foi erigido no contexto histórico conhecido como Neolítico (do grego: pedra nova), posterior ao Paleolítico e anterior à Era do Bronze. Fonte: Disponível em <https://goo.gl/m9jVtM>. Acesso em 05 abr. 2015. ▲ Figura 9: Stonehenge. Fonte: Disponível em <http://images.slideplayer. es/2/156222/slides/slide_9.jpg>. Acesso em 05 abr.2015. GlOSSáRIO Antropomorfismo: (do gr. antropos: homem, e morphé: forma). 1. Concepção pela qual explicamos os fenôme- nos físicos ou biológicos atribuindo-lhes moti- vações ou sentimentos humanos. 2. Atitude de espírito que consiste em con- ceber Deus à imagem e semelhança do homem e em atribuir-lhe modos de pensar, de sentir e de agir idênticos ou semelhantes aos modos humanos. Bibliografia: JAPIASSU, Hilton, MARCONDES, Danilo. Dicionário bási- co de Filosofia. p. 13. Arké: (gr: “princípio”); aquilo do qual derivam originalmente e no qual se ultimam todas as coisas/seres; é uma realidade que continua a existir imutada (uma “substância”), apesar das transformações das coisas; fonte de tudo; sustentáculo permanen- te que mantém todas as coisas; é aquilo do qual provêm, aquilo no qual se concluem e aquilo pelo qual existem e sub- sistem todas as coisas. Bibliografia: REALE, Gio- vani, ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. V. I. Homo sapiens: (Lat. homem racional) o homem definido com Homo sapiens (de scientia, ciência e de sapientia, sabedoria), ou seja, capaz de adquirir o saber; caracteriza desde o Paleolítico superior a espécie do gênero hominídeo à qual pertencem as diferentes raças humanas atuais. Bibliografia: Dicionário [on-line] de Filosofia. In: <https://books.google. com.br/books?isb- n=8530802276v>. p. 500. 19 Ciências da Religião - Religião e Arte Outras criações artístico-simbólicas foram encontradas no período em sociedades arcai- cas de caçadores-coletores, como um homem com cabeça de pássaro (caverna Lacaux, França), uma figura humana com a cabeça e o torço de um bisão e pernas humanas; peixes humanos, entre outros. Trata-se de transfigurações antropomorfas e totêmicas, faces de uma mesma moe- da, quando se deseja mostrar a relação que os nossos ancestrais tinham com o meio e os seres vivos numa noção de unidade, diferente da bipolaridade instituída pelo pensamento ocidental moderno entre “Natureza”, reino do fato, do dado, da imanência, do acaso, e “Cultura”, dimensão do particular, da “humanidade”, dos valores, da transcendência, entre outros. Ou mesmo a divisão clássica entre corpo e espírito. Desse entendimento, o autor enfatiza o seguinte: As imagens antropomórficas e as pinturas das cavernas e abrigos em rochas que surgem depois de quarenta mil anos sugerem que os primeiros caçadores-cole- tores do Paleolítico Superior mantinham uma atitude semelhante com o social e o natural: estes formavam um mesmo e único mundo (MITHEN, 2002, p. 268). O pensamento totêmico vislumbra uma liga, um parentesco místico entre o homem, a na- tureza, os animais e o todo, assim como o antropomórfico, que atribui aspectos humanos a ani- mais, vegetais, forças da natureza, seres “divinos”, etc. É uma cosmovisão em que não se veem divisões entre homem, natureza, espírito e corpo, num entrelace alteritário em que tudo e todos fazem parte de uma mesma força. Talvez essa mentalidade prenhe de significados para além da derme das coisas, assim como o olhar simbólico tenha impulsionado ainda mais o desenvolvimento cognitivo humano, pois, ao atribuir sentidos a paisagens, a seres animados e inanimados, o homem foi ampliado o seu domínio de conhecimento do mundo e até dos animais. As próprias narrativas míticas, com seus lugares sagrados e suas passagens secretas, mapeavam veredas e abriam uma embrionária geo- grafia para “vistas” ainda restritas, possibilitando que o homem pudesse “elevar-se” e realizar um voo panorâmico nas asas da transcendência. Assim, ele pôde ter uma “visão do todo”, fortalecen- do-se e ampliando a capacidade de adaptação ao meio. Desse pensar, o antropólogo e cientista da religião, Guerrieiro arrazoa o seguinte: Num momento primitivo, de emergência da capacidade de simbolização, a pres- são adaptativa deve ter forçado alguns grupos, com cada vez mais sistemas de crenças organizados, com rituais e narrativas capazes de transmitir e perpetuar os mecanismos culturais encontrados, a levarem vantagem sobre os demais.[...] Temos a condição de simbolizar e criar seres e mundos imaginários e de criar instrumentos sólidos de transmissão e de manutenção das informações cada vez mais essenciais à sobrevivência, mediante aquilo que podemos chamar de tradi- ção. O desenvolvimento desses elementos resultou naquilo que denominamos religião (GUERRIEIRO, 2006, p.27). Em consonância com o antropólogo, pensamos que “religião” pode ter sido um aspecto es- sencial para a sobrevivência e longevidade da espécie humana. BOX 1 “O FEITICEIRO DANÇANDO” DE TROIS-FRÉRES Alude-se a uma imagem antropomorfa incrustada nas paredes de uma caverna na Fran- ça, A. E.C., a um feiticeiro dançando. De acordo com pesquisadores, esta seria uma das pri- meiras representações de feitiçaria na história humana. A imagem situa-se a cima das outras pinturas rupestres em uma área acessível apenas por um corredor ascendente espiral. (...) o feiticeiro é acreditado como sendo um xamã ou um deus de grande domínio. A caverna é teo- rizada como sendo um lugar de encontro, onde seriam realizados rituais para garantir uma grande recompensa durante caçadas. Fonte: Disponível em <http://www.zona33.tk/2014/10/10-dos-feiticeiros-mais-fascinantes-da.html>. Acesso em 05 abr.2015. GlOSSáRIO Totem: ser mítico (ani- mal ou vegetal) utilizado para representar, nas sociedades arcaicas, o ancestral de um clã ao qual se presta culto; é objeto de tabu, de interditos e de cultos; “o totem é em primeiro lugar, o ancestral do grupo; em seguida seu espírito protetor e seu benfeitor.” (Freud). Bibliografia: JAPIASSU, Hilton, MARCONDES, Da- nilo. Dicionário básico de Filosofia. p. 268. Potentado: (lat. potenta- to) 1. Príncipe soberano de grande autoridade e/ ou poder material. 2. Poe extensão, pessoa muito influente e/ou poderosa. Bibliografia: HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário Auré- lio de língua Portu- guesa. p. 1374. Xamã: (sânscrito: sraman; “eleito” das divindades.) A primeira forma de mediação es- piritual que se encontra na história é a figura do xamã, principalmente em nível etnológico. Ele é designado por uma co- munidade também, com base nos fenômenos anormais e inquietantes que o distinguem. A sua técnica é essencialmente de caráter extático: o seu êxtase lhe permite uma ascensão ritual ou uma descida aos infernos. Por causa dos seus transes o xamã serve de interme- diário entre os homens e os deuses, descobre os meios para curar as doenças e assegura ao falecido a passagem ao além: é um especialista da alma. É ao mesmo tempo médico e sacer- dote, psicólogo e mago, depositário da tradição, fonte da consciência sagrada. Bibliografia: TERRIM, Aldo Natale. Antropo- logia e Horizontes do Sagrado-culturas e religiões. 20 UAB/Unimontes - 5º Período BOX 2 MAGIA A palavra MAGIA deriva do persa mag, significando ciência, sabedoria; remete a uma grande diversidade de sentido, de crença e de ritos que supõe a manipulação não científica de forças imanentes ao mundo, e extraordinárias, para o benefício do homem. Assim como a ciência, a magia visa uma transformação do mundo. Ela supõe, além disso, a aquisição de um conhecimento que diga respeito ao controle das forças vitais, ao desenvol- vimento dos sentidos captores de energias nos talsmãs, nas receitas, em escritos, fórmulas, etc. Como linguagem significativa, a magia se reveste a um só tempo de um caráter simbó- lico e de um aspecto operatório. Como o expressivo se mescla ao instrumental, a crença se mescla ao saber empírico. Sabe-se que técnicas (caça, metalurgia) ou ciência (astronomia, far- macologia) nascem num contexto de crença na magia, e que nossa racionalidade moderna não exclui vestígios de “pensamento selvagem”. Magia é também a ritualização de uma situação na qual um desejo se exprime em ter- mos simbólicos. O resultado supõe a ação ritual, e é o rito como o todo que se considera como eficaz, e não essa ou aquela substância que se utiliza – é bem como se pensaria a res- peito, se a atitude fosse científica. Em algumas culturas, magia é modo de enfrentar situações de adversidade ou de perigo para as quais não existe solução conhecida e eficaz; modos de agir para atenuar uma adversi- dade ou esconjurar uma ameaça. Fonte: RIVIÈRE, Claude. Socioantropologia das religiões. p.150-156. BOX 3 RElIGIÃO, BRUXARIA, MAGIA E FEITIÇARIA NA CONCEPÇÃO OCIDENTAl CRISTÃ No estudo sobre RELIGIÃO E ARTE, é importante saber que foram criadas concepções et- nocêntricas a partir de “encontros” interétnicos entre europeus e outros povos que originaram leituras distorcidas sobre religiosidades plurais e suas práticas. Como futuros professores de Estudos das Religiões, ao trabalharmos em sala de aula sobre os encontros inter-étnicos ocorridos no Brasil, é importante termos em claro o “olhar” alteritário lançado pelo europeu para aspectos da religiosidade ameríndia e afri- cana e os impactos produzidos até os dias atuais em diversas expressões religiosas como a Umbanda, o Candomblé, o Santo Daime, etc. Lembre-se sempre: o professor de Estudos das Religiões deve fundamentar sua práxis em três pilares: cientificidade, multiculturali- dade e alteridade. O PENSAMENTO OCIDENTAL CRISTÃO produziu sistematicamente uma distinção radical entre religião e magia. No mundo ocidental, as crenças mágicas estiveram presentes e ativas em torno da figura das bruxas, alimentada por um folclore disperso entre os camponeses eu- ropeus ao longo da Idade Média. A Igreja Católica medieval construiu, a partir dessas crenças, uma demonologia sistemática que nos séculos XVI e XVII se expandiu e ganhou força própria em torno da ideia teológica de que algumas mulheres faziam um pacto com o diabo. Para combater esse tipo de “heresia”, a máquina da Inquisição aplicou, ao longo de 200 anos (entre 1480 e 1680), essa doutrina, perseguindo, inquirindo e queimando bruxas. Segundo o historiador inglês Trevor-Ropes (1969), a crença nas bruxas era inseparável da filosofia europeia do período que não negava a possibilidade de manipulação mágica da na- tureza. Mesmo as novas ideias do Renascimento não destruíram a base intelectual da bruxa- ria, pelo contrário: a luta dos cristãos contra os protestantes deu nova vida às crenças mágicas medievais e suas formas de proteção contra o diabo – água benta, exorcismo, sinal da cruz, velas etc. Religião e magia sempre andaram juntas. A reforma protestante foi muito importante para que as duas ideias se separassem progressivamente ao longo do século XVI e XVII. Os teólogos protestantes construíram uma distinção entre atos religiosos, tais como a reza, desti- nados a colocar o homem em relação com Deus, e atos mágicos, atos de feitiçaria, destinados a manipular as forças da natureza. O protestantismo passou a negar os poderes da magia e a tratá-la como falsa religião. 21 Ciências da Religião - Religião e Arte O BRASIl, colonizado pelos portugueses, herdou uma formação religiosa católica. Mas a escravidão colonial trouxe para cá práticas africanas, vindas de Angola e Moçambique, que aos olhos dos colonizadores foram percebidas como feitiçaria. Por oposição à bruxaria, de origem europeia, a noção de feitiçaria foi construída, a partir do século XVI, pelos missioná- rios católicos na África, para dar conta das “falsas crenças” encontradas nos ritos nativos. Foi preciso muitos séculos e muitas disputas para que essas práticas viessem a ser percebidas (e respeitadas) pela sociedade brasileira como religiões africanas ou, mais recentemente, como religiões afro-brasileiras. Prezado acadêmico, faça uma leitura particular em casa deste texto na íntegra; consulte a bibliografia citada. Fonte: Religião: sistema de crenças, feitiçaria e magia. MONTEIRO, Paula. In. <http://www.mondoo.com.br/ Ciencia/2011_sociologia_capa.pdf#page=123>.*P. MONTEIRO é Doutora em Antropologia. Professora Titular da Universidade de São Paulo- USP. 1.4 A Arte Religiosa: Arké-Tipo O mundo sagrado dos deuses, segundo o mito, não era apenas um ideal a que homens e mulheres deviam aspirar, mas o protótipo da existência humana; era o modelo ou arquétipo original da vida aqui em baixo. (Karen Armstrong) Qual o significado da arte religiosa em suas primícias? É o que tentaremos trazer nesta parte em algumas perspectivas, como a da Ciência da Religião, da Filosofia, da História, da Antropolo- gia, da Arqueologia, da Biologia, da Fenomenologia, e outras, chaves que usaremos para abrir portas que possibilitem um acesso às trilhas do universo artístico religioso. Relembramos, caro acadêmico, que essa constelação de várias ciências gravitando em torno de um objeto (religião), revela a complexidade do tema – o fenômeno religioso em seus vários aspectos, como a arte religios – e o caráter multidisciplinar da Ciência da Religião. Ressaltamos que existem inúmeros conceitos para o que se convencionou como “religião”, termo criado no ocidente e na Academia. Como nos Cadernos Didáticos anteriores essa discussão está disposta, não retomaremos aqui as conceituações e seus sentidos. Mas não podemos deixar de observar que religião é algo vivido em dimensões visíveis e invisíveis, faces que revelam o seu lado pragmático e simbólico, como assevera Hans - Jügen Greshat (2005): “experiências religiosas são cristalizadas em obras de arte, mitos, ritos e em ou- tras manifestações. Talvez algo visível permita-nos um olhar no invisível” (2005, p. 27). Ainda, a dimensão invisível da religião, refere-se ao que as tradições creditam analogamente: “ao “trans- cendente”, ao “espiritual”, ao “divino” ou semelhante” (GRESCHAT, 2005, p. 33). Sua linguagem re- formula o mundo em seus próprios padrões e expressões variadas. A arte religiosa é uma delas. ◄ Figura 10: Livro sagrado Etíope. Fonte: Disponível em <https://www.facebook. com/103432266429374/ photos/a.2915227442869 91.57770.1034322664293 74/690200601085868/?ty pe=1&theater>. Acesso em 05 abr. 2015. 22 UAB/Unimontes - 5º Período Para construir uma melhor compreensão do tema, comecemos com uma definição de arte religiosa que destaca o seu caráter pragmático (ritualístico), simbólico (representação de uma au- sência) e “religioso” (instituído), aspectos que lhe dão uma distinção específica no universo huma- no da Arte. Para Cesar Augusto Sartorelli (2013), a arte religiosa: Deve, obrigatoriamente, diferenciar-se de uma arte não religiosa, condição que se daria pela sua execução com o objetivo de servir a fins ritualísticos ou de ex- pressão das várias faces das religiões e crenças. A arte religiosa pode ser arte saca para determinada denominação religiosa ou somente religiosa para outras denominações (SARTORELLI, 2013, p. 557). Um aspecto que revela diferenciação entre os dois tipos de artes (religiosa e não religiosa) é, de acordo com Marilena Chauí, exatamente o aspecto “religioso”, pois: “a dimensão religiosa das artes deu aos objetos artísticos ou às obras de arte uma qualidade que foi estudada por Walter Benjamim: aura.” (CHAUÍ, 1995, p. 320). Nessa feita, a aura é a singularidade, a autenticidade, a condição de a criação artística ser única, portanto “eterna”, na consciência dos sujeitos que vivem esse sentido. Por ter um profundo significado simbólico, a arte religiosa torna-se uma expressão de uma espiritualidade que transfi- gura a realidade e dá à produção um atributo de transcendência. Em tempos primordiais, as produções artísticas religiosas eram feitas por jovens artífices es- pecialmente escolhidos para se tornarem um iniciado num ofício “sagrado”; visto como o sujeito que iria materializar imagens e formas “religiosas” e “transcendentais”, ele exercia fascínio em suas comunidades. Como um alquimista, o artista aprendia a conhecer e manipular a matéria-prima e os instrumentos do seu trabalho de forma secreta, pois ele produziria os objetos do culto, iman- tados de uma aura “sagrada”, na consciência religiosa antiga. Esse tipo de trabalho era tido como um dom dos deuses e também era tido como um dom para os deuses (CHAUÍ, 1995). Referenciando o filósofo alemão Walter Benjamim, numa reflexão, a filósofa escreve o seguinte: Porque as artes tinham como finalidade sacralizar e divinizar o mundo – tornan- do-o distante e transcendente – (...) sua origem religiosa transmitiu às obras de artes a qualidade aurática mesmo quando deixaram de ser parte da religião para se tornarem autônomas e belas – artes (CHAUÍ, 1995, p. 320). De acordo com Benjamim, a História da Arte, tem suas raízes na arte simbólica, de fundo mágico – religioso. À medida em que as criações artísticas se desvencilham do universo religioso enverando para a exposição pública perde-se o seu caráter simbólico. É o que veremos na arte grega, quando ocorre uma “revolução” racional empreendida por aquele povo, na produção ar- tística. Chauí (1995), citando Benjamim, dispõe o seguinte: Seria possível reconstituir a História da arte a partir do confronto de dois pólos, no interior da própria obra de arte, e ver o conteúdo dessa história na variação do peso conferido seja a um pólo, seja a outro. Os dois pólos são o valor de culto da obra e seu valor de exposição. A reprodução artística começa com Figura 11: Artista hindu. Fonte: Disponível em <ht- tps://s-media-cache-ak0. pinimg.com/736x/56/40/ f9/5640f9ef374d03c- c95daab22db1cd749.jpg>. Acesso em 1º abr.2015. ► 23 Ciências da Religião - Religião e Arte imagens a serviço da magia. O que importa, nessas imagens, é que existem, e não que sejam vistas. [...] Á medida que as obras de arte se emancipam do seu ritual, aumentam as ocasiões para que sejam expostas [...] e seu valor de expo- sição atribui-lhe funções inteiramente novas, entre as quais a “artística”, a única de que temos consciência, e que talvez se revele mais tarde como secundária (CHAUÍ, 1995, p. 328). A trajetória histórica da arte revela que o homem é um animal espiritual e essa concepção de “sacralidade” do mundo parece estar na origem das elaborações humanas sobre o próprio mundo e, por extensão, sobre si mesmo e a existência, como assevera a cientista da religião, Ka- ren Armstrong (2008), ao afirmar que homens e mulheres criaram religião e arte nas primícias de sua “humanidade”: Há motivo para afirmar que o Homo sapiens é também o Homo religiosus. Ho- mens e mulheres começaram a adorar deuses assim que se tornaram reconhe- civelmente humanos; criaram religiões ao mesmo tempo em que criaram obras de arte. E não só porque desejavam propiciar forças poderosas; essas crenças primitivas exprimiam a perplexidade e o mistério que parecem um componente essencial da experiência humana deste mundo belo e aterrorizante. Como a arte, a religião constituiu uma tentativa de encontrar sentido e valor na vida (ARMS- TRONG, 2008, p. 08). Nessa mesma linha de pensamento, o filósofo alemão fundador da filosofia simbólica, Ernst Cassirer, enuncia que, em vez de definir o homem um animal racional, deveríamos defini-lo como animal simbólico; ao contestar que não existe uma única via de desenvolvimento do conheci- mento humano, como a razão ou a lógica científica, o autor observa que, lado a lado da lingua- gem conceitual, sempre houve a linguagem emocional, da experiência vivida, da imaginação e da criatividade. A teoria simbólica sustenta que, primordialmente, a linguagem não exprimiu ra- cionalmente ideias sistemáticas, mas sentimentos e afetos. Vejamos: Não estando mais num universo meramente físico, o homem vive em um univer- so simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são partes desse universo. São os variados fios que tecem a rede simbólica, o emaranhado da experiência humana. Todo o progresso humano em pensamento e experiênciaé refinado por essa rede, e a fortalece. O homem não pode mais confrontar-se com a reali- dade imediatamente; não pode vê-la, por assim dizer, frente a frente. A realidade física parece recuar em proporção ao avanço da atividade simbólica do homem. [Nessa esteira, o ser humano]... envolveu-se de tal modo em formas linguísticas, imagens artísticas, símbolos míticos ou ritos religiosos que não consegue ver ou conhecer coisa alguma a não ser pela interpretação desse meio artificial (CASSI- RER, 1994, p. 48). Essas mediações forjadas pelo homem (mitos, ritos, símbolos) são frutos de experiências al- teritárias com o mundo e que revelam a dimensão material e transcendental da existência (na consciência religiosa) e a linguagem criada para informar tais experiências. A linguagem religiosa é participativa e invocativa, diferente da linguagem científica, não subjetiva e não participativa, como pondera William Paden (2001, p.128). ◄ Figura 12: Templo de Luxor, antiga região de Tebas; uma das belezas dignas de admiração são os relevos no alto das paredes, os detalhes do corpo humano _ belo. Fonte: Disponível em <http://blog.agaxtur. com.br/wp-content/ uploads/2010/01/1 0027244.jpg>. Acesso em 7 abr. 2015. 24 UAB/Unimontes - 5º Período Nessa linha de argumento, o símbolo “vivo” surge de uma intuição criadora do homem e de seu meio, para tentar exprimir o “invisível”, o inefável, num jogo de projeções e imagens, mos- trando uma hermenêutica do “desconhecido”. Sobre isso, Jean Chevalier (2009) realça: “Como in- teligência indagadora, projetada no desconhecido, o símbolo investiga e tende a exprimir o sen- tido da aventura espiritual dos homens, lançados no espaço-tempo” (p. XXVI). Reforçando essa ideia, o fenomenólogo da religião argentino, José Severino Croatto (2001), diz que o símbolo é uma linguagem frontal da experiência religiosa. A finalidade da linguagem religiosa não é só “representar” o mundo, mas expressá-lo, encená-lo, transfigurá-lo, vivê-lo de modo significativo e diverso. Todavia, o que é símbolo? Como o homem começou a criar símbo- los? É o que veremos no próximo tópico. 1.5 O Símbolo e a Imaginação Simbólica na Arte: Sentidos O universo é um grande Narciso cósmico que anseia por mirar-se no espelho das imagens humanas, e justamente a arte, a religião, o sonho e seus símiles seriam a realização exemplar deste anseio, indicando ao homem contemporâneo uma possibilidade de reconciliação com este universo no qual – um dia – ele nasceu. (Marco Heleno Barreto) A primeira referência de símbolo veio da África, especificamente do Egito, onde foi encon- trada, num selo de chumbo, uma espécie de marca identitária (um sinal); o selo era fabricado de uma matéria chamada tesserae, que, com o passar do tempo, incorporou a ideia/conceito de sím- bolo, isto é, a matéria (tesserae) se tornou um signo representativo (BECKER, 1999). No ocidente, atribui-se aos gregos a etimologia da palavra símbolo (sym-baloo ou sum-baloo que significa “por junto”). Fruto de uma prática cultural em que era costume do grego quebrar em duas partes uma peça de cerâmica, quando faziam um pacto, um empréstimo, um contrato, etc.; cada lado ficava com um pedaço da peça como um sinal, para, quando fosse o momento de fazer o acerto, as partes deveriam ser ajuntadas (por junto). A união das partes representaria um reconhecimento; uma unidade. Sobre isso, Jean Chevalier (2009) enfatiza o seguinte: Em sua origem, o símbolo é um objeto dividido em dois – fragmentos de cerâmica, de madeira ou de metal. Duas pessoas guardam cada uma delas, a metade desse objeto (o hospedeiro e o hóspede, o credor e o devedor, dois peregrinos (...), etc.). Mais tarde, ao juntar as duas metades, reconhecerão seus laços de hospitalida- de, suas dívidas ou sua amizade. (...). O símbolo separa e une, comporta as duas ideias de separação e de reunião; evoca (...). Todo símbolo comporta uma parcela de signo partido; o sentido de símbolo revela-se naquilo que é simultaneamente rompimento e união de suas partes separadas (CHEVALIER, 2009, p. XXI). GlOSSáRIO Arquétipo: (gr: ar- chétypon: modelo, tipo original). 1. Em Platão, as idéias como protótipos ou modelos ideais das coisas. 2. A teoria psicanalista de Jung define os ar- quétipos como imagens ancestrais e simbólicas desempenhando uma dupla função: a) exprimem-se através dos mitos e lendas que pertencem ao fundo co- mum da humanidade; b) constituem-se, em cada indivíduo, ao lado de seu inconsciente pessoal, o inconsciente coletivo que se mani- festa nos sonhos, nos delírios e em algumas manifestações artísticas. Bibliografia: JAPIASSU, Hilton, MARCONDES, Danilo. Dicionário Bási- co de Filosofia. p. 17. Figura 13: O Ser e o Cosmos. Fonte: Disponível em <http://www.mdig.com. br/imagens/mulher/umo- ja_08.jpg>. Acesso em 12 ago. 2013. ► 25 Ciências da Religião - Religião e Arte As duas partes do símbolo, o significante ou simbolizante (a parte sensível; o meio; suporte) e o significado ou simbolizado (a ideia; o conceito; o sentido), compõem, então, um signo espe- cial. Mas, como simbolizante e o simbolizado se particularizam e ao mesmo tempo se unem no símbolo? Como o homem fez isso? Nas palavras de Marco Heleno Barreto: Sendo constitutivamente uma relação entre um simbolizante tomado sempre da experiência sensível, e um simbolizado por defi nição transcendente e infi gurá- vel, o símbolo assim entendido só pode ser a transfi guração de algo sensível para evocar o sentido de algo supra-sensível. E, para que tal sentido não seja apenas uma fantasmagoria do espírito humano, é preciso postular a existência de dois níveis de realidade que se articulam na relação simbólica para assim expressar um sentido verdadeiramente real (BARRETO, 2008, p. 32). Nessa perspectiva, José Severino Croatto (2001) e José Auri Cunha (1992) atribuem ao mun- do (fenomênico) e à consciência religiosa (que é tendenciosa), o lastro de construção de símbo- los. Cunha fala de significantes cósmicos universais: as imagens da Lua, do Sol, da Terra, do fogo, do ar, da água. Na história da humanidade, houve povos que divinizaram e adoravam o Sol e a Lua (animismo, panteísmo); que realizam rituais religiosos com água, fogo, terra e ar (religiões diversas). Todos esses significantes, no entanto, possuem a sua própria identidade, sua função e é parte da estrutura cósmica. No entanto, o ser humano consegue “atravessar” esse primeiro sen- tido (natural: o Sol é um astro com luz própria) e ver nas coisas um segundo sentido (simbólico: o Sol como deus). Esse segundo sentido não está objetivado nas coisas mundanas, mas na cons- ciência dos sujeitos, pois se trata de uma experiência singular de povos. Cunha observa que a transfiguração e trans-significação (significar algo “além” de seu sen- tido primário ou “próprio”) de coisas mundanas em símbolos religiosos se dá através do “poder” dos significantes de despertar diretamente, profundas emoções humanas, algumas emoções atávicas (o símbolo é evocativo, remissivo). Croatto adverte que certas coisas são elevadas a sím- bolo “pelo que são e como são”, pois: Não é qualquer coisa deste mundo que pode simbolizar algum aspecto do “Mis- tério” nem sua vivencia. A serpente é um símbolo da sabedoria pelo jeito como age e se move; ou é um símbolo da vida porque troca sua pele anualmente ou porque vive na terra (é um animal ctônico); e pode chegar a ser símbolo da morte porque sua mordida é letal (CROATTO, 2001, p. 88). ◄ Figura 14: Baobá- árvore sagrada do povo africano. Por viver muitos anos_ cerca de mil a seis mil anos_ o Baobá é considerado sagrado para os povos africanos e por isso é sempre citado em lendas, poesias e ritos em todo o continente. Fonte: <https://bao- bahri.files.wordpress. com/2013/03/baobab.jpg?w=710>. Acesso em 1º abr. 2015. 26 UAB/Unimontes - 5º Período BOX 4 O SIMBOlISMO DA áRvORE Símbolo da vida em perpétua evolução e em ascensão para o céu, ela evoca todo sim- bolismo da verticalidade e também para simbolizar o aspecto cíclico da evolução cósmica: morte e regeneração. [...] Símbolo das relações que se estabelecem entre a terra e o céu. Por isso tem o sentido de centro; a Árvore do Mundo é um sinônimo de Eixo do Mundo. Fonte: CHEVALIER, Jean. Dicionário de Símbolos. p. 84. É interessante como o homem capta e significa analogicamente na matéria do mundo, algo transcendente. A grande variedade de símbolos encontrada em todas as culturas mostra esse transcendente fragmentariamente. Daí a heterogeneidade e multiplicidade do símbolo nas socie- dades humanas. Entretanto, para além da variedade simbólica no mundo, importa pensar que toda e qualquer manifestação simbólica e/ou cultural, remete a uma força e que, “tal força, se pensarmos dentro de uma prioridade ontológica e mesmo histórico-evolutiva, é a imaginação” (BARRETO, 2008, p. 14). Esse impulso humano cultuou terreno para a imaginação simbólica aflorar. E ela foi brotan- do (também) a partir de experiências vividas, de emoções despertadas, de sementes e signos especiais forjados com elementos mundanos (inspiradores, evocativos, remissivos, etc.) para se “olhar” uma realidade ordinária, “sentida” e vivida de forma extraordinária. Essa dialética existen- cial (transcendência/imanência) pode ser ‘capturada’ nas primeiras criações artísticas humanas em que se vê a arte com uma aura espiritualista, uma expressão de um apelo à transcendência, a uma mágica operação de apreensão e liga. Sobre isso Cunha (1992) dispõe: A forma mais primitiva de inserção da obra de arte no contexto da tradição se exprimia no culto. As mais antigas obras de arte, como sabemos, surgiram a ser- viço de um ritual inicialmente mágico, e depois religioso. [...] A produção artís- tica começa com imagens a serviço da magia. O que importa nessas imagens é que elas existem e não sejam vistas. O alce, copiado pelo homem paleolítico nas paredes de sua caverna, é um instrumento de magia só ocasionalmente ex- posto aos olhos de outros homens: no máximo ele deve ser visto pelos espíritos (CUNHA, 1992, p. 245). A transcendência pode se tornar uma ‘imagem projetada’ de desejos (de potência e ato) ante um mundo grandiloquente, “enigmático” “poderoso”, “ameaçador”, etc., fruto do imaginário simbó- lico humano, elaborada em um período de enormes desafios e enfrentamentos. Nesse imaginário, deuses eram sinônimos de potência; eram também modos de ver o mundo; representá-los e imitá -los no ritual mágico era um ato (espiritual) de liga e acomodação. Tudo alimentado por uma fron- dosa imaginação simbólica. Contudo, como surge essa imaginação? A imaginação simbólica surge como uma força primitiva, um impulso alteritário frente a um mundo que se constitui um “fundamento”, mas que, por ser “enigmático”, precisa ser apreendido. GlOSSáRIO Alteridade: (lat. alter: outro). Caráter do que é outro e se opõe ao mesmo; do ponto de vista lógico, negação estrita da identidade e afirmação da diferença. Bibliografia: Dicionário Básico de Filosofia. JAPIASSU, Hilton e MAR- CONDES, Danilo. p. 7. Arquétipo: (gr. ar- chétypon: modelo, tipo, original). 1. A teoria psicanalista de Jung, valorizando a teoria estóica da alma universal, considerada como lugar de origem das almas individuais, define os arquéti- pos como imagens ancestrais e simbólicas, desempenhando uma dupla função: a) exprimem-se através dos mitos e lendas que pertencem ao fundo co- mum da humanidade; b) constitui, em cada in- divíduo, ao lado do seu inconsciente pessoal, o inconsciente coletivo que se manifesta nos sonhos, nos delírios e em algumas manifesta- ções artísticas. Bibliografia: Dicionário Básico de Filosofia. JAPIASSU, Hilton e MAR- CONDES, Danilo. p. 17. Figura 15: Árvore Sangue de Dragão. A Dracaena draco, é conhecida pelo nome comum de dragoeiro. A planta que é originária da Macaronésia (Atlântico norte, próximo a África) pode atingir mais de 15 metros e viver centenas de anos; era considerada pelos nativos como uma árvore sagrada. Este nome vem do mito grego, “O Décimo trabalho de Hércules’, as maçãs de Hespérides. Fonte: Disponível em <http://www.treepixel. com.br/forest/wp-content/ uploads/2013/07/dracaena- draco2-e1372715342950. jpg>. Acesso em 1º abr. 2015. ► 27 Ciências da Religião - Religião e Arte Por meio do devaneio e da imaginação, o homem mergulha nesse mundo, nas imagens e formas da matéria, assimilando-as simbolicamente. Tal relação ocorreu de forma estética, isto é, através de sentidos, sentimentos e emoções, expressados por meio de uma linguagem – simbólica – que iria colaborar com a abertura das cortinas do real e com a “inauguração” do ser humano no mundo. Essa “instituição da humanidade” ocorre, segundo Barreto (2008), através de uma imagina- ção criadora; por meio da fusão de forças naturais, instintivas, a forças objetivas, dialeticamente, rompendo um “cordão umbilical” que mantinha ainda ligado as forças da natureza às forças da nossa natureza. Sobre a imaginação humana, esse autor dispõe o seguinte: A imaginação é a mais primitiva força humana. (...) ela é provavelmente o mais antigo traço material tipicamente humano – mais antigo do que a razão dis- cursiva; é provavelmente a fonte comum do sonho, da razão, da religião e de toda observação verdadeira. Responsável pela fragmentação da experiência sensória e instalando na vacância provocada pela ruptura ou afrouxamento pronunciado dos vínculos naturais-instintivos na situação humana, é a imagi- nação humana que torna possível o primeiro ato de abstração propriamente humano, marcando assim o advento da espiritualidade no mundo. “Concepção primitiva”, ela é a condição de possibilidade do surgimento da linguagem (BAR- RETO, 2008, p.15). O filósofo Gaston Bachelard (1997) assevera que a imaginação é uma capacidade sobre-hu- mana de ultrapassar as fronteiras da vida, sobrevoando-as e transcendendo o denso engatinhar no chão das necessidades primárias. A imaginação simbólica promove um voo transcendental, alargando o horizonte da visão. Para Mircea Eliade (1991), imaginação está ligada à imagem, representação, reprodução. A fonte seria as imagens e formas do real e o que elas evocam para o sujeito. Etimologicamente, imaginação vem de imago, de representação, imitação, reprodução de algo. Em referência à con- ceituação de imaginação de Eliade, reflete essa autora: Para o filósofo e historiador das religiões, Mircea Eliade, a imaginação humana, inspirada por sonhos e devaneios constrói significados a partir das imagens for- mais do mundo. Capta da sua face imagens que inspiram, pois a imaginação tem uma visão mais ampla, uma capacidade maior de abarcar. (...) Ao devanear nas imagens e da matéria o homem procurou entender a realidade profunda das coi- sas, que se afiguravam caóticas demais para serem conceituadas, causando sen- timentos antagônicos. (...) Eliade apresenta a imaginação simbólica dos mean- dros da formação do pensamento humano e da complexa urdidura do mundo. O filósofo faz uma arqueologia do imaginário e do símbolo ao se embrenhar num tempo mítico buscando raízes (ISIDÓRIO, 2010, p. 89). Essa relevância antropológica da imaginação criadora no “decorrer” do desenvolvimento hu- mano traz uma inquietação: a diferença entre imaginação e razão. Razão é, em tese, reflexiva e crítica, procedendo por distanciamento do objeto de conhecimento e com “neutralidade”; ima- ginação procede por aproximação, envolvimento e adesão ao mundo, procedendo a “racionaliza- ção universal”. Gaston Bachelard (1997) acentuaque a imaginação se desenvolve no entrelaçar humano com a matéria do mundo, pois ela (matéria) possui várias funções: metafísica, ética, psicológica, etc.. Ela tem o poder de despertar e burilar a consciência, pois deslumbra, assombra, angustia, acalenta, inspira, eleva o espírito para além do chão efêmero, ao mesmo tempo em que o con- forma, pois, para ele, não se pode apartar o pensamento (matéria pensante) do meio (matéria pensada), já que a matéria é o substrato de todas as coisas e transformações. Nesse sentido, a matéria é uma fonte de conhecimento. Lembramos que o espírito investi- gador científico é guiado pela imaginação e pela criatividade. Embevecido e instigado pela ma- téria, o homem buscou desvelar o Logos (“fala” e “evocação”) do Cosmos –pela via da filosofia e da ciência. Na arte religiosa, a imaginação realiza uma experiência simbólica advinda de vivências co- letivas de emoções básicas relacionadas com o sentido da vida e da morte. É o vivido coletivo ativando a simbologia religiosa “primitiva” (CUNHA, 1992, p. 244). Esse autor assevera que a arte religiosa, que é simbólica, em suas primícias, teria um elo de dependência com o ritual, pois o rito é o gestual do símbolo. Nele se vivificam em imagens, formas, palavras, performances, o mito assim como o símbolo. Assim, “o rito está “entre” o símbolo e o mito, no sentido de que participa de um e de outro” (CROATTO, 2001, p. 330). GlOSSáRIO Demiurgo: (gr. demiour- gos: aquele que traba- lha para o povo). No pensamento grego, o demiurgo é um deus ou o princípio organizador do universo, que traba- lha a matéria (o caos) para dar-lhe uma forma. Ele não a cria, apenas a modela contemplando o mundo das ideias. Bibliografia: JAPIASSU, Hilton, MARCONDES, Danilo. Dicionário bási- co de Filosofia. p. 67. Hierofania: (gr. hiero: sagrado). Manifestação do sagrado. Bibliografia: ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. p. 17. Imagem: A noção de imagem refere-se a coi- sas diversas: esculturas, fotografias, filmes, refle- xo em um espelho ou no espelho d’água; nas ficções, lendas, mitos. Algumas imagens se referem à exterioridade do mundo (pinturas, filmes, etc.), outras à in- terioridade da consciên- cia (sonhos, devaneios, imaginação, memória). Apesar dessa multipli- cidade, algo é comum a todas elas: oferece um análogo das coisas, seja porque estão no lugar das próprias coisas, seja porque faz imaginar coisas através de outras. A imagem é dotada de um poder especial: torna presente algo au- sente, seja existente ou inexistente (criado). A consciência imaginativa tem como ato, o imagi- nário, e como conteúdo, o objeto – em imagem. Bibliografia: Convite à Filosofia. CHAUI, Mari- lena. p. 131-132. 28 UAB/Unimontes - 5º Período Conforme o supracitado, se o símbolo é uma coisa que transfigura e trans-significa outra, o ritual é um gesto que possui outro significado. Também vimos que o símbolo pode ser uma re- presentação de algo através de imagens ou desenhos, palavras, gestos (um erguer de mãos, um toque de tambor, uma dança, etc.). A ação ritual também trans-significa algo, remetendo para outro sentido, pois é, não só um avivamento do mito, como também uma repetição de um acon- tecimento divino ou transcendental. Os rituais são esforços para “trazerem” para a vida terrena o plano da transcendência. Cunha observa que quando certos rituais são de evocação (do “sagrado” ou de deuses, etc.), possuem um caráter “estético”, por serem tidos como hierofanias, ou seja, como manifestação de algo sagrado, como “traços da divindade, talvez apenas marcas da sua passagem, sua brisa, seu cheiro ou sua aura. Em suma: a experiência evocativa de seus símbolos” (CUNHA, 1992, p. 240). A arte religiosa, sendo uma externalização de experiências transcendentais e do mundo in- terior humano, revela não só o “ser simbólico” como também o “ser divino”, pois, ao criar obras de arte que replicam um “mundo sagrado”, numa imitatio Dei, o homem se torna um poderoso artífi- ce, um Criador deslumbrante, ao modo de um deus. Figura 17: “Templo de Meenakshi,” localizado em Madurai, no estado de Tamil Nadu, Índia. O templo foi construído em 1599 e é retocado a cada 12 anos. As figuras incluem espíritos guardiões e dragões. A sua fachada traz o seguinte: “uma reunião de príncipes saúda o casamento de Shiva e Parvati, que figuram em Madurai em suas emanações locais de Sundareswara e Meenakshi”. Fonte: Disponível em textual: Julian Bell. Uma nova História da Arte. p. 222. em <http://goo.gl/ EsQiKN>. Acesso em 15 abr. 2015. ► Figura 16: Shiva. Fonte: Disponível em <http://www.totalbhakti. com/wallpaper/image/ thum_1280x1024/Lor- d-Shiva-46.jpg>.Acesso em 22 abr. 2015. “A função religiosa, predominante nos mitos, transmitiu-se à produção artística, quando esta esteve a serviço dos cultos. Shiva, deus da mitologia hindu, tem o fogo da sabedoria em uma das mãos e, na outra, um pequeno tambor que marca o tempo terreno.” CUNHA, José Auri . Filoso- fia, p. 244. ► 29 Ciências da Religião - Religião e Arte BOX 5 COSMOlOGIA A cosmologia é tão velha quanto a própria humanidade. A cosmologia mais primitiva que conhecemos, criada pelos povos que viveram na era neolítica, era, como não podia dei- xar de ser, extremamente ‘local’. Para esses povos o universo era aquilo com que eles intera- giam de modo imediato. Para eles o universo, ou seja, as coisas cosmológicas eram o clima, os terremotos, os vulcões, e as fortes mudanças que ocorriam ao longo do ano no meio am- biente que os cercava. Todas as outras coisas que ocorriam fora da vida diária comum desses povos eram interpretadas como sendo sobrenaturais. Esse é o motivo pelo qual muitos his- toriadores dão à cosmologia desenvolvida por esses povos o nome de “Cosmologia Mágica”. Os povos primitivos projetavam seus próprios sentimentos e pensamentos internos dentro de um mundo animístico externo, um mundo onde todas as coisas tinham vida. Através de preces, sacrifícios e presentes aos espíritos, os seres humanos ganhavam controle dos fenô- menos que ocorriam no seu mundo. Essa é uma visão do mundo mágica e antropomórfica, de uma terra, água, vento e fogo vivos, nos quais os homens e mulheres projetaram suas próprias emoções e motivos como sendo as forças que os guiavam. Fonte: Ministério de Ciência e Tecnologia. Observatório Nacional. IN. <http://www.fisica.net/giovane/astro/Modulo1/ cosmologia-antiga.htm>. Acesso em 1º mai. 2015. Referências ARMSTRONG, Karen. Uma história de Deus: quarto milênios em busca do judaísmo, cristianis- mo e islamismo. Tradução Marcos Santarrita; revisão da tradução Hildegard Feist, Wladmir Araú- jo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. BACHELARD, Gaston. A água e os Sonhos: ensaios sobre a imaginação da matéria. Tradução An- tonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BARRETO, Heleno Marco. Imaginação simbólica: reflexões introdutórias. São Paulo: Edições Loyola, 2008. BAUMGART, Fritz. Breve História da Arte. Tradução Marcos Holler. 3 ed. São Paulo: Martins Fon- tes, 2007. BELL, Julian. Uma nova história da arte. Tradução: Roger Maioli. Revisão da tradução Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2008. BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. Tradução Maria P. V. Zurawski, J Guinsburg, Sérgio Coelho e Clóvis Garcia. São Paulo: Perspectiva, 2010. BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. 6. ed. São Paulo: Ática, 1999. CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. Tradu- ção Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Martins Fontes, 1994. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: (mitos, sonhos, costumes, ges- tos, figuras, cores, números). Com a colaboração de
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