Material Suplementar para Acompanhar 1 TÓPICO ESPECIAL D Reações Eletrocíclicas e de Cicloadição cis-Tetrametilciclobuteno D.1 INTRODUÇÃO Existem muitas reações nas quais determinadas características de simetria de orbitais moleculares controlam o curso global da reação. Essas reações são frequentemente cha- madas de reações pericíclicas porque elas ocorrem através de estados de transição cíclicos. Com a bagagem de conhecimento da teoria do orbital molecular que obtivemos dos Capítulos 1 e 13, especialmente como ela se aplica aos polienos conjugados (dienos, trie- nos etc.), estamos em posição de examinar alguns dos aspectos intrigantes dessas reações. Examinaremos em detalhes dois tipos básicos: reações eletrocíclicas e reações de cicloadição. D.2 REAÇÕES ELETROCÍCLICAS Várias reações, como a mostrada aqui, transformam um polieno conjugado em um com- posto cíclico. Ciclobuteno1,3-Butadieno Em muitas outras reações, o anel de um composto cíclico se abre e forma-se um polieno conjugado. Ciclobuteno 1,3-Butadieno As reações desses tipos são chamadas de reações eletrocíclicas. Nas reações eletrocíclicas, as ligações σ e π são interconvertidas. Em nosso primeiro exemplo, uma ligação π do 1,3-butadieno transforma-se em uma ligação σ no ciclobu- 2 TÓPICO ESPECIAL D teno. No nosso segundo exemplo, o inverso é verdadeiro: uma ligação σ do ciclobuteno transforma-se em uma ligação π no 1,3-butadieno. As reações eletrocíclicas têm vários aspectos característicos: 1. Elas necessitam apenas de calor ou luz para se iniciar. 2. Seus mecanismos não envolvem radical ou intermediários iônicos. 3. As ligações são formadas e quebradas em uma única etapa concertada envolvendo um estado de transição cíclico. 4. As reações são estereoespecíficas. Os exemplos que se seguem demonstram essa última característica das reações eletro- cíclicas. CH3 CH3 H Hcalor hν CH3 CH3 CH3 CH3 H H CH3 CH3 H H H H cis-5,6-Dimetil-1,3- ciclo-hexadieno cis-3,4-Dimetilciclobuteno trans,cis,trans-2,4,6-Octatrieno trans,trans-2,4-Hexadieno Em cada um desses exemplos, uma única forma estereoisomérica do reagente produz uma única forma estereoisomérica do produto. A ciclização fotoquímica concertada do trans,trans-2,4-hexadieno, por exemplo, produz apenas o cis-3,4-dimetilciclobuteno; ela não produz o trans-3,4-dimetilciclobuteno. CH3 CH3 H (não é formado)H trans-3,4-Dimetilciclobuteno CH3 CH3 H H trans,trans-2,4-Hexadieno hν As reações eletrocíclicas que estudaremos aqui e as reações de cicloadição concertadas que estudaremos na próxima seção eram pouco entendidas pelos químicos antes de 1960. Nos anos que se seguiram, vários cientistas, mais notavelmente K. Fukui, no Japão, H. C. Longuet-Higgins, na Inglaterra, e R. B. Woodward e R. Hoffmann, nos Estados Unidos, nos forneceram uma base para o entendimento de como essas reações ocorrem e por que elas ocorrem com uma estereoespecificidade notável. Todos esses cientistas trabalharam a partir da teoria do orbital molecular. Em 1965, Woodward e Hoffmann formularam suas descobertas teóricas em um conjunto de regras que não apenas habilitaram os químicos a entender as reações que já eram conhecidas, mas que também previam corretamente o resultado de muitas reações que não haviam sido tentadas. As regras de Woodward–Hoffmann são formuladas apenas para reações concertadas. As reações concertadas são reações nas quais as ligações são quebradas e formadas simul- taneamente e, portanto, não ocorrem intermediários. As regras de Woodward–Hoffmann são baseadas nesta hipótese: Nas reações concertadas os orbitais moleculares do reagente são continuamente convertidos nos orbitais moleculares do produto. No entanto, esta conversão de orbitais moleculares não é uma conversão aleatória. Os orbitais moleculares têm sime- trias características. Uma vez que eles têm simetrias características, existem restrições nas Hoffmann e fukui rece- beram o Prêmio Nobel de 1981 por esse trabalho. REAÇÕES ELETROCÍCLICAS E DE CICLOADIÇÃO 3 quais os orbitais moleculares do reagente podem ser transformados em orbitais molecu- lares específicos do produto. De acordo com Woodward e Hoffmann, diz-se que determinados caminhos de rea- ção são permitidos por simetria, enquanto outros são proibidos por simetria. No entanto, dizer que um caminho específico é proibido por simetria não significa que a reação não ocorrerá. Significa simplesmente que, se a reação fosse ocorrer por um caminho proibido por simetria, a reação concertada teria uma energia livre de ativação muito mais alta. A reação pode ocorrer, mas ela provavelmente ocorrerá de uma maneira diferente: por meio de outro caminho, que seja permitido por simetria, ou por meio de um caminho não concertado. Uma análise completa das reações eletrocíclicas utilizando as regras de Woodward– Hoffmann exige uma correlação de simetrias características de todos os orbitais molecu- lares de reagentes e produto. Tais análises estão além do objetivo de nossa abordagem aqui. Entretanto, descobriremos que uma abordagem simplificada pode ser tomada, uma abordagem que é fácil de visualizar e, ao mesmo tempo, é acurada em muitos casos. Nessa abordagem simplificada de reações eletrocíclicas, focaremos nossa atenção apenas no orbi- tal molecular ocupado de mais alta energia (HOMO) do polieno conjugado. Essa abordagem é baseada em um método desenvolvido por Fukui, chamado método do orbital de fronteira. D.2A Reações Eletrocíclicas de Sistemas com 4n Elétrons π Vamos começar com uma análise da interconversão térmica do cis-3,4-dimetilciclobuteno no cis,trans-2,4-hexadieno mostrada aqui. calor CH3 CH3 H H cis-3,4-Dimetilciclobuteno CH3 CH3 H H cis,trans-2,4-Hexadieno As reações eletrocíclicas são reversíveis, e assim o caminho para a reação direta é o mesmo que para a reação inversa. Nesse exemplo é mais fácil ver o que acontece aos orbitais se seguirmos a reação de ciclização, cis,trans-2,4-hexadieno → cis-3,4-dimetilci- clobuteno. Nessa ciclização uma ligação π do hexadieno é transformada em uma ligação σ do ciclobuteno. Mas qual ligação π? E como ocorre essa conversão? Vamos começar examinando os orbitais moleculares π do 2,4-hexadieno e, em parti- cular, o HOMO do estado fundamental (mostrado na Fig. D.1a). A ciclização com a qual estamos preocupados no momento, a cis,trans-2,4-hexadieno ⇌ cis-3,4-dimetilciclobuteno, necessita apenas de calor. Concluímos, consequentemente, que os estados excitados do hexadieno não estão envolvidos, porque isso demandaria absorção de luz. Se focarmos no ψ2 – o HOMO do estado fundamental –, veremos como os orbitais p em C2 e em C5 podem ser transformados em uma ligação σ no ciclobuteno. Forma-se um orbital molecular σ ligante entre o C2 e o C5 quando os orbitais p giram no mesmo sentido (ambos no sentido horário, como mostrado, ou ambos no sentido anti-horário, o que leva a um resultado equivalente). O termo conrotatório é utilizado para descrever esse tipo de movimento dos dois orbitais p, um em relação ao outro. ψ2 43 (+)(+) (−)(−) (+) (−)(+) (−) 43 2 5 Movimento conrotatório (leva à interação ligante entre o C2 e o C5) H H CH3 H CH3 H CH3 CH3 CCCC ψ2 C CH3 C C HH H CH3H C Orbital molecular ocupado de mais alta energia (HOMO) do estado fundamental. 4 TÓPICO ESPECIAL D O movimento conrotatório permite que os lóbulos do orbital p com o mesmo sinal de fase se sobreponham. Ele também coloca os dois grupos metila do mesmo lado da molécula no produto, isto é, na configuração cis. Observe que, se o movimento conrota- tório ocorre na direção oposta (no sentido anti-horário), os lobos de mesma fase ainda se sobrepõem, e os grupos metilas ainda são cis. movimento conrotatório (leva à interação ligante) ψ2 H H H CH3 H CH3 CH3 CH3 CCCC O caminho com o movimento conrotatório dos grupos metila é consistente com o que sabemos ser verdadeiro a partir de experimentos: a reação térmica leva