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Artrite reumatoide – Dra. Joara Martins 1 Artrite reumatoide A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória sistêmica crônica, que desencadeia uma inflamação da membrana sinovial com espessamento da sinóvia e aumento do tamanho das articulações. É caracterizada por uma poliartrite erosiva periférica de etiologia desconhecida e multifatorial que pode gerar destruição articular com dor e sequelas, além de envolver a produção de autoanticorpos na maioria dos casos. É uma doença com prevalência de 0,5 a 1% nos adultos, tendo maioria em mulheres na proporção de 3:1, em que a incidência aumenta a partir dos 40 anos – em homens o início antes do 45 anos é incomum. É uma condição que diminui a sobrevida pelo aumento do risco cardiovascular e pode ter impacto direto em fatores como qualidade de vida e na economia. A prevalência da enfermidade é de 2 a 10 vezes maior entre parentes de primeiro grau de pacientes com AR. Fatores de risco: presença do HLA DRB1, doença periodontal (Porphyromonas gingivalis que expressa enzima para citrulinização), infecções por parvovírus, Epstein-Baar, Mycobaterium, estrógeno, entre outros. Fisiopatologia: a patogênese é complexa e multifatorial, tendo participação de fatores genéticos, hormonais e ambientais. Desde a fase pré-articular tem-se perda da autotolerância e autoimunidade induzida por ativação linfocitária inadequada e produção de autoanticorpos. Na fase articular tem-se desequilíbrio entre citocinas pró e anti-inflamatórias e recrutamento articular de macrófagos, neutrófilos, linfócitos, fibroblastos sinoviócitos e condrócitos. A presença de inflamação sinovial e a associação com outros fatores, como tabagismo, infecções e periodontite, promovem a citrulinização de resíduos de arginina em citrulina, esses que poderão ser apresentados para os linfócitos, exacerbando a condição. O principal predisponente genético é o antígeno leucocitário humano (HLA) DRB1 com a região do epítopo compartilhado, essa que é uma sequência de aminoácidos nas APCs que promovem a apresentação dos peptídeos citrulinados para os linfócitos T, esses que serão estimulados após coestimulação pela ligação do CD80/86 com o CD28. Assim, o linfócito será polarizado para Th1 que estimula os linfócitos B a se transformarem em plasmócitos, esses que produzem autoanticorpos e fator reumatoide (IgM contra a fração Fc do IgG), podendo ter a formação de imunocomplexos. Além disso, a polarização para Th17 promove ativação de macrófagos que produzem IL-1 e TNF, esses que inibem os linfócitos Treg e amplificam a inflamação. A prevalência de dois alelos suscetíveis aumentam a suscetibilidade à doença, principalmente na forma grave. Desse modo, tem-se uma inflamação sinovial crônica mediada por IL-17 e TNF-, assim como prostaglandinas e metaloproteínas, em que a sinóvia sofrerá hiperplasia, granulação e destruição (pannus), sendo que o líquido sinovial é predominantemente de neutrófilos. Por fim, pode-se ter destruição da cartilagem e erosão óssea que geram deformidades e incapacidade funcional – isso ocorre já que o TNF estimula os fibroblastos para síntese de colagenases e estimula a reabsorção óssea por elevar a osteoclastogênese . Quadro clínico: dor inflamatória que piora no repouso e apresenta rigidez matinal prolongada (pelo menos meia hora e que melhora ao longo do dia), edema, sensibilidade e tumefação das articulações diartrodiais, simetria no acometimento articular, evolução > 6 semanas, envolvimento preferencial das articulações metacarpofalangianas e interfalangeanas proximais – geralmente poupando as interfalangeanas distais – podendo também acometer as metatarsofalangianas proximais. Na doença tardia geralmente tem-se desvio Artrite reumatoide – Dra. Joara Martins 2 ulnar dos dedos, desvio radial do punho e hipertextensão das interfalangeanas proximais (pescoço de ganso), associada a perda de extensão de punho e pés. O acometimento de articulações esternoclavicular, temporomandibular, cricoaritenoides e sacroilíacas é incomum, podendo ter como manifestações tardias deformidades e atrofia dos músculos interósseos do dorso das mãos. O acometimento axial pode acontecer na coluna cervical, especialmente com instabilidade articulação atlanto-axial (C1-C2) e compressão medular. Algumas outras deformidades podem ser visualizadas, como: Dedos em fuso por tumefação das articulações interfalangeanas proximais; Dedos em pescoço de cisne pela hiperextensão das articulações interfalangeanas proximais e flexão das distais; Dedos em botoeira flexão das interfalangeanas proximais e hiperextensão das distais; Polegares em Z por flexão das metacarpofalangianas. Os nódulos reumatoides ocorrem em cerca de 30% dos pacientes com artrite reumatoide, geralmente em superfícies extensoras, áreas de pressão, pulmão, coração, olhos, entre outros. São nódulos de consistência borrachosa, indolores e de tamanhos variados que geralmente estão associados com fator reumatoide positivo, presou doença severa, podendo também ser secundário à vasculite. É descrito histologicamente como um foco de necrose fibrinoide central circundado por fibroblastos, podendo ter vasculite de pequenos vasos. Inicialmente podem ocorrer outras manifestações sistêmicas pelo quadro inflamatório, como fadiga, mal estar, elevação de temperatura, sudorese, perda de peso, depressão, doença do menisco, bursite, síndrome do túnel do carpo (por compressão pelo edema em decorrência da sinovite). Além disso, como manifestações extrarticulares tem-se: Manifestações pulmonares: frequente porém pouco sintomáticas, podendo ter derrame pleural, fibrose intersticial em bases pulmonares, nódulos pulmonares reumatoides que podem ser solitários ou múltiplos – podendo fistulizar, cavitar e até formar um pneumotórax, bronquite obliterante, síndrome de Caplan com associação de pneumoconiose por inalação de poeiras orgânicas e nódulos reumatoides pulmonares, entre outras. Manifestações cardiovasculares: pericardite, miocardite, endocardite com nódulos reumatoides nas valvas, vasculite reumatoide que pode causar lesões isquêmicas e inflamatórias em pele, pulmões, coração, intestinos, rins, entre outros. A AR também aumenta o risco cardiovascular por inflamação crônica e pode contribuir para o desenvolvimento de aterosclerose e doença arterial coronariana. Mão reumatoide com 3º e 4º dedos em botoeira e 2º e 5º em pescoço de cisne Dedos em pescoço de cisne, polegar em Z e desvio ulnar dos dedos Dedos em fuso, tumefação de 2º e 3º MCF e hipotrofia de mm. interósseos dorsais Artrite reumatoide – Dra. Joara Martins 3 Manifestações neurológicas: a reação inflamatória pode promover compressão nervosa, alteração da nutrição dos nervos e vasculite dos vasa nervorum, essa que se caracterizar desde uma forma sensorial discreta até uma mononeurite múltipla. As formas no SNC envolvem presença de nódulos, mielopatia cervical (C1-C2), além de danos como AVC, convulsões, hemorragias, entre outros. Manifestações hematológicas: anemia de doença crônica (normo-normo), leucopenia por granulocitopenia, trombocitopenia e síndrome de Felty com a tríade de neutropenia, nódulos reumatoides, linfadenopatia e esplenomegalia. Manifestações oftalmológicas: ceratoconjuntivite seca, essa que pode ser associada a um quadro de xerostomia na síndrome de Sjogren secundária. Além disso, pode ocorrer diminuição da secreção lacrimal, alterações corneanas, vasculite retiniana, esclerites, episclerites (camada superficial da esclera), paralisias transitórias do oculomotor, uveíte anterior, entre outros. O uso de antimaláricos também pode contribuir para depósito na mácula e os corticoides podem provocar o aparecimento de catarata e glaucoma. Diagnóstico: o fator reumatoide está presente de 75 a 80% dos pacientes com artrite reumatoide, tendoespecificidade de 82%. O anti- CCP possui especificidade > 90%, sendo raramente encontrado em outras doenças. Todavia, existem pacientes com a doença, mas que são soronegativos para ambos os testes, sendo que esses autoanticorpos estão mais associados com o delineamento de prognóstico e a presença de manifestações extrarticulares. Os marcadores de fase aguda como PCR, VHS e ferritina podem estar elevados, além de ser possível encontrar consumo de frações do complemento, anemia normocrômica normocítica (anemia de doença crônica), leucocitose, trombocitopenia, entre outros. Nos exames de imagem, como a radiografia, numa fase inicial tem-se edema de partes moles, osteopenia periarticular e redução do espaço articular, podendo evoluir para erosões justarticulares. Também podem ser encontrados cistos ósseos pela invasão óssea pelo pannus, deformidades e instabilidades tendinosas. Outros métodos como ressonância magnética e ultrassonografia são mais sensíveis nas fases iniciais da doença. De modo geral, o diagnóstico é clínico e pode ser estratificado por alguns critérios de classificação de acordo com envolvimento articular, resultado das sorologias, provas de atividade inflamatória e duração dos sintomas, sendo que uma pontuação maior ou igual a 6 é necessária para classificação definitiva de AR. Durante o exame físico também pode-se realizar o squeeze test por compressão das articulações metacarpofalangianas, sendo positivo quando o paciente sente dor. Artrite reumatoide – Dra. Joara Martins 4 Na classificação de 1987 do Colégio Americano de Reumatologia, os pacientes devem apresentar 4 dos 7 critérios, sendo que os de 1 a 4 devem estar presentes por um período de no mínimo 6 semanas. Diagnóstico diferencial: artrite viral, endocardite bacteriana, febre reumática, sarcoidose, artrite reativa, artrite psoriásica, hipotireoidismo, LES, síndrome de Sjogren primária, gota tofácea crônica, doença do pirofosfato de cálcio (pseudogota que causa artrite por depósito de cálcio), polimialgia reumática, osteoartrite, entre outros. Tratamento: em caso de suspeita deve-se encaminhar rapidamente para o especialista, devendo iniciar o tratamento mais precocemente possível, a fim de evitar danos e evoluir com melhor prognóstico. A conduta se baseia na metodologia treat to target que busca sempre a remissão da doença ou a baixa atividade. Inicialmente utiliza-se sintomáticos como AINEs e corticoides, associados a drogas modificadoras do curso da doença (DMARDs), em que o metotrexato continua sendo o âncora do tratamento – podendo usar sulfassalazina ou leflunomida em caso de contraindicações. O desmame do corticoide deve ser feito assim que possível para evitar os efeitos colaterais do fármaco. Se houver melhora em 3 meses e alcance do alvo em até seis meses realiza-se redução da dose para manter remissão. Se não houver remissão, os pacientes com fatores de pior prognóstico presentes – como fator reumatoide e anti-CCP em altos títulos, índice de atividade alto com acometimento de várias articulações e erosão óssea inicial – devem receber associação de um DMARD imunobiológico ou de um inibidor da JAK, promovendo redução da dose após 6 meses para sustentar a remissão. Se o paciente não tiver fatores de pior prognóstico, troca-se o DMARD ou adiciona um sintético convencional. Como DMARDs sintéticos cita-se metotrexato, leflunomida, sulfassalazina e hidroxicloroquina**. O metotrexato inibe a síntese do RNA e do DNA por inibir a dihidrofolato redutase, de modo que impedem proliferação celular. A leflunomida inibe a diidro-orotato desidrogenase que é importante para síntese de piridinas, inibindo a expansão clonal dos linfócitos T. Os DMARDS biológicos são anticorpos monoclonais feitos através de engenharia genética por clonagem de linfócitos. Assim, possuem alta especificidade e afinidade, apesar do alto custo de produção e incapacidade de realização de biossimilares integralmente iguais. Como exemplos tem-se Adalimumab, Certolizumab, Etanercept, Golimumab, Abatacept, Rituximab e Tocilizumab Os anti-TNF se ligam ao TNF e inibem sua ação, impedindo a produção de interleucinas inflamatórias, bem como reduzindo a osteoclastogênese e a síntese de colagenases – como Etarnecept, Adalimumab, Golimumab, Certolizumab e eles se diferenciam conforme meia vida e modo de administração. O Certolizumab é menos imunogênico, podendo ser seguro para gestantes, já que não tem Fc e não passa pela placenta. Os anti IL-6, como o Tocilizumab, competem com essa interleucina pelo seu receptor e podem inibir a estimulação de linfócitos T e B. Os anti-CD20 vão promover a depleção de células B e reduzir a produção de anticorpos, como o Rituximab. Os anti coestimuladores de linfócitos T como o Abatacept, se ligam ao CD80/86 e não deixa que o CD28 se ligue ao B7, impedindo a coestimulação. O Tofacitinib é um inibidor da JAK que bloqueia a molécula que transmite o sinal de quando uma citocina se liga à superfície da célula, inibindo a atividade da citocina e, consequentemente, todas elas. Sufixos dos DMARDs ximabe Monoclonal quimérico zumabe Monoclonal com pequena parte não humana humabe Totalmente humano cept Proteína de fusão Artrite reumatoide – Dra. Joara Martins 5
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