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O impacto da fortificação de alimentos na prevenção da deficiência de ferro The impact of food fortification on the prevention of iron deficiency REVISTA BRASILEIRA DE HEMATOLOGIA E H E M O T E R A P I A REVISTA BRASILEIRA DE HEMATOLOGIA E H E M O T E R A P I A Eliana P. Vellozo1 Mauro Fisberg2 Dentre as estratégias utilizadas para a prevenção da carência de micronutrientes, principalmente a anemia carencial ferropriva, considerada distúrbio nutricional de maior prevalência mundial, aponta-se a fortificação de alimentos como prioritária em termos de custo benefício. Vem sendo adotada nas últimas décadas em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ressalta-se que a efetivação das medidas nesses países foram obtidas somente a partir de decisões políticas que culminaram no caráter compulsório da fortificação. Dessa forma, diversos alimentos têm sido utilizados para a fortificação, mostrando-se eficientes, bem aceitos e tolerados, não exigindo necessa- riamente a cooperação do beneficiário. A adição de nutrientes deve ocorrer em alimen- tos que efetivamente participem da alimentação da região, com regularidade, e após avaliação do estado nutricional da população alvo. E ainda, todo programa de fortifi- cação deve ser monitorado, o alimento a ser fortificado deve ser consumido em quan- tidades que não apresentem variação considerável de um indivíduo para o outro, não sofrer mudanças importantes em suas características sensoriais (cor, odor e sabor), não alterar o seu custo final e imprescindível comprovação de sua efetividade através de estudos científicos. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. Palavras-chave: Anemia ferropriva; deficiência de ferro; alimentos fortificados. Introdução A Nutrição exerce um papel extremamente importante e definitivo na promoção da saúde de uma população, o que lhe atribui caráter essencial no planejamento de ações e pro- gramas em saúde pública. Uma alimentação nutricionalmente adequada, durante a infância e adolescência, propicia o cres- cimento e desenvolvimento de acordo com o potencial gené- tico, menor risco de doenças na fase adulta e senil e melhor qualidade de vida. Entretanto, várias situações podem impedir que esse objetivo seja alcançado, como os erros e restrições alimenta- res, o inadequado aproveitamento dos nutrientes, a hipera- tividade, aumento das demandas nutricionais, situações 1Nutricionista. Pesquisadora, supervisora do Ambulatório de Adolescência Geral e Obesidade do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo/EPM. 2Médico pediatra. Coordenador clínico e professor associado do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo. Professor orientador da Pós-Graduação em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria da Universidade Federal de São Paulo/EPM. Coordenador científico da Força Tarefa Estilos de Vida Saudável ILSI Brasil. Correspondência: Mauro Fisberg Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente Rua Botucatu, nº 715 – Vila Clementino Tel.:/Fax.: (55 11) 5576-4360 04023-062 – São Paulo-SP – Brasil E-mail: mauro.fisberg@gmail.com patológicas instaladas, processos infecciosos, o metabolis- mo individual e a depleção de reservas. Devemos considerar que a alimentação é fundamental para a prevenção das deficiências nutricionais, mas, quando estas se fazem presentes, exercem um efeito direto tanto para o indivíduo como para o País. Os conhecimentos disponí- veis sobre a participação dos micronutrientes em várias fun- ções primordiais e o impacto que exercem sobre o metabolis- mo intermediário têm despertado interesse da comunidade científica pela investigação do estado nutricional de micro- nutrientes em outros segmentos populacionais, objetivando subsidiar estratégias de intervenção nutricional. As evidências acumuladas sugerem importante papel das deficiências de micronutrientes como fator predispo- Rev. Bras. Hematol. Hemoter. Vellozo EP et al nente, agravante na fisiopatologia de diversas doenças crô- nicas não transmissíveis, como as doenças cardiovasculares, a hipertensão, o diabete mellitus, a obesidade, alguns tipos de câncer, a osteoporose, entre outras enfermidades.1 Esses achados estão contribuindo para a valorização da prática clínica da avaliação do estado nutricional, além de apontar para a necessidade de uma maior ênfase no protoco- lo de nutrição, objetivando o aumento do consumo de micro- nutrientes pela população. Com relação à deficiência de ferro no Brasil, causa mais comum da anemia, várias pesquisas têm demonstrado sua alta prevalência na população. Sabe-se que, além dos fatores determinantes dessa grave situação, a manifestação sistêmica mais preocupante da anemia ferropriva é, contudo, o compro- metimento no desenvolvimento cognitivo, comportamental, e na coordenação motora não só pelo menor índice de sus- peita como também pela dificuldade diagnóstica, severidade e apresentação tardia.2 No mais extenso estudo longitudinal (19 anos) publi- cado até o momento, na Costa Rica, os autores indicam que lactentes anêmicos avaliados depois de prolongado e efeti- vo tratamento, comparados com controles não anêmicos, continuam a apresentar menores escores em testes moto- res, pior desempenho cognitivo e de aprendizado e maior frequência de distúrbios comportamentais até a adolescên- cia, independentemente de outros fatores associados à anemia.3 Foi estimado para dez países em desenvolvimento (Bangladesh, Índia, Paquistão, Mali, Tanzânia, Egito, Omã, Bolívia, Honduras e Nicarágua) que as perdas anuais decor- rentes da diminuição da produtividade física devido à defi- ciência de ferro sejam 3,64 USD por pessoa, ou 0,81% do PIB, e que a mediana das perdas físicas e cognitivas seja 16,78 USD por pessoa ou 4,05% do PIB. Calcula-se que a perda de produtividade associada à anemia seja 5% em trabalhos leves, 17% para trabalhos pesados e 4% quando se envolvem todos os tipos de trabalhos.4 Além da diminuição da produtividade, existe um custo para o poder público e privado com as medidas terapêuticas no combate à anemia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) questiona a possibilidade da formação de capital humano não qualificado, em longo prazo, devido ao menor desenvol- vimento mental em crianças com anemia. E ainda propõe a graduação da anemia com relação ao nível de significância em saúde publica para os diversos países em:5 Leve – quando a prevalência situa-se entre 5% e 19,9%; Moderada – com prevalência entre 20% e 39,9%; Severa – quando a prevalência for igual ou maior que 40% . Prevenção atual no combate à anemia ferropriva A anemia por deficiência de ferro é uma epidemia global que requer ação urgente. Por isso, várias abordagens para o seu combate têm sido estudadas e aplicadas. Existem várias estratégias as quais podem ser utilizadas para contribuir na diminuição e prevenção e tratamento da anemia, mas a abor- dagem atual consiste em três eixos: (1) na diversificação alimentar com ênfase nos alimentos de melhor biodispo- nibilidade, (2) suplementação medicamentosa e (3) fortifi- cação de alimentos, sendo que cada uma oferece vanta- gens distintas, principalmente quando se pretende alcan- çar populações específicas. Desse modo, tais medidas não devem ser concedidas isoladamente, mas sim como compo- nentes essenciais de um programa, cujo objetivo é aumen- tar o aporte de ferro. Diversificação alimentar A diversificação alimentar refere não só ao acesso ao alimento, mas, também, a outros fatores, como a condi- ção econômica para adquiri-lo, biodisponibilidade e apro- veitamento do ferro ingerido diretamente ligados ao hábi- to alimentar. Dependendo da forma como este mineral é encontrado no alimento, pode haver diferenças muito gran- des entre eles, pela relação com os fatores estimuladores e inibidores de sua utilização presentes numamesma refei- ção. Com base nos estudos de absorção de ferro, foram de- senvolvidos alguns algoritmos para predizer a biodisponi- bilidade na alimentação. Monsen6 apresenta um algoritmo em que, a partir da concentração de ácido ascórbico e do total de carne de uma refeição e, evidentemente, do total de ferro heme e não heme, pode-se inferir a porcentagem de ferro biodisponível, considerando três níveis de reserva de ferro – baixa, média e alta biodisponibilidade. Suplementação medicamentosa A implementação do programa de suplementação medicamentosa, para grupos etários específicos, embora efi- caz, apresenta algumas desvantagens. A necessidade de uso prolongado, dificuldade de acesso ao medicamento, distri- buição inadequada pela rede de saúde, sabor metálico e pou- co agradável, possibilidade de efeitos colaterais, como escurecimento dos dentes, fezes e varias alterações gastrin- testinais, como diarreias, vômitos, náuseas, flatulência e obstipação, levam ao abandono do tratamento, restringindo a efetividade dessa forma de prevenção. Considera-se que a suplementação medicamentosa possua também, como limitações, o fato de não envolver todos os grupos de risco para anemia e de depender do co- nhecimento e motivação dos profissionais de saúde7,8,9 e, ainda, o insuficiente suporte e a falta de monitoramento. De acordo com Olivares,10 a suplementação profilática de ferro é um método útil que deve ser indicado quando a população de risco não tiver acesso a alimentos fortificados, ou, ainda, quando há requerimentos nutricionais muito ele- Velloso EP et al Rev. Bras. Hematol. Hemoter. vados; nesse caso, é recomendável a utilização por curto período de tempo. O autor sugere ainda a necessidade de motivação e educação adequadas como uma medida neces- sária para aumentar a efetividade dessa estratégia. Fortificação alimentar Princípios básicos da fortificação de alimentos A fortificação é largamente considerada como sendo a mais prática abordagem e a que apresenta melhor relação custo-efetividade a médio e longo prazos.11 Alterações no padrão do consumo alimentar, o aumento da ingestão de ali- mentos industrializados, juntamente com as perdas nutri- cionais durante seu processamento e armazenamento, têm levado à prática de adição de vitaminas e minerais aos ali- mentos processados, de modo a reduzir as deficiências da população, além de eficaz estratégia para contribuir na pre- venção e diminuição da anemia ferropriva em vários países desenvolvidos. Vários países da América do Sul e Central também ins- tituíram a fortificação de alimentos como recurso de combate às deficiências nutricionais. Países como Costa Rica, Chile, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Pana- má, Porto Rico, entre outros, possuem políticas de enriqueci- mento. A efetivação das medidas foi obtida somente a partir de decisões políticas que culminaram no caráter compulsório da fortificação. Segundo a Food and Drug Administration (FDA),12 ali- mentos enriquecidos, fortificados e com vitaminas agrega- das são termos semelhantes que podem ser utilizados como alternativa para a adição de uma ou mais vitaminas, minerais ou proteínas ao alimento. Para a adição ou fortificação de nutrientes essenciais aos alimentos, o Food and Agriculture Organization/World Health Organization Standardization Food Program13 estabe- leceu alguns princípios gerais: • Os nutrientes essenciais devem estar presentes em um nível que não irá resultar em uma ingestão excessiva ou insignificante do nutriente adicionado, considerando a quan- tidade obtida de outras fontes na dieta; • A adição de um nutriente essencial para uma ali- mentação não deve resultar em um efeito adverso sobre o metabolismo de qualquer outro nutriente; • Os nutrientes essenciais devem ser suficientemen- te estáveis nos alimentos, nas condições usuais de embala- gem, armazenamento, distribuição e utilização; • Os nutrientes essenciais devem ser biologicamente disponíveis no alimento; • Os nutrientes essenciais não devem transmitir ca- racterísticas indesejáveis ao alimento e não devem indevida- mente encurtar a vida de prateleira; • Tecnologia e instalações de processamento devem estar disponíveis para permitir a adição de nutrientes essen- ciais de forma satisfatória; • A adição de nutrientes essenciais aos alimentos não deve ser usada para ludibriar o consumidor quanto ao valor nutricional dos alimentos; • O custo adicional deve ser razoável para o consu- midor a que se destina; • Métodos de medição e controle dos níveis de nutri- entes essenciais adicionados nos alimentos devem estar dis- poníveis; • Devem ser previstos, em normas alimentares, regu- lamentos ou orientações para a adição de nutrientes essenci- ais aos alimentos, disposições específicas identificando os nutrientes essenciais a serem considerados, ou que sejam necessários, e os níveis em que eles devem estar presentes nos alimentos para alcançar sua finalidade. Fortificação de alimentos no Brasil No Brasil, o Ministério da Saúde14 por meio da Secreta- ria de Vigilância Sanitária, baixou a Portaria nº 31, de 13 de janeiro de 1998, com o objetivo de fixação da identidade e das características mínimas de qualidade dos alimentos adicio- nados de nutrientes essenciais, dentre as ações voltadas para a prevenção e controle da anemia ferropriva. O processo de fortificação/enriquecimento, ou simples- mente de adição, é aquele no qual se acresce ao alimento de acordo com parâmetros legais, um ou mais nutrientes, conti- dos ou não naturalmente no mesmo, com o objetivo de refor- çar seu valor nutritivo, inclusive aquele eventualmente per- dido no processamento industrial, e prevenir ou corrigir al- guma deficiência em um ou mais nutrientes na alimentação da população em geral ou de seus grupos de risco. Após este processo, o alimento é dito fortificado/ enriquecido, ou simplesmente adicionado de nutrientes, conforme o teor de nutrientes acrescido. Logo, deve ficar claro que alimento fortificado/enriquecido é diferente de alimento adicionado. O alimento pronto para consumo em 100 mL ou 100 g deve fornecer, em relação à IDR (Ingestão Diária Recomendada), de referência: • mínimo de 15% para alimentos líquidos e 30% no caso de alimentos sólidos é considerado fortificado/enrique- cido e podendo ser declarado no rótulo o dizer: "alto teor" ou "rico" (conforme o Regulamento Técnico de Informação Nutricional Complementar). Em maio de 1999, o governo brasileiro, sociedades civis e científicas, organismos internacionais, indústrias de alimen- tação e o setor produtivo firmaram o Compromisso Social para a redução da anemia por carência de ferro no Brasil, propondo a adição de ferro das farinhas de trigo e milho, por serem dois produtos de amplo consumo popular, de baixo custo no Brasil e consumido por crianças a partir do des- mame.15 No entanto, foi no ano de 2000 que o Ministério da Saúde solidificou essa proposta através da Resolução nº 15 de 21 de fevereiro.16 Apenas em 18/12/2002 foi aprovado o Regulamento Técnico que tornou obrigatória a fortificação das farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico, através da Resolução RDC nº 344 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sani- tária), do Ministério da Saúde. Essa medida compulsória, desde junho de 2004, esta- belece que cada 100 g do produto deve fornecer, no mínimo, 4,2 mg de ferro, o que representa 30% da IDR de adulto, e 150 mcg de ácido fólico, o que corresponde a 37% da IDR de adulto.17 E ainda em 11/08/2009 institui a Comissão Interinsti- tucional para Implementação, Acompanhamento e Monitora- mento das Ações de Fortificação de Farinhas de Trigo, de Milho e de seus Subprodutos, através da Portaria nº 1.793.18 Tipos de fortificação Atualmente a OMS reconhece quatro categorias de fortificação, são elas: 1) Fortificação universal ou em massa: geralmente ocor- re de forma obrigatória e consistena adição de micronutrientes a alimentos de consumo pela maioria da população. É indicada em países onde vários grupos populacionais apresentam ris- co elevado para deficiência de ferro; 2) Fortificação em mercado aberto: iniciativas das in- dústrias de alimentos, com o objetivo de agregar maior valor nutricional aos seus produtos; 3) Fortificação focalizada ou direcionada: que visa o consumo dos alimentos enriquecidos por grupos popula- cionais de elevado risco de deficiência e esta pode ser obrigatória ou voluntária, de acordo com a significância em termos de saúde publica; 4) Fortificação domiciliar comunitária: tem sido consi- derada e explorada em países em desenvolvimento. Pode ter sua composição programada, é de fácil aceitação pelo público alvo, porém, apresenta ainda custo elevado, diferente das outras formas e requer que a população seja orientada. Neste tipo de fortificação geralmente são adicionados suplementos às refeições. Estão incluídos principalmente os sprinkles, que são micronutrientes pulverizados sobre os alimentos, e os spreads, geralmente uma composição densa em gordura e micro- nutrientes, visando também a recuperação nutricional. Pesquisas quanto à biofortificação, ou a modificação genética de plantas, como arroz e feijão, milho e outros ali- mentos, encontram-se em fase de estudos e podem vir a ser outra possibilidade de levar alimentos mais ricos em micro- nutrientes à população.19 Biodisponibilidade de ferro e sais de ferro A biodisponibilidade do ferro presente na refeição de- pende dos fatores intrínsecos e extrínsecos. Os fatores in- trínsecos estão relacionados com as mudanças fisiológicas que ocorrem no organismo, como idade, sexo, necessidades do individuo, doenças e outros. Os fatores extrínsecos estão relacionados diretamente com a alimentação do indivíduo. Dessa forma, a biodisponibilidade dos minerais pode sofrer influências negativas, pela presença de fitatos, polife- nóis, oxalatos, taninos e flavonoides, ou positivas, pela pre- sença de ácido ascórbico, inicialmente citado, ácido cítrico, lactose e frutose. O efeito negativo dos fitatos e de outros componentes associados à fração fibra alimentar na absor- ção de alguns minerais foi reavaliado a partir do momento em que se levou em consideração a passagem destes complexos para as porções distais do intestino.20 Pela fermentação bacteriana, frutooligossacarídios e inulina, galactoligossacarídios, lactulose e outros oligossa- carídios resistentes, bem como polióis e amidos resistentes à digestão no intestino delgado, são intensamente metabo- lizados, proporcionando desta forma ambiente favorável para absorção destes minerais no intestino grosso.21,22 Esses efeitos, no entanto, estão intimamente relacionados à natureza do carboidrato fermentável e à concentração do mineral, ambos parecem ser influenciados pela matriz alimentar. Portanto, o consumo de prebióticos, como inulina, oligofrutose, frutooligossacarídios (FOS), glicoligossa- carídios e galactoligossacarídios, estimulam a absorção e retenção de minerais, em particular o cálcio, magnésio e ferro. Estes têm sido amplamente investigados e demonstrados pela utilização de diferentes protocolos experimentais.23-26 Porém, a maioria dos experimentos foi realizada em ratos. Essa observação da relação benéfica entre prebióticos, quanto à absorção de minerais, mostra-se adequada como ingredientes inovadores para utilizações em formulações de alimentos enriquecidos também com ferro. Quanto à escolha da fonte de ferro para fortificar um produto alimentício, esse é um grande desafio, pois o ferro é o micronutriente que possui a maior complexidade técnica, e as formas de ferro de maior biodisponibilidade são altamente reativas e tendem a produzir alterações nas características organolépticas dos alimentos, limitando a quantidade de fer- ro a ser adicionada na fortificação. Os principais compostos de ferro utilizados na fortifi- cação de alimentos são: • Compostos solúveis em água, como o sulfato ferroso, gluconato ferroso e o lactato ferroso, são considera- dos ferro de alta biodisponibilidade, mas apresentam a grande desvantagem de interagirem com a matriz alimentar, princi- palmente modificando suas características sensoriais, poden- do-se utilizá-los apenas para fortificar alimentos estocados por curtos períodos. O sulfato ferroso apresenta boa esta- bilidade, e os efeitos do processamento e cozimento são desprezíveis;27 os alimentos fortificados mais comuns en- contrados com esse tipo de sal são as fórmulas infantis, massas, farinhas de cereais28 e farinhas de panificação. • Compostos pouco solúveis em água e solúveis em ácidos diluídos, como o fumarato e o succinato ferroso. Ge- Rev. Bras. Hematol. Hemoter. Vellozo EP et al ralmente não causam tantas alterações organolépticas e são mais utilizados em cereais infantis e achocolatados em pó. • Compostos insolúveis em água e fracamente solú- veis em soluções ácidas diluídas, tais como o pirofosfato férrico, ortofosfato, ferro elementar, eletrolítico, carbonila e H- reduzido. Não sofrem alterações nas características organolépticas, mas apresentam a grande desvantagem de possuir baixa biodisponibilidade do ferro, uma vez que não são diluídos no suco gástrico.29 • Compostos protegidos apresentam a vantagem de serem mais resistentes às influências do meio, diminuindo as interações com outros nutrientes e ingredientes. Melhoram a retenção do mineral no produto final, possibilitando melhora na biodisponibilidade. São eles quelatos de aminoácidos, compostos encapsulados (sulfato ferroso, fumarato ferroso) e ácido etilenodiamino tetraacético de sódio e ferro (NaFeEDTA). Uma pesquisa realizada por Latorre, em 2005,30 com representatividade de aproximadamente 60% do mercado bra- sileiro de farinhas de trigo, constatou, dentre outros, que o ferro reduzido é o produto mais utilizado pelos moinhos, para fortificar as farinhas de trigo de uso industrial e doméstico, devido ao baixo custo.A nossa experiência com fortificação de alimentos nos faz acreditar que o tema ainda é uma vertente a ser discutida tanto no meio acadêmico quanto governamental e institucional, de modo a estabelecer medidas de prevenção e controle da anemia nos diferentes estratos da população. Contudo, tal discussão necessita ser embasada em certos preceitos, com o objetivo de formatar um programa de fortificação efetivo seja em termos de saúde e custo x benefício. E os aspectos a considerar são: a) análise da situação epidemiológica/etiologia da anemia; b) identificação de grupo alvo; c) decisão sobre freqüência da ingestão, dosagem, duração da suplementação; d) apresentação do produto; e) custo; f) formas de distribuição; g) recursos humanos (quantidade, tempo, capacitação); h) comunicação; i) possíveis efeitos adversos negativos (clínicos, sociais, culturais); j) monitoramento e avaliação dos programas, de modo a acompanhar: (1) o estado nutricional, (2) a qualidade da alimentação consumida; (3) o desempenho de alimentos enri- quecidos com ferro na concentração das frações sanguíneas; (4) a eficácia do alimento enriquecido na prevenção da deficiência de ferro. Considerações finais Para que a fortificação de alimentos possa ser uma me- dida bastante eficaz no combate à deficiência de ferro, deve- se priorizar a seleção do alimento que será veículo do micronutriente, para que faça parte do hábito alimentar da população e abranja grande parte da mesma; propiciar que o consumo do alimento seja regular, mas sem que haja risco de excessos, para evitar eventuais efeitos tóxicos; manter as características e aceitabilidade do alimento após a fortifica- ção, para evitar sua rejeição, e ainda propiciar que o alimento fortificado tenha baixo custo, para evitar que não possa ser adquirido. No entanto, essa introdução deve ser totalmente am- parada e acompanhada por dispositivos técnicos e legais,e estudos que comprovem sua necessidade, de forma segura às populações de risco. Estes estudos devem abranger a identificação da prevalência da anemia, a avaliação do esta- do nutricional periodicamente, a adequação tecnológica, para assegurar que o micronutriente esteja disponível e seja con- sumido pela população alvo e o monitoramento constante nos programas de intervenção. Abstract Among strategies used for the prevention of micronutrient deficiencies, especially iron-deficiency anemia, considered the most prevalent nutritional disorder worldwide, food fortification is a priority in terms of cost benefit. In recent decades food fortification policies have been adopted in many developed and developing countries. The introduction of such measures was achieved only by political decisions that culminated in enforced fortification. Thus, several foods are efficiently used for fortification as they are well accepted and tolerated and do not necessarily require the cooperation of the recipient. Addition of nutrients should occur in foods that are regularly eaten in the specific region after assessment of the nutritional status of the target population. Every food fortification program should be monitored as fortified foods should: 1. be consumed in quantities that do not vary greatly between individuals; 2. not have significant changes in color, odors or taste; 3. not be significantly more expensive; and 4. have had their effectiveness proven by scientific studies. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. Key words: Anemia; iron deficiency. Referências Bibliográficas 1. Lima APT, Silva NSE, Souza LB, Ramalho RA. Avaliação do estado nutricional de vitamina A em pacientes com doença cardiovascular e ou fatores de risco para esta doença. Rev Bras Epidemiol. 2004; 36 (4):240-7. 2. Stoltzfus RJ. Iron-deficiency anemia: reexamining the nature and magnitude of the public health problem. Summary: implications for research and programs. J Nutr. 2001;131(2S-2):697S-700S. 3. Lozoff B. 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São Paulo; 2005. Doutorado [Tese] - Univer- sidade de São Paulo. O tema foi sugerido e avaliado pelo coeditor deste fascículo educativo, Rodolfo Delfini Cançado, e pelo board interno da RBHH, e publicado após a concordância do editor, Milton Artur Ruiz. Suporte financeiro: O professor Fisberg recebeu auxílios viagem e presta assessoria nutricional ocasional a Abbott, Danone, Kraft, Nestlé, Purac, Mantecorp e Nycomed. Recebido: 20/12/2009 Aceito: 16/01/2010 Rev. Bras. Hematol. Hemoter. Vellozo EP et al << /ASCII85EncodePages false /AllowTransparency false /AutoPositionEPSFiles true /AutoRotatePages /All /Binding /Left /CalGrayProfile (Dot Gain 20%) /CalRGBProfile (sRGB IEC61966-2.1) /CalCMYKProfile (U.S. Web Coated \050SWOP\051 v2) /sRGBProfile (sRGB IEC61966-2.1) /CannotEmbedFontPolicy /Warning/CompatibilityLevel 1.4 /CompressObjects /Tags /CompressPages true /ConvertImagesToIndexed true /PassThroughJPEGImages true /CreateJDFFile false /CreateJobTicket false /DefaultRenderingIntent /Default /DetectBlends true /ColorConversionStrategy /LeaveColorUnchanged /DoThumbnails false /EmbedAllFonts true /EmbedJobOptions true /DSCReportingLevel 0 /EmitDSCWarnings false /EndPage -1 /ImageMemory 1048576 /LockDistillerParams false /MaxSubsetPct 100 /Optimize true /OPM 1 /ParseDSCComments true /ParseDSCCommentsForDocInfo true /PreserveCopyPage true /PreserveEPSInfo true /PreserveHalftoneInfo false /PreserveOPIComments false /PreserveOverprintSettings true /StartPage 1 /SubsetFonts true /TransferFunctionInfo /Apply /UCRandBGInfo /Preserve /UsePrologue false /ColorSettingsFile () /AlwaysEmbed [ true ] /NeverEmbed [ true ] /AntiAliasColorImages false /DownsampleColorImages true /ColorImageDownsampleType /Bicubic /ColorImageResolution 300 /ColorImageDepth -1 /ColorImageDownsampleThreshold 1.50000 /EncodeColorImages true /ColorImageFilter /DCTEncode /AutoFilterColorImages true /ColorImageAutoFilterStrategy /JPEG /ColorACSImageDict << /QFactor 0.15 /HSamples [1 1 1 1] /VSamples [1 1 1 1] >> /ColorImageDict << /QFactor 0.15 /HSamples [1 1 1 1] /VSamples [1 1 1 1] >> /JPEG2000ColorACSImageDict << /TileWidth 256 /TileHeight 256 /Quality 30 >> /JPEG2000ColorImageDict << /TileWidth 256 /TileHeight 256 /Quality 30 >> /AntiAliasGrayImages false /DownsampleGrayImages true /GrayImageDownsampleType /Bicubic /GrayImageResolution 300 /GrayImageDepth -1 /GrayImageDownsampleThreshold 1.50000 /EncodeGrayImages true /GrayImageFilter /DCTEncode /AutoFilterGrayImages true /GrayImageAutoFilterStrategy /JPEG /GrayACSImageDict << /QFactor 0.15 /HSamples [1 1 1 1] /VSamples [1 1 1 1] >> /GrayImageDict << /QFactor 0.15 /HSamples [1 1 1 1] /VSamples [1 1 1 1] >> /JPEG2000GrayACSImageDict << /TileWidth 256 /TileHeight 256 /Quality 30 >> /JPEG2000GrayImageDict << /TileWidth 256 /TileHeight 256 /Quality 30 >> /AntiAliasMonoImages false /DownsampleMonoImages true /MonoImageDownsampleType /Bicubic /MonoImageResolution 1200 /MonoImageDepth -1 /MonoImageDownsampleThreshold 1.50000 /EncodeMonoImages true /MonoImageFilter /CCITTFaxEncode /MonoImageDict << /K -1 >> /AllowPSXObjects false /PDFX1aCheck false /PDFX3Check false /PDFXCompliantPDFOnly false /PDFXNoTrimBoxError true /PDFXTrimBoxToMediaBoxOffset [ 0.00000 0.00000 0.00000 0.00000 ] /PDFXSetBleedBoxToMediaBox true /PDFXBleedBoxToTrimBoxOffset [ 0.00000 0.00000 0.00000 0.00000 ] /PDFXOutputIntentProfile () /PDFXOutputCondition () /PDFXRegistryName (http://www.color.org) /PDFXTrapped /Unknown /Description << /FRA <FEFF004f007000740069006f006e00730020007000650072006d0065007400740061006e007400200064006500200063007200e900650072002000640065007300200064006f00630075006d0065006e00740073002000500044004600200064006f007400e900730020006400270075006e00650020007200e90073006f006c007500740069006f006e002000e9006c0065007600e9006500200070006f0075007200200075006e00650020007100750061006c0069007400e90020006400270069006d007000720065007300730069006f006e00200061006d00e9006c0069006f007200e90065002e00200049006c002000650073007400200070006f0073007300690062006c0065002000640027006f00750076007200690072002000630065007300200064006f00630075006d0065006e007400730020005000440046002000640061006e00730020004100630072006f0062006100740020006500740020005200650061006400650072002c002000760065007200730069006f006e002000200035002e00300020006f007500200075006c007400e9007200690065007500720065002e> /ENU (Use these settings to create PDF documents with higher image resolution for improved printing quality. 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