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POLÍTICA COMPARADA AULA 4 Profª Karolina Mattos Roeder 2 CONVERSA INICIAL O desenvolvimento da Política Comparada no pós-comportamentalismo Os tempos áureos do comportamentalismo nos EUA foram de 1950 a 1970, aproximadamente. A perspectiva do funcionalismo sistêmico deixou de dar a tônica das análises a partir do momento em que novas perspectivas foram tomadas e uma nova revolução ocorreu. Esse novo grupo era formado por autores do comportamentalismo junto a novas gerações de cientistas que agora pesquisam maiores complexidades das políticas domésticas, tais como presença de clivagens sociais, e o comportamento de massas dentro do sistema partidário, como Lipset e Rokkan (1967), que analisaram a relação das clivagens sociais com o alinhamento do sistema partidário, e Samuel Huntington (1975), que explorou os graus de governo dos países, o desenvolvimento das instituições e a efetividade do sistema político. Esses estudos marcaram uma nova era na Política Comparada, na qual o paradigma passou a ser o neoinstitucionalismo. Esse novo período ainda mantém os conceitos anteriores e os estudos sobre o comportamento dos atores, mas com algumas mudanças, trazendo instituições de volta às análises comparadas. Após esse período, há uma nova revolução científica, em 1989, que configura o atual momento nos estudos de política comparada. Estudaremos nessa aula esses dois períodos e faremos um resumo sobre as principais abordagens utilizadas na Política Comparada. TEMA 1 – A POLÍTICA COMPARADA NO PÓS-COMPORTAMENTALISMO As críticas às pesquisas comportamentalistas começaram logo em sua gênese, e, embora grandes obras tenham sido escritas nesse período, há um declínio desse paradigma e o distanciamento do estrutural-funcionalismo. Os novos trabalhos da década de 1970 já surgiam, trazendo um campo de análises remodelado. As categorias de análise e problemáticas dos comportamentalistas não são deixadas para trás, mas outras, acerca das regras formais, são incorporadas. As instituições são vistas como atores importantes novamente, no entanto, em vez de questões meramente formais, estas são vistas com sua autonomia e a política real. Além disso, são vistas como determinantes da 3 estrutura de oportunidades e os limites dentro dos quais os indivíduos formulam suas preferências. Houve, no comportamentalismo, uma certa abstração dos conceitos e muitas categorias do funcionalismo sistêmico foram contrariadas pelas diferentes estruturas históricas, questões culturais e geográfica, onde o contexto econômico parece ser variável explicativa. Buscaram-se, então, as teorias de médio alcance, sobre alguns países, em contraponto às universalistas (Caramani, 2008). Essas teorias de médio alcance tratavam sobre as relações entre as instituições políticas, o corporativismo com base em uma perspectiva do Estado, sobre a formação do Estado, as revoluções, as variedades da democracia, de autoritarismo, as transições democráticas, os tipos de democracia, sobre militares, partidos políticos, cultura política, grupos de interesse, instituições democráticas, social-democracia, modelos de economia. A ideia é retomar o Estado como um ator autônomo, e assim analisar as relações entre ele e a sociedade (Skocpol, 1985; Munck, 2006). Além disso, pesquisadores quantitativistas desenvolveram estudos sobre opinião pública, democracia e comportamento eleitoral. Aqui foi estabelecida uma divisão entre duas tradições, de pesquisas qualitativas e quantitativas. A primeira era, nesse período, a mais utilizada nos estudos comparados. Houve uma mudança no que diz respeito à diminuição do número de casos a serem comparados. Esse foi um contraponto às comparações em grande escala que se valiam de variáveis universalistas e esse período foi marcado por grande consistência metodológica dos comparatistas. A crítica ao novo método de N pequeno é que a análise de poucos casos não permitiria o impacto de um grande número de variáveis – dilema que Lijphart (1971) chamou de “poucos casos, muitas variáveis”. Lijphart coloca que esse problema metodológico pode ser solucionado com i) o aumento de casos e a ampliação do escopo da comparação, a fim de controlar hipóteses, ii) focar em casos comparáveis (casos que têm semelhanças entre si, mas diferenças entre variáveis primordiais para análise) e reduzir o número de variáveis com o auxílio da fundamentação teórica. TEMA 2 – A POLÍTICA COMPARADA NA ATUALIDADE Ocorre, a partir de 1989 e até os dias atuais, a segunda revolução científica na política comparada, impulsionada pela seção de política comparada 4 da Associação Americana de Ciência Política, com o intuito de sanar a fragmentação induzida por essa área de pesquisa na Ciência Política. Aqui há a influência da teoria da escolha racional, um viés mais economicista nas análises, e o aumento da utilização de recursos estatísticos e em novas questões, como o voto, eleições, formação de governo, política econômica. Com a expansão de conjuntos de dados disponíveis sobre os países, no que diz respeito à infraestrutura de pesquisa quantitativa na comparada, um novo contexto de ampla democratização, novos problemas de pesquisa puderam ser analisados com maior grau de sofisticação. Em relação à abordagem teórica, há maior pluralidade e os estudos não se concentram mais na abordagem estrutural-funcionalista. Atualmente as pesquisas comparadas mobilizam as teorias do institucionalismo da escolha racional, institucionalismo histórico, teoria do jogos e a teoria da escolha racional é vista como uma teoria unificadora, que pode integrar teorias sobre a ação política de diferentes formas (Munck, 2006). As teorias de médio alcance têm sido principalmente sobre os conflitos civis, étnicos, as variações da democracia, instituições eleitorais, partidos políticos, comportamento eleitoral, social, cultura política, economia e formação de políticas, variações do capitalismo, movimentos sociais, etc., e não há uma integração entre elas. O método tem sido comparação com número pequeno de casos, estatísticas de casos nacionais, estudos de caso e teorização formal com auxílio do método quantitativo. Em resumo, desde 1989, tem predominado na agenda a tríade: escolha racional, teoria formal e método quantitativo. Os estudos foram formalizados e utilizados em um grande número de questões, tais como: a globalização, as reformas de mercado, os conflitos étnicos, guerra do Iraque, questão da Palestina, da crise da social-democracia. Esses temas têm orientado estudos comparados, uma vez que não há consenso sobre a questão do neoliberalismo e da globalização. A ênfase é maior na ação dos atores, das escolhas e nas instituições, há o uso de amplos conceitos como democracia e governança em uma grande diversidade institucional (Munck, 2006). Não houve uma transformação da Política Comparada como a que conferimos na revolução comportamentalista no que diz respeito a um grande paradigma e ao recorte empírico. No período atual há maior consciência sobre questões de teoria e métodos e há uma considerável variedade de estudos na área, que são quantitativos, qualitativos, com número de casos que variam e 5 podemos dizer que há uma continuidade na formulação de teorias de médio alcance, com acréscimo de teorias que fazem intercâmbio com a economia (Munck, 2006). 2.1 Para onde vai a política comparada? Como nós podemos ver, o movimento parece ter sido cíclico. No entanto, a Política Comparada não retornou ao ponto de chegada.Apesar do recente estreitamento do escopo e da concentração nas teorias de base da disciplina, a expansão que a área experimentou deixou para trás uma variedade de ideias abordadas pela política comparada e acrescentou outros diversos. Hoje a Política Comparada aborda diferentes tipos de sistemas políticos, guerras em diferentes tipos de regimes, diversas instituições e estruturas (parlamentos, legislação eleitoral, governos), vários atores políticos (movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos, eleitores), valores, cultura e comportamento das formas de comunicação e diferentes tipos de políticas, suas diferenças e impactos (Caramani, 2008). Desde a revolução comportamentalista, os pesquisadores dessa área seguem analisando sistemas políticos principalmente no que diz respeito à interação entre seus atores. O paradigma estrutural-sistêmico de Easton segue sendo utilizado. Nele são incluídos todos os atores e processos dos sistemas políticos e, de um tempo para cá, pesquisadores têm focado a atenção na interação entre sistemas de nações, a dependência entre países e a questão da paz, o que tem aproximado a disciplina das Relações Internacionais (Caramani, 2008). TEMA 3 – OUTRAS ABORDAGENS: POSITIVISMO E CONSTRUTIVISMO Quando tratamos de Política Comparada, precisam ficar claras as diferenças entre as grandes teorias, teorias de médio alcance e perspectivas analíticas. Como vimos, o estrutural-funcionalismo de Almond e Powell Jr. (1972) e a teoria dos sistemas de Easton (1968) são duas grandes teorias, devido a sua abrangência. Essas teorias macro marcaram o desenvolvimento da Política Comparada, já que possibilitaram a abertura do escopo de análise para novos países não ocidentais, quando aplicados os modelos utilizados nas democracias industrializadas, sobre as funções e dinâmicas dos sistemas políticos. Além 6 disso, possibilitaram a análise de outros atores não formais que seria impraticável no velho institucionalismo (Caramani, 2008). No entanto, essas teorias, de tão abrangentes, acabavam por não explicar nada, pois forneciam explicações muito generalistas que não conseguiam predizer tendências sobre seus objetos de estudo. Desde então, passaram a criar e replicar as teorias de médio alcance nas pesquisas, comparações com menor número de casos, com teste de hipótese mais de acordo com a realidade. Veremos neste e nos próximos pontos as abordagens mais comuns utilizadas nas pesquisas comparadas. Lembrem-se de que a comparação é um recurso para testar hipóteses e construir teorias, e para isso podem ser mobilizadas, ao mesmo tempo, várias abordagens teóricas, contanto que haja conhecimento com a especificação de coleta de dados e metodologia que cada uma possui. As duas mais utilizadas no período do comportamentalismo (estrutural-funcionalismo e funcionalismo sistêmico) já vimos ao longo da aula passada. Nesse ponto falaremos mais sobre o Positivismo e Construtivismo, perspectiva de fundo da Ciência Política e da Política Comparada (Caramani, 2008). 3.1 Positivismo A maioria das pesquisas em Ciência Política e comparada são positivistas. O principal suposto do positivismo é que os fenômenos são observáveis e verificáveis da mesma forma por indivíduos diferentes e mensurados do mesmo modo que nas ciências naturais, com medições quantitativas, testes de hipóteses e formação teórica. Aqui o indivíduo é a fonte da ação social (individualismo metodológico). Exemplos: estudos de partidos políticos (Caramani, 2008, p. 48). 3.2 Construtivismo Já o construtivismo não distancia os valores dos fenômenos observados. Essa perspectiva coloca que os fatos são socialmente incorporados e socialmente construídos. Assim, não tem como o pesquisador social ficar de fora dos fenômenos políticos analisados, como um observador objetivo, mas seus próprios entendimentos sociais e culturais são parte dos fenômenos observados. Nessa perspectiva, a ação não é individual, e sim coletiva. Os valores e 7 entendimentos de uma sociedade são dados coletivamente. Exemplos: estudos sobre instituições políticas formais ou processos de governo. TEMA 4 – OUTRAS ABORDAGENS: MARXISMO E CORPORATIVISMO As pesquisas comparadas que utilizam a abordagem marxista costumam analisar o conflito de classes, para verificar as diferenças entre os sistemas políticos. As análises marxistas costumam oferecer predições empíricas sobre as diferenças entre sistemas e postulam um padrão de desenvolvimento por meio da revolução e ditadura do proletariado. Já o corporativismo destaca o papel central das interações, mediações entre a sociedade, o Estado e o governo, com foco no papel dos interesses sociais na influência de políticas públicas. O corporativismo é um sistema de representação de interesses que são reconhecidos pelo Estado e que disputam por políticas, sendo ele um sistema, ao mesmo tempo, de formulação de políticas e de intermediação de interesses (Caramani, 2008). TEMA 5 – OUTRAS ABORDAGENS: INSTITUCIONALISMO E GOVERNANÇA Há várias abordagens para o institucionalismo, e todas focam no papel central das estruturas institucionais no comportamento dos indivíduos e na formação de políticas. As instituições também podem ser definidas, além dos padrões institucionais formais, por suas regras e rotinas. A abordagem da governança é mais próxima ao estrutural-funcionalismo, tanto em generalização quanto em escopo. Essa abordagem define que determinadas tarefas devem ser realizadas para governar uma sociedade (possibilitar o governo) e postula que estas podem ser realizadas de diversas maneiras. Os estudiosos da governança estão preocupados nos papéis que os atores sociais podem desempenhar no processo de elaboração e implementação de decisões políticas (Caramani, 2008, p. 48). NA PRÁTICA Vimos ao longo das aulas como a democracia foi temática das pesquisas comparadas ao longo da história da disciplina, desde a sua origem institucional. O que tem motivado muitas análises são as diferenças entre as democracias no mundo, no que se refere às formas e aos níveis. Confira a matéria de Pâmela 8 Carbonari (2018) sobre o índice de democracia nos países do mundo em 2017 e reflita sobre teorias para abordagem, bem como a escolha de países para uma comparação hipotética. Além disso, confira, naquela pesquisa, quais variáveis foram mobilizadas na comparação. FINALIZANDO Analisamos nesta aula as duas evoluções ocorridas na Política Comparada após a revolução comportamentalista. Vimos que a abordagem comportamentalista e a estrutural-funcionalista sofreram com a expansão de seus limites geográficos e foram deixadas de lado a partir de 1970. Desde então, teorias de médio alcance foram criadas e utilizadas por meio de replicações, testes de hipóteses, e se mostraram mais profícuas para a comparação política. Vimos também algumas das principais abordagens teóricas para pesquisas comparadas na política, quais sejam: marxismo, corporativismo, institucionalismo, governança e os mais abrangentes, que emprestam seus pressupostos de fundo: positivismo e construtivismo. 9 REFERÊNCIAS ALMOND, G. A.; POWELL JÚNIOR, G. B. Uma teoria de política comparada. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. CARAMANI, D. Comparative politcs. Oxford, 2008. CARBONARI, P. Só 11% dos países do mundo têm democracia plena. Revista Superinteressante. 2018. Disponível em: <https://super.abril.com.br/sociedade/so-11-dos-paises-do-mundo-tem- democracias-plenas/>. Acesso em: 6 jun. 2018. EASTON, D. Uma teoria de análise política. Biblioteca de Ciências Sociais. Sociologia e Política,1968. HUNTINGTON, S. P. A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1975. LIJPHART, A. Comparative politcs and the comparative method. The American Political Science Review, 65(3), 1971. LIPSET, S. M.; ROKKAN, S. Clevage structures, party systems, and voter alignments: an introduction arty systems and voter alignments: cross-national perspectives. New York: Free Press, 1967. MUNCK, G. L. The past and present of comparative politics. Passion, craft and method. Comparative Politics, 7 (October 2006), 1-44. Disponível em: <http://matthewcharleswilson.com/Munck%202006.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2018. SKOCPOL, T. Bringing the state back. In: Strategies of analysis in current research. In: P. B. E. D. Rueschemeyer & T. skocpol (Ed.). Bringing the state back. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. Disponível em: <https://doi.org/10.1017/CBO9780511628283>. Acesso em: 6 jun. 2018.
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