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221 FARMACOLOGIA Unidade III 7 FÁRMACOS ANTIVIRAIS O termo vírus origina-se do latim e significa veneno ou toxina. Hoje sabemos que os vírus não são venenos, e sim pequeninos agentes infecciosos que agem nas células humanas infectando-as, causando uma série de problemas à saude. Trata-se de parasitas intracelulares, que não apresentam parede ou membrana celular e são incapazes de se reproduzir, ou mesmo, de efetuarem reações metabólicas sem o auxílio da célula do hospedeiro. Os vírus podem ser classificados como vírus de DNA (herpes-vírus, adenovirus, vírus da hepatite B e bacteriófagos) e vírus de RNA (retrovírus, por exemplo, o HIV), influenza, vírus da hepatite A, C e D, vírus da febre hemorrágica (ebola, hantavírus, dengue). Estruturalmente, os vírus são constituídos de material genético: RNA ou DNA em fita dupla ou simples, protegido por um capsídeo (envoltório proteico) e/ou envelope (membrana lipídica). Na superfície da partícula viral, podem também ser encontradas glicoproteínas e lipídios, ancorados ao envelope. A figura a seguir ilustra as principais estruturas de uma partícula viral tendo como exemplo a estrutura do vírus da imunodeficiência humana, ou HIV. A partícula viral é constituída por moléculas mantidas unidas. Uma partícula viral completa é denominada virion. Além dos diferentes componentes estruturais, os virions podem apresentar diversos formatos, existindo vírus icosaédricos, helicoidais e vírus complexos. Alguns tipos de vírus icosaédricos ou helicoidais podem ser envelopados, enquanto outros não. Membrana lipídica gp120 gp41 Transcriptase reversa RNA Matrix Capsídeo Figura 86 – Esquema da estrutura viral, no caso, do vírus HIV. De forma geral, os vírus são constituídos de material genético composto de ácido nucleico, RNA ou DNA, em fita dupla ou simples, protegido por um envoltório proteico denominado capsídeo e/ou um envelope formado por membrana lipídica. Na superfície da partícula viral, podem também ser encontradas glicoproteínas e lipídios, ancorados ao envelope 222 Unidade III O primeiro evento para que ocorra a infecção viral é a adsorção do vírus à superfície da célula hospedeira. Essa adsorção se dá por meio de proteínas virais que reconhecem moléculas da superfície celular do hospedeiro através de interações iônicas. Após a ligação, o vírus penetra na célula do hospedeiro através de dois processos diferentes: por fusão, em que o envelope viral se funde à membrana celular, permitindo a entrada do vírus no citosol, essa entrada é mediada por uma proteína, denominada proteína F; e por invaginação (viropexia), mediada por uma proteína denominada clatrina. Após a entrada da partícula viral no citoplasma das células hospedeiras, os lisossomos do hospedeiro removem o capsídeo viral (desnudamento), expondo assim o material genético do vírus (DNA ou RNA). Com o material genético e inserido no hospedeiro, novas proteínas e partículas virais, tanto de vírus de DNA quanto de RNA, serão montadas e liberadas da célula hospedeira por brotamento ou por lise celular. Essa liberação resulta em contaminação de outras células. Para a sobrevivência e proliferação do vírus, é vital que ele sofra um ciclo intracelular na célula do hospedeiro. Esse ciclo, denominado de replicação viral, é composto de etapas: adsorção, penetração, desnudamento, transcrição e tradução, maturação e liberação. A figura a seguir ilustra o ciclo geral de replicação no interior da célula hospedeira e pontos para intervenção farmacológica. Os antivirais são, em sua maioria, análogos de nucleosídios cujo alvo é a replicação do genoma, atuando na inibição da DNA polimerase ou a transcriptase reversa viral, outros fármacos são orientados para a fixação e entrada do vírus na célula do hospedeiro, desnudamento, montagem e maturação da partícula viral e liberação. Um fármaco antiviral ideal deve interromper a replicação do vírus sem afetar o metabolismo do hospedeiro. Espera-se que esse medicamento tenha um amplo espectro, iniba completamente a replicação do vírus, sem causar danos ao hospedeiro. 223 FARMACOLOGIA Bloqueio por enfuvirtida (HIV); docosanol (HSV), palivizumabe (VSR) Liberação do vírus Acondicionamento e montagem Bloqueio por IP (HIV, HCV) Síntese de ácidos nucleicos Síntese de proteína precoce Célula de mamífero Penetração Desencapsu- lamento Bloqueio por IINTF (HIV) Integração no genoma Síntese e processamento de proteína tardia Fixação e entrada do vírus Bloqueio por interferona α (HBV, HCV) Bloqueio por inibidores da neuraminidade, (influenza) Bloqueio por amantadina, rimantadina (influenza) Bloqueio por INTR (HIV, HBV), INNTR (HIV), aciclovir (HSV), foscarnete (CMV) Figura 87 – Ciclo geral de replicação no interior da célula hospedeira e pontos para bloqueio farmacológico. O ciclo viral é composto e ilustrado por uma sequência de etapas em que cada uma representa um alvo para intervenção farmacológica. Os antivirais são, em sua maioria, análogos de nucleosídios cujo alvo é a replicação do genoma, atuando na inibição da DNA polimerase, ou a transcriptase reversa viral. Existem ainda outros fármacos orientados para a fixação e entrada do vírus na célula do hospedeiro, desnudamento, montagem e maturação da partícula viral, e liberação Normalmente, o tratamento das doenças virais inicia-se tardiamente, com o aparecimento dos primeiros sinais clínicos, momento em que o vírus já infectou o paciente e começou a sua replicação. Dessa maneira, o tratamento é basicamente sintomático, de potencialização do sistema imune, e com o uso de fármacos antivirais que irão bloquear a replicação do vírus. No quadro a seguir, os principais fármacos antivirais. Quadro 44 – Resumo do uso clínico de fármacos antivirais Anti-herpes-vírus Aciclovir, cidofovir, fanciclovir, foscarnet, ganciclovir, penciclovir, valganciclovir Anti-influenza Amantadina, oseltamivir, rimantadina, zanamivir Anti-hepatite Adefovir, lamivudina, entricitabina Antirretrovirais Inibidores de protease Amprenavir, atazanavir, indinavir, lopinavoir nelfinavir, ritonavir, saquinavir Inibidores da transcriptase reversa Adefovir, delavirdina, didanosina, efazvirenz, estavudina, lamivudina, neviparina, tenofovir, zalcitabina, zidovudina 224 Unidade III Lembrete As figuras do texto ilustram de forma rápida e pontual o ciclo geral de replicação viral no interior da célula hospedeira e pontos para bloqueio farmacológico. Melhor que o tratamento com antiviral seria se a população adotasse medidas e atitudes para prevenir uma infecção viral tanto no âmbito pessoal, como nutrição adequada, higiene pessoal, vacinação; como no âmbito de saúde pública, tratamento de água e esgotos, controles de insetos, práticas clínicas apropriadas e informação. Nesse sentido, vale a pena destacar a importância da vacinação, que fornece ao indivíduo proteínas do envelope viral, para o qual ele irá gerar anticorpos. Eles irão bloquear a fixação e a entrada das partículas virais nas células, facilitando assim a eliminação. A vacinação pode erradicar infecções virais, como varíola, poliomielite, sarampo, caxumba e rubéola. Mas, infelizmente, existem outras doenças virais em que a vacinação não funciona. Nesse sentido, há a necessidade de tratar os pacientes com medicamentos antivirais, como é o caso da maioria das infecções pelo vírus do trato respiratório (adenovírus, rinovírus, vírus da influenza e vírus sincicial respiratório – VSR), o vírus do papiloma humano, o herpes-vírus, vírus varicela-zóster, vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, herpes-vírus humano e a vasta gama de vírus da febre hemorrágica. 7.1 Vírus da influenza As infecções virais mais comuns são as respiratórias causadas pelo vírus da influenza (H1N1, H2N2, H3N2, H3N8). Os vírus respiratórios, que causam a gripe, são transmitidos por gotículas geradas pela fala, tosse e espirros e também por contato com superfícies e mãos contaminadas por partículasvirais. A prevenção para a gripe é realizada através da imunização por vacinação, higiene pessoal e manutenção de locais com ventilação adequada. As gripes são normalmente sazonais, com maior probabilidade de ocorrência de epidemias no inverno, geralmente limitadas a uma região. As gripes normalmente são agudas e autolimitadas, podendo se agravar em idosos, crianças e doentes crônicos. Os sintomas da gripe acabem não sendo específicos a ponto de estabelecer um diagnóstico definitivo: febre alta, calafrios, tosse, cefaleia, mialgia, coriza, rouquidão, cansaço e dor torácica. Pacientes saudáveis têm a sintomalogia tratada com antitérmico, analgésicos e descongestionantes nasais. Por outro lado, crianças com idade inferior a dois anos, pacientes com doenças crônicas (por exemplo, cardiopatias, hepatopatias, imunossuprimidos) são candidatos à terapia antiviral. Para infectar uma célula, o vírus da influenza se fixa na célula hospedeira através da ligação de uma proteína denominada hemaglutinina, existente no envelope viral, e ácido siálico, existente nas glicoproteínas da membrana celular. Ao fim do ciclo de replicação do vírus da influenza, a mesma molécula de hemaglutinina que auxiliou no processo de adsorção irá impedir a liberação viral. Para prosseguir com a liberação viral, o vírus da influenza tem uma enzima localizada no envelope viral, denominada de neuraminidase, que tem como papel clivar a ligação entre o ácido siálico e as glicoproteínas de 225 FARMACOLOGIA membrana, liberando, desse modo, novas partículas virais. A figura a seguir ilustra o ciclo de vida do vírus da influenza e os alvos para intervenção terapêutica. Vírus se liga à célula (hemaglutinina) Liberação da partícula viral Sialidase zanamivir oseltamivir Montagem da partícula viral Síntese de cRNA e mRNA amantadina rimantadina Canal iônico M2 H+ Endocitose Figura 88 – Ciclo de vida do vírus influenza e alvos para intervenção terapêutica. A superfície do vírus da influenza A apresenta uma proteína do canal iônico M2, a lectina hemaglutinina e a enzima sialidase. Inicialmente, o vírus da gripe adere à célula hospedeira através de sua glicoproteína de superfície, a hemaglutinina, para reconhecer glicoconjugados, como GD1a. O vírus endocitado acopla-se à maquinaria da célula hospedeira para produzir as proteínas virais necessárias para sua sobrevivência, replicação e infecção de outras células hospedeiras. A ação da sialidase permite que a prole do virion agregado na superfície da célula hospedeira sofra o processo de brotamento para sair da célula hospedeira e busque novas células hospedeiras para infectar. A enzima sialidase cliva os resíduos terminais α-Neu5Ac das glicoproteínas da progênie de virions recém-sintetizadas, bem como da superfície da célula hospedeira. Tanto a hemaglutinina como a sialidase foram propostas como possíveis alvos de descoberta de medicamentos anti- influenza. O zanamivir e o oseltamivir bloqueiam a ação da sialidase e inibem o mecanismo de liberação viral. Medicamentos denominados adamantanes, que incluem amantadina e rimantadina, atuam na proteína do canal iônico M2 do vírus influenza A e, por último, a ribavirina inibe a replicação do vírus, inibindo a RNA polimerase 7.1.1 Inibidores da neuraminidase A terapia antiviral específica para o vírus da influenza consiste nos inibidores de neuraminidase: oseltamivir (Tamiflu®) e zanamivir (Relenza®), que inibem a neuraminidase viral impedindo, assim, a infecção e a disseminação das partículas virais célula a célula. Estudos que abordam o uso de inibidores de neuraminidase em pacientes com infecção por influenza indicam redução na duração da gripe quando se inicia precocemente a terapia. Os inibidores da neuraminidase, se administrados antes da exposição ao vírus, previnem a infecção, principalmente, na população suscetível. Dessa maneira, recomenda-se não aguardar a confirmação laboratorial de influenza para iniciar o tratamento com antivirais. Estudos mostram que tanto o oseltamivir como o zanamivir também diminuem a intensidade dos sintomas de pacientes infectados pelos vírus do tipo influenza. Para que ocorra esse benefício, é necessário que o início do tratamento seja de até dois dias após o aparecimento dos sintomas. Apesar 226 Unidade III de o benefício diminuir o estado gripal do paciente, esses medicamentos apresentam um custo elevado e efeitos adversos potenciais, o que justifica uma análise cautelosa de sua aplicação e dos riscos e benefícios ao paciente. O zanamivir, por apresentar baixa biodisponibilidade oral, é administrado por inalador. Devido à via de administração, pode promover irritação do trato respiratório e deve ser usado com prudência nos pacientes acometidos por doenças respiratórias, tais como DPOC e asma, pois há a possibilidade de o fármaco provocar broncoespasmo. Em contraponto, o oseltamivir é administrado por via oral e é rapidamente biotransformado nos hepatócitos para a sua forma ativa, ou seja, ele é um pró-fármaco. Apresenta como efeitos adversos náuseas, desconforto abdominal e vômito, que podem ser aliviados pela ingestão concomitante do fármaco com alimento. Já foram identificadas mutações na neuraminidase da influenza em pacientes tratados com os inibidores de neuraminidase. Contudo, os vírus mutantes são menos infectantes e virulentos que o vírus selvagem. 7.1.2 Derivados de adamantano O espectro terapêutico dos derivados de adamantano, amantadina (Symetrel®) e rimantadina (Flumadina®) é limitado a infecções por influenza A (H1N1). Ambos os fármacos agem inibindo o desnudamento do vírus da influenza A através do bloqueio da proteína viral M2, um canal de prótons que acidifica o interior do vírus. Essa acidificação é necessária para que a proteína da matriz viral se dissocie da ribonucleoproteína viral. Tanto a amantadina como a rimantadina podem interagir com os canais iônicos celulares, bloqueando-os. Isso explica parte dos efeitos adversos observados nos pacientes. A amantadina é administrada por via oral com uma ótima absorção no trato gastrintestinal e consegue atravessar a barreira hematencefálica atingindo assim o SNC. Ela é excreta inalterada pela urina, sendo necessário ajuste de dose na presença de algum problema renal. Do ponto de vista farmacocinético, a principal diferença da amantadina para a rimantadina é que a última não atravessa a barreira hematoencefálica, é biotransformada hepaticamente e é excreta renalmente na forma de metabolitos e do fármaco inalterado. A rimantadina é também utilizada no tratamento da doença de Parkinson. Os principais efeitos adversos da amantadina são neurológicos, ocorrem em cerca de 20% dos pacientes, como cefaleia, tontura, insônia, nervosismo e dificuldade de concentração. Por outro lado, a rimantadina provoca menores efeitos no SNC. Estudos indicam que os derivados do adamantano podem ser usados na profilaxia de infecções do vírus influenza A. O tratamento, quando iniciado entre 24 a 48 horas após o surgimento dos sintomas, diminui a duração da infecção e os seus sintomas, mas não reduz significativamente as complicações da doença. Existem relatos do desenvolvimento de resistência do vírus da gripe A, devido a mutações em um resíduo de aminoácidos da proteína viral M2. 227 FARMACOLOGIA 7.1.3 Ribavirina A ribavirina é um análogo sintético do nucleosídeo guanosina, inibindo a replicação de vírus tanto de RNA como de DNA. Apesar de ser um agente viral de amplo espectro, a ribavirina é utilizada no tratamento da hepatite C crônica em associação com interferon α e nos casos de infecção grave pelo VSR. A ribavirina é administrada oralmente ou por via inalatória. Quando administrada oralmente à ingesta de alimentos gordurosos, aumenta a sua biodisponibilidade. O fármaco e os seus metabolitos são eliminados através da urina. O fármaco, após a sua absorção, é fosforillado e irá inibir a formação do GTP (trifosfato de guanosina) através da inibição da inosinamonfosfato deshidrogenase, enzima viral. Dessa maneira, a ribavirina irá bloquear a atividade da RNA-polimerase dependente de RNA, inibindo a síntese de RNA, DNA e de proteínas, impedindo, dessa maneira, a replicação viral. Com efeitos adversos, a ribavirina apresenta anemia e elevação de bilirrubina não conjugada, que tendem a desaparecer com a suspensão do fármaco. O paciente também pode apresentar cefaleia, cólicas e fadiga. Embora em forma de aerossol a ribavirina seja mais segura, em crianças, pode ocorrer uma queda da função respiratória ao início do tratamento. A ribavirina não deve ser usada na gestação. O fármaco apresenta uma toxicidade mínima na síntese de DNA celular e ainda não foram observados casos de resistência viral. 7.2 Herpes‑vírus Os vírus herpes simples 1 e 2 humanos (HSV-1, HSV-2) apresentam alta prevalência na população humana e podem causar infecções ao longo da vida e recorrências esporádicas devido à infecção. A infeção por HSVs pode ser sintomática ou assintomática, a contaminação ocorre principalmente por fluidos corporais das mucosas, resultando em ferimentos bucais, encefalite viral e infecções genitais que podem acometer recém-nascidos. O HSV-1 produz aftas, e o HSV-2 é um agente do herpes genital. Após a infecção primária, tanto o HSV-1 quanto o HSV-2 permanecem latentes em seus hospedeiros. O genoma do HSV-1 permanece latente nos neurônios sensoriais do gânglio trigêmeo, enquanto o genoma do HSV-2, nos gânglios sacrais. A latência pode ser ativada por imunossupressão ou outros estímulos, dando origem às infecções herpéticas secundárias. Os fármacos eficazes contra os herpes-vírus atuam na fase aguda da infecção viral, não sendo eficazes na fase latente da doença. Com exceção do foscarnete e do fomivirseno, todos os outros fármacos são análogos da purina ou da pirimidina, que inibem a síntese de DNA viral. Atualmente, existem variantes do HSV resistentes aos antivirais existentes, especialmente em indivíduos imunossuprimidos. Assim, novos antivirais que podem reduzir a gravidade e a duração dessas manifestações cutâneas certamente seriam bem-vindos. 228 Unidade III 7.2.1 Análogos nucleosídeos e nucleotídeos anti-herpes-vírus Aciclovir O aciclovir (acicloguanosina) é um fármaco análogo da guanosina, usado contra o vírus herpes simples (VHS), o vírus zóster da varicela (VZV) e algumas infecções ocasionadas pelo vírus Epstein-Barr. Tanto o vírus herpes como o zóster produzem uma enzima do tipo timidina quinase, que fosforila o aciclovir transformando-o em sua forma ativa o aciclovir GTP (aciclovir-guanosinatrifosfato), que irá inibir ou servir de substrato a DNA polimerase viral: se o aciclovir for incorporado ao DNA viral, teremos uma finalização da síntese da fita de DNA. A afinidade do aciclovir a timidina quinase viral é muito superior a qualquer outra enzima de células de mamíferos, superior a 300 vezes, tornando o fármaco muito mais seletivo às células infectadas. O aciclovir pode ser administrado pelas vias oral, intravenosa ou tópica. A molécula possui boa distribuição no organismo, inclusive no líquido cefalorraquidiano. Deve-se ter cautela com pacientes com insuficiência renal, pois esses podem apresentar acúmulo do fármaco no organismo devido a sua menor taxa de filtração glomerular e, consequentemente, excreção renal da substância. O aciclovir apresenta baixa toxicidade e um alto índice terapêutico, principalmente, em virtude da sua seletividade. Quando administrado topicamente, bem tolerado, sem apresentar um potencial sensibilizante. Na administração por via oral, há a ocorrência de efeitos adversos leves, tais como náuseas, diarreia, êmese e cefaleia. Por outro lado, quando administrado pela via intravenosa, principalmente de forma rápida e em bolus (alta dose), pode ocorrer alteração da função renal e nefropatia obstrutiva devido à formação de cristais do fármaco nos túbulos e ductos renais. Existe uma molécula que é o pró-fármaco do aciclovir, o valaciclovir (ester L-valil do aciclovir), que apresenta uma maior biodisponibilidade, cerca de cinco vezes maior que o aciclovir, quando administrado oralmente. Pacientes com Aids (ou síndrome da imunodeficiência adquirida) apresentam problemas do trato gastrintestinal e púrpura trombocitopênica trombótica, quando expostos a altas doses de valaciclovir. Ocorre resistência ao aciclovir principalmente por mutação e/ou baixa expressão das proteínas virais alvos: timidina quinase e a DNA polimerase. Essa resistência é mais comum em pacientes imunocomprometidos. O vírus do herpes simples ancora-se à membrana da célula hospedeira, funde-se com a membrana celular e libera os capsídeos e o DNA viral. O DNA viral será direcionado para o núcleo da célula, onde será sintetizado um novo DNA viral utilizando-se da maquinaria de replicação do hospedeiro. O aciclovir penetra através da membrana celular e, no citoplasma da célula hospedeira, o aciclovir é convertido a monofosfato de aciclovir pela timidina quinase induzida por vírus. Outros dois grupamentos fosfatos serão adicionados formando o trifosfato de aciclovir, molécula que será direcionada ao núcleo. No núcleo, a DNA polimerase do herpes cliva o pirofosfato do trifosfato de aciclovir, a polimerase do DNA viral insere o monofosfato de aciclovir em vez do monofosfato de 2’-desoxiganosina no DNA viral. 229 FARMACOLOGIA O alongamento adicional da cadeia torna-se impossível, porque o monofosfato de aciclovir não possui o grupo hidroxila 3’ necessário para a inserção de um nucleotídeo adicional, e a exonuclease associada à polimerase de DNA viral não pode remover a fração de aciclovir. A figura a seguir detalha o mecanismo de ação do aciclovir. Aciclovir Timidina cinase do HSV ou do VZV A) B) Monofosfato de aciclovir Difostato de aciclovirTrifosfato de aciclovir (pppACV) Cinase celular Cinase celular O O NH2 HO NN NN NN NHNH OO OO OO OO PP NN NN NN NHNH22 NHNH HOHO OHOH OO OO OO OO PP NN NN NN NHNH22 NHNH HOHO OHOH OO OO OO OO PP NN NN NN NHNH22 NHNH HOHO OHOH OOOOOO OHOHOHOHOHOH PPPPPP OOOOOO pppdCpppdC pppACVpppACV DNA polimerase viralDNA polimerase viral pppdGpppdG ACVACVACVACV dGdGdGdGdGdG dCdCdCdCdCdC 1- A ligação do pppACV à DNA polimerase viral compete com a ligação de pppdG. 2- O ACV é incorprado à cadeia do DNA em crescimento, bloqueando o crescimento adicional da cadeia. 3- Quando ocorre a ligação do próximo trifosfato de desoxinucleosídio, a DNA polimerase viral é “congelada“. Figura 89 – Mecanismo de ação do aciclovir. Parte A: O aciclovir é fosforilado no interior da célula hospedeira pelas enzimas virais (timidina quinase do HSV) gerando o monofosfato de aciclovir e em seguida o trifosfato de aciclovir (pppACV). Parte B: O trifosfato de aciclovir que será incorporado à nova fita de DNA viral, que está sendo sintetizada pela DNA polimerase viral. A incorporação do pppACV fará com que: se impeça a incorporação de dGTP, funcionando como um inbidor competititvo (1); realizará um pareamento com uma citosina (dC), impedindo o crescimento da cadeia de DNA viral – terminação da cadeia (2); e pode-se incorporar um novo desoxinucleosídeo, bloqueando a ação da DNA polimerase viral (3) O ganciclovir e o penciclovir têm um grupo hidroxila 3’; portanto, é possível uma síntese adicional do DNA viral na presença desses medicamentos. O foscarnet atua no local de ligação à pirofosfato da polimerase de DNA viral e evita a clivagem do pirofosfato dos trifosfatos de nucleosídeos, impedindo, assim, a extensão do modelo de iniciador. 230 Unidade III Fanciclovir O fanciclovir é um pró-fármaco que, após a administração oral e absorção, sofre ação das esterases e oxidases e é transformado no penciclovir, sua forma ativa. Bem absorvido oralmente, apresenta uma biodisponibilidade de cerca de 70%. O mecanismo de ação do penciclovir é semelhante ao do aciclovir, com diferenças em relação à atividade: o penciclovir é mais ativocontra a timidina quinase e um inibidor menos seletivo das DNA polimerase virais, isso quando comparado ao aciclovir. Utilizado principalmente no caso de infeções pelo vírus do herpes simples e herpes-zóster. Pode causar cefaleia. 7.3 Citomegalovírus (HCMV) O citomegalovírus humano (HCMV) é um vírus disseminado na população adulta, estabelecendo uma infecção persistente, mas assintomática na maioria dos indivíduos, apresenta períodos de ciclos produtivos de reativação, o que contribui para a sua disseminação. O citomegalovírus (CMV) consegue infectar e replicar uma ampla variedade de células humanas, sendo este mais um fator facilitador da sua disseminação. A infecção por CMV pode causar febre de origem desconhecida, pneumonia, hepatite, encefalite, mielite, colite, uveite, retinite e neuropatia. Particularmente em indivíduos imunocomprometidos, o CMV pode gerar infecções oportunistas e graves. O CMV é transmitido pela placenta, transfusão sanguínea, transplante de órgãos, relação sexual e amamentamento materno. Outra relevância desse vírus é que ele promove defeitos congênitos em crianças (doença neurológica congênita), através da sua transmissão pela placenta da mãe. A figura a seguir ilustra o ciclo de vida do HCMV. Pode-se observar que a infecção por HCMV se inicia com a entrada dos virions na célula hospedeira pela interação com os receptores celulares. Essa interação resulta na entrada das proteínas do tegumento e do capsídeo ao citoplasma da célula hospedeira. O capsídeo dirige-se ao núcleo, juntamente com os genes que são circularizados. As proteínas tegumentares regulam as respostas das células hospedeiras e iniciam a cascata temporal da expressão dos genes virais imediatos, seguidos pelos genes iniciais retardados, que iniciam a replicação do genoma viral e os genes tardios. A expressão tardia do gene inicia a montagem do capsídeo no núcleo, seguida pela saída nuclear para o citosol. Os capsídeos se associam às proteínas do tegumento no citoplasma e são trafegados para o complexo de montagem viral que contém componentes do retículo endoplasmático, aparelho de Golgi e maquinaria endossômica. Os capsídeos adquirem mais tegumento e envelope viral e brotam em vesículas intracelulares. Partículas infecciosas envelopadas são liberadas junto com corpos densos não infecciosos. A figura a seguir mostra os principais mecanismos de ação dos fármacos utilizados no tratamento das infecções por HCMV. 231 FARMACOLOGIA Ganciclovir (GCV) Cidofovir (GDV) Foscarnet (FOS) OH OH OH OH OH PO O O O O O N N N N NHN H2N NH2 HO HO P O O Análogo de pirofosfato Análogo de nucleosídeo Análogo de nucleosídeo pUL54 pUL97 DNA polimerase HCMV Quinases HCMV Incorporação no DNA viral P P P P ADP ATP P P PP Quinases celulares Célula infectada pelo HCMV Figura 90 – Ciclo de vida do HCMV. Alvos moleculares dos fármacos usados no tratamento do HCMV. O ganciclovir (GCV) é fosforilado por uma enzima viral, uma proteína quinase denominada de pUL97. O cidofovir (CDV) não precisa da ação da quinase viral (pUL97), mas ambos são fosforilados por quinases da célula hospedeira formando suas formas de trifosfato de ganciclovir e de cidofovir. Os análogos trifosfatos de nucleosídeos (pppCDV e pppGCV) competiram com os nucleotídeos trifosfatos celulares pela DNA polimerase viral (pUL54) e serão incorporados ao DNA viral, recém-sintetizado. O foscarnet (FOS) inibe diretamente a DNA polimerase viral, bloqueando a ligação do pirofosfato 7.3.1 Inibidores nucleosídeos de DNA polimerase Ganciclovir O ganciclovir é um análogo do aciclovir que apresenta uma atividade biológica maior contra o HCMV, cerca de dez vezes. Ele foi o primeiro agente viral aprovado para o uso contra o HCMV, sendo indicado para o tratamento de retinite por CMV em pacientes imunocomprometidos. Outra indicação do ganciclovir ocorre em pacientes que realizaram transplante hepático para diminuir o risco de doença pelo HMCV. O seu principal mecanismo de ação é a inibição da síntese de DNA viral através da ativação realizada pela fosfotransferase do HCMV. Administrado pela via intravenosa, ele se distribui por todo o corpo, incluindo o líquido cefaloespinhal. Pacientes com insuficiência renal apresentam um acúmulo do fármaco devido à excreção renal. Existe também o valganciclovir, um pró-fármaco do ganciclovir que apresenta uma maior biodisponibilidade oral que o ganciclovir. A mielossupressão é o efeito adverso mais importante do ganciclovir, sendo que pelo menos 15% dos pacientes apresentam neutropenia. Alterações comportamentais, cefaleia, convulsões e coma podem também ocorrer. Em ensaios com animais, o ganciclovir é carcinogênico, embriotóxico e teratogênico. 232 Unidade III Cidofovir O cidofovir é um análogo nucleotídico da citosina, que não necessita da fosforilação viral. Apresenta atividade inibitória contra o vírus herpes humano, papiloma, polioma, varicela e adenovírus, inibindo a síntese do DNA viral. Também seu uso é aprovado em pacientes com HIV/Aids que apresentam retinite causada pelo HCMV. O fármaco apresenta biodisponibilidade oral baixa, mas ele é eficaz quando administrado pela via intravenosa, intravitrea (usado no tratamento de retinite) e por via tópica, na forma de gel. Com uma eliminação lenta do metabolito intracelular, permite um maior intervalo entre as doses, quando comparado com o ganciclovir. Apresenta toxicidade renal significativa e deve ser evitado em pacientes que têm problemas renais, em uso de fármacos nefrotóxicos, incluindo os AINEs (anti-inflamatórios não esteroidais). Neutropenia, acidose metabólica, cicloplegia, uveíte e reações de hipersensibilidade são apresentados por alguns pacientes em uso do cidofovir. Para reduzir a nefrotoxicidade, em conjunto com o cidofovir, é administrada a probenecida, que inibe um determinado transportador de aníons no túbulo proximal, diminuindo assim a excreção renal do cidofovir. Fomivirseno O formivirseno é um oligonucletotídeo antisense que interage com o RNAm do HCMV. Normalmente, ele é administrado em pacientes que têm retinite por CMV e não toleraram outros medicamentos ou que não obtiveram resultados. Administrado pela via intravireal, seus efeitos adversos incluem irite, vitrite e alterações na visão. 7.3.2 Inibidores não nucleosídeos da DNA polimerase Foscarnete O foscarnete (ácido fosfonoformico, PFA) é pirofosfato não nucleotídeo, que não requer ativação por quinases virais e irá inibir a DNA polimerase e RNA polimerase dos vírus de DNA, em especial HSV e HCMV, principalmente quando a terapia com aciclovir ou ganciclovir não obteve o resultado desejado. Pouco absorvido oralmente, o foscarnete deve ser administrado intravenosamente e apresenta uma boa distribuição corporal, inclusive com uma parcela do fármaco, cerca de 10%, penetrando na matriz óssea. Ele é eliminado por filtração glomerular e secreção tubular. Entre os efeitos adversos, os pacientes apresentam nefrotoxicidade, hipocalemia, anemia, náuseas e febre, além de efeitos centrais (cefaleia, tremores, convulsões e alucinações). 7.4 Vírus da imunodeficiência humana (HIV) Os fármacos antirretrovirais são utilizados no tratamento de infecções causadas por retrovírus, que nada mais são do que vírus cujo material genético é o RNA. Dessa classe de vírus, se destaca o HIV (do inglês Human immunodeficiency virus ou vírus da imunodeficiência humana), que, quando infecta o organismo 233 FARMACOLOGIA humano, causa a Aids (do inglês: acquired immunodeficiency syndrome ou síndrome da imunodeficiência adquirida). O objetivo da terapia antirretroviral contra o HIV é reduzir a carga viral (medida através do número de cópias do RNA viral no plasma) e restaurar a contagem de linfócitos do tipo CD4. O HIV é um retrovírus que infecta células CD4+. A infeção de linfócitos CD4+ depende da fixação do vírus à gp160 (composta pelas proteínas gp41 e gp120) e os receptores CD4 e da célula hospedeira. A fixaçãodo vírus na célula hospedeira resulta na fusão do envelope viral à membrana plasmática da célula hospedeira e a entrada do genoma do HIV e proteínas do virion. O desnudamento permite a transcrição do RNA de fita simples (RNAFS) do genoma do HIV pela transcriptase reversa em DNA de fita dupla. O DNA do HIV é integrado no genoma da célula hospedeira, numa reação que depende da integrase codificada pelo HIV. Essa integração resulta na produção de RNA do HIV genômico e mRNA viral. O mRNA viral é traduzido em proteínas nos ribossomos da célula hospedeira e na sequência são formadas proteínas e virions imaturos, que sofrem brotamento a partir da membrana celular do hospedeiro. Os virions sofrem clivagem proteolítica, com maturação em virions totalmente infecciosos. A figura a seguir ilustra o ciclo de vida do HIV e alvos da terapia anti-HIV, incluindo proteínas envolvidas na ligação do HIV às células CD4+ e integrasses, proteínas importantes na integração do DNA do HIV no genoma da célula hospedeira. Fusão2 3 4 5 6 7 8 1 Ligação HIV RNAfs gp120 CD4 DNA RNA (genômico e mRNA) Proteína do cema gp41 Proteína da matriz Proteína do ceme Receptor de quimiocinas Transcrição reversa Integração Transcrição Tradução Montagem e brotamento do virion Maturação Protease Integrase Transcriptase reversa Integrase Protease Integrase (Protease) Transcriptase reversa Figura 91 – Ciclo de vida do HIV Os agentes anti-HIV são dirigidos contra a fusão, a transcrição reversa e a maturação virais. Existem cinco classes de fármacos antirretrovirais: os inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosideos 234 Unidade III ou nucleotídeo (ITRNs); ou inibidores de transcriptase reversa não análagos de nucleotídeos (ITRNNs); os inibidores de protease (IP); os inibidores de entrada e os inibidores de integras. O tratamento de escolha envolve o uso de associações de fármacos antirretrovirais, de modo a impedir a replicação viral, restabelecer as células CD4 e tornar o paciente imunocompetente. O regime múltiplo de tratamento, utilizando-se de mais de um fármaco, é denominado de tratamento antirretroviral altamente ativo, ou TARAA (ou HAART, do inglês, highly active antiretroviral therapy). O tratamento envolve a administração de dois fármacos da classe dos ITRNs com outro fármaco antirretroviral (IPs, ITRNNS ou inibidor da integrasse). A preferência de escolha da terapia se baseia em: • evitar o uso de dois fármacos que são análogos do mesmo nucleosideo (ou nucleotídeo); • evitar o aumento de toxicidade do tratamento e alterações no genoma e fenótipo do vírus; • considerar o estado do paciente: seus sintomas e doenças presentes; • considerar o impacto da associação farmacológica; • facilitar a adesão ao regime terapêutico. O desenvolvimento de resistência aos fármacos pode ser significativamente retardado com o uso de combinações de fármacos dirigidos contra uma única etapa (por exemplo, dois ou mais inibidores da transcrição reversa) ou mais de uma etapa no ciclo de vida do HIV (por exemplo, inibidores da transcriptase reversa e inibidores da protease). A zidovudina foi o primeiro antirretroviral aprovado para o tratamento da infecção por HIV, isso em 1987. Antes dessa data, o tratamento dos pacientes infectados tinha como objetivo apenas diminuir a incidência de infecções oportunistas, que levava a um elevado índice de morbidade e mortalidade em pacientes com Aids. O Brasil se destaca na luta contra a Aids. Desde os anos 1990, o Brasil distribui gratuitamente, através do SUS, medicamentos antirretrovirais aos portadores de HIV e pacientes com Aids, desde que obedeçam ao consenso terapêutico do Ministério da Saúde. Em nosso país, estima-se que cerca de 866 mil pessoas estão infectadas com o HIV. Apesar da distribuição gratuita dos antirretrovirais, há uma significativa não adesão por parte dos pacientes. Os motivos são os mais variados, desde o número excessivo de comprimidos, os efeitos colaterais dos antirretrovirais, por motivos psicológicos (lembrança do HIV) e ausência de sintomas físicos da doença. Pacientes portadores do vírus HIV que fazem o uso de antirretrovirais possuem uma maior tendência a desenvolver hipertensão, diabetes, dislipidemia e infarto do miocárdio, quando comparado a pessoas sem o HIV. Essa incidência é maior em idosos e pacientes que fazem o uso da terapia há muitos anos. 235 FARMACOLOGIA 7.4.1 Inibidores da transcriptase reversa (agentes nucleosídicos) – ITRNs Os inibidores da transcriptase reversa (ITRNs) se dividem em duas categorias: agentes nucleosídicos e agentes não nucleosidicos. Os ITRNs são análogos dos nucleosídeos nativos, desprovidos da ligação 3’-OH (hidroxila). Todos os fármacos da classe dos ITRNs têm mecanismos de ação semelhantes: ao serem incorporados na célula, eles vão ser fosforilados por enzimas a uma nucleosídeo análago trifosfatado e será incorporado ao DNA viral através da transcriptase reversa. Devido à ausência da hidroxila no carbono 3’, não haverá a formação da ligação fosfodiéster entre o nucleosídeo e a cadeia do DNA, interrompendo assim a síntese do DNA. Ocorre resistência aos ITRNs através de mutação na transcriptase reversa viral. Como há resistência cruzada entre os ITRNs, não se recomenda o uso simultâneo contra o mesmo alvo. A seguir, iremos apresentar os fármacos dessa classe. Zidovudina (AZT) A zidovudina (AZT) é um análogo sintético da timidina, em que há uma alteração na ribose: em vez de ter uma hidroxila na posição 3’, o AZT tem um grupamento azido, que, quando incorporado, promove a terminação da cadeia de DNA. A zidovudina foi o primeiro fármaco utilizado para o tratamento da infecção por HIV, apresentando atividade contra o HIV-1, HIV-2 e o HTLV-I e II (vírus linfotrópico de célula T). O AZT é bem absorvido oralmente, apresenta o pico plasmático em torno de uma hora, com uma meia-vida plasmática de 1,5 horas, e penetra na barreira hematoencefálica e placentária (por isso é indicado para evitar a transmissão vertical da mãe para o filho, durante a gestação). Boa parte do AZT é biotransformada nos hepatócitos (sofre glicuronização) e então eliminada pela urina. Dentro da célula, a zidovudina é fosforilada pela timidina quinase, se transformando no 5-trifosfato de zidovudina, que será agora incorporado à cadeia de DNA em síntese pela transcriptase reversa do vírus. A incorporação do metabolito do AZT impede o alongamento da cadeia de DNA, além de inibir também a DNA polimerase celular e a polimerase mitocondrial. Ao contrário de outros antivirais (aciclovir e ganciclovir), não há uma seletividade na etapa de ativação do AZT e, desse modo, todas as células do corpo que estiverem em divisão celular serão afetadas pelo metabólito. Como efeitos adversos, se caracterizam por anorexia, fadiga, cefaleia, mialgia e insônia. O AZT apresenta uma mielossupressão: anemia acomete cerca de 7% dos pacientes tratados, neutropenia também pode se apresentar no início do tratamento. Pacientes tratados cronicamente com AZT podem apresentar miopatia, hiperpigmentação da unha, hepatotoxicidade e acidose láctica. Os efeitos adversos da zidovudina são causados tanto pelo trifosfato de AZT agindo nas polimerases celulares como pelo monofosfato de AZT que age sobre a timidilato quinase, enzima essencial para a replicação. Limitações na eficiência clínica do AZT e a sua toxicidade e resistência levaram ao desenvolvimento de outros 236 Unidade III fármacos contra o vírus HIV e ao uso de associações de fármacos contra o vírus, normalmente, se utiliza de um fármaco inibidor de protease e um nucleotídeo análogo ou com inibidor da transcriptase reversa não nucleotídeo e nucleosídeo análogo. Estavudina A estavudina (d4T) é um análogo da timidina usado no tratamento da infecção pelo HIV. O fármaco é bem absorvido quando administrado oralmente, atinge o pico de concentração plasmática em aproximadamente 1 hora e penetra na barreira hematoencefalica.A estavudina é excretada pela urina, na sua forma ativa e exigindo cuidados em pacientes que apresentam insuficiência renal. Seu principal efeito adverso é a neuropatia periférica, mas tem-se descrito cefaleia, urticária, diarreia, lipoatrofia, pancreatite e acidose láctica. Didanosina A didanosina (ddI) é um análogo de nucleosideo purínico que, ao entrar na célula hospedeira, se transforma em ddATP (didesoxiadenosina trifosfato), sendo incorporado à cadeia de DNA viral e interrompendo a sua síntese (alongamento). Em pH extremamente baixo, a didanosina sofre degradação, portanto a sua melhor absorção se dá quando ingerida em jejum. O fármaco é excretado na sua forma ativa pela urina. O seu efeito adverso mais comum é a diarreia, mas apresenta como efeitos tóxicos a neuropatia periférica e a pancreatite, que pode ser fatal, devendo, durante o tratamento, o paciente ter monitoradas as suas enzimas pancreáticas (amilase e lipase). Tenofovir O tenofovir (TDF) é um análogo nucleotídeo da adenosina 5’-monofosfato, que, dentro do citoplasma celular, é convertida em um difosfato, que tem a capacidade de inibir competitivamente a transcriptase reversa viral do HIV e também de ser incorporado no DNA viral, causando a interrupção da sua síntese. Cineticamente, o tenofovir tem uma meia-vida longa, permitindo uma única tomada diária, ele é excretado na sua forma inalterada pela urina, de modo que pacientes com problemas renais devem ter a sua creatinina sérica monitorada. O tenofovir é bem tolerado pelos pacientes, sendo que os problemas gastrintestinais (náuseas, flatulência e diarreia) são os principais efeitos adversos. Pode ocorrer resistência especifica ao tenofovir e também resistência cruzada com os outros ITRNs, como a zidovudina. Lamivudina A lamivudina (3TC) é um análogo pirimidínico, inibindo assim o alongamento da cadeia de cDNA do vírus através da formação de um composto trifosfatado que irá inibir a transcriptase reversa tanto do HIV como do HBV. 237 FARMACOLOGIA A lamivudina apresenta alta biodisponibilidade oral, um pico plasmático em torno de uma hora e sofre excreção renal. Como a lamivudina não interfere na síntese do DNA mitocondrial ou das células da medula óssea, ela apresenta menor toxicidade e seus efeitos adversos mais comuns são a cefaleia e náuseas. A monoterapia com lamivudina é pouco eficaz, mas a sua combinação com outros fármacos antivirais é aprovada no tratamento da infecção pelo HIV. Pode-se usar também a lamivudina em pacientes com infecções causadas pelo HBV e em situações de evidências de replicação viral ativa. Entricitabina A partir da modificação (fluoração) da lamivudina, surgiu a entricitabina (FTC), um análogo da citosina. Tem um mecanismo de ação semelhante aos outros inibidores da transcriptase reversa viral. O fármaco é bem absorvido pela via oral, apresenta elevada biodisponibilidade e sua meia-vida plasmática é de aproximadamente 10 horas. Ele é eliminado pela urina sem sofrer biotransformação. Considerado como um dos mais seguros antirretrovirais, apresenta pouco efeitos adversos: cefaleia, diarreia, náusea e urticária. O seu uso prolongado causa uma hiperpigmentação da pele (pés e mãos principalmente). Casos de hepatite e pancreatite já foram relatados, mas sempre quando o fármaco é utilizado em associação com outros agentes antivirais. Abacavir (ABC) O avacavir (ABC) é um análogo da guanosina. Bem absorvido por via oral, apresenta uma alta biodisponibilidade e é biotransformado pelo álcool desidrogenase em metabolitos inativos. Seus efeitos adversos mais comuns são náusea, vômito, diarreia, cefaleia e insônia. Zalcitabina A zalcitabina (ddC) é um análogo da citosina, apresenta alta biodisponibilidade oral e é excretado pela urina na sua forma inalterada. Seus principais efeitos adversos são a neuropatia, estomatite e pancreatite. O seu uso é indicado em infecções por HIV em associação com zidovudina e saquinavir (inibidor de protease). 7.4.2 Inibidores da transcriptase reversa (agentes não nucleosídicos) Essa classe de fármacos, que engloba o efavirenz, nevirapina e etravirina, age inibindo de maneira não competitiva a transcriptase reversa viral. Nenhum desses fármacos necessita de ativação celular e apresenta algumas características comuns: resistência cruzada entre eles, interações farmacológicas e reações de hipersensibilidade. Nevirapina (NVP) A neviparina (NVP) foi o primeiro inibidor não nucleosídeo da transcriptase reversa (ITRNN) usado no tratamento de infecções pelo HIV, agindo diretamente no sítio catalítico da enzima. 238 Unidade III Farmacocineticamente, a neviparina é bem absorvida pela via oral, sem a interferência de alimentos. Por causa da sua natureza lipídica, consegue ampla distribuição no corpo, atingindo o SNC e a placenta. O fármaco sofre biotransformação hepática em duas fases: primeiro, sofre uma hidroxilação e depois uma conjugação com glicuronídeos; e tem os seus metabolitos eliminados pela urina. A neviparina é um indutor do sistema enzimático do CYP450, dessa maneira, diminuindo drasticamente a meia-vida de fármacos que são substratos desse sistema, como contraceptivos orais, cetoconazol, quinidina e varfarina. Seus efeitos adversos consistem em febre, fadiga, cefaleia, sonolência, náuseas, elevação das enzimas hepáticas e hepatotoxicidade. Há relatos de problemas dérmicos, incluindo a síndrome de Stevens-Johnson. A resistência a nevirapina está associada a mutações na transcriptase reversa viral. Efavirenzo (EFV) O efavirenzo (EFV) é um inibidor não competitivo da transcriptase reversa do HIV, apresentando mecanismo de ação, perfil de toxicidade e resistência semelhantes à neviparina. O fármaco é administrado oralmente, tem uma boa distribuição no organismo, atingindo o SNC. Preferencialmente, ele deve ser ingerido em jejum, ou seja, com o estômago vazio. A ocorrência dos efeitos adversos no SNC atinge quase 50% dos pacientes, na forma de sonolência, insônia, tontura, disforia, depressão e alucinações. Cerca de 25% dos pacientes apresentam erupção cutânea. Ele é contra-indicado em mulheres grávidas. O efavirenzo foi o primeiro antirretroviral aprovado para o uso em dose única diária e com eficiência na redução da carga do HIV, mas, para diminuir a chance de resistência, recomenda-se a associação com outros fármacos. Etravirina (ETR) A etravirina (ETR) é um ITRNN de segunda geração, ativo apenas contra o HIV-1. Cepas de HIV resistentes aos ITRNNs de primeira geração são suscetíveis à etravirina. Quando ingerida com alimentos gordurosos, a sua biodisponibilidade aumenta. Apesar de ter uma elevada meia-vida (cerca de 40 horas), são indicadas 2 tomadas diárias. A etravirina é extensamente biotransformada a produtos inativos e excretada pelas fezes. Por ser um indutor das enzimas do CYP450, há um grande risco de interações farmacodinâmicas. Seus efeitos adversos é a urticária (rush cutâneo). 7.4.3 Inibidores da protease do HIV No caso do vírus do HIV, para montar uma nova partícula viral infecciosa, é necessário, além de montar as proteínas e o seu ácido nucleico, que o vírus passe por uma etapa denominada de maturação. 239 FARMACOLOGIA Nessa etapa, o vírus produz uma protease viral, fundamental para clivagem de proteínas precursoras da sua estrutura e enzimas essenciais ao seu metabolismo. Esse papel é essencial para a finalização da montagem da partícula viral. Os inibidores da protease do HIV foram introduzidos na terapia em meados dos anos 1990, mais precisamente em 1995. A sua introdução mudou o paradigma do tratamento da Aids: a partir desse evento, o número de mortes de pacientes HIV positivos diminui drasticamente. Depois da mudança desse paradigma, diversos fármacos antivirais com alvo nas proteases do HIV foram aprovados: saquinavir, ritonavir, amprenavir, indinavir, nelfinavir, lopinavir, atazanavir, tipranavir e darunavir. Diversos fatores explicam o porquê de a protease do HIV ser o alvo mais utilizadono tratamento da Aids, entre eles, pode-se citar: • essa protease é essencial para a replicação do vírus do HIV (etapa de maturação); • mutações pontuais acabam inativando a enzima, sugerindo que pequenas moléculas podem funcionar como um inibidor; • os substratos da enzima (protease do HIV) são conservados e incomuns entre outras espécies, sugerindo uma alta especificidade do complexo enzima-substrato. Todos esses fatores associados à possibilidade de expressar a protease em laboratório aumentaram as chances de acertos no desenvolvimento dos inibidores da protease do HIV. De modo geral, os inibidores da protease do HIV apresentam algumas características comuns, entre elas: • O alvo farmacológico dessas moléculas é a retropepsina (aspartil protease) do HIV, que irá clivar a proteína viral originando diversas enzimas essencias ao vírus, como a transcriptase reversa, protease e integrasse; impedindo assim a maturação das partículas virais. • Todas as moléculas se ligam às proteínas plasmáticas e são substratos da CYP3A4, apresentando uma alta taxa de biotransformação, de modo que a maioria não é excretada inalterada na urina, a menos em uso de dosagens altas ou no caso do paciente apresentar insuficiência renal. • Distúrbios metabólicos (diabetes, hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia) são comuns. Ocorre também redistribuição de gordura, de modo que o paciente apresente o pescoço de búfalo (acúmulo de gorduras abdominais e na base do pescoço). • Acabam apresentando um grande número de interações medicamentosas, já que os inibidores de protease também inibem as isoenzimas do CYP450. Saquinavir (SQV) O saquinavir (SQV) é um inibidor de protease que, para aumentar a sua biodisponibilidade, sempre é associado com uma baixa dose de ritonavir ou com uma refeição rica em lipídeos. O fármaco, após a 240 Unidade III sua absorção, apresenta uma meia-vida de sete a 12 horas, sofre biotransformação hepática seguida por excreção biliar. O seu uso apresenta como principais efeitos adversos, náuseas, diarreia e outros distúrbios do trato gastrintestinal. Considerando o sistema nervoso, o mesmo apresenta cefaleia. Pacientes em tratamento com saquinavir apresentam elevação das transaminases hepáticas, principalmente se estiverem infectados com os vírus da hepatite B ou C. Ritonavir (RTV) A partir do planejamento racional de fármacos, surgiu o ritonavir, um peptidomimético (com estrutura similar a um peptídeo) inibidor da protease do HIV. Hoje o ritonavir (RTV) não é empregado isoladamente como um inibidor da protease, e sim para aumentar a absorção de outros inibidores (reforçador farmacocinético ou booster). Por ser um potente inibidor da CYP3A, o ritonavir consegue aumentar a biodisponibilidade de outro inibidor de protease do HIV, de modo a diminuir as tomadas do IP por parte do paciente. Além disso, mesmo em doses baixas, o ritonavir diminui a possibilidade de desenvolvimento de resistência por parte do vírus. O ritonavir apresenta uma meia-vida de aproximadamente quatro horas, sofre biotransformação hepática e a excreção é preferencialmente biliar. Existem inúmeras interações farmacológicas, visto que o ritonavir é um inibidor de enzimas do CYP450. Entre os efeitos adversos mais comuns, foram achados cefaleia, parestesia circumoral, náuseas, êmese e diarreia. Indinavir O indinavir (IDV) é um inibidor de protease que é bem absorvido quando administrado oralmente e encontra condições ácidas no ambiente gástrico. Dos IPs utilizados nas clínicas, o indinavir é o que apresenta a menor meia-vida, inferior a duas horas. Por causa do tempo de meia-vida curto, o indinavir é associado com ritonavir, que aumenta a meia-vida do IDV e, desse modo, permite a tomada do fármaco duas vezes ao dia. Após a absorção, o indinavir é biotransformado, e os metabolitos são eliminados através das fezes e urina. Os efeitos adversos mais comuns são a cefaleia e problemas gastrintestinais, mas pacientes também demonstram nefrolitíase e hiperbilirrubinemia. Os pacientes em uso desse fármaco devem ingerir dois litros de água por dia, de modo a diminuir a probabilidade de formação de cálculos renais. Outro aspecto é que o indinavir altera a redistribuição de gordura corporal. Nelfinavir (NFV) O nelfinavir (NFV) é um inibidor de protease que é bem absorvido, não sendo necessário realizar associações como outros fármacos ou alimentos para a sua absorção. O NFV é biotransformado pelo complexo enzimático das CYP450. Sua meia-vida é estimada em cinco horas e apresenta como principal efeito adverso a diarreia, que pode ser controlada com o uso da loperamida. Atazanavir (ATV) O atazanavir (ATV) é um inibidor de protease administrado oralmente em conjunto com a refeição, para, desse modo, ter a sua absorção e biodisponibilidade aumentadas. O fármaco apresenta uma 241 FARMACOLOGIA boa ligação com as proteínas plasmáticas e com uma meia-vida de aproximadamente sete horas. Sofre biotransformação pela enzima CYP3A4 e é eliminado pela bile. Seus efeitos adversos são a hiperbilirrubinemia e icterícia. Além disso, o atazanavir promove um prolongamento do intervalo PR da contração cardíaca. Deve-se evitar por pelo menos uma hora a administração de antiácidos, bloqueadores do receptor H2 e dos inibidores de bomba prótons, antes da tomada do atazanavir. Darunavir (DRV) O darunavir (DRV) é um dos inibidores de protease aprovado para o tratamento inicial de pacientes infectados recentemente com o HIV, bem como para pacientes que apresentam resistência aos outros IPs. O darunavir é administrado junto com uma baixa dose de ritonavir e com alimentos, de modo a aumentar a sua absorção. Sua meia-vida é de aproximadamente 15 horas, o fármaco é biotransformado hepaticamente pelas enzimas CYP3A, mas o DRV também é um inibidor da CYP3A4. Seus efeitos adversos são semelhantes aos outros IPs e existe o relato de urticária em alguns pacientes. Fosamprenavir (FPV) O fosamprenavir é um pró-fármaco, administrado oralmente, que será biotransformado em amprenavir. Normalmente ele é administrado em conjunto com o ritonavir, de modo a aumentar a sua meia-vida plasmática e diminuir a sua dosagem diária total. Seus efeitos adversos mais comuns incluem cefaleia, fadiga, parestesia e distúrbios gastrintestinais (náuseas, êmese e diarreia). Lopinavir (LPV) A lopinavir (LPV/r) é um inibidor de proteases que normalmente é associado ao ritonavir em baixa concentração. Essa associação permite aumentar a biodisponibilidade do lopinavir, que é extremamente baixa. Apresenta como efeitos adversos mais comuns distúrbios do trato gastrintestinal e hipertrigliceridemia. A solução oral de lopinavir contém álcool, portanto os pacientes não devem usar concomitantemente dissulfiram ou metronidazol. Tipranavir (TPV) O tipranavir (TPV) é um inibidor de protease, não peptídico, que inibe a protease do HIV. Normalmente, ele é utilizado quando o vírus começa a apresentar resistência aos outros inibidores de protease. O fármaco, ao ser ingerido com alimentos, melhora a sua absorção, apresentando uma meia-vida de seis horas. Os efeitos adversos são semelhantes aos outros inibidores de protease, acrescidos de hepatite grave e fatal, além de alguns pacientes apresentarem hemorragia intracranial. 7.4.4 Inibidores de fusão Enfuvirtida (T20) A enfuvirtida (T20) é um peptídeo sintético de 36 aminoácidos com alta similaridade de sequência com proteínas virais do HIV-1, que age como um inibidor de fusão. 242 Unidade III Para que o vírus HIV infecte a célula hospedeira, é necessário que ocorra a fusão entre a membrana da célula hospedeira e o envelope viral. A glicoproteína gp41 do HIV-1 é responsável pela ligação da partícula viral à membrana da célula e, por consequência, à infecção viral. E nesse painel que a enfuvirtida apresenta o seu mecanismo de ação: o fármaco se liga à glicoproteína viral gp41, evitando a sua mudança conformacional, essencial para a infecção, e, desse modo,impede a infecção viral. Por ser um peptídeo, a enfuvirtida deve ser administrada subcutaneamente. O fármaco apresenta boa biodisponibilidade, cerca de 84%; se liga a proteínas plasmáticas, entre elas, a albumina, e apresenta como metabolito um composto inativo. Os principais efeitos adversos se relacionam a reações no local de aplicação do medicamento: dor, eritema, endurecimento e nódulos. O vírus HIV pode desenvolver resistência à enfurvitida através de mutações no domínio de ligação da glicoproteína gp41. O seu uso clínico, sempre feito em associação, é reservado para pacientes que apresentam replicação persistente, mesmo com o uso de outros antivirais. Saiba mais O site a seguir aborda vídeos e outros materiais produzidos pelo Departamento de Vigilância Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis em relação ao HIV/Aids e às hepatites virais. BRASIL. Ministério da Saúde. Vídeos. Brasília, [s.d.]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/centrais-de-conteudos/videos. Acesso em: 25 jun. 2020. 7.5 Hepatites De uma maneira simples podemos descrever a hepatite como um processo inflamatório hepático que pode ser causado por vírus, pelo uso de determinadas substâncias químicas (álcool, drogas de abuso e medicamentos), bem como problemas metabólicos e genéticos, além de doenças autoimunes. Na maioria das vezes, a hepatite cursa nos pacientes de maneira assintomática. As hepatites virais, que iremos abordar agora, são causadas por diferentes vírus e denominadas por letras maiúsculas do alfabeto: A, B, C, D e E. Os vírus da hepatite B (VHB) e da hepatite C (VHC) possuem semelhanças quanto à transmissão: são transmitidos por via parenteral, transcutânea e transmucosa; sendo que a hepatite B é considerada como doença sexualmente transmissível (DST). Há uma importância no diagnóstico laboratorial precoce, principalmente, quando o paciente apresenta algum sinal clínico ou pertence a um grupo de risco: uso de drogas injetáveis, sexo sem proteção (preservativo), tatuagem e piercing. Dessa maneira, evita-se a evolução da patologia para cirrose ou câncer hepático. 243 FARMACOLOGIA A maneira mais eficaz de prevenir a hepatite A e B é a vacinação, essa vacina essa protege o indivíduo da hepatite D. A vacinação contra a hepatite A faz parte do calendário vacinal e é oferecida para crianças até 5 anos de idade. Já contra a hepatite B, são fornecidas quatro doses para as crianças até os 6 meses de idade. Para a hepatite C, não existe vacina, e a prevenção deve ser feita evitando o contato com sangue contaminado. Apesar da vacinação e de existirem meios de evitar a contaminação, segundo o Boletim epidemiologico: hepatites virias (BRASIL, 2019), do Ministério da Saúde, nos últimos 20 anos, foram notificados 230.000 novos casos da hepatite B e 360.000 novos casos da hepatite C. Observação O Boletim epidemiológico: hepatites virais (BRASIL, 2019c) mostra que, no Brasil, há cerca de 40.000 novos casos por ano. Também ocorrem aproximadamente 33.000 mortes devido a hepatites, sendo a grande maioria dos pacientes contaminada pela hepatite C (70%) e B (22%). O vírus da hepatite B (VHB), da família Hepadnaviridae, é composto de uma dupla hélice de DNA, e uma parcela, cerca de 10% dos pacientes infectados e diagnosticados, evoluem para uma forma crônica da patológica: cirrosse ou hepatocarcinoma. O objetivo do tratamento farmacológico é impedir a replicação viral, já que o vírus se incorpora ao DNA do hospedeiro e dificilmente será erradicado. Caso o paciente apresente o VHB, o tratamento indicado é o uso da lamivudina associada ou não ao inteferon-α. Não podemos esquecer que a melhor maneira de se prevenir é a vacinação, que é eficaz e sem efeitos colaterais importantes. O tratamento medicamentoso é o uso de interferons (peguilhado ou não) em associação com um análogo de nucleotídeo (lamivudina, adefovir, dipivoxila, tenofovir, entecavir e telbivudina) de modo a reduzir a probabilidade do desenvolvimento de resistência farmacológica por parte do vírus VHB, apesar de o tratamento de primeira linha incluir apenas os análogos de nucleotídeos. Por outro lado, o vírus causador da hepatite C (VHC) pertence à família Flaviviridae, é um vírus de RNA que tem diversos genótipos. O objetivo do tratamento medicamento é a erradicação do vírus, apesar de alguns pacientes apresentarem recidiva da infeção, algo em torno de 5% dos que têm uma ausência de viremia por 24 semanas após o término da terapia (RVS: resposta viral sustentada). O tratamento da hepatite C é realizado com inferferon associada com ribavirina (inibidor não nucleosídeo da transcrição, inibindo a RNA polimerase viral). Outros fármacos, como o telaprevir ou bocepravir, podem ser utilizados – ambos são inibidores de protease NS3/4A. A escolha do tratamento medicamentoso depende da genotipagem do vírus, VHC do genótipo 1 são mais suscetíveis ao bocepravir. De modo geral, a associação dos inibidores de protease ao tratamento clássico (interferon mais ribavirina) aumenta substancialmente a taxa de eliminação viral em pacientes com VHC do genótipo 1. 244 Unidade III Interferons Os interferons são proteínas (glicoproteínas) produzidas pelas células do sistema imune em resposta a vírus, parasitas, bactérias e células tumorais. Existem duas classes de interferon. Os interferons do tipo I (interferons α e β), que têm uma maior atividade antiviral e são produzidos por todas as células do sistema imune em resposta à infecção viral e interagem com o mesmo receptor celular. Já os inteferons do tipo II (interfereon γ) são produzidos somente pelos linfócitos T e células NK (natural killers) em resposta à liberação de citocinas. Os interferons interagem com os seus receptores específicos presentes na membrana celular, ativando as vias de sinalização intracelular que aumentam a atividade e/ou expressão de proteínas que combatem as infecções virais: inibindo a penetração, tradução, transcrição, processamento da proteína viral, maturação e liberação do vírus. Além de aumentar a expressão de antígenos do MHC (Complexo principal de histocompatibilidade; do inglês major histocompatibility complex), há o aumento da atividade dos macrófagos e células T citotóxicas. Uma dessas proteínas é denominada de proteína quinase R (PKR), ativada por RNA de dupla fita, produzida nas infecções virais. Do ponto de vista farmacocinético, os interferons não são ativos quando administrados por via oral, devido a sua baixa biodisponibilidade (inferior a 1%), desse modo, são administrados pela via intravenosa ou subcutânea; possuem boa distribuição, exceto no SNC, e sua meia-vida plasmática varia de uma a quatro horas – a sua baixa meia-vida se deve ao metabolismo hepático e renal e pela captação celular. As moléculas de interferon podem ser modificadas através da ligação covalente com o polietilenoglicol (PEG), formando a interferon α-2ª peguilhada, aumentando assim o tamanho da molécula e, desse modo, melhorando o perfil farmacocinético, retardando a absorção, prolongando o seu efeito e diminuindo a sua eliminação renal. Os principais efeitos dos interferons são semelhantes a um quadro de infecção viral, como a gripe: febre, calafrios, mialgia, dores nas articulações e distúrbios do trato gastrintestinal, que normalmente se apresentam após a administração do fármaco. Com o uso do fármaco, parte dos sintomas tende a diminuir. Letargia, anorexia e sonolência podem aparecer após uma semana de administração. Além dos seus efeitos adversos, os interferons podem causar toxicidade que se apresenta na forma de supressão da medula óssea (linfocitopenia, granulocitopenia e trombocitopenia), neurotoxicidade, doenças autoimunes, alterações do estado mental, transtorno psicótico e depressão. Pacientes com descompensação hepática, que apresentam doença autoimune ou arritimias cardíacas, devem evitar o uso do interferon α. A presença de outras patologias, como doenças psiquiátricas, epilepsia, insuficiênciarenal, inspiram cuidados na administração de interferon α. Grávidas também devem evitar o seu uso, visto que em primatas o interferon α é abortivo. O interferon α é usado como fármaco no tratamento da hepatite viral (HBV e HCV), no sarcoma de Kaposi (causado por herpes-vírus), além de alguns tipos de tumores raros, como, por exemplo, a leucemia de células pilosas e o carcinoma de células renais. No paciente com hepatite B crônica, o uso da terapia com interferons limita a infectividade do portador e pode erradicar a infecção crônica. 245 FARMACOLOGIA Já o interferon β é usado principalmente no tratamento da esclerose múltipla. Os interferons também mostram benefícios em pacientes infectados com rinovírus do tipo 4 e varicela. Adefovir Desenvolvido inicialmente para o tratamento da infecção por HIV, o adefovir dipivoxila foi aprovado para a terapia do VHB, em doses menores e por consequência menor toxicidade. Ele é um análogo nucleotídico fosforilado pelas quinases celulares, transformando-o no difosfato de adenovir, que será incorporado à cadeia do DNA viral e, desse modo, interrompe a síntese do DNA viral (replicação) através da inibição do seu alongamento. Administrado uma vez ao dia, oralmente, o adefovir apresenta uma biodisponibilidade de 60% e não sofre interferências da ingesta ou não de alimentos. Após a absorção, o fármaco apresenta baixa ligação às proteínas plasmáticas e uma meia-vida suficiente para ser administrado uma única vez ao dia (meia-vida entre 5 a 18 horas). Eliminado pela via renal, o fármaco sofre tanta filtração glomerular como secreção tubular, precisando de ajustes na presença de doença renal. Efeitos colaterais podem ocorrer, mas são tolerados pelos pacientes: cefaleia, diarreia, astenia e dor abdominal. A interrupção rápida do uso do adefovir pode causar um agravamento do quadro da hepatite, além de promover nefrotoxicidade no seu uso crônico. O uso concomitante com o tenofovir deve ser evitado devido ao aumento da toxicidade. Não há relatos de resistência cruzada do adefovir com a lamivudina ou entecavir. Grávidas devem ter extremo cuidado, já que o adefovir é embriotóxico em altas doses em ratos e genotóxico em estudos clínicos. Entecavir O entecavir é um análogo do nucleosídeo de guanosina, utilizado no tratamento de infecções pelo VHC, que inibe competitivamente três funções da DNA-polimerase viral: a iniciação, a transcrição e a síntese da nova fita de DNA viral. Administrado oralmente, o entecavir deve ser ingerido de estômago vazio para evitar a diminuição da biodisponibilidade causada pela ingesta de alimentos. Apresenta uma meia-vida acima de 15 horas, possibilitando a administração de uma única dose diária ao paciente. Excretado de maneira inalterada pela urina, deve ter a sua dose ajustada em pacientes que apresentam alguma nefropatia, do mesmo modo que não deve ser utilizado em associação com outros fármacos nefrotóxicos. Intracelularmente, o fármaco é fosforilado na sua forma ativa trifosfatada e compete com o substrato natural da transcriptase reversa viral: o trifosfato de desoxiguanosina. Bem tolerado, o entecavir apresenta como efeitos adversos cefaleia, fadiga, tontura, náuseas, exantema e febre. Ensaios realizados em camundongos e ratos demonstram que há maior ocorrência de adenomas e carcinomas pulmonares, hepáticos e gliomas. 246 Unidade III Na clínica, o entecavir apresenta uma melhor supressão nos níveis do VHB, quando comparado ao uso da lamivudina ou adefovir em ensaios clínicos, como também é eficaz contra cepas do VHB resistentes a lamivudina. Telbivudina A telbivudina é um nucleosideo análogo da timidina com atividade contra o vírus da hepatite B (VHB). Intracelularmente, o fármaco é fosforilado à forma de trifosfato, que irá competir com o trifosfato de timidina na incorporação do DNA viral, onde irá interromper o alongamento da cadeia de DNA. Administrada oralmente uma vez ao dia, a telbivudina apresenta uma baixa ligação a proteínas plasmáticas, uma ampla distribuição corporal, com uma meia-vida aproximada de 15 horas. Eliminada por filtração renal, pacientes com insuficiência renal precisam de ajuste de doses. Reações adversas comuns são leves e incluem fadiga, cefaleia, tosse, náuseas, diarreia, exantema, febre e elevação das transaminases. Apesar de a telbivudina não ser ativa contra o HIV-1, o fármaco apresenta uma maior resposta virológica ao VHB do que o tratamento com lamivudina ou adefovir, dados obtidos de ensaios clínicos comparativos. Em pacientes que apresentam resistência ao tratamento com lamivudina, a telbivudina não é eficaz. Boceprevir e telaprevir Os primeiros antivirais destinados ao tratamento das infecções por hepatite C foram o boceprevir e o telaprevir. Ambos os fármacos são inibidores da serino protease do VHC NS3/4A, que inibem a replicação viral. Ambos os fármacos são administrados oralmente e a ingesta de alimentos aumenta a absorção, no caso do telaprevir com alimentos gordurosos. A ligação a proteínas plasmáticas é semelhante em ambos os fármacos, em torno de 75%. A metabolização é realizada pelas enzimas do CYP450 e atua como inibidor da CYP3A4 e da glicoproteína P. O boceprevir apresenta como efeitos adversos anemia e disgeusia, e o telaprevir é associado a urticária, exantema, anemia, fadiga, prurido, náuseas e desconforto anorretal. Tanto o boceprevir e o telaprevir não devem ser usados de maneira isolada, em esquema de monoterapia, pois o VHC desenvolve rapidamente resistência. Normalmente, eles são associados na farmacoterapia com o interferon-α e/ou a ribavirina, de modo a diminuir a possibilidade de resistência e aumentar a eficiência do tratamento. Há necessidade de aumentar a dose do telaprevir quando administrado em associação com o efavirenz. 247 FARMACOLOGIA 8 FÁRMACOS ANTINEOPLÁSICOS O primeiro conceito que precisamos rever é o de câncer. O câncer é uma doença genética, não necessariamente, hereditária. Ou seja, alterações em genes resultam na expressão erronêa de proteínas, que levam a um conjunto de doenças em que a principal característica é o crescimento desordenado e potencialmente ilimitado de células existentes em um tecido ou órgão. As células cancerosas violam as regras mais básicas de comportamento celular, por exemplo: elas perdem a inibição por contato, apresentam um aumento na secreção dos fatores de crescimento e de oncogenes e têm a diminuição na expressão dos genes supressores de tumores. O câncer abrange doenças com característica distintas. A grande variabilidade biológica dos tipos de cânceres dificulta a redação de uma abordagem terapêutica única para todos os pacientes, uma vez que existem diferenças na sintomatologia clínica, impacto no hospedeiro e possibilidade de cura ou controle. O êxito terapêutico depende de uma série de fatores, como tecido afetado, extensão do problema, doenças de base do paciente, idade do paciente, entre outros. Embora o objetivo do tratamento do câncer seja a cura, na maioria das vezes, ela ainda não é possível, porém, com o tratamento, pode-se obter prolongamento da sobrevida e qualidade de vida. Os fatores de risco podem ser encontrados no ambiente físico, herdados ou resultado de hábitos ou costumes próprios de um determinado ambiente social e cultural. Didaticamente, os riscos envolvidos na carcinogênese são os de natureza química (consumo exagerado de álcool, tabaco, contato com agentes alquilantes), viral (HPV, hepatite, HIV) e físicos (energia irradiante, UVA, UVB, raios X, raios gama), além de predisposição genética, estresse, envelhecimento. O tabagismo está fortemente relacionado com o câncer de pulmão, faringe e bexiga, e a irradiação solar (raios UVA, UVB e UVC) está diretamente relacionada com os cânceres de pele. Diferentes fatores de risco podem estar envolvidos na origem de uma mesma doença. Estudos mostram, por exemplo, a associação entre álcool, tabaco e o câncer da cavidade oral. O tabagismo e a obesidade, porexemplo, são fatores de risco para diversos cânceres, além de doenças cardiovasculares, metabólicas e respiratórias. No câncer, as primeiras manifestações podem surgir após muitos anos de uma exposição única (radiações ionizantes, por exemplo) ou contínua (no caso da radiação solar ou tabagismo) aos fatores de risco. A exposição solar prolongada sem proteção adequada durante a infância pode ser uma das causas do câncer de pele no adulto. O quadro a seguir mostra alguns dos fatores de risco associados ao desenvolvimento de um câncer. Quadro 45 – Relação entre determinados tipos de cânceres e os seus principais fatores de risco Câncer de pulmão, laringe e bexiga Fumo Câncer de mama Histórico familiar (câncer de mama) Mulheres que nunca engravidaram Mulheres que tiveram o primeiro filho após os 30 anos Câncer de colo de útero Vida sexual precoce e parceiros múltiplos Câncer de cólon e reto Histórico familiar (câncer de intestino, pólipo ou colite ulcerativa) 248 Unidade III Conhecer o perfil dos diferentes tipos de cânceres e caracterizar possíveis mudanças de cenário ao longo do tempo são elementos norteadores para ações de vigilância do câncer – componente estratégico para o planejamento eficiente e efetivo dos programas de prevenção e controle de câncer no Brasil. Saiba mais O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca) em seu site disponibiliza a publicação: BRASIL. Ministério da Saúde. ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer. Rio de Janeiro: Inca, 2019. Disponível em: https:// www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document/livro-abc-5- edicao_2.pdf. Acesso em: 25 jun. 2020. A obra compartilha o conhecimento da instituição nas politicas públicas de prevenção, detecção e controle do câncer com alunos dos cursos da área da saúde. A incidência, a morbidade hospitalar e a mortalidade são medidas de controle para a vigilância epidemiológica que permitem analisar a ocorrência, a distribuição e a evolução das doenças. A base para a construção desses indicadores são os números provenientes, principalmente, dos registros de câncer e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. A tabela a seguir ilustra a incidência estimada conforme a localização primária do tumor e sexo no Brasil em 2020. Tabela 4 – Incidência estimada conforme a localização primária do tumor e sexo, no Brasil em 2020 Homens Mulheres Localização primária Casos (%) Localização primária Casos (%) Próstata 65.840 (29,2%) Mama feminina 66.280 (29,7%) Traqueia, brônquio e pulmão 20.520 (9,15) Cólon e reto 20.470 (9,2%) Cólon e reto 17.760 (7,9%) Colo do útero 16.590 (7,4%) Estômago 13.360 (5,9%) Traqueia, brônquio e pulmão 12.440 (5,6%) Cavidade oral 11.180 (5,0%) Glândula tireoide 11.950 (5,4%) Adaptada de: Inca (2020). No tratamento do câncer, pode-se utilizar diferentes métodos: • tratamento com o uso de radiação (radioterapia); • transplante de medula óssea (aplicado nos casos de anemia aplástica grave, mielodisplasias, leucemia mieloides e linfoide); 249 FARMACOLOGIA • tratamento com hormônios; • uso de fármacos antineoplásicos (quimioterapia). A teleterapia ou braquiterapia parte do princípio de usar radiação para destruir células tumorais e/ou impedir o seu crescimento com o objetivo de melhorar a qualidade de vida do paciente. Por outro lado, a radioterapia apresenta como efeitos colaterais cansaço, perda de apetite e reação na pele. Um dos objetivos primordiais da quimioterapia antineoplásica é criar um evento citotóxico e antiproliferativo na célula tumoral, como a inibição de uma via metabólica essencial à célula tumoral ou a interferência nos processos de tradução, transcrição e replicação do seu código genético (DNA). A alteração nesse ciclo proliferativo da célula tumoral leva-a a apoptose. De modo geral, a terapia antineoplásica apresenta como características a interferência no crescimento tanto em células neoplásicas como normais (geralmente apresentam baixa especificidade) e devem causar um maior dano às células malignas. Observação Segundo a revista The Economist (2017), o gasto do sistema público de saúde brasileiro com o tratamento de câncer (cirurgia, quimioterapia e radioterapia) tende a crescer e alcançou cerca de um bilhão de dólares em 2015. 8.1 Tipos e finalidades da quimioterapia A farmacologia antineoplásica pode ser considerada curativa, adjuvante, neoadjuvante (prévia) e paliativa, dependendo do seu objetivo e do quadro clínico do paciente. A terapia é considerada curativa quando consegue um controle completo do tumor, eliminando a totalidade das células neoplásicas e gerando ao paciente uma maior sobrevida livre da doença. A terapia antineoplásica adjuvante é realizada após uma cirurgia inicial e terá como objetivo erradicar as células tumorais residuais, locais ou circulantes, muitas vezes, indetectáveis, diminuindo assim a probabilidade de metástases. O uso da terapia antineoplásica adjuvante se baseia em critérios como o grau de extensão do tumor, a existência de neoplasias em linfonodos e características histológicas do tumor. De modo geral, a terapia antineoplásica adjuvante tem aumentado a sobrevida dos pacientes livres da doença e o índice de cura em cânceres de mama e coloretal. Outro tipo de tratamento antineoplásico é a terapia neoadjuvante. Nesse caso, a quimioterapia é realizada antes da cirurgia. O princípio do tratamento é ter diminuição da massa tumoral e, desse modo, poder preservar pelo menos parcialmente a função do órgão, devido a uma menor remoção subsequente do órgão. O uso da terapia neoadjuvante tem melhorado a sobrevida dos pacientes com cânceres de mama, cabeça e pescoço, câncer esofágico, de pulmão, bexiga e reto. A terapia neoadjuvante pode apresentar como vantagem a avaliação à resposta ao tratamento: se um tumor primário não responder à terapia, é bem provável que um novo esquema terapêutico deverá ser empregado após a cirurgia, com o objetivo e erradicar possíveis micrometástases. 250 Unidade III A terapia antineoplásica paliativa é aplicada em estágios avançados do câncer, em que a probabilidade de controlar a doença está fora do alcance médico e farmacológico e, nesse caso, o objetivo da terapia não é a cura, mas sim diminuir os sintomas, melhorar a qualidade de vida do paciente e a sobrevida. N úm er o de c él ul as c an ce ro sa s Cirurgia Radioterapia 1012 1010 108 106 104 102 Tempo Câncer detectável Tratamento local Resistência ou toxicidade Morte Paliação Cura Cura Câncer não detectável A B C D Figura 92 – Modelo de matança celular logarítmica do crescimento e regressão tumorais. De acordo com o modelo de matança celular logarítmica, os efeitos da quimioterapia antineoplásica podem ser considerados como um processo de primeira ordem, isto é, uma determinada dose de fármaco mata uma fração constante de células tumorais, e o número de células destruídas irá depender do número total de células remanescentes. As quatro curvas representam quatro possíveis desfechos da terapia antineoplásica. A curva A é a curva de crescimento do câncer não tratado. O câncer continua crescendo com o decorrer do tempo, levando finalmente à morte do paciente. A curva B representa o tratamento local curativo (cirurgia e/ou radioterapia) antes da disseminação metastática da neoplasia maligna. A curva C representa o tratamento local do tumor primário, seguido imediatamente de quimioterapia sistêmica administrada em ciclos (setas para baixo) para erradicar as células cancerosas metastáticas remanescentes. Observe que cada ciclo de quimioterapia reduz o número de células cancerosas por uma fração constante (aqui, em cerca de dois “logs”, ou aproximadamente 99%) e que ocorre algum crescimento do câncer na medida em que os tecidos normais têm tempo para se recuperar entre os ciclos de quimioterapia. A curva D representa o tratamento local seguido de quimioterapia
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