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DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO EM PEDIATRIA Rio de Janeiro 2022 GIOVANA SALVIANO BRAGA GARCIA 1 DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO EM PEDIATRIA Portfolio relativo ao semestre 2022.1 Orientador(a): Profª Carolina Castro Fleischman Henrique RIO DE JANEIRO MAIO 2022 2 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO DO CASO…………………………………………………………………… 4 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 7 FISIOPATOLOGIA.......................................................................................................... 9 DRGE E A ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE DE VACA (APLV) …................................. 11 DIAGNÓSTICO.......................................................................................................... 13 CONDUTA.......................................................................................................... 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 17 3 APRESENTAÇÃO DO CASO Caso é alusivo ao retirado do ambulatório de pediatria PDC SAÚDE a. Identificação do Paciente: R.S.Z.A., escolar, 6 anos, sexo feminino, parda, natural e procedente do Rio de Janeiro - Rj. b. História Clínica b.1. Anamnese Pediátrica Queixa Principal: “Aftas na boca” História da Doença Atual: Mãe relata que a paciente possui lesões aftosas de repetição desde os seus 2 anos de idade com eructações e soluços constantes, não acompanhada de febre sendo tratada com medicamento tópico Oncilon Orabase porém com recidiva e pouca melhora clínica. Relata também a presença de episódios de amigdalite de repetição com cerca de 5 episódios desde de agosto de 2021, com uso de antibióticos em uma base mensal. Em fevereiro, foi receitado pela otorrinolaringologista a utilização de Broncho-Vaxom 3,5mg diariamente, havendo melhora clínica. Nessa última sexta-feira, 29/04/2022, apresentou-se ao pronto socorro com febre aferida de 39° acompanhada de inflamação faríngea e amigdalite, sendo receitado alivium gotas 100mg/ml e Novalgina 1g. Mãe refere que a paciente apresenta há 2 meses diversos episódios de refluxo gastroesofágico acompanhado de eructações frequentes e dor abdominal periumbilical, relata melhora clínica com orientações passadas no último pediatra de dormir com cabeceira elevada e deitar-se apenas 1h30 após a janta. História Patológica Pregressa: Internação por anafilaxia à amoxicilina aos 4 meses acompanhado por quadro de pneumonia. Intolerância à lactose. Sensibilidade às mudanças climáticas e poeira. História Gestacional: Mãe: G2P2A0 com a presença de diabetes gestacional no terceiro trimestre da paciente, que foi tratada com obstetra .Paciente: Parto vaginal, na maternidade Seropédica, com idade gestacional de 42 semanas. O peso de nascimento foi de 3,500g, o comprimento de 50 cm, PC de 35 cm e Apgar de 8/9. Paciente teve alta em 3 dias. Teste de olhinho normal, teste da orelhinha normal, teste do coraçãozinho normal e teste do pezinho normal SIC. História Alimentar: A paciente recebeu aleitamento materno exclusivo até os 2 anos, que, posteriormente, foi modificado para dieta para idade. Ingere alimentos ricos em carboidrato, açúcares e gorduras ao longo do dia; faz o café da manhã, almoço e janta em casa e lanche da tarde na escola; ingere muitos sucos industrializados e aceita frutas e verduras ocasionalmente. Faz dieta livre de lactose, se há consumo tem crise de diarréia. História do Crescimento e Desenvolvimento: 4 Intercorrências: Pneumonia aos 4 meses tratada ambulatorialmente. Apresentou percentil peso x idade >2 na última consulta (elevado para idade) e percentil altura x idade entre +2 e -2 (adequado para idade). Desenvolvimento neuropsicomotor normal: Sustentou a cabeça aos 3 meses, sentou com 6 meses e andou com 9 meses. A paciente apresenta bom rendimento escolar em geral e boa convivência com colegas e família. História Vacinal: Calendário Vacinal completo. BCG (1 dose), Hepatite B (2 doses), Poliomielite (1 dose), Triplice Bacteriana (2 doses), Haemophilus (2 doses), Pneumocócica (2 doses), Rotavírus (2 doses), Meningocócica ACWY (2 doses), Meningocócica B (2 doses). Nega uso de imunoglobulina História Fisiológica: Sono reparador de 8h, ingesta hídrica insatisfatória de menos 1L por dia, micção sem alterações. Evacuações alteradas com ritmo irregular (às vezes 1x na semana, às vezes 3x no dia) com fezes padrão 1, intercalando com o padrão 2 na Escala Fecal de Bristol. Relata também que paciente sente grande dificuldade de defecar, com grande incômodo. Paciente pratica atividades físicas na escola. História Familiar: Mãe nega patologias de nota na família. História Social: Reside em casa de alvenaria arejada com 4 cômodos com mãe, pai e irmão mais velho com saneamento básico, água encanada e luz elétrica. Possuí um cachorro em casa ,nem fumantes e etilistas em casa. Paciente dorme e possui cama própria. b.2. Exame Físico Somatoscopia: Peso: 31 kg; Altura: 1,25 m. IMC: 19.8 kg/ m2 (eutrófica), Tax° 35,8°C. Paciente em bom estado geral, lúcida e orientada em tempo e espaço, ativa e reativa, anictérica, acianótica, hidratada, normocorada. FC: 98bpm Cabeça e pescoço: Crânio normocefálico. Ausência de movimentos involuntários Ausência de retrações, cicatrizes e abaulamentos no couro cabeludo. Cabelos com implantação normal e sem infestações parasitárias. Linfonodos não palpáveis. Mucosas: Na rinoscopia apresentava mucosas ligeiramente pálidas. Exame da orofaringe: Amígdala direita com sinais de inflamação e faringe inflamada. Otoscopia: sem alterações Aparelho Respiratório: Tórax atípico, eupneica (FR: 16 irpm), murmúrio vesicular universalmente audível, sem ruídos adventícios. Aparelho Cardiovascular:Ritmo cardíaco regular em 2 tempos, bulhas normofonéticas, não ausculto sopros ou extrassístoles. Abdome: Abdômen globoso e timpânico, levemente doloroso à palpação profunda em quadrantes inferiores, ruídos hidroaéreos presentes, ausência de herniações e visceromegalias. 5 b.3 Hipóteses diagnósticas: Doença do Refluxo Gastroesofágico Síndrome PFAPA Esofagite Eosinofílica Gastrite por H. Pylori Má rotação intestinal Gastroenteropatia Eosinofílica b.4 Conduta : Orientação a familiares sobre mudanças de hábitos de vida: introdução de legumes e verduras, evitar refeições com alto índice de gorduras, evitar alimentos que impulsionam a distensão gástrica como chocolates, pimentas, frutas cítricas, menta, café. Orientações: Deitar-se apenas 1h30 depois do jantar, dormir com a cabeceira elevada. Encaminho ao nutricionista para alteração dietética voltada para a perda de peso Encaminho ao Gastropediatra. —- Condutas voltadas à gastropediatria OBS: Melhora clínica? Se sim, manter orientações e remarcar consultas de acompanhamento. Se não, Inicio teste terapêutico empírico com supressão ácida com inibidores da bomba de prótons diário por 4-8 semanas - houve melhora clínica? Continuar por mais 4-8 semanas e depois realizar desmame. Não houve melhora? Procurar por diagnósticos diferenciais e investigação minuciosa de história clínica: Solicitar Rx contrastado do esôfago, estômago e duodeno, Impedanciometria esofágica intraluminal com pH-impedanciometria, endoscopia digestiva alta (EDA) com biopsia. Com EDA positiva, tratar com inibidores da bomba de prótons (IBP´s) e manter orientações. Resultados da EDA determinam a solicitação de mais exames como pHmetria de 24 horas e a busca de outros diagnósticos. 6 INTRODUÇÃO A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) caracteriza-se por manifestações clínicas variadas não necessariamente delimitadas a sintomas gastroesofágicos. É representado pela regurgitação de fluído gástrico/duodenal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes, resultando em um espectro de sinais e sintomas. A DRGE é a doença esofágica mais prevalente em idade pediátrica e é uma das principais causas de encaminhamento ao gastropediatra (AMARAL, DA 2012). A incidência de DRGE em pediatria foi estimado em 0,84 por 1.000 pessoas-ano.(Ruigomez,A et al 2012). Após 1 ano de idade, a incidência de DRGE diminui até os 12 anos e atinge um pico máximo aos 16 a 17 anos. A prevalência varia de acordo com o estudo e a idade. Estima-se que 10% de todas as crianças têm RGE e 1,8% a 8,2% têm DRGE. A prevalência estimada de DRGE em bebês de 0 a 23 meses, crianças de 2 a 11 anos e adolescentes de 12 a 17 anos é de 2,2% a 12,6%, 0,6% a 4,1% e 0,8% a 7,6%, respectivamente. Outras pesquisas não mostraram dados consistentes da prevalência de DRGE em crianças não pertencentes a grupos de risco, devido à sua grande variabilidade de sintomas e apresentação incomum (SANTOS, J et al 2020). É importante delimitar a diferença entre DRGE e refluxo gastroesofágico, que é um processo fisiológico e mais comum em lactentes. Ocorre quando há retorno do material gástrico para o esôfago, e pode ou não ser acompanhado de vômitos e regurgitação. A maior parte de episódios de RGE são caracterizados por retorno de conteúdo gástrico de forma breve e delimitada ao esôfago distal, e comumente assintomáticos. A diferenciação de RGE e DRGE em lactentes é desafiadora, visto que, essa faixa etária possui diversos episódios de RGE ao dia. A presença de dificuldade de ganho de peso, alterações comportamentais do lactente, anorexia, irritabilidade e expressivo decaimento da qualidade de vida estão relacionados a esse diagnóstico. A ocorrência desses sintomas relacionados ao refluxo gastroesofágico que fazem com que a criança relacione a alimentação com desconforto, dor e desprazer (PUCCINI FR e BERRETIN-FELIX G, 2015). Há a utilização de algumas ferramentas para diferenciar RGE de DRGE em lactentes, como o Escore de Orenstein modificado (Tabela 1). A pontuação maior que 7 tem uma sensibilidade de 74% e especificidade de 94% no diagnóstico de DRGE. Algumas manifestações extra-esofágicas como sibilância e tosse e, raramente, apneia podem desencadear resultados trágicos. Além disso, a aspiração de conteúdo gástrico também pode resultar em pneumonias de repetição e doença intersticial pulmonar, porém são acometimentos menos frequentes. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), cerca de 60% dos lactentes são afetados, principalmente entre o segundo e o quarto mês de vida. Em faixas etárias pediátricas mais elevadas, a apresentação da DRGE é similar à de adultos, porém ainda possuem sintomatologia diferenciada (Mousa, H et al 2017). A presença de tosse crônica, dor abdominal, náuseas e vômitos foram reportados. A esofagite erosiva, anorexia e recusa alimentar foi encontrada uma maior prevalência de crianças entre 1 a 5 anos de idade com DRGE avançado. Já em pré-escolares e adolescentes, encontramos sintomatologia clássica de DRGE adulto, como pirose retroesternal, azia, náuseas e plenitude pós prandial (SBP, 2017). Ademais, é válido discutir a presença de 7 manifestações extra esofágicas como a correlação entre hiperreatividade brônquica, asma, sibilância, rouquidão, laringites de repetição e até mesmo erosão do esmalte dentário com o DRGE. O diagnóstico de DRGE é predominantemente clínico, apesar da vasta disponibilidade de exames laboratoriais e de imagem nenhum é considerado o padrão-ouro (Ferreira, C et al 2014). Quanto ao tratamento farmacológico e não-farmacológico, os lactentes que possuem RGE porém nenhum sinal de alerta não têm necessidade de terapia farmacológica, visto que é um processo fisiológico. Quanto aos lactentes e crianças maiores com clínica de DRGE pediátrica e sinais de alerta, apenas a terapia não farmacológica é implementada, exceto casos mais graves. Alguns fatores e doenças predisponentes presentes na criança podem torná-la alto risco para DRGE, como: doenças neurológicas, hérnia diafragmática congênita, esclerodermia, prematuridade significativa, condições genéticas como Síndrome de Down, história familiar de DRGE, clearance esofágico diminuído por deglutição ou musculatura acessória anormal, constipação, utilização de alguns medicamentos, anormalidades ósseas, obesidade, atresia esofagiana, distúrbios respiratórios crônicos e transplante de pulmão (Mousa, H et al 2017 e Poddar, U et al 2018). Tabela 1 Tabela 1 8 FISIOPATOLOGIA Antes de explicar o mecanismo fisiopatológico do DRGE, é importante elucidar os mecanismos fisiológicos contra o refluxo gastroesofágico. A inflamação e irritação do epitélio do esôfago ao ser exposto à conteúdo gástrico resulta em dano epitelial e suas reverberações. Para proteger esse epitélio, várias estruturas anatômicas e mecanismos fisiológicos atuam em sinergia para impedir o RGE como uma barreira, dos componentes anatômicos observamos a entrada oblíqua do esôfago, roseta da mucosa gástrica no nível da cárdia, elementos de fixação do estômago – artéria gástrica esquerda, ligamento frenoesofágico, pilar direito do diafragma (diafragma crural) e o fator valvular – prega de Gubaroff. Dos componentes fisiológicos temos a barreira antirrefluxo, clareamento esofágico e resistência do epitélio esofágico. A barreira antirrefluxo é formada pelo esfíncter esofágico inferior (EEI), o ângulo de His, o diafragma e o ligamento frenoesofágico. O EEI consiste em músculos lisos circulares, compostos pelos músculos intrínsecos do esôfago distal e as fibras de sling (ou de estilingue) do estômago proximal. O diafragma crural forma o hiato esofágico e circunda o EEI proximal. O ligamento frenoesofágico ancora o esôfago distal ao diafragma crural. Uma pequena porção do EEI, até 2 cm em adultos, é intra-abdominal. O EEI em repouso tem uma pressão maior do que a pressão intra-abdominal, e isso evita o refluxo de conteúdo gástrico para o esôfago distal. O ângulo de His é um ângulo agudo entre a grande curvatura do estômago e o esôfago, e atua como barreira antirrefluxo funcionando como uma válvula. O distúrbio de qualquer um desses mecanismos homeostáticos pode causar o RGE ou DRGE. OBS: Apesar de haverem poucas informações sobre o ângulo de His em lactentes, supõe-se que esse ângulo seja mais obtuso em lactentes de até 1 ano de idade, isso predisporia seu estômago em uma posição mais verticalizada, facilitando o RGE fisiológico. (Mousa, H et al 2017) Por conseguinte, é de suma importância elucidar os principais mecanismos fisiopatológicos do DRGE. O relaxamento do EEI é um dos mecanismos envolvidos: a pressão basal do EEI gira em torno de 20 mmHg (maior que a pressão intra-abdominal) impedindo o RGE. Com o relaxamento deste esfíncter a pressão chega a 1-4 mmHg, causando o refluxo gastroesofágico. É comumente associado com a distensão gástrica após o consumo de alimentos em grande quantidade, chocolate, álcool e menta. Tem associação também com a esclerodermia, em que há disfunção colinérgica dos músculos e nervos anexos (Chen, J et al 2019). Outro mecanismo importante é o relaxamento transitório ou inapropriado do EEI (RTEEI), que consiste no relaxamento do EEI mesmo sem deglutição. O esfíncter esofágico inferior se localiza na parte distal do esôfago, com a deglutição o mesmo se abre e no descanso se fecha. O RTEEI é um mecanismo mediado pelo nervo vagal e tem papel importante na fisiopatologia do DRGE, sendo a principal causa de refluxo ácido e não ácido também em indivíduos saudáveis. Acredita-se que esse mecanismo seja ativado quando há o consumo de alimentos com grande densidade calórica e consumo de carboidratos de alta complexidade gerando fermentação dentro do estômago. Esses alimentos geram distensão gástrica, que engatilham o RTEEI, ocorrendo liberação de gases levando a eructações. A falha mecânica em um dos mecanismos envolvidos pode gerar o RGE, ou até mesmo o DRGE, como a incompetência do diafragma crural. Na inspiração ou em situações em que há a elevação da pressão intra-abdominal, o refluxo é impedido pela contração do 9 diafragma crural. Uma vez existindo uma falha nesse mecanismo, estabelece-se o refluxo. Naturalmente, um dos mecanismos mais importantes é o aumento da pressão intra-abdominal em situações como ascite, obesidade, gravidez ou exercícios intensos sem que haja uma elevação compensatória doEEI, impedindo o refluxo. A obstrução ou constipação no TGI pode gerar refluxo retrógrado, sendo um importante mecanismo a ser avaliado em anamnese e exame físico. Na fisiopatologia do DRGE é importante mencionar a natureza e o volume do material refluído. O principal agressor do suco gástrico é a pepsina, que quando refluída para o esófago realiza a digestão da proteína celular gerando alteração do epitélio esofágico. Alguns medicamentos, como a teofilina, B-bloqueadores, anticoncepcionais, anticolinérgicos e bloqueadores de canais de cálcio podem desencadear o refluxo, mediante diminuição da pressão do EEI. Alguns alimentos como frutas cítricas, menta, alimentos gordurosos, café e álcool levam o paciente a apresentar sintomas típicos de refluxo gerando o famoso “acid pocket”. 10 DRGE E A ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE DE VACA (APLV) A DRGE e a APLV ambas são condições muito comuns da faixa etária pediátrica, mais especificamente no lactente. Há um grande debate sobre o tratamento concomitante dessas duas condições, pois são indistinguíveis e de difícil diagnóstico devido a falta de exames comprobatórios e uma gama de diagnósticos diferenciais. Dentre esses, encontram-se a fome, problemas de adaptação mãe-bebê, refluxo fisiológico, problemas no sistema digestivo que possuem sintomas altamente inespecíficos como choro, irritabilidade e insônia. O tratamento conservador leva ao excesso de medicações e dietas de exclusão rigorosas que muitas das vezes são desnecessárias, causando prejuízo funcional. Segundo Vandenplas Y et al, há uma relação causal entre as duas condições sugerindo que há um grupo seleto de lactantes em que o DRGE é atribuído à APLV. Devido a falta de exames diagnósticos, o consenso da NASPGHAN/ESPGHAN sobre DRGE aconselha a realização de um teste terapêutico de duas a quatro semanas com fórmula infantil hidrolisada ou com fórmula de aminoácidos e, para os lactentes em seio materno exclusivo, a exclusão do leite de vaca de derivados. Dessa forma, conseguimos excluir a possibilidade de DRGE causada por APLV sem a utilização de medicações. Entretanto, há convergências entre consensos, pois o RGE pode ser a única manifestação da APLV em lactentes apenas no seio materno. Apesar de vários estudos como o de Borrelli et al, a correlação entre as duas condições não é elucidada cientificamente, porém é digna de nota. Alguns dados em modelos animais mostraram alterações neurais da motilidade gastrointestinal secundária às reações de hipersensibilidade imediata, induzindo o retardo no esvaziamento gástrico e alterações da secreção gástrica. Essas alterações seriam desencadeadas por ativação e degranulação de mastócitos e eosinófilo, liberando citocinas e ativação de receptores gástricos gerando alterações de motilidade e contráteis, causando RGE. Dessa forma, Borrelli et al. concluiu que as alterações neurais são desencadeadas pelo leite de vaca alteram a atividade motora do esôfago, retardando o esvaziamento gástrico e os relaxamentos transitórios do EEI, aumentando a ocorrência de episódios de RGE. O estudo de Emerenziani e Sifrim revelou que quanto mais lento o esvaziamento gástrico, maior o pH e extensão proximal dos episódios de refluxo. Os resultados de todos esses estudos e comparação com diversos métodos diagnósticos são apresentados na Tabela 2 oferecida por Ferreira CT et al. O estudo realizado por Soares ACF et al, comunica que a maior parte dos pediatras brasileiros não recomenda a exclusão da proteína do leite de vaca da dieta como conduta dietética para o lactente com o quadro compatível com DRGE. 11 Tabela 2 12 DIAGNÓSTICO O RGE é um processo fisiológico, como mencionado anteriormente, e a diferenciação do DRGE é essencial. O diagnóstico é baseado em sua maior parte em história clínica e exame físico, principalmente devido à inexatidão entre essa barreira em exames disponíveis atualmente. Segundo o último consenso NASPGHAN e ESPGHAN, a história clínica é suficiente para firmar o diagnóstico em crianças maiores e adolescentes que possuem sintomatologia clássica. Todavia, a faixa etária dos lactentes apresentam sintomas altamente inespecíficos, não sendo suficiente para implementar terapias ou realizar diagnóstico. São utilizados exames complementares para documentar a presença do RGE e complicações, correlacionar com os sintomas, avaliar a eficácia do tratamento e excluir diagnósticos diferenciais. Como nenhum desses métodos é definitivo ou padrão-ouro é necessária uma avaliação integral do paciente, reconhecendo as limitações de cada exame e evitando submeter os pacientes a testes invasivos, caros e com pouco valor diagnóstico. A radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno é um exame de fácil acesso, porém não tem alto valor diagnóstico para DRGE pois identifica o RGE pós-prandial imediato, sem quantificar os episódios de refluxo. O principal objetivo desse exame é avaliar anatomicamente o TGI alto, é considerada tradicionalmente a primeira escolha para descarte de anormalidades. A cintilografia gastroesofágica detecta o RGE mesmo com dieta de pH neutro, avalia o esvaziamento gástrico e detecta aspiração pulmonar. Todavia, um teste normal não exclui essas possibilidades, então não é solicitado rotineiramente. A ultrassonografia esofagogástrica é outro exame que não é utilizado na rotina, tanto em lactentes como em crianças maiores, segundo o consenso. Sua sensibilidade é de 95%, porém especificidade de 11% para diagnóstico de DRGE. De forma geral, não é um teste muito útil ao diagnóstico, porém identifica a estenose hipertrófica de piloro. A pHmetria esofágica avalia o paciente em condições fisiológicas em períodos maiores de tempo, quantifica os episódios de RGE e permite correlacionar os mesmos com sinais e sintomas. Entretanto, não detecta episódios de refluxos de pH neutro ou fracamente ácidos. Não é necessário quando o paciente apresenta sintomatologia típica ou exame diagnóstico comprobatório, sendo indicado para algumas situações como avaliação de sintomas atípicos, RGE oculto, entre outros. Antigamente, já foi descrito como padrão-ouro em algumas literaturas, porém esse conceito caiu em desuso. A sua aplicação rotineira na prática clínica não é de fácil acesso e tem baixa aceitação pelos pais de lactentes. A impedanciometria esofágica intraluminal detecta o movimento retrógrado de fluídos em qualquer pH medindo as alterações de resistência elétrica. Ela é utilizada em conjunto com a pH-impedanciometria proporcionam medidas úteis. A manometria esofágica pode ser útil aos pacientes que não responderam à supressão ácida com EDA negativa, pois avalia a dismotilidade esofágica como acalásia e outras que mimetizam a DRGE. A endoscopia digestiva alta (EDA) com biópsia permite a avaliação macroscópica da mucosa esofágica e biópsia para avaliação histopatológica. Assim, ela permite o diagnóstico das complicações do DRGE e diferenciação com diagnósticos diferenciais como esofagite eosinofílica, esofagite fúngica, úlcera duodenal, entre outros. Deve-se salientar que a ausência de esofagite na EDA não exclui diagnóstico de DRGE. 13 As crianças maiores e adolescentes podem ser submetidos ao teste terapêutico empírico com supressão ácida com inibidores da bomba de prótons, avaliando melhora clínica. Segundo Mousa et al. avaliar o aspirado broncoalveolar para pepsina é investigado como um biomarcador para DRGE, porém possui baixa especificidade. CONDUTA O manejo da DRGE é baseado em uma combinação entre medidas como mudanças de hábitos, dietas, às vezes terapia farmacológica e raramente tratamento cirúrgico. A sociedade Norte-americana de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição e a Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica promovem condutas distintas entre lactentes e crianças maiores/adolescentes.Na tabela 3, observamos o manejo clínico de lactentes e na tabela 4 para adolescentes e crianças maiores. Tabela 3 - NASPGHAN e ESPGHAN 14 Tabela 4 - NASPGHAN e ESPGHAN A base do tratamento em lactentes é a educação parental e suportepara a família, realizando orientações para os familiares garantindo a promoção de saúde para o lactente. Para lactentes em aleitamento por fórmula, reduzir o volume de leite ofertado para aqueles com a medida errada ou oferecendo refeições mais frequentes e com menores porções pode diminuir os episódios de refluxo. Além disso, é essencial orientar quanto a posição do lactente quando acordado e na hora de dormir. Não utilizar roupas apertadas, evitar o uso de fármacos que exacerbam o RGE, evitar o tabagismo passivo (induz o relaxamento do EEI). A posição prona é, comprovadamente, a postura anti-RGE mais eficaz, porém está fortemente relacionado com a síndrome da morte súbita. Atualmente, recomenda-se a posição supina para dormir. A elevação da cabeceira da cama é recomendada, porém não mostrou-se benéfica em alguns estudos controlados. Alguns pediatras recomendam o espessamento da dieta, porém estudos mostraram que não é uma medida eficaz para a exposição ácida do esôfago, todavia diminui o volume e frequência de regurgitações e vômitos. Além disso, aumentam a ingestão calórica e reduz o choro no lactente. Devido a correlação com APLV, crianças que têm persistência de sintomas mesmo com orientações e espessamento da dieta, deve-se implementar um período de teste de 2-4 semanas com fórmula altamente hidrolisada ou baseada em aminoácidos ou em lactentes no aleitamento materno retirar todos os alimentos com leite e derivados da dieta do lactente. A mãe também deve retirar da dieta todos os laticínios incluindo produtos que possuem caseína e whey protein baseado em proteínas do leite. Sempre encaminhar o paciente para o gastroenterologista pediátrico. Não é o tratamento de primeira linha o uso de inibidores da bomba de prótons e outras medidas farmacológicas. Em crianças maiores e adolescentes, temos uma gama de medicamentos que podem ser utilizados. Além disso, mudanças no estilo de vida, redução de peso em pacientes 15 obesos/sobrepeso, redução do consumo de cafeína e chocolate e, em adolescentes, abstinência de álcool e tabaco podem ser eficientes. As refeições volumosas e altamente calóricas devem ser evitadas pois lentificam o esvaziamento gástrico e diminuem a pressão do EEI. O tratamento farmacológico se direciona, primariamente, à supressão ácida. Os inibidores de bomba de prótons (IBP) e os antagonistas do receptor H2 da histamina aumentam o pH gástrico e previnem o refluxo ácido que é lesivo para a mucosa esofagiana. A taxa de cura da esofagite erosiva causada pela DRGE com ranitidina (antagonista do receptor H2 da histamina) é de 60-70% e com IBPs como omeprazol chega a 90-100%. Os IBPs devem ser tomado 30 minutos antes do desjejum, devido a sua melhor ação em células parietais ativadas. Uma dose diária é recomendada e segundo Poddar et al. não há diferença na eficácia entre os diferentes IBPs. Esse medicamentos são considerados seguros e alguns pacientes podem apresentar pequenos efeitos colaterais se usados de forma correta. Para adolescentes, é preferível o decúbito lateral esquerdo com a cabeceira elevada. O tratamento cirúrgico fica reservado a casos graves e resistentes ao tratamento, em que as reverberações da DRGE causem risco de morte. A fundoplicatura endoluminal é uma abordagem cirúrgica para a DRGE. Existem também os agentes procinéticos, porém o consenso de 2009 da NASPGHAN/ESPGHAN não recomenda o uso na faixa etária pediátrica por falta de evidências de benefícios para o paciente e a presença de grandes efeitos adversos. Na prática clínica, muitos pediatras costumam associar os agentes procinéticos com antiácidos, porém não é uma prática que deveria ser difundida. A metoclopramida, domperidona e bromoprida são exemplos de agentes procinéticos. Artigo elaborado em 11 países europeus, que envolveu 567 pediatras, mostrou que apenas 1,8% deles segue plenamente as recomendações da Naspghan/Espghan de 2009. Destacam, ainda, que 39% dos pediatras europeus pesquisados prescrevem inibidores de bomba de prótons para lactentes com choro inexplicado e 36% para lactentes com regurgitação e vômitos não associados com complicações. Dada tal explicação, é essencial o alinhamento da conduta para a melhora do processo saúde-doença do paciente. 16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Mousa, H., & Hassan, M. (2017). Gastroesophageal Reflux Disease. Pediatric clinics of North America, 64(3), 487–505. https://doi.org/10.1016/j.pcl.2017.01.003 2. Ferreira, C. T., Carvalho, E. de, Sdepanian, V. L., Morais, M. B. de, Vieira, M. C., & Silva, L. R. (2014). Gastroesophageal reflux disease: exaggerations, evidence and clinical practice. Jornal de Pediatria, 90(2), 105–118. doi:10.1016/j.jped.2013.05.009 3. Soares, A. C. F., Freitas, C. L. de, & de Morais, M. 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