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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Saúde da Criança I NUTRIÇÃO NA INFÂNCIA Aleitamento Materno: - O aleitamento materno representa a estratégia natural mais inteligente de vínculo e afeto entre mãe e bebê e de proteção e nutrição para a criança. - Constitui a intervenção mais sensível, eficaz e econômica para a redução da morbimortalidade infantil. - A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS) recomendam aleitamento materno exclusivo por 6 meses e complementado até 2 anos ou mais. - A introdução de outros alimentos deve ocorrer apenas após 6 meses de aleitamento materno exclusivo. - A introdução precoce (< 6 meses) de outros alimentos está associada a maior número de episódios de diarreia, maior número de hospitalizações por doença respiratória, maior risco de desnutrição, menor absorção de nutrientes importantes do leite materno, como ferro e zinco, menor eficácia da amamentação como método contraceptivo e menor duração do aleitamento materno. Classificação: - Aleitamento materno exclusivo: quando a criança recebe somente leite materno, direto da mama ou ordenhado previamente, ou leite humano de outra fonte, sem a associação de outros líquidos ou sólidos, com exceção de gotas ou xaropes contendo vitaminas, suplementos minerais ou medicamentos. - Aleitamento materno predominante: quando a criança recebe, além do leite materno, água ou bebidas à base de água (chás, por exemplo), sucos de frutas e fluidos. - Aleitamento materno: quando a criança recebe leite (direto da mama ou ordenhado), independentemente de receber ou não outros alimentos. - Aleitamento materno complementado: quando a criança recebe, além do leite materno, qualquer alimento sólido ou semissólido com o objetivo de complementá- lo e não de substituí-lo. - Aleitamento materno misto ou parcial: quando a criança recebe leite materno e outros tipos de leite. Composição do leite materno: - O leite materno secretado nos primeiros dias após o parto recebe o nome de colostro. O colostro contém maior teor de proteínas e menor teor de gorduras quando comparado ao leite materno maduro, que é secretado a partir do 7º dia após o parto. - O leite materno contém fatores imunológicos que protegem a criança contra infecções, uma vez que o seu sistema imune ainda não está completamente desenvolvido. A IgA secretória representa o principal anticorpo secretado no leite materno e atua contra microrganismos presentes nas superfícies epiteliais das mucosas, principalmente do trato respiratório e do trato gastrointestinal. Os anticorpos IgA secretados são os mesmos presentes no trato gastrointestinal e no trato respiratório da mãe. - O leite do início da mamada, também chamado de leite anterior, apresenta aspecto semelhante ao da água de coco, sendo extremamente rico em anticorpos, principalmente IgA secretória. - O leite do meio da mamada apresenta coloração branca opaca devido ao aumento da concentração de caseína (proteína presente no leite). - O leite do final da mamada, também chamado de leite posterior, apresenta coloração amarelada devido à presença de β-caroteno, pigmento lipossolúvel presente em vegetais de cor laranja, originado da dieta materna. - A concentração de gordura no leite aumenta ao longo da mamada, de forma que o leite posterior é o mais rico em gordura, ou seja, mais rico em energia, e responsável por saciar mais a criança. OBS.: Estes conhecimentos não são necessários para a mãe ou para a família do bebê, uma vez que, se o bebê mama por livre 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 demanda, ele terá acesso a todos os tipos de leite. - A composição do colostro e do leite materno maduro de mães de crianças nascidas a termo em comparação com a composição do leite de vaca é a seguinte: Nutriente Colostro Leite Maduro Leite de Vaca Calorias (kcal/dL) 48 62 69 Lipídios (g/dL) 1,8 3,0 3,7 Proteínas (g/dL) 1,9 1,3 3,3 Lactose (g/dL) 5,1 6,5 4,8 - O leite materno contém mais carboidratos (calorias) e lipídios do que o colostro, possibilitando o fornecimento de maior energia para o bebê. Entretanto, o colostro contém maior quantidade de proteínas do que o leite materno maduro, visto que a concentração de anticorpos é maior, pois, nos primeiros dias de vida, a criança ainda apresenta o sistema imunológico extremamente imaturo, havendo maior risco de infecções. - A quantidade de proteínas e de lipídios no leite de vaca, por sua vez, é muito maior do que no colostro e no leite materno maduro. Assim, crianças com menos de 1 ano de idade que fazem uso do leite de vaca são expostas a grandes quantidades de proteínas e de lipídios nas fases iniciais da vida. Além disso, a composição proteica do leite de vaca é diferente do leite materno. A principal proteína presente no leite materno é a lactoalbumina e a principal proteína presente no leite de vaca é a caseína, de difícil digestão para a espécie humana. - O leite de vaca também contém poucos ácidos graxos essenciais, poucos carboidratos e poucos oligoelementos, como ferro e zinco, além de não conter prebióticos e probióticos. OBS.: Prebióticos são substâncias que, ao entrarem em contato com o TGI, estimulam a proliferação de bactérias benéficas para o organismo, formando a microbiota intestinal. Probióticos são as próprias bactérias que formam a microbiota intestinal. - O consumo de leite de vaca por crianças com menos de 1 ano de idade está associado a aumento do risco de desenvolvimento de alergias, obesidade, HAS e alterações da função renal. - Portanto, o leite de vaca não deve ser introduzido antes de a criança completar 1 ano de idade e, diante da impossibilidade de aleitamento materno, deve-se introduzir fórmula láctea infantil. - A maioria das fórmulas lácteas infantis existentes no mercado são elaboradas à base de leite de vaca e apresentam adaptações em relação ao seu teor de carboidratos, proteínas e vitaminas. Entretanto, os fatores anti-infeciosos e bioativos presentes no leite materno não são encontrados nas fórmulas lácteas infantis. Mesmo assim, as fórmulas lácteas são muito superiores ao leite de vaca. Leite Materno Leite de Vaca Fórmula Láctea Proteínas Quantidade adequada, fácil de digerir Quantidade aumentada, difícil de digerir, devido ao aumento da quantidade de caseína Quantidade adequada, menor quantidade de caseína quando comparada ao leite de vaca Lipídios Suficiente em ácidos graxos essenciais, presença de lipase para digestão Deficiente em ácidos graxos essenciais, ausência de lipase para digestão Adição de ácidos graxos essenciais, redução de gorduras saturadas e adição de óleos vegetais Minerais Quantidade adequada Excesso de cálcio, fósforo, sódio, cloro e potássio Alteração nos teores de minerais, relação cálcio/fósforo adequada, favorecendo a mineralização óssea Ferro e Zinco Pouca quantidade, bem absorvidos Pouca quantidade, mal absorvidos Adicionados Vitaminas Quantidade suficiente Quantidade deficiente de vitaminas C, D e E Adicionadas Prebióticos Quantidade suficiente Quantidade deficiente Adicionados Probióticos Quantidade suficiente Quantidade deficiente Adicionados Água Suficiente Necessidade de quantidade extra Possível necessidade de quantidade extra 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - O leite materno pode ser oferecido em livre demanda, correspondendo de 8 a 12 vezes ao dia. Entretanto, as fórmulas infantis devem ser ofertadas de forma limitada ao bebê, devido ao maior risco de distúrbios nutricionais, como sobrepeso e obesidade. - Além da IgA secretória, o leite materno também contém outros fatores imunológicos da mãe que objetivam a proteção do bebê contra infecções. São eles: → Anticorpos IgM e IgG (reflexos de infecções e imunizações maternaspassadas). → Lactoferrina. → Lisozima. → Fator bífido: favorece o crescimento de Lactobacillus bifidus, bactérias que acidificam as fezes, dificultando a proliferação de bactérias que causam diarreias graves, como Salmonella sp., Shigella sp. e Escherichia coli. - Como saber se o RN está mamando adequadamente? → Como o peso não é uma medida confiável nas primeiras 2 semanas de vida do bebê, devemos observar as fraldas. → Dias 1 e 2: fezes escuras/mecônio; 1 a 3 fraldas de urina. → Dias 3 a 6: fezes verde-escuras; 3 a 4 fraldas de urina. → A partir de 7 dias: fezes amareladas e pastosas; 6 ou mais fraldas de urina. OBS1.: Nos dias 1 e 2, o mecônio é mais pegajoso. No dia 3, torna-se menos pegajoso. No dia 4, apresenta-se mole e com grumos. Nos dias 5 a 7, apresenta-se mole e com grumos ou líquido. OBS2.: As fezes moles e com sangue ou de coloração branca (acolia) são preocupantes. - Se a criança não estiver recebendo leite materno ou fórmula láctea infantil, deve-se iniciar alimentação complementar aos 4 meses de vida. Benefícios do aleitamento materno: Para a criança: - Os benefícios do aleitamento materno estendem-se desde o nascimento até os 2 anos de vida do bebê. - Prevenção de mortes infantis (evita 13% das mortes em crianças < 5 anos de idade no mundo). - Prevenção de diarreia. - Prevenção de infecções respiratórias (pneumonia, otite e bronquiolite). - Diminuição do risco de alergias, principalmente alergia à proteína do leite de vaca (caseína). - Diminuição do risco de HAS, dislipidemia e DM. - Diminuição do risco de obesidade. - Melhor nutrição ao bebê durante os primeiros 6 meses de vida. - Efeito positivo na inteligência. - Melhor desenvolvimento da cavidade oral, devido ao exercício de mamar, que possibilita melhor conformação do palato e dos dentes. Para a mãe: - Proteção contra câncer de mama. - Prevenção de nova gestação (efeito anticoncepcional) apenas durante os primeiros 6 meses após o parto e se a mulher estiver em amenorreia. - Promoção de vínculo afetivo entre mãe e filho. - Melhor qualidade de vida. - Menor custo financeiro. Contraindicações ao aleitamento materno: - Mães infectadas por HIV, HTLV1 e HTLV2. - Uso materno de medicamentos, como antineoplásicos e radiofármacos. - Recém-nascido com galactosemia. - Infecção por HSV nas mamas. 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Varicela materna de 5 dias antes até 2 dias após o parto. - Doença de Chagas em fase aguda. - Abcesso mamário. - Uso de drogas (aguardar o tempo de eliminação da droga do leite materno). Falsas contraindicações ao aleitamento materno: - Tuberculose. - Hanseníase. - Hepatite B. - Hepatite C. - Dengue. - Tabagismo (os benefícios do aleitamento materno superam os riscos da nicotina para o bebê). - Consumo de álcool. Alimentação Complementar: - A alimentação complementar deve ser iniciada aos 6 meses de vida em bebês que receberam aleitamento materno exclusivo e aos 4 meses de vida em bebês que não receberam aleitamento materno ou fórmula láctea infantil. - A alimentação complementar deve ser iniciada de forma gradual, respeitando-se o crescimento e o desenvolvimento da criança. - Os 10 passos para a alimentação saudável em crianças < 2 anos de idade são: → Dar apenas leite materno até os 6 meses de vida (aleitamento materno exclusivo). → A partir dos 6 meses de vida, introduzir outros alimentos de forma gradual, mantendo o aleitamento materno complementado até os 2 anos de vida. → Alimentos complementares 3 vezes por dia em crianças em aleitamento materno complementado e 5 vezes por dia em crianças desmamadas. → Alimentação sem rigidez de horários. → Alimentação complementar espessa (ofertada com colher) desde o início. → Oferecer alimentos diferentes todos os dias. → Estimular o consumo diário de frutas, legumes e verduras. → Evitar açúcar, café, alimentos processados e ultraprocessados, frituras, balas, salgadinhos, refrigerantes, etc. → Cuidar da higiene no preparo e no manuseio dos alimentos. → Estimular a criança doente a se alimentar. - A partir dos 12 meses de vida, a criança já deve realizar as refeições juntamente com a família, momento em que deve ser treinado o uso dos utensílios de cozinha. - Deve-se sempre evitar caldos e temperos industrializados. Além disso, azeites/óleos e sal devem ser utilizados apenas em pequenas quantidades. - No 1º ano de vida, não se deve utilizar mel, visto que o mel pode conter esporos da bactéria Clostridium botulinum, capazes de produzir toxinas na luz intestinal causando botulismo. - Nenhuma fruta é contraindicada. Para a preparação dos alimentos, pode-se utilizar temperos naturais, mas deve-se evitar sal durante o 1º ano de vida. - Alimentos não recomendados nos primeiros 2 anos de vida: açúcar, alimentos processados e ultraprocessados, balas, salgadinhos, biscoitos recheados, 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 refrigerantes e outros alimentos com grande quantidade de açúcar, visto que estão associados ao aumento do risco de sobrepeso e obesidade ainda na infância, condições que podem permanecer até a vida adulta, além de aumentarem o risco de outras complicações como HAS, DM e dislipidemias. Além disso, estes alimentos também são causa de anemia e alergias. - Suplementação de Ferro: - A anemia durante os primeiros 2 anos de vida aumenta o risco de infecções e de atraso no aprendizado escolar das crianças no futuro. - A vitamina D é importante para a manutenção da saúde óssea, a regulação do metabolismo do cálcio e do fósforo, a diminuição do risco de doenças cardíacas, neoplasias, esclerose múltiplas, obesidade, asma e DM tipo I. - As recomendações de ingestão de vitamina D segundo a idade são: → 0-12 meses: 400 UI. → 1-3 anos: 600 UI. - A suplementação de vitamina A é recomendada apenas em regiões com hipovitaminose A endêmica, o que não é o caso da região sul do Brasil. Alimentação do Pré-Escolar: - A fase pré-escolar é caracterizada por diminuição do ritmo de crescimento, desenvolvimento dentário, preferência por alimentos doces e altamente calóricos e comportamento alimentar imprevisível. - O apetite do pré-escolar é irregular e variável de um dia para o outro. - Neofobia alimentar: rejeição de alimentos novos, geralmente após o 2º ano de vida; importância de postura tranquila e entusiasmada dos pais, com o objetivo de estimular a alimentação e nunca forçar, ameaçar ou premiar as crianças com comida. - Evitar ansiedade, com intervenções diagnósticas e terapêuticas desnecessárias e por vezes prejudiciais. - Oferecer alimentos em horários fixos. Se a criança não aceitar, não substituir, mas sim reoferecer posteriormente. 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - O tamanho das porções deve ser compatível com a idade da criança. - Evitar líquidos durante as refeições, visto que causam saciedade mais rapidamente. - Evitar doces e refrigerantes. - Evitar mamadeira noturna. - Realizar as refeições em horários regulares, ambientes calmos e com a presença da família. - Alimentação variada, colorida, respeitando as proporções recomendadas na pirâmide alimentar. - Não substituir alimentos sólidos por leite. - Limitar o consumo de guloseimas, nunca utilizá-las como recompensa. - Respeitar às preferências das crianças, mas não limitar suas refeições apenas ao consumo dos alimentos preferidos. - Realizar 4-6 refeições ao dia com intervalos de 3 horas entre elas. - Buscar que a criança tenha independência para se alimentar, estimulando o uso de utensílios adequados para a idade. - A dieta do pré-escolar deve ser semelhante à dieta do adulto, respeitando-se as proporções adequadas de proteína, carboidrato e gordura em cada refeição e não exagerando no uso de sal. - Os transtornos alimentares, o sobrepeso e aobesidade iniciam nesta faixa etária, período em que a criança entra em contato com novos hábitos alimentares (consumo de salgadinhos, biscoitos recheados, refrigerantes, etc).
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