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1 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Prematuridade e RPMO INTRODUÇÃO • Correlação dos temas: o Prematuridade e rotura prematura de membranas ovulares (RPMO) são 2 assuntos distintos, mas que estão correlacionados pelos fatores de risco que são comuns a ambas doenças obstétricas ▪ Considerando, inclusive, a própria RPMO como principal fator de risco para a prematuridade (responsável por cerca de 30% dos casos) o A RPMO, embora seu nome inclua o termo “prematuro”, pode acontecer em qualquer idade gestacional, a palavra nesse caso está relacionada à ocorrência da ruptura antes do trabalho de parto (TP) PREMATURIDADE • Impacto na saúde pública: o A prematuridade é responsável por 75% da morbidade e mortalidade neonatais → Principalmente relacionados com insuficiência respiratória, sepse, hemorragia intraventricular e enterocolite necrosante o Tem um tratamento oneroso (financeiro e emocional) para as famílias e para o sistema de saúde ▪ A curto prazo leva a internações a longo prazo leva a institucionalização e entrada em programas educacionais especializados devido às sequelas • Conceito: o É o nascimento do concepto com menos de 37 semanas (259 dias) contadas a partir da DUM (OMS, 1961) o Na classificação antiga considerava também o peso do recém-nascido, no conceito atual já não importa (porque pode superestimar a incidência) • Epidemiologia: o A incidência tem se mantido estável ao longo dos anos (apesar do conhecimento dos fatores envolvidos na fisiopatogenia e da melhora dos recursos, não conseguimos diminuir essa incidência) ▪ Incidência mundial → 5 a 18% ▪ Incidência no Brasil → 6,4 a 15,2% o O trabalho mais recente de prematuridade no Brasil foi feito de 2012 a 2019, com registro de 23.059.611 nascidos vivos, tendo a proporção de prematuridade total variado de 10,87% a 9,95% • Classificação: o Quanto à evolução clínica: ▪ Espontâneo (75%) → Multifatorial ▪ Eletivo (25%) → Interrupção programada por complicações maternas e/ou fetais ❖ Não podemos esquecer das cesarianas indicadas de forma eletiva, já que a resolução 2284/2020 do CFM garante como direito da gestante optar pela cesariana, desde que haja o preenchimento de um termo de consentimento livre e esclarecido e que essa programação do parto aconteça a partir de 39 semanas PROF. GUSTAVO RUSCHI 2 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Quanto à idade gestacional ao nascer: ▪ Precoce → < 32 semanas ❖ Extrema → 22 a 27 semanas e 6 dias ❖ Severa → 28 a 31 semanas e 6 dias ▪ Moderada → 32 a 34 semanas e 6 dias ▪ Tardia → 35 a 36 semanas e 6 dias FATORES DE RISCO E FISIOPATGENIA • Prevenção: o Para que se faça uma prevenção adequada, é importante a identificação das causas de prematuridade ▪ Porém, de 30 a 40% das vezes a causa não é conhecida • Mecanismo da parturição: o O mecanismo que desencadeia o trabalho de parto no prematuro é apenas parcialmente conhecido, mas sabemos que é multifatorial ▪ Então, devemos saber identificar na história dessa gestante, quais são os fatores de risco • Fatores de risco: o Podem ser divididos em epidemiológicos, obstétricos, ginecológicos, clínico-cirúrgicos, genéticos e iatrogênicos o Devemos ficar atentos aos fatores de risco epidemiológicos, que são questões mais difíceis de controlarmos e que podem se somar a outras situações, como ginecológicas e obstétricas, levando a prematuridade ▪ Se estivermos atentos podemos diagnosticar e, grande parte das vezes, intervir em tempo hábil 3 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Há alguns fatores que merecem ser destacados (história de prematuridade prévia, gestação múltipla, mioma, hidrâmnio, útero septado, incompetência do colo, história de abortamento e dilatação precoce) ▪ Devemos valorizar esses fatores de risco, mas não podemos ignorar a gestante que não possui no seu histórico nenhum deles (a vigilância tem que ser para todas as gestantes) • Fisiopatogenia: o 4 eixos principais que podem atuar de forma simultânea ou isoladamente para chegar no parto prematuro ▪ Vão agir por meio de mediadores bioquímicos que vão atuar diretamente nas membranas e na decídua, fazendo com que haja liberação de proteases e prostaglandinas ❖ Aumentando as contrações uterinas, levando a alterações cervicais (colo vai afinar e dilatar antes da hora) e com a possibilidade de evoluir com a rotura de membranas 4 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o De forma geral, temos, atuando de forma isolada ou em associação, a ativação do eixo hipotálamo-hipófise- adrenal, a inflamação/infecção, o sangramento decidual e a distensão ou as contrações uterinas patológicas ▪ Distensão/Contração patológica → Há situações que cursam com a distensão (polidramnia, macrossomia, gemelaridade) que acabam levando a uma contratilidade uterina patológica ❖ A distensão gera uma redução da progesterona (responsável por manter o útero quiescente/relaxado durante toda a gravidez), fazendo com que aumente estrogênio e cálcio intracelular ❖ Isso leva a aumento da síntese de actino-miosina, de receptores de ocitocina e prostaglandinas, iniciando o trabalho de parto com contrações e degradação do colágeno do colo (fazendo com que dilate e afine) ▪ Sangramento decidual → Há situações que cursam com o sangramento decidual (descolamento prematuro de placenta, placenta prévia e traumas mecânicos) ❖ Nessa situação, há uma liberação de trombina, que tem um efeito contrátil ▪ Infecções/Inflamações → Liberam fatores de necrose tumoral e interleucinas, que degradam o colágeno do colo do útero, permitindo seu esvaecimento ❖ A interleucina 1 (liberada pela decídua) vai liberar o hormônio de corticotrofina (CRH), levando à síntese de prostaglandina pelas membranas e pela decídua, o que vai aumentar a contratilidade uterina ▪ Ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) → Em situações de estresse, há a ativação do eixo HHA ❖ Essa ativação vai levar também ao aumento do hormônio liberador de corticotrofina (CRH), tendo a mesma evolução das infecções (↑ prostaglandina = ↑ contratilidade) PREDIÇÃO E PREVENÇÃO • Na prática: o Sabemos que a incidência da prematuridade está se mantendo estável por mais que saibamos a fisiopatogenia o Precisamos fazer a avaliação dos estágios evolutivos do trabalho de parto prematuro (Classificação de Hobel) ▪ A partir desses estágios, vamos ver quais medidas iremos abordar, seja para predição ou para prevenção ❖ Estratégias de predição → Paciente com fator de risco, mas ainda sem sintoma de prematuridade, avaliaremos o risco de evoluir para TPP (trabalho de parto prematuro) ❖ Estratégias para prevenção → Paciente que já começa a ter sintomatologia ou com sintoma pré- estabelecido, precisamos fazer a prevenção para a prematuridade o Hobel estabeleceu 4 estágios (I-IV), mas podemos pensar também em um estágio 0 (pré-concepção), já que também temos que valorizar estratégias de prevenção quando a paciente nos procura para planejar a gestação • Estratégias de predição e prevenção: o Pré-concepção (Estágio 0) → Precisamos fazer a prevenção primária (tentar remover, evitar ou corrigir fatores de risco), então já é importante anamnese e exame físico padronizados o Paciente já tem fator de risco (Estágio I) → Prevenção secundária (identificar gestantes do grupo de risco com os marcadores químicos e laboratoriais de risco, principalmente para orientação da gestante) o Estágios avançados, com útero irritável ou com TP estabelecido (Estágios II, III e IV) → Veremos quais melhores opções para prevenir que esse TPP continue evoluindo ▪ Tocólise, corticoterapia ou antibioticoterapia profilática para estreptococo do grupo B5 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 MARCADORES CLÍNICOS • Percepção clínica das contrações uterinas: o Educação da gestante (saber os sinais e sintomas do TPP) → Com a colaboração da gestante, aumenta a procura pelo médico de forma precoce na presença de um TPP ▪ A gestante tem que ter ciência, por exemplo, que quando o TPP inicia nem sempre as contrações serão dolorosas, pode ser um aumento de tônus, sem necessariamente uma duração pré-estabelecida ▪ Além disso, as contrações que são dolorosas podem se confundir com lombalgia e cólicas discretas o Estimular a autopalpação (o ideal é que seja 1h pela manhã e 1h à tarde) → O normal é ter menos de 3 contrações curtas (< 20 segundos) por hora ▪ Se o número de contrações for maior que esse, podemos estar diante de um útero irritável, que se não for abordado nesse momento pode evoluir para o TPP ▪ Quando a paciente faz essa avaliação e não percebe as contrações, tem um valor preditivo negativo bem importante (61%) para descartar trabalho de parto • Características do colo ao toque vaginal: o Se a paciente tiver com contrações (suspeita de TPP), é feito o toque para avaliar as características do colo (comprimento, dilatação e posição) o O maior risco é pelo comprimento do colo, sendo um colo curto (< 2-2,5 cm) considerado alterado (pode estar associado a outras coisas e não só a TPP) o O ideal é que seja sempre o mesmo observador a avaliar o colo da paciente • Alterações vaginais: o É importante que se faça uma avaliação do conteúdo vaginal no exame especular, porque as vaginoses bacterianas têm uma relação grande com a prematuridade (principalmente detectada na 28ª semana) ▪ Vaginose → ↓ Lactobacilos e ↑ Anaeróbios (G. vaginalis; Prevotella sp; Bacterioides sp; Mobiluncus sp; Peptroestreptococcus sp; Mycoplasma hominis) o É importante também fazer o toque vaginal para detectar alguma alteração do colo MARCADORES LABORATORIAIS • Aumento da frequência de contrações uterinas: o Pode ser registrado a partir do estudo de cardiotocografia computadorizada ▪ No prematuro, os parâmetros da cardiotoco não são os mesmos, há variabilidade diminuída e linha de base alta (costuma ser taquicárdico), o que pode nos confundir e levar a um diagnóstico de sofrimento fetal 6 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ A intenção de usar a cardiotocografia aqui é avaliar a frequência de contrações uterinas o 3 ou mais contrações por hora há um risco elevado de prematuridade o Se a cardiotocografia não apresenta aumento das contrações, o valor preditivo negativo também é importante como na autopalpação (também 61%) • Medida do comprimento do colo pelo USG transvaginal: o Esse é o melhor avaliador das condições do colo o Indica um risco real de prematuridade o O comprimento do colo deve ser estável entre 14 e 28 semanas → Variando de 4 cm antes das 22 semanas, 3,5 cm das 22 a 32 semanas, podendo chegar a 3 cm após as 32 semanas o Precisamos fazer o rastreio de todas as gestantes com USG transvaginal entre 20 e 24 semanas (aproveitando a ocasião da realização do USG morfológico para fazer a mensuração do comprimento do colo) ▪ Se já sabemos que a paciente é de risco, antecipamos essa avaliação do colo para a partir de 11 semanas, sendo seriada a cada 15 dias (para avaliar se esse encurtamento está progredindo) ▪ Não se recomenda a realização a partir da 24ª semana pela viabilidade fetal o É considerado um colo curto quando ele tem menos de 25 mm de comprimento o Técnica → Posição de litotomia e bexiga vazia; visualização no eixo longitudinal do colo; medir a distância entre os orifícios interno e externo (sem istmo) e realizar no mínimo 3 medidas, reportando a de menor valor • Outros parâmetros ultrassonográficos: o Presença do afunilamento → O colo está esvaecido/curto, que acaba favorecendo a membrana/bolsa ficar protrusa e passar pelo orifício cervical interno (é considerado fator de risco quando associado ao colo curto) o Sludge → Aglomerado de partículas hiperecogênicas que acumulam próximo ao colo (parte mais baixa da bolsa) e que está relacionado com processo infeccioso, mesmo com membranas íntegras ▪ Pode ser relacionado com colonização bacteriana (Mycoplasma, Ureaplasma e Streptococcus) ou com a presença de sangue por descolamento tecidual ▪ É controversa a identificação do Sludge como preditor ▪ É considerado fator de risco para parto prematuro, corioamnionite e invasão microbiana da cavidade amniótica em pacientes com bolsa íntegra 7 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 • Fibronectina fetal (fFn): o É um importante marcador bioquímico de prematuridade o É matriz proteica extracelular das membranas produzida pelo trofoblasto que tem a função de manter unidas as membranas da decídua o Está presente na vagina antes de 20 semanas (fase proliferativa do desenvolvimento das membranas) e reaparece após a 35 semanas (desaparece nesse intervalo por conta da fusão das membranas) o Se há presença da fFN na secreção vaginal entre 22 e 34 semanas e 6 dias é fator de risco para prematuridade ▪ É marcador de eventos que antecedem o parto (infecções, contrações, isquemias) o Deve ser feita a dosagem com fita teste a cada 15 dias em gestantes de risco ▪ Alto valor preditivo negativo (90-95%) UTEROLÍTICOS Até agora falamos dos exames e marcadores para serem usados na predição da prematuridade. Os uterolíticos, por outro lado, já são usados para a prevenção, porque a paciente já tem sinais de trabalho de parto prematuro. • Objetivos principais: o Inibir as contrações uterinas o Segurar esse trabalho de parto por 48-72h para dar tempo de administrar corticoides (para a maturação pulmonar fetal) e antibióticos (para a profilaxia da infecção do estreptococo B) • Opções: o Primeira linha de escolha → Betamiméticos, inibidores de canais de cálcio e antagonistas de ocitocina o Uterolíticos de exceção → Inibidores de prostaglandinas e sulfato de magnésio • Betamiméticos: o Terbutalina, salbutamol e ritodrina o São eficazes para a inibição do trabalho de parto, mas têm muitos efeitos colaterais o Agem nos receptores adrenérgicos (miométrio, vasos sanguíneos e brônquios), diminuem o cálcio livre na célula e consequentemente controlam a contratilidade uterina o Efeitos colaterais → Hiperglicemia, hipocalemia, hipotensão, edema pulmonar, arritmia, náuseas, vômitos, cefaleia e tremores ▪ Então, temos que ter cuidado na administração dos betamiméticos, principalmente se são a única opção que temos disponível → ECG prévio à administração, controle da FC e PA, ausculta pulmonar e cardíaca 8 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 • Bloqueadores de canal de cálcio: o Principalmente nifedipina o Também têm se mostrado eficazes na inibição do trabalho de parto, porém ainda não há a definição de uma posologia ideal e segura o Diminuem o cálcio intracelular com relaxamento da musculatura miometrial o Efeitos colaterais → Rubor facial, náusea, cefaleia e hipotensão • Inibidores da síntese de prostaglandina: o Principalmente indometacina o Está em desuso pelos riscos → Pode causar fechamento do ducto arterioso, enterocolite necrotizante, hemorragia intracraniana, alterações da coagulação, insuficiência renal e oligoamnio o Efeitos colaterais maternos → Alterações de coagulação, úlcera gastroduodenal e reações alérgicas • Antagonistas de ocitocina: o Principalmente atosiban o Boa eficácia e maior segurança cardiovascular → Mais eficaz e com menos efeitos colaterais, porém caro o Compete com a ocitocina no receptor da célula miometrial o Deve ser utilizado por até 48h o Efeitos colaterais leves → Náuseas, cefaleias, tontura,taquicardia e hipotensão • Sulfato de magnésio: o Eficácia questionada, é usado mais na eminência de eclâmpsia o Pode provocar um relaxamento da musculatura do útero, inibindo o trabalho de parto (ainda questionado) o Tem a vantagem do efeito neuroprotetora do recém-nascido (o que é importante considerando que o prematuro cursa com uma incidência aumentada de paralisia cerebral) → Mecanismo não bem definido o Na falta de outra opção, pode ser usado para tentar inibir o parto prematuro, mas seu objetivo principal mesmo é a neuroproteção • Progesterona: o É o uterolítico profilático o Pode ser usado a partir do momento que se tem um fator de risco para prematuridade o Vai atuar na decídua interferindo na síntese e liberação das prostaglandinas o No miométrio, aumenta os receptores beta-adrenérgicos, diminui os receptores de estrogênio e ocitocina e diminui o cálcio livre intracelular (processo contrário do trabalho de parto) o Pode ser feito o uso prolongado (até 34 semanas) o Faz a manutenção após a tocólise CORTICOTERAPIA ANTENATAL • Objetivo: o Reduz mortalidade neonatal, principalmente por doença da membrana hialina, hemorragia intracraniana e enterocolite necrotizante 9 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 • Maturidade pulmonar: o O maior efeito é observado 24 horas após o uso do corticoide o Aumenta a produção de Fosfatidilcolina, que é um componente do surfactante o É prescrito entre 24 e 34 semanas de gestação o É recomendado atualmente o ciclo único → Porque não age só no pulmão, então pode ter alguns efeitos deletérios que precisamos evitar o Contraindicado no caso de infecções maternas e fetais, diabetes descompensado e úlcera péptica • Efeitos deletérios da corticoterapia: o Aumenta o risco de infecção materna e neonatal o Alterações nos parâmetros da cardiotocografia o Redução do perímetro cefálico e peso ao nascer o Má adaptação fetal à hipóxia o Alteração do comportamento na infância ANTIBIOTICOTERAPIA • Objetivo: o Profilaxia da infecção neonatal pelo estreptococo do grupo B → Para evitar a transmissão vertical intraparto e sepse neonatal (que é frequente no prematuro) o OBS.: A cultura vaginal e retal deve ser feita em todas as gestantes de 35 a 37 semanas • Indicações da Antibioticoprofilaxia intraparto: o História de bacteriúria assintomática ou ITU na gestação atual o História de filho acometido com infecção neonatal precoce pelo estreptococo grupo B o Cultura vaginal e/ou retal positiva (exceto em cesárea eletiva fora de TP com membranas íntegras) o Resultado de cultura vaginal/retal negativo incompleto ou não realizado, com algum dos fatores (parto antes das 37 semanas, RPMO que tenha 18 horas ou mais ou febre acima de 38° no TP) ROTINA OBSTÉTRICA A rotina obstétrica se baseia nas estratégias de prevenção do parto prematuro a partir dos estágios evolutivos. • Estágio I: o É o estágio em que a paciente está assintomática, mas tem presença de fatores de risco para prematuridade o Ao iniciar o pré-natal, é preciso identificar e afastar os fatores de risco, resolver intercorrências clínicas e orientar sobre os sinais e sintomas do trabalho de parto o O USG transvaginal deve ser feito entre 5 e 12 semanas para datação e identificação de malformações uterinas, miomas ou gemelaridade ▪ Se a paciente tem FR para prematuridade, vamos antecipar a avaliação do colo com USG para 11 semanas ▪ Se a paciente não tem FR, o USG transvaginal é feito junto com o USG morfológico (entre 20 e 24 semanas) o Se no USG, o colo estiver curto (< 25mm), devemos investigar infecção e fazer dosagem da fibronectina entre 22 e 34 semanas 10 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ Se a fFn for negativa, a paciente vai para seguimento ambulatorial (mas, como tem colo curto, já pode iniciar a profilaxia com progesterona natural para inibição de contração) o Se no USG, o colo não estiver curto, mantém o seguimento ambulatorial o Nessa fase, há a possibilidade de usar 2 recursos para impedir que o colo venha a dilatar antes da hora ▪ Pressário → Muda o ângulo do colo em relação ao corpo uterino (faz a correção do ângulo), reduzindo a pressão do conteúdo uterino sobre o colo (poucos estudos mostram eficácia em reduzir prematuridade) ▪ Cerclagem cervical → Nos casos de incompetência istmocervical, é recomendada entre 12 e 16 semanas, mas não trata o colo curto, só é como se o fechasse e é usado associado à progesterona • Estágio II: o É o estágio em que a paciente tem um útero irritável, tem contração, mas não tem repercussão sobre o colo o Neste estágio, então, deve ser feita a avaliação do colo em relação ao seu comprimento, dilatação e posição o Além disso, faz-se recomendações para a paciente neste momento ▪ Repouso parcial → Até para evitar tromboembolismo ▪ Teste da fibronectina + USG transvaginal → Para avaliar comprimento do colo ▪ Progesterona até 36 semanas ▪ Sedação → Para redução de stress ▪ Investigar e tratar possíveis intercorrências (infecções urinárias e vulvovaginites) o OBS.: O uso de uterolíticos orais não tem eficácia adequada, então não é recomendado • Estágio III: o É o estágio em que a paciente sente contrações rítmicas o O que é importante neste estágio é identificar se a paciente está mesmo em trabalho de parto ou não o O passo-a-passo para avaliar é aquele de olhar se está tendo contrações uterinas regulares a cada 5 minutos, dilatação cervical de pelo menos 1 cm e esvaecimento cervical ▪ Na dúvida se esses padrões estão evoluindo ou não, fazemos a 1ª avaliação, colocamos a paciente em repouso e avalia 2-3 horas depois ❖ Se houver progressão das alterações do colo em decorrência das contrações, é um TP verdadeiro 11 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ Se a paciente não fez a fibronectina ainda, também deve ser feita (associada ao comprimento do colo) ❖ Teste negativo → Improvável que vá evoluir para TP efetivo (faz a tocólise) ❖ Teste positivo → Internação (tocólise, corticoide e antibiótico) o Indicação de tocólise → Condições obrigatórias + Contraindicações + Índice de tocólise ▪ Não adianta somente ver se a paciente tem indicação de tocólise, também é preciso ver se ela tem condição de inibir esse TP (porque às vezes chega um grau de dilatação que a tocólise não terá sucesso) ▪ Para ver essa condição, é calculado o índice de tocólise a partir da posição, apagamento, dilatação e altura da apresentação do colo, característica da bolsa das águas e padrão de contrações uterinas ❖ Pontuação < 6 → Não se justificam as medidas inibitórias ❖ Pontuação de 6 a 10 → A tocólise será efetiva, há um risco iminente e, se não existirem contraindicações, devem ser iniciadas imediatamente as medidas inibitórias ❖ Pontuação > 10 → Não adianta mais a tocólise, já é um TP em evolução • Estágio IV: o É o estágio em que a paciente já está em trabalho de parto irreversível, não conseguiremos mais inibir o Neste estágio a paciente já é internada o Deve ser feita a monitorização fetal (controle de vitalidade), considerando que o prematuro tem um risco maior de asfixia perinatal e lesões neurológicas ▪ Controle intensivo durante o TP com sonar doppler e cardiotocografia contínua 12 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o É preciso escolher também qual a melhor via de parto para evitar sofrimento fetal e trauma obstétrico ▪ Leva em consideração idade gestacional, peso estimado do feto, apresentação fetal, condições do colo uterino, integridade das membranas, monitorização fetal e experiência da equipe ▪ Apresentação cefálica fletida → Normalmente estimulamos o parto vaginal, independente do peso e da IG, sempre levandoem consideração a avaliação adequada de bacia ❖ Se for induzir o parto vaginal, tem que ver se o feto não está sofrimento que pode piorar com as contrações no parto induzido (feto < 1500 g o ideal é a indicação de cesárea) ▪ Apresentação cefálica defletida ou apresentação pélvica → Sempre cesárea o Temos que tomar alguns cuidados específicos no parto vaginal ▪ Amniotomia mais tardia possível → Mais próximo do período expulsivo ou pelo menos com dilatação mais adiantada (> 8 cm) para um menor tempo entre a ruptura e o nascimento pois aumenta o risco de infecção ▪ Episiotomia (se houver indicação) → No caso de precisar ampliar a passagem em situações de sofrimento fetal, ela pode ser indicada e tem que ser ampla para permitir o nascimento sem resistência perineal ▪ Desprendimento dos polos cefálico e biacromial → Deve ser lento (não só em prematuros, mas em todo parto vaginal), para evitar descompressão brusca e laceração (evitar traumas do SNC e plexo braquial) e para permitir expansão pulmonar adequada ▪ Preferência por analgesia combinada (raqui e peri) → Para minimizar estresse em resposta à dor e à ansiedade materna e evitar as consequências sobre o feto o Também há alguns cuidados específicos no parto cesárea ▪ Histerotomia → Pode ser segmentada (incisão transversa), desde que o segmento esteja preparado/fino ❖ Quanto mais prematuro é, menor a possibilidade de ter um segmento uterino preparado → Nesse caso, temos que acabar fazendo a histerotomia longitudinal ▪ Evitar uso de tranquilizantes e sedativos potentes ▪ Anestesia de preferência raquianestesia → Se a paciente fez tocólise, deve ter um intervalo entre suspensão da tocólise e anestesia (por conta da interação medicamentosa, levando a quadro de hipotensão severa) ▪ O momento ideal para o clampeamento do cordão umbilical é controverso, mas fazemos entre 45 e 60 segundo após o nascimento para reduzir anemia no neonato ROTURA PREMATURA DE MEMBRANAS OVULARES (RPMO) • Conceito: o É a rotura espontânea das membranas coriônica e amniótica antes de iniciar o TP, independente da IG o Antigamente era utilizado o termo “amniorrexe prematura”, mas é inadequado porque não rompe só o âmnio ▪ O termo atual correto é rotura prematura de membranas ovulares (RPMO) • Epidemiologia: o Acontece em 10% de todas as gestações ▪ 7 a 8% são gestações à termo → A paciente evolui para TP espontâneo nas primeiras 24 h em 50-60% das situações e algumas demoram um pouco mais, tendo 90% entrado em TP com 48 h ❖ Essa latência é inversamente proporcional à IG (quanto maior a IG, mais curto é o período de latência entre a RPMO e o início do trabalho de parto) 13 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ 2 a 3% são gestações pré-termo → A principal causa é a prematuridade • Etiologia: o RPMO iatrogênica → Acontece por algum tipo de intervenção (qualquer cirurgia cervical ou procedimento invasivo, como amniocentese e biópsia de vilo, pode provocar a rotura das membranas) ▪ Tem uma baixa prevalência no Brasil porque não fazemos muito esses procedimentos invasivos ▪ Tem um melhor prognóstico, com uma resolução espontânea em 2 a 3 semanas (normalmente são roturas altas, com orifício fino etc.) o RPMO espontânea → É multifatorial, envolve alterações da estruturas das membranas em relação ao colágeno ▪ Pode acontecer em algumas situações ❖ Sobredistensão uterina (polidrâmnio, gestação múltipla) ❖ Fatores mecânicos (contrações uterinas e MF) ❖ Alterações da integralidade cervical (IIC) ❖ Fatores intrínsecos às membranas (deficiência de alfa-1-antitripsina e síndrome de Ehlers-Danlos) ❖ Alteração da oxigenação tecidual (tabagismo) ❖ Diminuição da atividade imunológica bactericida do líquido amniótico ▪ Todas essas situações acabam cursando com infecção ascendente da flora vaginal ❖ Principais agentes → Estreptococos do grupo B; G vaginalis; N. gonorrheae; E. coli, Bacterioides, enterococos e peptoeestreptococos ❖ Há produção de colagenases e proteases que vão degradar a estrutura da membrana, gerando a rotura • Fatores de risco: o Rotura prévia o Sangramento genital → Estimula a contração o Colo curto → Possibilidade de protrusão da bolsa o Baixo peso o Baixo nível socioeconômico materno → Aumenta fator de risco para infecção • Funções do líquido amniótico: o Facilita a movimentação fetal o Favorece o desenvolvimento pulmonar o Facilita a livre flutuação do cordão umbilical → Para não ocorrer compressão o Favorece o desenvolvimento muscular e o crescimento fetal o Favorece o desenvolvimento dos sistemas urinário e digestório → Pela deglutição desse líquido o Protege o feto de traumas externos e de compressões funiculares o Protege contra potenciais contaminações e infecções fetais → Principal função • Complicações fetais e neonatais: o Síndrome de compressão fetal → Deformidades osteomusculares e cutâneas (principalmente em face e pé) 14 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Hipoplasia pulmonar → Altas taxas de mortalidade neonatal o Prematuridade → Complicação mais frequente e com maior morbimortalidade neonatal o Hipóxia e asfixia por prolapso e compressão funicular (do cordão) • Complicações maternas: o Corioamnionite o Endometrite o Bacteremia o Sepse → Mais rara, porque acabamos fazendo diagnóstico de forma precoce e intervindo • Abordagem da gestante suspeita de RPMO: o Confirmar o diagnóstico → Primeira coisa a se fazer ▪ Lembrar que a RPMO vai levar ao oligoamnio, mas nem todo oligoamnio é decorrente de uma RPMO o Determinação da idade gestacional → Fundamental para as medidas terapêuticas o Avaliação da presença de infecção materna e/ou fetal → Para definir se será feito antibioticoprofilaxia ou antibioticoterapia o Avaliação da vitalidade fetal CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA • Confirmação clínica: o A confirmação diagnóstica é clínica em 90% dos casos → Anamnese (relato de perda de líquido) e exame físico o No exame especular, vamos observar se a paciente está perdendo líquido (tem que estar saindo pelo orifício externo do colo do útero ou em fundo de vagina) ▪ A coloração e a quantidade do líquido podem variar dependendo de quanto tempo depois da rotura inicial foi feita a avaliação, mas tem um cheiro característico de líquido amniótico ▪ Se tiver dúvida, fazer manobra de valsava para tentar ver escoamento do líquido ▪ Se ainda tiver dúvida, colocar um tampão vaginal e pedir para a paciente deambular e depois avaliar se o tampão ficou encharcado com líquido o Não se deve fazer toque vaginal para minimizar risco de infecção • Testes clássicos: o Avaliação direta do pH → Mais comum, o pH esperado na presença de rotura é acima de 7 ▪ Temos falsos positivos por outras soluções mais básicas, como no sangramento o Prova de cristalização do líquido amniótico → Coloca o líquido numa lâmina, aquece ela e verá o formato “em samambaia” se for líquido amniótico o Fenol → Pegar o tampão vaginal e pinga o reagente laranja, se ele passa para vermelho é líquido amniótico 15 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 • Testes imunocromatográficos: o Testes mais específicos, porém com custo mais elevado o Detecção de proteínas específicas que só têm no líquido amniótico → Se estiverem presente na secreção da vagina, confirmamos a rotura o Alta acurácia/especificidade → Interessante pela possibilidade do falso positivo na avaliação do pH • Ultrassonografia: o Não confirma RPMO o Apenas identifica redução de líquido amniótico (não significa que é por causa de rotura) o Mesmo assim, é importante fazer um acompanhamento seriado com a USG DETERMINAÇÃO DA IDADE GESTACIONAL • Métodos: o História clínica → Pela DUM (Data da Última Menstruação) o USG (exame mais precoce)o OBS.: Usar o que for mais confiável AVALIAÇÃO DA PRESENÇA DE INFECÇÃO MATERNA/FETAL • Avaliação: o Precisamos afastar os quadros de infecção associada, o que não é fácil o As infecções serão por via ascendente vaginal ou via hematológica, então devemos investigar ▪ Deve ser feita coleta de cultura de secreção vaginal (para Clamídia, Gonococo, Estreptococcus do Grupo B Bacterioscopia e Gram.) ▪ Avaliar sinais vitais (FC, FR, PA e TAx) ▪ Coletar exames laboratoriais (hemograma, PCR, EAS, urocultura + TSA) • Corioamnionite: o Fatores de risco → 6 ou mais exames vaginais durante TP (por isso restringe o número de toque vaginal, principalmente em bolsa rota), mais de 12h de TP, RPMO há mais de 24 h, líquido meconial e colonização materna pelo estreptococos do grupo B o O diagnóstico de corioamnionite é dado na presença de febre ≥ 37,8 (critério maior) ou na presença de ao menos 2 critérios menores ▪ Taquicardia materna ou fetal ▪ Saída de secreção purulenta pelo colo uterino ▪ Leucocitose com desvio à esquerda ▪ Diminuição abrupta do líquido amniótico ▪ Diminuição do movimento fetal (MF) e ausência de movimentos respiratórios no perfil biofísico fetal ▪ Aumento > 20% da PCR ▪ Útero irritável (contrações irregulares) 16 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 AVALIAÇÃO DA VITALIDADE FETAL • Métodos: o Cardiotocografia (CTG) o Perfil biofísico fetal (USG + CTG) • Parâmetros: o Parâmetro mais precoce → Ausência de movimento respiratório (deglutição), que ocorre 24 a 48h antes dos sinais clínicos de corioamnionite o Outros parâmetros → Diminuição ou ausência de movimentação e tônus fetal, menor reatividade cardíaca fetal e menor valor quantitativo do volume do líquido amniótico CONDUTA • Parâmetros para a conduta: o Seguir a ordem → Confirmação da IG, pesquisa de corioamnionite na internação e avaliação da vitalidade fetal o Se afastou corioamnionite e a vitalidade fetal está preservada, a conduta vai depender basicamente da IG • Conduta abaixo de 36 semanas (prematuro): o Conduta expectante, mas interna e faz exame especular com coleta de conteúdo vaginal ▪ Pesquisa de Gonococo/Chlamydia e cultura para E. coli e Estreptococos B ▪ Sem os resultados, já inicia antibioticoprofilaxia por 48h (penicilina G cristalina ou clindamicina se alérgica) ▪ Se essa paciente entra em TP e a cultura é positiva ou desconhecida → Manter antibiótico até nascimento o Se não entrar em TP, vamos seguir com uma avaliação mais intensa ▪ Cardiotocografia diária e perfil biofísico fetal (para avaliar vitalidade fetal) ▪ USG para avaliar volume de líquido amniótico (avaliar se o líquido está sendo reformado e se continua sendo perdido) → Quanto menor índice de líquido amniótico, maior chance de infecção, menor será o período de latência para entrar em TP e o prognóstico será pior ▪ Hemograma com plaquetas e PCR a cada 2 dias ▪ Avaliação clínica com FC e TAx 4 vezes ao dia ▪ Se a cultura saiu negativa, devemos repetir a cada 5 semanas até 35 e 37 semanas o Se a paciente apresenta diagnóstico de corioamnionite → Conduta será ativa, independente de IG ▪ Via preferencial de parto será sempre vaginal ▪ Iniciar antibioticoprofilaxia (esquema mais indicado com ampicilina ou penicilina G cristalina, associado à gentamicina e metronidazol), manter por 48h após o último pico febril da paciente • Conduta após 36 semanas: o Conduta ativa → Interna para indução do parto o Fazer cesárea se houver contraindicação à indução do TP (proteger as goteiras parietocólicas com compressas úmidas para não disseminar a infecção) o Caso a gestante em TP com RPMO acima de 18 horas → Inicia antibiótico até nascimento para profilaxia (eficaz se por pelo menos 4h antes do parto) com penicilina G cristalina, ampicilina ou climdamicina 17 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ASPECTOS CONTROVERSOS • Tocólise na RPMO: o Não há dados suficientes para demonstrar a segurança de inibir o parto com tocolíticos na RPMO ▪ Prolongar período de latência não diminui morbidade neonatal e aumenta a materna • Corticoide antenatal na RPMO: o Podemos usar o corticoide, a rotura não é contraindicação, mas depende da IG (encontramos benefício só abaixo de 32 semanas quando há rotura, sendo que nas gestantes em geral usamos até as 34 semanas) o Objetivos → Reduzir Sd. do desconforto respiratório, hemorragia intraventricular e enterocolite necrotizante o É obrigatório afastar corioamnionite e deve ser feito o ciclo único
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