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O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Volnei Rosalen CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Cristiane Lisandra Danna Norberto Siegel Camila Roczanski Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Bárbara Pricila Franz Marcelo Bucci Revisão de Conteúdo: Lucilaine Ignacio da Silva Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2018 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. R788o Rosalen, Volnei O direito do trabalho e as relações de trabalho. / Volnei Rosalen – Indaial: UNIASSELVI, 2018. 152 p.; il. ISBN 978-85-53158-21-8 1.Direito do trabalho – Brasil. 2.Relações trabalhistas – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 344.8101 Volnei Rosalen Doutorando em Direito (UFSC). Mestre em Direito Político e Econômico (MACKENZIE). Doutorando em Direito (UFSC). Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo (UNICAMP). Professor na Faculdade Anhanguera São José (SC). Foi professor substituto na UFSC (2016-2017). Autor dos livros: Sindicalismo de servidores públicos no Brasil - entre o corporativismo e o anti-valor, e Judiciário e política: fatos e versões da crise do Judiciário do Brasil a partir de sua estrutura e dos litígios. Sumário APRESENTAÇÃO ..........................................................................07 CAPÍTULO 1 Relações de Trabalho no Brasil ..............................................09 CAPÍTULO 2 Relação de Trabalho X Relação de Emprego .........................41 CAPÍTULO 3 Relações de Trabalho Especiais X Vínculo Empregatício ....93 APRESENTAÇÃO Caro acadêmico, seja bem-vindo ao estudo da disciplina Direito do Trabalho e as Relações de Trabalho. Durante a graduação, nas disciplinas de Direito do Trabalho, você certamente teve contato com a temática e estudou condições e critérios para a incidência da aplicação das regras do direito e as relações de trabalho estabelecidas cotidianamente. Neste material de estudo, aprofundaremos alguns desses conhecimentos já acumulados, problematizando alguns aspectos e ampliando a visão sobre como fenômenos corriqueiros e comuns – o fato de que as pessoas trabalham para produzir e fazer circular produtos, ou em termos mais abrangentes, para reproduzir a vida em sociedade – são submetidos a determinadas normas jurídicas. É fato que, conforme muda o trabalho, muda também a sociedade, e tendem a se modificar também as regras de organização do trabalho. Constantes apelos existem, por causa das modificações dessas regras, sob o argumento de que a evolução da sociedade as exige. No Brasil, é recente esse debate, pautado pela ideia de que era necessário modernizar as relações de trabalho, o que levou à aprovação da chamada Reforma Trabalhista. A Reforma Trabalhista divide opiniões no Brasil muito antes de sua aprovação. Há visões distintas sobre a necessidade de uma reforma na legislação trabalhista, mas as principais divergências se situam no conteúdo das mudanças. Você pode ler sobre isso acessando os links a seguir, ou buscando outras informações e fontes: Disponível em: <https://goo.gl/y9Njm7>. Disponível em: <https://goo.gl/HQPk7D>. Disponível em: <https://goo.gl/MMMNNg>. https://goo.gl/y9Njm7 https://goo.gl/HQPk7D https://goo.gl/MMMNNg Do que estamos falando quando falamos relações de trabalho? O trabalho é uma necessidade vital, independentemente das normas do direito. Nosso objetivo essencial aqui será compreender como esse fenômeno básico se relaciona com o Direito, sendo que é conformado pelas normas jurídicas. Para tal objetivo, o livro está estruturado em quatro capítulos: no Capítulo 1, analisaremos as relações de trabalho no Brasil, verificando inicialmente os sentidos variados da expressão relações de trabalho e realçando as particularidades da formação do chamado mercado de trabalho brasileiro. No Capítulo 2, estudaremos a relação de trabalho versus relação de emprego a partir da definição de aplicação das normas jurídicas às situações reais de relação de trabalho. No Capítulo 3, intitulado relações de trabalho especiais x vínculo empregatício, seguiremos estudando como situações de trabalho são submetidas a esta ou àquela regra, caracterizando ou não o chamado vínculo de emprego. Por fim, o Capítulo 4, evoluções normativas nas relações de trabalho, está reservado às transformações recentes nas normas trabalhistas e como elas impactam nas relações de trabalho na atualidade. Boa leitura e bons estudos! CAPÍTULO 1 Relações de Trabalho no Brasil A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Compreender as diversas concepções acerca do termo relações de trabalho e especialmente o sentido jurídico com que é apropriada pela legislação e aplicada pelos juristas em sua prática. � Alcançar certo nível básico de entendimento sobre a evolução das relações de trabalho no brasil e a formação do chamado mercado de trabalho. � Verificar a estruturação das relações de trabalho a partir da legislação trabalhista e das instituições e institutos voltados à sua aplicação: como a justiça do trabalho. � Analisar a evolução e as transformações nas relações de trabalho no brasil, e sua concretização jurídica. 10 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO 11 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 Contextualização Você já deve ter ouvido falar com frequência, nas diferenças entre leis trabalhistas no Brasil e em outros países. São frequentes, também, comparações entre direitos trabalhistas deste ou daquele país e os níveis de desenvolvimento desses mesmos países. Algumas dessas informações vêm de fontes informais e mais suscetíveis a afirmações genéricas e generalizantes, cujo fundamento de veracidade é mais difícil de verificar, e são distribuídas via redes sociais como Facebook, WhatsApp etc. Outras provêm de fontes mais abalizadas como artigos em jornais e periódicos, revistas acadêmicas e literatura especializada. Quanto às fontes informais de informação, não se trata de recusá-las, mas de saber que um estudante de pós-graduação está em um nível aprofundado de conhecimento e de responsabilidade quanto ao tipo de informação que utiliza e quanto à verificação de sua veracidade. Em qualquer caso é bom sempre lembrar que as informações difundidas, via fontes formais ou informais, refletem visões e opiniões que, não raras vezes, são controvertidas, ou seja, há visões e opiniões diferentes sobre um mesmo tema. É preciso ter em mente que, no geral, mesmo como estudiosos e especialistas em determinado assunto, fazemos escolhas entre uma ou outra visão acerca desse assunto. Há um fundo essencial de verdade nas afirmações comparativas entre os sistemas de trabalho no Brasil e nos demais países, não porque o sistema de trabalho no Brasil seja necessariamente pior do que os demais países; ou que os demais países sejam necessariamente melhor do que o nosso. Diferente não significa pior ou melhor, mas realidades diferentes que conduziram aos sistemas e normas. Este capítulo se destina a compreender e analisar essas diferenças. O objetivo não é comparar o sistema de relações de trabalho brasileiro com outros países, mas verificar as particularidades e singularidades, ou seja, aquilo que é a nossa realidade específica e que pode explicar diferenças. Claro que você poderá fazer estudos e comparaçõese serão indicados também textos sobre isso. Este será, necessariamente um capítulo teórico, de fundamentos sobre relações de trabalho, em especial sobre relações de trabalho no Brasil. 12 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO Retomando o que foi dito na introdução do livro, entenderemos primeiro os vários sentidos em que podemos tomar a expressão relações de trabalho, para depois estudar como elas foram estruturadas no Brasil, especialmente no sentido jurídico. Na primeira seção falaremos sobre as relações de trabalho e seus sentidos: econômico, sociológico e jurídico. A segunda seção está reservada para o entendimento do mercado de trabalho livre no Brasil. Já na terceira seção trataremos da Legislação trabalhista e evolução das relações de trabalho e na quarta uma análise sobre a relação entre Direitos trabalhistas e sujeito de direitos. Boa leitura e bons estudos! Relações de Trabalho e seus Sentidos: Econômico, Sociológico e Jurídico Quando olhamos de um ponto de vista estritamente jurídico, concebemos o trabalho a partir da ideia de contrato de trabalho. Esta questão será analisada detidamente no Capítulo 2. No entanto, o contrato de trabalho, ou melhor, as relações de trabalho baseadas em um contrato são apenas uma parte e um desdobramento daquilo que, na sociedade – e mesmo em estudos científicos – pode ser considerado como relações de trabalho. Começaremos de um ponto simples. Na origem etimológica da palavra trabalho está, para muitos, a palavra tripalium, um instrumento romano de tortura. Essa é uma explicação muito comum nas faculdades, e que associa trabalho com sofrimento. Uma visão sobre as origens dessa relação pode ser encontrada no artigo seguinte: Tripalium: O trabalho como maldição, como crime e como punição. Disponível em: <unifia.edu.br/revista_eletronica/ revistas/.../artigos/.../Direito_em_foco_Tripalium.pdf>. 13 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 O estudo de Friedrich Engels aqui mencionado é o texto “Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem”. Se interessar, ele pode ser localizado na internet no link. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/macaco.pdf>. É importante considerar que o trabalho está associado à evolução humana ao longo de milênios de nossa existência. Engels (1999, p. 4), por exemplo, estabelece uma visão emblemática sobre o sentido do trabalho no desenvolvimento da humanidade. Diz ele: O trabalho é a fonte de toda riqueza, afirmam os economistas. É, com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais que ele converte em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo mais do que isso. É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. Em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem. Segundo Engels (1999), no texto do qual foi extraída essa explicação, o uso das mãos para a alimentação foi decisivo para a evolução de certa espécie de macaco e o consequente surgimento do homem (homo erectus). Ao passo que o uso das mãos na coleta de frutas e vegetais, depois na caça e pesca, e mais tarde na agricultura e por fim na indústria, estão associadas ao processo evolutivo constante da espécie humana. Note que esta explicação sobre o trabalho também serve para esclarecer um modo de ver as relações de trabalho, relacionando-se com a natureza o homem evoluiu; esta interação do homem com a natureza e com outros homens, deu existência às relações de trabalho, ou seja, relações estabelecidas em razão das atividades realizadas para assegurar a sobrevivência. Um exemplo comum é a divisão de tarefas, existente em tribos primitivas, entre coletores, caçadores, agricultores etc. Ficou complicado? Para explicar melhor vamos pensar em um exemplo: é muito comum quando se conhece uma pessoa querer também saber o que ela faz como trabalho. Essa informação parece para nós importante. Por que? Porque o trabalho que realizamos diz também algo sobre nós, não é mesmo? 14 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO Há algo ainda mais complexo nessa forma de ver as relações de trabalho. Pensado como um elo de ligação entre os seres humanos na produção de sua existência comum, o trabalho define a sociabilidade. O que fazemos como trabalho pode então definir elementos muito variados de nossa vida: o que comemos, como e quanto dormimos, o que fazemos em nosso tempo de descanso, se temos carro ou temos que nos deslocar de ônibus etc. Significa haver relações sociais que são sempre construídas pelo trabalho, mesmo para os que não o têm; ou seja, o tempo e espaço, seja o do emprego, da rua ou doméstico, é sempre do trabalho por serem instituídos a partir dele e por envolver o uso coletivo do tempo e energia humanos (RIBEIRO, 2009, p. 46, grifo nosso). Outra consequência pode ser notada na importância que se dá a determinados tipos de trabalho, geralmente os intelectuais, e a depreciação ou pouca importância dada aos trabalhos manuais, especialmente os considerados mais penosos. Alguém que trabalha na indústria da carne, por exemplo, desossando um frango, geralmente é socialmente menos reconhecido do que um advogado ou um administrador, embora não se possa dizer que uma atividade seja menos relevante do que a outra. Em resumo, uma das faces do trabalho e de como podem ser entendidas as relações de trabalho é que ao estabelecer contatos uns com os outros através do trabalho, os homens também estabelecem relações de convivência e sociabilidade (ou socialidade), estendendo- se até mesmo sobre a esfera do comportamento dos indivíduos. Ao estabelecer contatos uns com os outros através do trabalho, os homens também estabelecem relações de convivência e sociabilidade (ou socialidade) Segundo Dicionário Unesp do Português Contemporâneo: Sociabilidade: 1(...); 2 – tendência para a vida em sociedade; 3 – maneira de quem vive em sociedade. Socialidade: conjunto de condições relativas à vida social. Sobre o modo como a organização do trabalho impacta a vida e o comportamento dos trabalhadores o sociólogo do trabalho Giovanni Alves (2011) lembra a emblemática e ontológica cena do filme Tempos Modernos, em que o Carlitos (personagem de Charles Chaplin) permanece condicionado a determinados movimentos feitos na máquina, mesmo quando o dia de trabalho já se encerrou. 15 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 Fique alerta! Essa é uma classificação de sentido didático. Filme “Metropolis” de Fritz Lang, 1972. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=QkHOwwPKZ78>. Filme “Tempos Modernos” de Charlie Chaplin, 1936. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3tL3E5fIZis>. Você pode ler mais sobre o assunto no link. Disponível em: <www.giovannialves.org/artigo_giovanni%20alves_2010.pdf>. Você pode ler mais sobre isso neste artigo da professora Romilda Ramos de Araújo, acessível no link a seguir: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ nlinks&ref=000147&pid=S14132311201300020000200002&lng=pt>. Não apenas sociólogos do trabalho, mas também administradores (além de psicólogos e outros profissionais e pesquisadores) dedicam-se a analisar estas questões, reconhecendo as implicações do trabalho sobre o homem em seu modo de viver e subjetivar (ARAÚJO, 2007). Quanto a esta percepção de que o trabalho constitui um elo decisivo na definição de nossos padrões de convívio em sociedade que se pode falar em sentido sociológico do trabalho. 16 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO O objetivo é chamar a atenção para o fato de que falar em relações de trabalho implica uma visão mais ampla e mais profunda do que apenas falar na legislação (ou regime jurídico) que rege as relações entre quem compra e quem vende a força de trabalho. É importante perceber que não falamos de sentidos contrapostos, mas de observações do mesmo fenômeno depontos de partida diversos. Todos estão sempre interligados. Vamos em frente! Além do que já foi dito até agora, há um outro sentido, este essencialmente econômico, atribuído ao trabalho e às relações de trabalho. Antes de passar a ele é conveniente que estabeleçamos um entendimento sobre economia: Segundo o Dicionário Unesp do Português Contemporâneo (2004, p. 460): Economia: 1 – (...); 2 – sistema que engloba o conjunto de fontes produtoras da riqueza: nossa economia já se estabilizou; 3 – ciência que trata dos fenômenos relativos à produção, distribuição, acumulação e consumo de bens materiais. Em sentido geral, quando falamos de economia, estamos nos referindo à organização da produção da riqueza, e produzir riqueza, como já sabemos, requer trabalho humano. Mesmo quando se quer apenas extrair algo da natureza, como uma árvore, é necessário que alguém a corte, mas se o objetivo for construir com ela uma mesa, então será necessário ainda mais trabalho, e também ferramentas e máquinas, que terão também que ser produzidas a partir de trabalho. Para os chamados “economistas clássicos”, o trabalho é a fonte da produção da riqueza, visto que sem ele não seria possível transformar a natureza em objetos necessários (ou mesmo supérfluos) para humanidade. Adam Smith (1996, p. 59), em seu livro A riqueza das nações, dá a exata dimensão dessa visão econômica do trabalho já na abertura de seus escritos: O trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente. O mencionado fundo consiste sempre na produção imediata do referido trabalho ou naquilo que com essa produção é comprado de outras nações. 17 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 Para Smith (1996), o trabalho era a medida fundamental para referenciar o valor de troca de uma mercadoria produzida, ou seja, o preço de um objeto estava diretamente ligado ao trabalho necessário para sua aquisição. O teórico do socialismo Karl Marx (1996), por sua vez, formulou uma crítica da visão liberal de Adam Smith. O ponto de partida de Marx é semelhante ao de Smith, tendo o trabalho como produtor de riqueza. Marx discutiu também o valor das mercadorias a partir do trabalho nelas implicado. Como menciona nessa passagem de seu livro clássico O capital: Portanto, um valor de uso ou bem possui valor, apenas, porque nele está objetivado ou materializado trabalho humano abstrato. Como medir então a grandeza de seu valor? Por meio do quantum nele contido da “substância constituidora do valor”, o trabalho. A própria quantidade de trabalho é medida pelo seu tempo de duração, e o tempo de trabalho possui, por sua vez, sua unidade de medida nas determinadas frações do tempo, como hora, dia etc. (MARX, 1996, p. 168, grifo nosso). Dessa visão sobre o valor, Marx desenvolveu sua teoria da mais valia, uma visão segundo a qual decorre da exploração da força de trabalho pelo capital (ou pelo capitalista), do trabalho adicional que produz e acrescenta valor a novas mercadorias e que representa o lucro do capitalista. É bom recordar que estamos num espaço acadêmico, de aprimoramento profissional e de estudo. Podemos concordar com a teoria de Smith e discordar da teoria de Marx, ou vice-versa, mas não podemos ignorar a existência de qualquer uma delas, como visões sobre o assunto de nossos estudos. Você pode procurar na internet artigos ou até mesmo livros digitais que abordam esse assunto para ter uma visão ou leitura mais completa. Por que mencionamos, em linhas gerais, essas visões sobre o trabalho? Exatamente porque elas representam esse que denominamos de sentido econômico do trabalho e das relações de trabalho. Podemos dizer que em sentido econômico as relações de trabalho estruturam a produção da riqueza social. Para produzir para necessidades cada vez mais amplas, é preciso organizar a produção de forma coletiva. Esse é o grande sentido da Revolução Industrial. Ela Em sentido econômico as relações de trabalho estruturam a produção da riqueza social. 18 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO revolucionou o modo de produzir, e o fez criando novas formas de organização do trabalho, ou seja, reorganizando as relações de trabalho, e não só em sentido econômico! Agora, chamamos a atenção para alguns aspectos: consideramos que o trabalho define a própria forma de vida dos homens em sociedade; e consideramos também que o trabalho é o elemento-chave de produção das riquezas em uma sociedade, mas é preciso perceber que essas relações de trabalho, ou seja, a organização de trabalho coletivo para produzir objetos socialmente necessários e que também socialmente nos definem, são estruturadas a partir de regras sociais, construídas ao longo do tempo e que se modificam historicamente, ou seja, as relações de trabalho são também definidas pelo Direito. Em síntese: eis o sentido jurídico das relações de trabalho. Como chegamos a este ponto? Chegamos ao momento da história em que as relações de trabalho para além de fenômenos econômicos e sociais, tornaram- se também fenômeno jurídico? Süssekind, Maranhão e Vianna (1991) fazem uma importante recordação sobre os antecedentes históricos do trabalho até a Idade Moderna, identificando três formas de trabalho anteriores à Revolução Industrial e às modernas relações de trabalho: • A escravidão na Idade Antiga: foi com trabalho escravo que se construíram as pirâmides no Egito. Também na Grécia havia fábricas de facas, ferramentas agrícolas e móveis compostas com trabalhadores escravos (SÜSSEKIND; MARANHÃO; VIANNA, 1991). • A servidão durante a Idade Média: foi um tipo generalizado de trabalho utilizado nas sociedades feudais. O servo não era, como o escravo, tido como objeto, mas como aquele, também não dispunha de liberdade (SÜSSEKIND; MARANHÃO; VIANNA, 1991). • As corporações: surgidas na transição do sistema feudal para o capitalismo industrial. Com o declínio da economia doméstica e do regime feudal, e a concentração de massas de população nas cidades, as corporações eram formadas pela aproximação de homens da mesma profissão, tendo sob suas ordens os aprendizes (SÜSSEKIND; MARANHÃO; VIANNA, 1991). As relações de trabalho são também definidas pelo Direito. Em síntese: eis o sentido jurídico das relações de trabalho. 19 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 As corporações foram superadas com a Revolução Industrial. O surgimento da máquina, o trabalho assalariado e a produção em larga escala redefiniram econômica e socialmente as relações de trabalho e deram existência ao seu sentido jurídico. Referindo-se à escravidão, à servidão e às corporações, Süssekind, Maranhão e Vianna (1991, p. 34) fazem uma relevante observação: Nada disso era, entretanto, realmente Direito do Trabalho porque a fermentação que daria razão de ser para seu aparecimento só se começaria a sentir no final do século XVIII, com a revolução política e a revolução industrial ou técnico- econômica. Com aquela, o homem tornava-se livre, criava “o cidadão como categoria racional na ordenação política da sociedade”; na outra, transformava-se a liberdade em mera abstração, com a concentração das massas operárias sob o jugo do capital empregado nas grandes explorações com unidade de comando. Especialmente a partir da Revolução Industrial, sob a ideia de liberdade, motriz das revoluções burguesas e do Estado Liberal por elas construído, a força de trabalho foi tomada como uma mercadoria a ser comprada e vendida. As revoluções liberais consagraram o indivíduo e sua liberdade de agir. O trabalhador, tido como livre, poderia então oferecer e vender sua força de trabalho a quem quisesse comprá-la. A ideia de trabalho como mercadoria foi associada à ideia de contrato, pelo qual se compra e vende qualquer mercadoria, e a ideia do trabalhador comosujeito de direito, ou seja, como uma pessoa capaz de firmar um contrato. Como lembra Süssekind, Maranhão e Vianna (1991), a revolução econômica (industrial) e a revolução política (burguesa) trouxeram também a revolução jurídica. Com isso, as relações de trabalho ganharam seu sentido jurídico, e relações de trabalho passaram a ser, grande parte das vezes, sinônimo de contrato ou dos vínculos jurídicos entre trabalhadores e empregadores. Já vazadas integralmente pelo Direito, as relações de trabalho passariam por novas transformações com a decadência do Estado Liberal, e passando pelas revoluções socialistas (especialmente a Revolução Russa de 1917), com o surgimento do chamado Estado Social e o constitucionalismo social do século XX, nas constituições garantidoras de direitos sociais, a partir das experiências do México (1917) e Weimar – Alemanha (1919). 20 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO O Estado Social representou uma maior intervenção do Estado na economia e também na esfera dos direitos sociais e do trabalho, sob a constatação de que o liberalismo, ao deixar as relações de trabalho ao sabor da força de sujeitos em condições bastante desiguais, havia produzido sofrimento e miséria ao longo do século XIX. O século XX representa, enfim, um nível mais elevado de regulação jurídica do trabalho e dos limites e possibilidades do contrato, tendo como pano de fundo a ideia de igualdade. O sentido jurídico de relações de trabalho se firmou então definitivamente com o surgimento e/ou ampliação de normas jurídicas legisladas e instituições nacionais ou internacionais voltadas para a regulação legal das relações de trabalho, como a OIT – Organização Internacional do Trabalho em 1919. Você perceberá que, não só nos países que se industrializaram mais cedo, como a Inglaterra, e a Europa como um todo, mas também no Brasil, a partir do início do século XX – e com mais intensidade em nosso caso a partir dos anos 1930 – surgirão constituições e normas infraconstitucionais e ordinárias voltadas a organizar por balizas do Direito a relação entre quem compra e quem vende força de trabalho. A diferença é que isso se deu em momentos históricos e condições de desenvolvimento muito distintas. Vamos então pensar um pouco como essas relações evoluíram no Brasil nas seções seguintes. O século XX representa, enfim, um nível mais elevado de regulação jurídica do trabalho e dos limites e possibilidades do contrato, tendo como pano de fundo a ideia de igualdade. Mercado de Trabalho Livre no Brasil Como visto anteriormente, a existência de normas jurídicas para organizar o modo como se adquire e se vende mão de obra para a produção e circulação de bens e serviços constitui o cerne do sentido jurídico das relações de trabalho. Note que, à medida que a mão de obra (ou força de trabalho) é comprada e vendida, ela também passa a ser encarada como uma mercadoria. A ideia de mercado de trabalho segue bases idênticas à visão geral sobre mercado: o lugar ou espaço onde vendem e compram determinados produtos. 21 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 Segundo o Dicionário Unesp do Português Contemporâneo (2004, p. 909): MERCADO DE TRABALHO: mer-ca-do de tra-ba- lho Sm (Econ) relação entre a oferta de trabalho e a procura de trabalhadores, em época e lugar determinados: Uma das propostas do governo é a melhoria do mercado de trabalho. Então, se encaramos a força de trabalho como uma mercadoria (uma mercadoria bem especial, diga-se de passagem), o espaço de oferta dessa força de trabalho é denominado de mercado de trabalho. Por isso, é possível falar em mercado de trabalho de São Paulo, ou mercado de trabalho brasileiro etc. Fique atento! Embora seja óbvio dizer, o trabalhador não vende seus braços ou demais membros, ou sua cabeça ao empregador, nem o empregador compra o corpo do trabalhador. Isso era real no regime de escravidão, mas não hoje. Em troca da remuneração oferecida pelo empregador, o trabalhador entrega sua força física, sua energia, seus conhecimentos, experiências, capacidades etc., durante um determinado período do dia e do mês. O espaço de oferta dessa força de trabalho é denominado de mercado de trabalho. Como veremos adiante, no Capítulo 2, há muitas formas jurídicas de se estabelecer relações de trabalho, contratuais ou não, mas é assunto para daqui a pouco. A regulação jurídica das relações de trabalho em um dado país são uma referência importante para aferir os níveis de progresso e desenvolvimento desse país. Quando, por exemplo, identificamos, em alguns países o chamado trabalho análogo à escravidão, naturalmente consideramos que este país não é desenvolvido. 22 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO Um exemplo desse debate você pode encontrar no relatório “Emprego Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente – A experiência brasileira recente” você pode acessar no link. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/ pub/emprego_desenvolvimento_299.pdf>. Então, voltemos ao ponto sobre mercado de trabalho. Por que ele é importante? Lembre-se que dissemos lá atrás que é muito comum comparar as relações de trabalho – especialmente no sentido jurídico, ou seja, das normas legais referentes à organização da compra e venda de trabalho – entre o Brasil e outros países. Assim, é importante verificar como se formaram essas relações de trabalho no Brasil e suas particularidades e diferenças em relação a outros países. Ora, no caso brasileiro, pensar o surgimento das normas jurídicas destinadas a dar às relações de trabalho o sentido de liberdade e a possiblidade de que a força de trabalho fosse comprada e vendida, implica reconhecer que, formalmente, ao menos até 1888 essa possibilidade era inexistente. Por que 1888? Porque este é o ano da abolição da escravidão, com a conhecida e comentada Lei Áurea. A Lei Área não resolveu a formação do mercado de trabalho brasileiro, mas ao acabar com a escravidão, ou seja, com a possibilidade do trabalho forçado – em que o próprio trabalhador escravo era um objeto comprado e vendido – essa lei abriu uma questão chave: era preciso estabelecer novas relações de trabalho. Nos lembra Alexandre de Freitas Barbosa (2003), que a expansão das lavouras do café, sobretudo em São Paulo, demandava muita mão de obra, que até a metade de século XIX fora mantida pelo tráfico de escravos, mas que começara a escassear com a proibição do tráfico pela Lei Eusébio de Queiroz, de 1850 e pela pressão da Inglaterra que, através do Aberdeen Act (ou lei Bill Aberdeen) de 1845, autorizava os ingleses a aprenderem navios que traficassem escravos entre a África e a América. BARBOSA, Alexandre de Freitas. A formação do mercado de trabalho no Brasil: da escravidão ao assalariamento. São Paulo: Alameda, 2008. 23 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 Na sequência da lei Eusébio de Queiroz, outras como a Lei do Ventre Livre, 1871 e a Lei do Sexagenário, 1885 formariam o caminho para a abolição e para o trabalho livre. Um marco legal importante dessa transição foi a Lei de Locação de Serviços, (1879). Ela sucedia a Lei de Locação de Serviços de 1837, que servira como tentativa de organizar a venda de força de trabalho livre, sobretudo a de estrangeiros que ao longo do século XIX vinham (ou eram trazidos) ao Brasil como alternativa à mão de obra escrava. A primeira lei (1837) disciplinara o regime de parceria/locação e previa punições até de prisão para o locador (trabalhador livre) que não cumprisse o contrato de trabalho. Segundo Barbosa (2003, p. 133): Mantinha-se a pena de prisão, limitada a um prazo de 5 a 20 dias, em caso ausência da fazenda sem justa causa, recusa ao trabalho e sublocação do prédio da parceria. Em caso de recusa coletiva ao trabalho, os infratores seriam detidos até o julgamento e enquadrados no mesmoprocesso. A Lei da Locação assinalou uma etapa de transição, e coincidiu com o crescente subsídio aos imigrantes de países europeus para o Brasil, intensificado no final do século XIX. Esse período indicou alterações nas relações de trabalho, mas nas condições de desenvolvimento econômico próprias do Brasil, com baixa industrialização e economia fundamentalmente agrícola. A criação de um mercado de trabalho era uma necessidade para que se desenvolvesse o capitalismo em terras brasileiras. Pelo simples fato de que sem a disposição de mão de obra livre seria improvável projetarem-se investimentos para o capital acumulado na agricultura do café. A organização desse mercado, em parte alimentado por ex- escravos libertos, e em grande parte por imigrantes estrangeiros, era condição fundamental tanto para a expansão da lavoura cafeeira como para o processo de industrialização. Barbosa (2003) descreve este basicamente como um fenômeno econômico (e também social), pelo modo como o interesse de fazendeiros na expansão dos negócios do café geraram o influxo de trabalhadores para centros como São Paulo. A regulação, ou normatização das relações de trabalho não estava claramente definida, transitando da parceria para o colonato. As normas básicas de relações de trabalho estavam centradas em aspectos econômicos, como o subsídio aos colonos europeus para viajarem ao Brasil. Sumarizando, o processo de construção do mercado de trabalho não se deu de forma espontânea ou linear, carregando antes a indelével herança da escravidão, sendo moldado pelos interesses das elites econômicas dominantes, apresentando características destoantes nas várias regiões do país e A criação de um mercado de trabalho era uma necessidade para que se desenvolvesse o capitalismo em terras brasileiras. 24 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO contando, durante toda a transição, com a mão pesada do Estado e o autoritarismo onipresente dos quase-empregadores (BARBOSA, 2003, p. 162). Nesse processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre, as normas jurídicas relativas às relações de trabalho eram essencialmente duas: a) Na parte relativa às atividades comerciais, as relações eram reguladas pelo Código Comercial, de 1850. b) Na agricultura e outras atividades, pela Lei da Locação de Serviços, numa primeira versão de 1837, e numa segunda com o 2.827 de 15 de março de 1879. Você pode ler o conteúdo integral da Lei da Locação de Serviços de 1879 acessando: Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/ legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2827-15-marco-1879-547285- publicacaooriginal-62001-pl.html>. Para que você possa compreender melhor do que estamos falando veja a seguir, alguns dispositivos da Lei de Locação de Serviços que permitem compreender melhor como as relações de trabalho eram tratadas. DA PARCERIA AGRICOLA Art. 43. Considera-se parceria agrícola o contrato pelo qual uma pessoa entrega á outra algum prédio rústico, para ser cultivado, com a condição de partirem os estipulantes entre si os frutos pelo modo que acordarem. Parágrafo único. A regra da partilha é a meiação, salvo convenção diversa. Art. 44. Prédios rústicos, no sentido desta Lei, são todos os destinados à agricultura. Sendo, porém, terrenos de sesmaria, fazenda ou sitio, é preciso que sejam divididos entre si, e tenham Nesse processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre, as normas jurídicas relativas às relações de trabalho eram essencialmente duas: 25 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 morada para o cultivador, salvo se o contrato estipular a morada em edifício central, com repartições convenientes. Art. 45. O senhor do prédio rustico chamar-se-á parceiro locatário, e aquele que o cultivar parceiro locador. Art. 46. O parceiro locador não pode sublocar ou ceder a parceria sem expresso acordo do parceiro locatário. [...] Art. 49. Salvo convenção em contrário: § 1º As sementes correm por conta da parceria. § 2º As plantas, para substituir as que perecem ou caem fortuitamente, serão prestadas pelo parceiro locatário. § 3º Os utensílios necessários para exploração do prédio rústico deverão ser prestados pelo parceiro locado. § 4º Também ao parceiro locador incumbe as despesas para a cultura ordinária dos campos e colheita dos frutos. Art. 50. O parceiro locador não pode colher os frutos, sem ciência do parceiro locatário. § 3º, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26 e 39 § 5º desta Lei, assim como o art. 292 do Código Criminal. [...] DA PARCERIA PECUARIA Art. 58. Parceria pecuária é o contrato pelo qual uma pessoa entrega a outra os seus animais para os guardar, nutrir e pensar, sob a condição de partilharem elas entre si os lucros futuros pelo modo que acordarem. Parágrafo único. Salvo convenção e, em falta dela, o costume do logar, se o houver, a parceria pecuária será regulada pelas disposições dos artigos que se seguem, de 59 a 68. 26 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO Art. 59. O proprietário dos animais é o parceiro proprietário e aquele que guarda, nutre e pensa o parceiro pensador. Art. 60. Constituem objeto de partilha: § 1º As lãs, pelos e crinas. § 2º As crias. Art. 61. Pertencem ao parceiro pensador: O trabalho do gado. O esterco. O leite e suas transformações. Art. 62. Se os animais perecem por caso fortuito, a perda é do parceiro proprietário. Art. 63. Nem o parceiro pensador, sem consentimento do proprietário, nem este, sem anuência daquele, poderão dispor de cabeça alguma do gado principal ou acrescido. Art. 64. O parceiro pensador não tosquiará o gado lanigero sem que previna o parceiro proprietário, sob pena de pagar-lhe em dobro o valor da parte que lhe pertenceria na partilha. Art. 65. O parceiro proprietário é obrigado a garantir a posse e uso dos animais da parceria, substituindo os que faltarem no caso de evicção. Art. 66. Pertence ao parceiro proprietário todo o proveito que se posse tirar dos animais que perecerem. Art. 67. É nulo o contrato no qual se estipular que o parceiro pensador suportará na perda parte maior que nos lucros. Art. 68. São aplicáveis a parceria pecuária as disposições dos artigos 11, 12, 13, 14, 17, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 36, 46, 47, 52, 55 e 57 desta Lei, e art. 292 do Código Criminal. Fonte: CÂMERA DOS DEPUTADOS. DECRETO Nº 2.827, DE 15 DE MARÇO DE 1879 – PUBLICAÇÃO ORIGINAL. (1879). 27 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 Veja que o texto legal apresentado revela uma das poucas regulamentações de relações de trabalho existentes durante o Império. As demais citadas, como a Lei Eusébio de Queiroz e a Lei do Ventre Livre, tratavam do tema pela ótica da escravidão, ou da tentativa gradativa de aboli-la. A Abolição deflagrou uma situação nova. O trabalho não podia mais ser obtido à força, pela escravização do homem. Ao mesmo tempo era necessário estabelecer padrões legais para a contratação da mão de obra livre. Foi a partir da abolição que surgiu mais claramente a necessidade de leis para regrar a compra e venda de força de trabalho. Isso vai acontecer com mais intensidade a partir da Proclamação da República em 1889, e de forma decisiva a partir de 1930, com a estruturação do capitalismo brasileiro. Fica evidente que o mercado de trabalho, geralmente apresentado pela ótica estritamente econômica, depende também da existência de leis e regulamentos, ou seja, requer também uma determinada ordem jurídica. Passou a ser essencial que existissem leis regulando as relações entre empregadores e empregados, que estivessem de acordo com a nova realidade em que os homens se encontravam, ao menos formalmente, livres para vender sua força de trabalho. Veremos nas seções seguintes como foi o surgimento da legislação das relações de trabalho no Brasil. Era necessário estabelecer padrões legais para a contratação da mão de obra livre. LegislaçãoTrabalhista e Evolução das Relações de Trabalho Como se viu até agora, aquilo que para nós na atualidade parece corriqueiro e até banal – como as normas que regulamentam as relações decorrentes da compra e venda de força de trabalho – não foi sempre assim. Houve momentos em que a regra foi apenas a força. A existência de leis e regulamentos é tida como um processo positivo de avanço social, que estabelece o convívio entre indivíduos que se encontram em posições diversas na sociedade. De um lado estão aqueles que compram a força de trabalho, como mercadoria, e por outro lado aqueles que têm a força de trabalho como sua mercadoria. Em dimensão mundial, houve uma significativa transformação nas relações sociais e do trabalho com o declínio do chamado Estado Liberal e o surgimento do Estado Social. 28 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO Se você quiser aprofundar esta análise leia o livro: Do Estado Liberal ao Estado Social, do professor Paulo Bonavides. Referência: BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. São Paulo: Saraiva, 2004. Essa transformação é sempre mais estudada nos cursos de Direito pela ótica do Direito Constitucional, ou do constitucionalismo, mas o plano de fundo dessa transformação pode ser observado no trabalho e nas relações de trabalho. Ao afirmar o predomínio da liberdade dos indivíduos, o Estado Liberal, surgido das revoluções burguesas, aplicou ao máximo sua emblemática expressão laissez faire, laissez aller, laissez passer. Sob o liberalismo, a regra de ouro foi o laissez faire (deixai fazer), concepção a qual os indivíduos, deixados ao exercício de sua própria liberdade, produziriam o progresso e o desenvolvimento econômico e humano. A expressão laissez faire, laissez aller, laissez passer, le monde va de lui même significa deixai fazer, deixai ir, deixai passar, o mundo caminha por si mesmo. É atribuída a liberais franceses dos séculos XVII-XVIII e se tornou símbolo do pensamento econômico liberal. Você pode ler sobre isso acessando o link: Disponível em: <https://fernandonogueiracosta.wordpress. com/2013/11/13/fundamentos-e-limites-do-principio-dolaisserfaire- ou-da-nao-interferencia-governamental/>. No entanto, no bojo do Estado Liberal surgiram também conflitos, tanto entre países como entre classes sociais. O Estado Liberal viveu seu declínio, sobretudo pela contestação dos trabalhadores, que procuravam também garantir seu espaço e seus interesses na sociedade. Dois fatos marcam decididamente a superação do Estado Liberal, no início do século XX: a primeira Guerra Mundial, iniciada em 1914 e a Revolução Russa, de 1917. Esta última, sob a bandeira do socialismo, colocava- se como síntese das reivindicações dos trabalhadores por igualdade social. 29 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 Os desdobramentos normativos mais visíveis decorrentes dessas reivindicações e desses acontecimentos históricos se dariam nas constituições do México (1917) e de Weimar/Alemanha (1919), que inauguram a fase das chamadas constituições sociais. Sociais porque vão trazer em seus textos menções claras aos direitos sociais e trabalhistas. No mesmo sentido, a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, a partir do Tratado de Versailles, de 1919. Em resumo: as reivindicações dos trabalhadores e sua contestação ao regime do laissez faire estão no nascedouro das constituições sociais, mas especialmente no surgimento dos direitos trabalhistas e de formas novas de regular as relações do trabalho. Se no liberalismo a regra era apenas a plena liberdade de contratar (comprar e vender força de trabalho pela forma ajustada entre compradores e vendedores), a demanda por melhores condições de trabalho vai desaguar em mais amplas regras para as relações de trabalho, visando garantias mais abrangentes aos trabalhadores, fazendo surgir os “direitos trabalhistas”. No Brasil, como se viu, o caminho foi mais demorado e mais tortuoso. A abolição da escravidão se deu apenas em 1888, e nem por isso, determinou por si, novas relações de trabalho. Apenas com os princípios da industrialização, lembra Vienna (2003, p. 51) “[...] começava a se fazer sentir o desajustamento entra as condições normais de vida do trabalhador e aquelas a que ele deveria ter direito”. É preciso que se diga que a evolução normativa do Direito do Trabalho e das relações de trabalho não é apenas um produto da vontade do legislador e dos juristas, mas, sim, o resultado do desenvolvimento econômico e do entrelaçamento deste com o desenvolvimento social e político do país, ou seja, a legislação segue o desenrolar econômico e social e lhe dá forma. Seguindo o processo de desenvolvimento brasileiro anterior a 1930, a legislação do trabalho teve como principais acontecimentos normativos as seguintes leis e decretos: É preciso que se diga que a evolução normativa do Direito do Trabalho e das relações de trabalho não é apenas um produto da vontade do legislador e dos juristas, mas, sim, o resultado do desenvolvimento econômico e do entrelaçamento deste com o desenvolvimento social e político do país, ou seja, a legislação segue o desenrolar econômico e social e lhe dá forma. 30 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO • Decreto 028 de 13 de setembro de 1830 – disciplinava contratos sobre prestação de serviços. • Lei 108 de 11 de outubro de 1837 – tratava dos contratos de locação de serviços dos colonos imigrantes. • Decreto 2.827 de 15 de março de 1879 – chamada Lei de Locação de Serviços – regulava contratos no âmbito da agricultura, de locação de serviços e parcerias agrícolas e pecuárias. • Lei Áurea de 13 de maio de 1888 – aboliu a escravidão. • Com a proclamação da República: • Decreto 1.162 de 12 de dezembro de 1890 – garantia liberdade ao trabalhador e permitia a greve pacífica. • Decreto 1.313 de 1891 – instituía fiscalização permanente em estabelecimentos fabris onde trabalhassem menores em grande número; estabelecia jornada diária máxima de 9 horas para os menores e proibia trabalho noturno aos menores de 15 anos. • Decreto 1.150 de 05 de janeiro de 1904 – conferia privilégio para o pagamento de dívidas provenientes de salários do trabalhador rural. • Decreto Legislativo 1.637 de 05 de janeiro de 1907 – tratava da sindicalização. • *Em 1915 houve uma primeira tentativa de criação de um Código de Trabalho, que, apesar de tramitar por longo tempo não chegou a ser aprovado. • Código Civil de 1916 (Lei 3.701 de 1º. de janeiro de 1916) – incluiu algumas normas sobre o trabalho, dedicando 22 artigos ao tema, para Vianna (2003) com a “denominação imprópria de ‘locação de serviços” (p. 61). • Lei 3.742 de 15 de janeiro de 1919 – lei sobre acidentes de trabalho. • Lei 4.682 de 24 de janeiro de 1923 – também chamada Lei Eloy Chaves – criava as caixas de aposentadorias e pensões para os ferroviários. • Lei 4.982 de 23 de dezembro de 1925 – sobre o direito de férias. • Decreto 16.027 de 30 de abril de 1923 – criando o Conselho Nacional do Trabalho. • Decreto 17.934 de 12 de outubro de 1927 – sobre o trabalho de menores. Apesar dessas legislações, durante toda a Primeira República a questão social e do trabalho permaneceu sobrepujada, ainda que latente. De um lado as greves e conflitos trabalhistas, em especial a Greve Geral de 1917 e de outro a afirmação do então presidente Washington Luís, de que a questão social era “caso de polícia”. Deram o tom do conflituoso e difícil processo de evolução normativa (além de econômica e social) das relações de trabalho no Brasil daquele período. 31 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 “Em síntese: durante quase toda a Primeira República a questão social foi considerada no Brasil como “caso de polícia”. (Extraído do dossiê do CPDOC sobre a Era Vargas). Para uma visão sobre o assunto você pode acessar o dossiê do período elaborado pelo CPDOCda Fundação Getúlio Vargas (FGV) no link: Disponível em: <http://cpdoc. fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/QuestaoSocial>. Segundo Cesarino Júnior (apud SÜSSEKIND; MARANHÃO; VIANNA, 1991, p. 63), “a Legislação Social do Brasil começou, decididamente, após a Revolução de 1930”. Esta frase indica o processo de transformação que atingiu o direito brasileiro, especialmente a legislação trabalhista, a partir de 1930. Podemos concordar ou discordar do conteúdo das legislações sociais e trabalhistas criadas a partir da Revolução de 1930, especialmente a CLT, mas é inegável que tal revolução e sua figura de proa – Getúlio Vargas – fazem parte da história e das análises e explicações sobre a evolução econômica e das relações de trabalho no Brasil neste período. Getúlio Vargas: presidente do Brasil de 1930 a 1945. De 1930 a 1937 foi presidente aclamado como líder da vitoriosa Revolução de 1930. Em 1937 instituiu o Estado Novo, considerado um golpe de Estado, e governou até 1945 quando foi deposto por um levante militar. Leia mais sobre Getúlio Vargas acessando o link. Disponível: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/biografias/ getulio_vargas>. Agora, lembre-se, a construção das normas jurídicas, neste ou em qualquer outro tema do Direito, não está dissociada das realidades econômica e social. Ao contrário, são as realidades econômica e social que estruturam ou definem o conteúdo legislativo que regula as relações entre indivíduos. É assim, no que toca as relações de trabalho. 32 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO A Revolução de 1930 representa um momento de passagem, econômico e social. É um momento em que o Brasil vai deixando de ser apenas uma economia agrícola, e vive sua industrialização. Cidades crescem, e cresce também a massa de trabalhadores/operários. Crescem reivindicações por maior igualdade social. Todos esses acontecimentos vão impactar e redesenhar as relações de trabalho e a legislação trabalhista, como veremos na próxima seção. Direitos Trabalhistas e Sujeito de Direitos Em Direito a expressão sujeito de direito (ou sujeito de direitos) tem um valor significativo. Em termos gerais o “sujeito de direito é aquele a quem a lei – em sentido amplo – atribui direitos e obrigações, aquele cujo comportamento se pretende regular” (CANTISANO, 2010, p. 132), ou seja, o sujeito de direitos é a pessoa portadora de direitos (e deveres). Hans Kelsen, em sua Teoria Pura, dá uma definição de sujeito de direito, “a teoria tradicional identifica o conceito de sujeito jurídico com o de pessoa. Eis sua definição: pessoa é o homem enquanto sujeito de direitos e deveres” (KELSEN, 2006, p. 191). Se tomarmos o Código Civil, veremos este conceito plenamente apresentado em seu artigo 1º. “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Parece óbvio dizer isso a juristas já formados, mas é importante lembrar que não foi sempre assim. A ideia de sujeito de direito surge com o capitalismo e está basicamente associada ao princípio da igualdade formal, aquele segundo o qual todos os homens são iguais perante a lei. Embora os homens não sejam iguais em suas condições materiais reais, o conceito de sujeito de direito funciona como uma espécie de denominador comum dos homens. Uns podem comprar força de trabalho; outros vendem força de trabalho para sobreviver; ambos, como sujeitos de direito, podem assinar um contrato. 33 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 A origem do homem sujeito de direito podem ser buscadas nas teorias do direito natural. Um exemplo de como se forjou a associação do homem como portador de direitos está na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, carta da Revolução Francesa de 1789, que em seu artigo 1º. diz: Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. Embora nos primórdios da era moderna e do capitalismo, sob o Estado Liberal, esses direitos fossem basicamente os direitos à liberdade e à propriedade, com o desenvolvimento da humanidade e com as constituições sociais, esses direitos foram modificados e ampliados. Então, quando falamos sujeito de direitos, também queremos dizer sujeito portador de direitos, ou seja, aquele que pode exercer determinados direitos. O sujeito de direitos trabalhistas é aquele a quem, por se enquadrar em uma posição definida na relação de trabalho, pode ser atribuída a condição de portador de determinados direitos assegurados pelo regime jurídico a ele aplicável. A questão passa, afinal, pela existência de uma legislação reconhecedora dessa posição e que atribua direitos que podem ser exercidos por quem lhes seja titular. No Brasil, superada a escravidão, o conteúdo das relações de trabalho em sentido jurídico, dependia da existência de uma clara regulamentação do trabalho livre e dos direitos dos trabalhadores, o que só aconteceu de modo mais completo a partir de 1930, sendo sedimentado com a Consolidação das Leis do Trabalho em 1943. Preparava-se o cenário para a entrega aos brasileiros da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, momento em que se completaria uma etapa fundamental no processo de constituição do trabalhador brasileiro como sujeito de direitos, ou seja, um cidadão moderno (BIAVASCHI, 2007, p. 173, grifo nosso). Como referência o estudo de Magda Barros Biavaschi “o Direito do Trabalho no Brasil: 1930-1942 – a construção do sujeito de direitos trabalhista”. Esta autora, assim como Arnaldo Süssekind e Sérgio Pinto Martins, entre outros, considera equivocada a relação que alguns estudiosos estabeleceram ao longo do tempo entre a CLT brasileira e a Carta del Lavoro da Itália. Você pode buscar outras referências sobre o assunto disponíveis em revistas especializadas, na internet e livros. 34 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO É possível afirmar que a ideia de sujeito de direitos trabalhistas é concomitante e diretamente relacionada com o surgimento do Direito do Trabalho como regime jurídico e como disciplina. A universalização das normas jurídicas trabalhistas e de institutos como as convenções coletivas e as sentenças normativas, como o estabelecimento de diretrizes e princípios doutrinários fundamentais, e o consequente deslocamento dessas normas da esfera civil ou comercial, serviram para definir, no plano do Direito, que o Direito do Trabalho formasse um sistema orgânico e unitário (SÜSSEKIND; MARANHÃO; VIANNA, 1991). Em termos históricos este processo de formação do que chamamos de Direito do Trabalho – como sistema de normas (regras e princípios) e institutos – se desenvolveu no Brasil na primeira metade do século XX, tendo como seu ponto culminante a CLT. Se queremos pensar de forma esquematizada (e um tanto simplificada) a questão, podemos colocar a distinção em fases das relações de trabalho no Brasil nos seguintes termos: • Na etapa escravista da economia, a produção estava sustentada pelo trabalho escravo; consequentemente as relações de trabalho continham uma base central e única: o proprietário de escravos era detentor do corpo do homem que trabalhava e por direito de propriedade dele dispunha. • Na etapa capitalista da economia, estruturada sobretudo a partir de 1930, a produção passa a ser sustentada em trabalho livre, mão de obra a ser comprada e vendida, em condições determinadas por normas legisladas. Neste momento, podemos enfim, estabelecer um ponto de encontro entre relações de trabalho e Direito do Trabalho. A medida que se transformam as relações de trabalho nos planos econômico e social, surgem ou modificam-se normas legais de organização dessas mesmas relações de trabalho. A medida que se transformam as relações de trabalho nos planos econômico e social, surgem ou modificam-se normas legais de organização dessas mesmas relações de trabalho. Em outras disciplinas do curso você provavelmente teve ou terá contato com o debate evolutivo e a construçãoda autonomia do Direito do Trabalho como ramo e como disciplina, inclusive as polêmicas iniciais para a consolidação da expressão Direito do Trabalho. As obras de Sérgio Pinto Martins e Arnaldo Süssekind, listadas nas referências, são possíveis para esta questão. 35 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 Interesses variados, e na maior parte das vezes conflituosos, entram em cena. As normas surgem, via de regra, desses embates e conflitos, expressando as condições econômicas e sociais de dado momento histórico. O período da República Velha (1889-1930) foi marcado pelo surgimento de uma grande massa operária no Brasil, e também por conflitos crescentes, decorrentes das reivindicações dos trabalhadores por direitos e melhores condições de trabalho. Após a Revolução de 1930, houve intensa produção normativa, estruturando o direito do trabalho brasileiro e organizando as relações de trabalho. A seguir, transcrevemos um quadro evolutivo das normas mais relevantes (acompanhadas de suas ementas) entre 1930 até a aprovação da CLT. Quadro 1 – Evolução das normas Período do Governo Provisório Decreto 19.671-A, de 4.2.1931 – Dispõe sobre a organização do Departamento Nacional do Trabalho. Decreto 19.770, de 19.3.1931 – Regula a sindicalização. Decreto 20.303, de 19.8.1931 – Dispõe sobre a nacionalização do trabalho na marinha mercante. Decreto 20.465, de 1º..10.1931 – Reforma a legislação das Caixas de Aposentadoria e Pensões. Decreto 21.186, de 22.3.1932 – Regula o horário para o trabalho no comércio. Decreto 21.364, de 4.5.1932 – Regula o horário para o trabalho na indústria. Decreto 21.396, de 12.5.1932 – Institui Comissões Mistas de Conciliação. Decreto 21.417-A, de 17.5.1932 – Regula as condições de trabalho das mulheres na indústria e no comércio. Decreto 21.690, de 1º..8.1932 – Cria Inspetorias Regionais de Trabalho nos Estados. Decreto 22.042, de 3.11.1932 – Estabelece as condições de aposentadoria e pensões dos marítimos. Período de 1934-1937 Decreto 24.637, de 10.7.1934 – Reforma a Lei de Acidentes do Trabalho. Decreto 24.594, de 12.7.1934 – Reforma da Lei Sindical. Lei 62, de 5.6.1935 – Dispõe sobre a rescisão do contrato de trabalho. Lei 185, de 14.1.1936 – Institui as Comissões de Salário Mínimo. Lei 367, de 31.12.1936 – Cria o Instituto de Aposentadoria dos Industriários. 36 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO Leis posteriores a 1937 Decreto-lei 910, de 20.11.1938 – Dispõe sobre a duração e condições de trabalho dos jornalistas. Decreto-lei 1.402, de 5.7.1939 – Regula a associação profissional ou sindical. Decreto-lei 1.523, de 18.8.1939 – Assegura aos empregados o direito a dois terços dos vencimentos em caso de incorporação militar. Criação de Justiça do Trabalho Merece destaque no período o Decreto-Lei 1.237, de 2.5.1939, pelo qual foi organizada a Justiça do Trabalho. A existência da Justiça do Trabalho, organizada neste decreto, estava prevista na Constituição de 1937. Até então inexistia segmento específico do judi- ciário encarregado dos conflitos de direito que envolvessem relações de emprego. Dizia o artigo 1º. do referido Decreto-lei, “os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, regulados na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho”. A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT Eis o elemento-chave do processo de estruturação do Direito do Trabalho e de orga- nização das relações de trabalho no Brasil: o Decreto-lei 5.452 de 1º. 5.1943, a CLT. É corrente a visão de que a CLT não chegou a ser uma produção legislativa nova, em termos de criar novas normas e regulamentações, sendo, no geral, uma compilação de legislações já existentes. Como o próprio nome diz, uma consolidação. Fonte: Vianna (2003, p. 64-66). Neste processo histórico, tendo no ápice a CLT, forjou-se o Direito do Trabalho brasileiro e foram se desenhando, em termos jurídico-normativos, as relações de trabalho, em legislações que antes e depois da CLT, circunscreveram e determinaram a existência dos sujeitos de direitos trabalhistas. Por fim, é importante destacar elementos que influenciaram o Direito do Trabalho brasileiro em seu surgimento: a) A Encíclica Rerum Novarum: trata-se de documento de 1891, expedido pelo Papa Leão XIII, que criou a doutrina social da Igreja Católica, e que influenciou fortemente legislações sociais ao longo do século XX. Visto também como uma reação ao crescimento a influência das ideias socialistas entre os trabalhadores e o enfraquecimento da Igreja. Veja como Biavaschi (2007, p. 124) descreve seu surgimento: Foi assim que o Papa Leão XIII, em 15 de maio de 1891, publicou a Encíclica Rerum Novarum, estampando a doutrina social da Igreja Católica. Sem deixar de reconhecer na propriedade privada um direito natural e denunciar o socialismo como solução falta e injusta por violá-la, e por subverter o edifício social e viciar o papel 37 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 do Estado, tratou da Questão Social e, clamando por respeito à dignidade do homem, condenou a exploração desumana e o uso vergonhoso dos operários como vis instrumentos do lucro. Registrando a urgência de direitos como jornada de trabalho, descanso, proteção às mulheres e às crianças, salário suficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado, exortou o Estado a intervir nas relações de trabalho [...]. Rerum Novarum significa “das coisas novas”. A expressão “coisas novas” era uma referência aos novos fenômenos decorrentes da expansão do capitalismo e do liberalismo que, ao passo da criação de riquezas consideráveis, havia produzido também miséria e exclusão. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/napead/repositorio/objetos/servico- social/rerum.php>; <https://juslaboris.tst.jus.br/handle/1939/106891>. b) O 1º. Congresso Brasileiro de Direito Social: Este Congresso, realizado em São Paulo entre 15 e 21 de maio de 1941, organizado pelo Governo Federal e pelos Governos dos Estados, com ampla participação de juristas, foi também um dos elementos de influência do Direito do Trabalho brasileiro em seu surgimento e consolidação. Nele foram aprovadas teses que influenciariam mais tarde a CLT: como uma tese apresentada pelo jurista Arnaldo Süssekind com a seguinte redação: Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. “Seria, mais tarde, integralmente contemplado pela comissão que elaborou a CLT, em seu artigo 9º” (BIAVASCHI, 2007, p. 128-129). c) As constituições sociais do século XX: Como já mencionado em outro ponto, o mundo viveu no final do século XIX o declínio do Estado Liberal. O laissez faire do liberalismo serviu à consolidação do capitalismo, mas seu culto ao individualismo produzirá também desigualdade e miséria. A partir disso, emergiram conflitos dos trabalhadores em luta por direitos e também organizações políticas revolucionárias. O ápice da crise do liberalismo se deu com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, e, em seu término, com o surgimento da experiência real de socialismo inaugurada pela Revolução Russa de 1917. No bojo das lutas dos trabalhadores e dos conflitos, surgiram soluções de compromisso, na forma de constituições que reconheceram os direitos sociais – nos estudos 38 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO constitucionais chamados direitos fundamentais de segunda geração. Os dois grandes marcos constitucionais com este conteúdo, sempre referenciados e estudados, são a Constituição do México de 1917 e a Constituição de Weimar (Alemanha) de 1919. d) Organização Internacional do Trabalho – OIT: A Organização Internacional do Trabalho – OIT – foi criada com o Tratado de Versailles (1919) após o término da Primeira Guerra Mundial. Marca a internacionalização do Direito do Trabalho. Como organização internacional,expede recomendações e convenções, que “quando ratificadas por um país-membro, integram seu ordenamento jurídico como fonte formal e heterônoma de direitos, gerando direitos subjetivos” (BIAVASCHI, 2007, p. 137). É importante lembrar também, que a partir da Emenda Constitucional 45, o § 3º do artigo 5º. da Constituição Federal passou a reconhecer força de emenda constitucional às Convenções internacionais sobre direitos humanos ratificadas pelo Brasil, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Algumas Considerações Chegamos ao final deste primeiro capítulo. Como mencionado em seu início, este capítulo tem um sentido mais teórico e histórico, procurando identificar e fazer compreender as raízes do Direito do Trabalho brasileiro e a evolução das relações de trabalho no nosso país. Podemos resumir os apontamentos apresentados no capítulo em torno das seguintes ideias: 1ª. Relações de trabalho é uma expressão complexa, que em seu sentido amplo, contém sentidos diversos, embora não contraditórios: o sentido econômico; o sentido sociológico; o sentido jurídico. 2ª. O surgimento de um sentido jurídico para as relações de trabalho se firma com o surgimento das leis destinadas à regulação do trabalho. Nos países de capitalismo avançado isso ocorreu a partir da Revolução Industrial e seus desdobramentos. No Brasil, a passagem se deu de forma mais complexa e difícil, implicando a superação da escravidão (que dista de nós, pouco mais de 100 anos) para abrir caminho à formação de um mercado de trabalho. 39 Relações de Trabalho no Brasil Capítulo 1 3ª. A ideia de mercado de trabalho envolve a existência de normas legais, editadas pelo Estado, capazes de organizar as condições de compra e venda da força de trabalho. 5ª. Além da regulação dessas condições de compra e venda da força de trabalho, o século XX trouxe também as reivindicações de igualdade empunhadas pelos trabalhadores, fazendo surgir os direitos sociais, entre os quais estão os direitos do trabalho. 6º. No Brasil, o marco histórico de transformação das relações de trabalho se dá com a Revolução de 1930. No plano econômico com a industrialização. No plano social com o reconhecimento da questão social como uma questão relevante ao desenvolvimento. No plano jurídico com o surgimento do sistema legal que reconheceu o trabalhador como cidadão e sujeito de direitos, o Direito do Trabalho, tendo como seu documento jurídico mais emblemático a CLT. Referências ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011. ARAÚJO, Romilda Ramos. Os sentidos do trabalho e suas implicações na formação dos indivíduos inseridos nas organizações contemporâneas. Revista de Gestão USP, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 53-66, jan./mar. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000147&pid=S1413- 2311201300020000200002&lng=pt>. Acesso em: 4 abr. 2018. BARBOSA, Alexandre de Freitas. A formação do mercado de trabalho no Brasil: da escravidão ao assalariamento. Tese de Doutorado. Campinas: Unicamp, 2003. BIAVASCHI, Magda Barros. O direito do trabalho no Brasil 1930-1942: a construção do sujeito de direitos trabalhistas. 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Tradução: João Luiz Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996. SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: LTR, 1991. VIANNA, Segadas et al. Instituições de direito do trabalho. 21. ed. São Paulo: LTr, 2003. v. 1 CAPÍTULO 2 Relação de Trabalho x Relação de Emprego A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Estabelecer os requisitos e/ou critérios para existência de relação empregatícia. � Compreender a natureza jurídica do contrato de trabalho a partir das teorias explicativas desenvolvidas, suas implicações e aplicações. � Interpretar os critérios de caracterização da relação empregatícia. � Analisar aplicações jurisprudenciais dos componentes da relação empregatícia e suas consequências em casos concretos. � Caracterizar condições jurídicas da existência de vínculo empregatício. 42 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO 43 Relação de Trabalho X Relação de Emprego Capítulo 2 Contextualização Caro acadêmico, estamos entrando no Capítulo 2 do Livro de Estudos da disciplina O Direito do Trabalho e as relações de trabalho. No primeiro capítulo, analisamos o percurso de formatação das estruturas normativas das relações de trabalho no Brasil, o que implica no surgimento do próprio Direito do Trabalho Pátrio. No ponto ápice da legalização das relações de trabalho está a CLT, porém esta não é a única norma sobre o assunto. Há inúmeras outras leis, decretos etc., que balizam juridicamente as relações entre trabalhadores e seus empregadores. É bom lembrar, por exemplo, que a Constituição Federal é a fonte primeira de normas disciplinadoras das relações de trabalho, estabelecendo, no tocante aos direitos sociais e do trabalho – direitos fundamentais de segunda geração – direitos e garantias básicos de todos os trabalhadores. Isso tem impacto sobre o que estudaremos neste capítulo, visto que ao analisarmos o contrato – ou a relação jurídica – que se estabelece entre empregadores e empregados temos que ter em conta que há um conjunto normativo consideravelmente abrangente que atua dirigindo as vontades das partes, por exemplo, as partes não podem estabelecer qualquer jornada de trabalho, devendo respeitar as regras legais e constitucionais a respeito. Para chegar a este ponto, é importante recordar algo do que analisamos anteriormente para que possamos estabelecer, ao menos didaticamente, uma passagem de um conteúdo para outro. Quando analisamos a evolução das relaçõesde trabalho no Brasil, percebemos que um ponto culminante para compreender a atualidade foi exatamente a passagem do trabalho escravo para o trabalho livre. A existência de trabalho livre, é algo que na linguagem econômica chamamos de mercado de trabalho, permitem pensar na questão da seguinte forma: os homens são livres para fazerem o que quiserem e também para venderem sua força de trabalho nas condições que conseguirem alcançar. Esta visão, essencialmente liberal (visto que afirma a liberdade de cada um para agir conforme sua disposição), poderia levar a uma curiosa consequência; se todos aqueles que dispõem de força de trabalho se recusassem a vendê-la, ou simplesmente preferissem organizar “seu próprio negócio”, não haveria quem trabalhasse nas fábricas, no comércio etc. 44 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO Vender força de trabalho é a forma pela qual a maior parte das pessoas, em qualquer lugar do mundo, consegue recursos para satisfazer necessidades básicas como: alimentação, vestuário, moradia etc. É dessa constatação que surgem princípios como o da hipossuficiência do trabalhador, tido como elo mais fraco da relação laboral. Afinal, não se trata apenas de escolha, mas de necessidade. No entanto, há pessoas que pela natureza de sua atividade ou pelo modo como determinados serviços são organizados e reconhecidos na sociedade, ou por sua própria escolha, prestam serviços a outras pessoas (físicas ou jurídicas), mas preservam essa liberdade. Um advogado, por exemplo, presta serviço a uma empresa, mas pode fazê-lo de forma autônoma e sem subordinação a ordens de seu contratante. Há outras situações em que as pessoas realizam atividades que correspondem a uma necessidade esporádica de quem contrata. Uma faxineira contratada eventualmente para uma limpeza de escritório; um eletricista contratado para executar uma ligação de energia para uma máquina na fábrica, são exemplos desse tipo de situação. Esta questão, a diferença entre trabalho subordinado e trabalho não subordinado é a essência, da temática deste capítulo. Veremos que, apesar de antiga, é uma questão que permanece controvertida. A temática da subordinação traz como uma questão de fundo o contrato de trabalho e sua natureza. Analisaremos centralmente as condições ou os requisitos de formação do vínculo de emprego, partindo da distinção preliminar entre relações de trabalho e relações de emprego. O capítulo está dividido em cinco seções. A primeira é reservada à Distinção entre relações de trabalho e relações de emprego; na segunda o tema será o Contrato de Trabalho e sua natureza jurídica; na sequência analisaremos os critérios (ou requisitos) de caracterização da relação empregatícia; a partir disso poderemos então analisar a validade jurídica da relação de emprego: elementos jurídico-formais do contrato empregatício; concluindo com as características, classificação e condições dos contratos de trabalho. Neste capítulo, assim como no seguinte, trabalharemos com casos práticos, geralmente julgados de tribunais, que sirvam de exemplo para os estudos. Vamos lá! 45 Relação de Trabalho X Relação de Emprego Capítulo 2 Distinção Entre Relações de Trabalho e Relações de Emprego Neste capítulo nossa preocupação será compreender a distinção entre relações de trabalho e relações de emprego, tendo como pano de fundo a diferença essencial entre trabalho subordinado e trabalho não subordinado. Para isso, começaremos analisando a situação das famílias Martini e Dallegrave e sua experiência de colheita de uva. A notícia mostra uma situação de trabalho envolvendo a solidariedade entre vizinhos e amigos e serve como ponto de partida da nossa análise para compreender o trabalho subordinado como elemento chave da relação de emprego. Leia a notícia a seguir: TEMPO DE COLHEITA Familiares e vizinhos mantêm tradição antiga de se ajudarem uns aos outros durante a época da colheita da uva PARCERIA Martini (E) e Dallegrave (D) se ajudam há 12 anos O perfume que exala dos parreirais da Serra Gaúcha indica a quem transita pela região que o tempo de colheita já começou. E a cada ano, durante o verão, se renova uma tradição de longa data em diversas propriedades, a da ajuda mútua entre famílias de produtores para a retirada dos cachos de uva. Mesmo com os problemas enfrentados no campo, como a falta de sucessores na atividade rural, essa prática se mantém firme há décadas. No interior de Caxias do Sul, as famílias Dallegrave e Martini são parceiras há 12 anos na colheita da uva. A cada safra, o trato se renova. Em um primeiro momento, Noeri Martini, sua esposa e o filho vão até a propriedade do vizinho Hamilto Dallegrave, em Caravaggio da Terceira Légua, para coletar a fruta. Posteriormente, Hamilto, sua esposa e o filho se dirigem até a propriedade dos Martini, em São Pedro da Terceira Légua, e fazem o mesmo processo. 46 O DIREITO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO – É difícil encontrar mão de obra. E também, dessa maneira, a gente mantém as famílias unidas. Quando um precisa do outro, a gente se ajuda – justifica Hamilto. Para as duas famílias, o calendário acaba sendo um aliado. Em seus sete hectares de parreiras, os Dallegrave têm variedades que estão entre as primeiras a serem colhidas na safra, como Violeta e Isabel. Por dia, são tiradas 8 toneladas de uva. Sem o auxílio dos amigos, o volume cairia pela metade. Já os Martini privilegiam as uvas mais tardias, como Bordô e Niágara, em uma área de seis hectares. Assim, eles conseguem se organizar com facilidade para trabalharem juntos. A maior agilidade na colheita e a economia financeira, decorrente da não contratação de funcionários, são alguns dos frutos resultantes da união. No entanto, um benefício acaba se sobressaindo sobre os demais: o fortalecimento da amizade. – Trabalhando juntos, os dias passam mais rápido. Vamos contando piadas, falando besteira, conversando em meio aos parreirais. Às vezes também falamos assuntos sérios – revela Noeri Martini. Fonte: Disponível em: <http://pioneiro.clicrbs.com.br/especiais-pio/ maisserra/23/central.html>. Acesso em: 19 abr. 2018. a) Situação 1 Essa notícia, que para alguns pode até mesmo evocar lembranças familiares ou de infância, serve de ponto de partida para um questionamento: como podemos descrever a relação de trabalho estabelecida entre as famílias Martini e Dallegrave? Trata-se de uma relação de trabalho? Efetivamente há trabalho envolvido, em sentido amplo podemos falar de uma relação de trabalho, talvez muito mais em sentido sociológico, como abordamos no primeiro capítulo. Se procurarmos um enquadramento jurídico para a história contada anteriormente não o encontraremos em lugar algum. Trata-se de uma relação de solidariedade entre pessoas que têm auxílio mútuo, não só um apoio de mão de obra, mas o estabelecimento de relações de amizade e convívio, e não há normatização jurídica para a amizade. A reiteração da prática corresponde a uma tradição, em termos civis não há qualquer laço de obrigação envolvendo as duas famílias, ou seja, há trabalho envolvido, mas não há criação de nenhum 47 Relação de Trabalho X Relação de Emprego Capítulo 2 tipo de liame jurídico entre as partes envolvidas. Podemos falar de um certo compromisso moral a ligar as famílias. Afinal, se meu vizinho me ajudou, eu considero justo ajudá-lo, mas não passa disso. b) Situação 2 Tente imaginar uma segunda situação: suponha que uma das famílias (ou ambas) decidam ampliar e modernizar seus parreirais, adotando um novo modelo de plantio das parreiras. Para esse modelo tomam conhecimento de um empreiteiro especializado nesse tipo de serviço, de uma cidade vizinha. A empreitada envolve a colocação de postes, esticamento de arames e todas as demais obras de suporte necessárias e todo material, que envolve um nível médio de tecnologia, é fornecido pelo próprio empreiteiro.
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