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AULA 3 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E COMPETITIVIDADE Prof. Glavio Leal Paura 2 TEMA 1 – PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E O NEGÓCIO Anteriormente, vimos que o planejamento estratégico tem como produto um plano para ação, pois é uma formulação de estratégias que necessitam de implantação para que a organização possa atingir o objetivo desejado. De acordo com Chiavenato (2020), os responsáveis pela implantação do plano estratégico devem conhecer muito bem o ambiente externo e interno da empresa, sabendo implementar as estratégias traçadas por meio de programas específicos, para que possam ser desenvolvidas de forma satisfatória, uma vez que o processo é perfeitamente mutável para se adaptar a qualquer novidade que apareça no intervalo de tempo entre a formulação e a implementação. Isso requer um grande esforço e entendimento de todos os envolvidos e a utilização de modelos de análise para alocação, avaliação e controle de recursos e competências. Estamos tratando da necessidade de um elemento aglutinador que resulta na plena disposição da organização e de seus colaboradores em se engajar totalmente em torno dos desafios e dificuldades que terão pela frente. Chiavenato (2020) afirma que cada empresa é concebida com base em um sonho ou vontade de seus fundadores, bem como na crença desses quanto a alguma necessidade do mercado a ser satisfeita e, obviamente, na existência de compradores que valorizarão o que tem a ser oferecido, seja um produto ou um serviço. Com isso, entendemos que toda a organização possui alguma intenção estratégica, seja amplamente conhecida ou não, a qual permite que todas as pessoas da empresa passem a acreditar firmemente em seu produto ou serviço e na sua habilidade de desempenhar competitividade. A intenção estratégica é o conhecimento da essência da organização e representa o impulso da organização com a finalidade de cumprir suas metas no ambiente competitivo, o que proporciona aos membros da empresa a justificativa para a entrega e a dedicação em busca de um desempenho que os coloque em posição de destaque perante seus concorrentes. Chiavenato (2020) afirma que a intenção estratégica é movida por direção, assim, quando um fabricante diz que seu objetivo é vender um telefone celular por R$ 1.000,00 por exemplo, a organização precisa se concentrar em como conceber um aparelho de telefone dentro do valor estipulado. A motivação é outra peça dessa engrenagem. Falar que o objetivo da empresa é enriquecer seu dono não 3 motivará ninguém, portanto, é necessário que cada pessoa sinta que está fazendo algo no que acredita e que tenha valor pessoal para ela. Podemos considerar o desafio como parte da definição da intenção estratégica, ou seja, a intenção deve ser desafiadora, pois, frequentemente, funcionários não gostam de desafios medianos devido ao fato de não se sentirem motivados. A atividade inicial do planejamento estratégico é refletir sobre questões centrais e básicas acerca da própria concepção da empresa, que são: • Missão organizacional; • Visão organizacional; • Valores organizacionais; • Stakeholders; • Proposta de valor; • Objetivos organizacionais; • Estratégia. Quando falamos de missão organizacional, devemos entender que estamos nos referindo à declaração do alcance da organização em termos de produto e mercado (Chiavenato, 2020). A missão organizacional refere-se ao papel da organização dentro do ambiente em que ela está inserida, dentro da sociedade em que se encontra. Assim, segundo Chiavenato (2020), ao indicar a sua razão de ser e existir, ela deve ser definida para satisfazer alguma necessidade do ambiente em que está inserida, contemplando: • O porquê de ser da organização; • O papel da empresa na sociedade; • Qual a real natureza do negócio; • Qual valor constrói aos interessados; • Em quais tipos de atividades serão concentrados os esforços futuros. Tendo a missão organizacional bem consolidada, chegou o momento de pensarmos no primeiro esboço do negócio, a definição propriamente dita. Para definir um negócio, é necessário entender o produto ou o serviço total que o cliente está comprando e evitar a armadilha de olhar apenas para o produto em si. Isso acontece com diversas marcas. Um bom exemplo para ilustrar isso que acabamos de afirmar é uma famosa loja de chocolates no Brasil, chamada Cacau Show, além dos similares como Lindt. Embora o seu produto final seja o chocolate, o carro-chefe de vendas desse 4 tipo de negócio não é o produto chocolate, e sim o produto presente. Grande parte dos consumidores compram no intuito de presentear alguém, e não de comer o produto. Há que se ressaltar que mencionamos “grande parte” dos consumidores, o que não quer dizer que todos eles se encaixem no que foi afirmado. Feita essa observação, voltemos à definição do negócio da organização, que, segundo Chiavenato (2020), implica três elementos: • As necessidades do cliente; • Os grupos de clientes ou de indivíduos aos quais a empresa está tentando satisfazer; • As atividades, tecnologias e competências da empresa, que criam e entregam valor aos clientes, proporcionando satisfação. Voltemos ao caso da Cacau Show. Para traçar estratégias, foi necessário que a empresa entendesse que a necessidade primeira de seu cliente não era o consumo de produtos derivados do cacau, mas sim a ação de presentear de modo a agradar às pessoas. A partir do momento em que perceberam isso, entenderam que a satisfação maior girava em torno de produtos que poderiam ser entregues como uma forma de gratidão. Dessa forma, ficou fácil notar que o que agregou valor ao cliente foi a satisfação do terceiro consumidor envolvido. TEMA 2 – REDEFINIÇÃO DO NEGÓCIO Uma empresa, embora sólida no mercado, muitas vezes é obrigada a mudar e se redefinir por uma questão de sobrevivência devido à alteração no perfil de seus consumidores. Quando as condições de mercado passam por essa transição, ou mesmo quando não se observa o direcionamento apontado pela missão organizacional ao longo do tempo, chega a hora de mudar (Chiavenato, 2020). Quando falamos em mudanças, nos referimos ao ato de repensar desde os produtos da empresa até o nicho de mercado que essa passará a atender. Isso acontece o tempo todo com várias empresas, até mesmo com aquelas que vendem produtos com os quais estamos acostumados, de modo que às vezes nem nos damos conta. Se o ambiente no qual a empresa está inserida exigir isso, é preciso fazer uma releitura da missão organizacional de modo a adequá-la às novas exigências. Segundo Chiavenato (2020), um negócio necessita ser encarado como um 5 processo em que o seu cliente tenha satisfação com seu produto ou serviço, e não como um processo de produção de mercadorias ou prestação de serviços. Para obter provas de que isso acontece com muita frequência, basta observarmos o que aconteceu com empresas de telefonia fixa, que praticamente deixaram de existir, sendo absorvidas pelas empresas de telefonia celular em decorrência da mudança de perfil do consumidor. Atualmente, o telefone fixo tornou-se obsoleto em muitas regiões do Brasil, até porque o aparelho de celular moderno faz muito mais que uma simples ligação normal. Outra mudança que estamos vivenciando é a das empresas de televisão aberta e fechada. Antes, as emissoras de rede aberta reinavam absolutas e, em um segundo momento, as de rede fechada também. Nos últimos dez anos, o perfil do consumidor mudou tanto que cada vez menos pessoas têm TV a cabo em casa. Além disso, um número cada vez menor de pessoas assiste à TV aberta, isso porque muitos vêm mudando aos poucos para aplicativos. A TV Globo é uma prova de reinvenção, pois depois de anos à frente na audiência, hoje se reinventou, disparando no número de assinantes de seu aplicativo Globoplay, o qual tem opções que se encaixam cadavez mais ao perfil do novo consumidor de entretenimento televisivo. Visão organizacional é o modo como a empresa se vê no futuro. Essa visão proporciona um estado de futuro ideal, representando o ápice de seu desenvolvimento dentro de um período viabilizado pela contribuição de todos os seus stakeholders (Chiavenato, 2020). Diante do exposto, vemos a necessidade de se repensar a empresa, compreendendo qual será a imagem dela no futuro e garantindo que ela esteja consistente com o padrão organizacional. Compreendendo isso, é interessante observarmos que há pontos que a construção da visão deve atender, como: • A visão deve ser condizente com o perfil da empresa. Não é proibido sonhar, mas a imagem que se pretende ter da empresa deve estar muito alinhada com a realidade, caso contrário, o processo de planejamento estratégico corre risco; • Precisa ser concisa, porém, forte, com um foco definido; • Deve favorecer a todos os grupos de interesse. Chiavenato (2020) já dizia que a visão tem uma força sociológica muito real e influencia as reações atuais de todos os stakeholders. Vale ressaltar que mudanças são sempre complicadas, principalmente aquelas envolvendo a cultura 6 da empresa. Algo muito difícil de mudar é o comprometimento com um novo direcionamento, que passa a ser um desafio real para as pessoas envolvidas. Isso está relacionado a um pensamento coletivo errado de que se estamos fazendo algo de determinada maneira por anos e os negócios têm dado certo, não devemos mudar agora só porque a empresa quer. Não é porque a empresa quer, ela necessita. Por isso, anteriormente, batemos muito na tecla de que todos os funcionários e pessoas envolvidas devem conhecer as estratégias pensadas para que possam “remar” na mesma direção. Nesse sentido, Chiavenato (2020) afirma que a elaboração da visão é um processo carregado de emoção, até porque o que está em pauta é o reconhecimento de ser da organização. A visão constitui um fator de agregação dos esforços ao proporcionar consistência e convergência de esforços. Esse processo requer autoconhecimento. No caso da organização, isso exige a ação de liderança aberta e decidida para que seja possível estimular a emergência desses sentimentos em todas as pessoas da organização. Kotter (2017) elencou possíveis etapas de um processo de elaboração da visão de negócios: • Primeiro esboço; • Etapa de coalizão; • Dinâmica de grupo; • Desalinhamento do processo; • Duração; • Produto final. Portanto, Kotter (2017) afirma que o processo começa com a declaração inicial de um indivíduo ou grupo fundador, refletindo sobre sonhos e demandas de mercado, sendo esse o primeiro esboço a ser feito da visão. A partir desse momento, o esboço é modelado pelos responsáveis da organização, envolvendo gerentes e stakeholders, sendo essa a etapa da coalizão. Kotter (2017) afirma que a elaboração descritiva da visão demanda uma condução profissional, sendo necessário sair do ambiente de trabalho com as pessoas para que emoções e ansiedades a respeito dos impactos da nova visão de negócios sejam explicitadas. Assim, é possível se obter material para trabalhar. Essa é a etapa da dinâmica de grupo. O avanço acontecerá de forma lenta, não se pode esperar um avanço linear no processo de elaboração da visão. 7 O processo resultará, segundo Kotter (2017), em uma direção para o futuro, viável, focalizada, flexível e de fácil entendimento e comunicação. TEMA 3 – PROPOSTA DE VALOR Não adianta uma empresa ter o melhor produto de todos, com mais tecnologia e capaz de proporcionar o melhor bem-estar se não tiver ninguém interessado em comprá-lo, ou seja, o valor não está localizado no produto ou em um serviço, e mesmo nos casos em que está, não representará vantagem competitiva. Se uma empresa deseja explorar a oportunidade de valor, ela deve entender que, na sociedade atual, oferecer valor implica reunir tecnologias, estabelecer redes, estabelecer investidores, fornecedores, agências de serviços, mídia e, às vezes, até mesmo concorrentes (Chiavenato, 2020). O processo de construção desse valor preocupa-se com diferentes stakeholders, sendo composto de três etapas (Chiavenato, 2020): • Criação ou identificação do valor; • Desenvolvimento e entrega do valor; • Alinhamento das pessoas e dos valores. De forma geral, o valor não será produzido dentro dos setores já existentes, e sim de acordo com as regras competitivas, com a percepção de um preço justo, com a ação dos canais de distribuição, com os diferenciais possíveis de produtos e serviços, entre outras situações. Essa questão de valor é tão subjetiva que grandes indústrias podem cometer erros. Um exemplo é de algo que aconteceu no fim da década de 1990 com a Lacta e seu produto mais famoso, o Bis. Ainda que muitas pessoas não sejam consumidoras do produto, elas conhecem e já viram a sua embalagem mais convencional, a qual basicamente é a mesma desde seu lançamento, em 1942. Acontece que no final da década de 1990, surgiu um concorrente chamado Sem Parar da Nestlé, que tinha uma embalagem individual diferente no formado, parecido com um pacotinho que abria após ter suas pontas puxadas, semelhante a uma embalagem de salgadinhos. Alguém da Lacta acreditou que se a embalagem tradicional do Bis fosse alterada para esse padrão, seria possível frear um possível crescimento do Sem Parar no mercado. O tiro saiu muito pela culatra e, dentro de três meses, a Lacta experimentou uma queda grande em suas vendas, pois o consumidor assíduo não aceitou bem 8 essa mudança. A empresa rapidamente voltou atrás e tudo entrou em uma normalidade. Voltando à questão da visão, Chiavenato (2020) defende que a liderança de mercado hoje não significa a manutenção dessa liderança amanhã. Quando se avalia a capacidade de a organização aproveitar oportunidades de valor que aparecem, é importante entender questões como: • Quem são os clientes do meu produto hoje? Eles serão os mesmos daqui a cinco anos? • Os canais de distribuição que uso hoje serão os mesmos em cinco anos? • Os concorrentes de hoje serão os mesmos amanhã? • O que hoje é nossa vantagem competitiva continuará sendo amanhã? • O lugar de onde vem o lucro hoje será o mesmo de amanhã? Essas questões são importantes para a sua empresa em um momento de criação da visão, sendo essenciais para o conhecimento que poderá ser construído ao longo de um intervalo de tempo. Vamos analisar os questionamentos acima. Começaremos pensando nas empresas de telefonia. Os seus clientes, que antes eram exclusivos de uma classe econômica alta, hoje fazem parte de praticamente todas as classes sociais, coisa impensável até 1997/1998, momento em que ocorreu o boom de popularização da telefonia móvel. Ter uma visão sobre a direção para a qual a tecnologia vai é muito importante, mesmo que isso aconteça durante o processo. O grande lucro das empresas de telefonia vem da venda dos pacotes de dados, uma vez que o consumidor de hoje faz poucas ligações convencionais. Mas e os canais de distribuição? Isso está diretamente ligado à forma com que esse produto ficará disponível para o consumidor, isso muda? Há 30 anos, até o início dos anos 2000, era impossível imaginar a possibilidade de se visitar um site, encontrar um livro e, por meio de um click, comprá-lo e imediatamente tê- lo disponível em algum aparelho. Ainda que fosse um amante da leitura com o livro físico, essa modalidade é uma das mais crescentes na realidade da indústria de publicações. Atualmente, a maioria das pessoas não vai até lojas físicas para comprar aparelhos eletrônicos. Isso está diretamente relacionado ao canal de distribuição em nossa visão de consumidor. Você já notou como as coisas podem mudar mais rápido do que imaginamos? 9 Na verdade, a velocidade de mudanças das coisas é proporcional à velocidadecom que a prioridades dos clientes mudam. A empresa precisa manter, inovar e prever a migração de valor que está oferecendo. Chiavenato (2020) defende que o importante é perceber que em um ambiente dinâmico e mutável, o valor vai e vem. Ele possui um ciclo de vida com início e fim. No passado, o valor até demorava a mudar, porém, hoje a coisa muda na velocidade da luz, como ficou claro por meio dos nossos exemplos. Entender de que modo podemos agregar valor será um diferencial de sucesso quando tivermos que traçar nossas estratégias futuras. TEMA 4 – CONSTRUÇÃO DO CENÁRIO O planejamento estratégico como temos acompanhado até o momento se refere a uma previsão futura de estratégias que o conduzirão a um ponto desejado. Planejar por meio da idealização de cenários é, segundo Chiavenato (2020), definir premissas, ponderar eventuais desdobramentos e visualizar possíveis consequências futuras, visando minimizar riscos relacionados à tomada de decisão. Cenários são estudos que ajudam os gestores a visualizar possibilidades dentro de situações alternativas favoráveis ou não do provável ambiente futuro de negócios e suas interligações. Na verdade, serão situações oriundas de modelos mentais consensuais a respeito do ambiente que tentam se aproximar ao máximo de situações futuras possíveis. Para que possam ser úteis em um processo de planejamento estratégico, sempre é interessante que se trace um cenário pessimista para que os gestores possam entender que caminho seguir caso tenham situações desfavoráveis em seu ambiente. Chiavenato (2020) afirma que a competência de perceber o futuro é função da cultura organizacional, que preza pelo bom diálogo e compartilha informações. Nos temas anteriores, vimos a importância do diálogo e do compartilhamento de informações com as pessoas da empresa, pois a melhor intuição para o momento pode vir de onde menos esperamos. A construção de um cenário é um processo que passa, naturalmente, por etapas, porém, é muito importante ter um bom entendimento dos dados coletados com as análises de ambientes, pois são com esses dados que poderemos ter noções da movimentação de mercado, compreendendo para qual direção ele está 10 mais tendenciado. Esse entendimento também será capaz de nos balizar para os cenários pessimistas e os mais otimistas. Em um primeiro momento, tal conhecimento pode parecer subjetivo, porém, ele envolve uma análise de dados e ambiente muito importante. Chiavenato (2020) elenca etapas que fazem parte desse processo de construção do cenário: 1. Identificação e focalização do tema; 2. Identificação das forças motrizes; 3. Categorização das forças motrizes; 4. Consistência das forças motrizes; 5. Alinhamento das incertezas críticas; 6. Criação de roteiros plausíveis; 7. Avaliação das implicações; 8. Aplicação da metodologia. A primeira etapa de identificação do tema central justificará o processo. O cenário será construído para dar indicações plausíveis sobre questões que envolvam possibilidades de sucesso em novos mercados ou em ambientes distintos do atual. A etapa de identificação das forças motrizes, segundo Chiavenato (2020), consiste em trabalhar com os eventos identificados com base nos diagnósticos estratégicos externos e internos. A categorização das forças procura analisar os elementos, pois eventos reais contemplam todos os contextos em diferentes graus para criar diferentes categorias de eventos. A quarta etapa é o momento em que se agrupam as forças selecionadas em torno de seus elementos mais relevantes. A quinta etapa avalia as incertezas críticas referentes aos agrupamentos encontrados no momento da consistência das forças que devem ser analisadas. O ideal é construir duas ou três linhas de incertezas realmente críticas. A criação de roteiros proporciona uma ideia de como essas forças vão se comportar com base na forma como se comportaram no passado. Na sétima etapa, analisamos as implicações com o intuito de levantar reais possibilidades que possam formar nossos cenários. Na última etapa ocorre a aplicação do cenário em si e os direcionamentos diante das possibilidades apresentadas. 11 Uma empresa que soube aproveitar o momento e uma visão de futuro foi a Sandálias Havaianas. Quem já tem cerca de 40 anos ou mais lembrará que, na década de 1980, as Havaianas eram vendidas na venda do seu Zé, na quitanda do bairro, envolta em um saco plástico transparente, muitas vezes, empoeirado. Além do mais, só existia uma cor de sola e três cores para a tirinha que vai nos dedos: azul, preta e amarela. Elas eram consideradas sandálias bem baratas para a época. Podemos imaginar dentro desse cenário que eram produtos com um foco muito forte nas classes C e D, que são as menos favorecidas economicamente. Como as Havaianas perceberam que o cenário poderia mudar e como souberam onde teriam oportunidade de explorar um ambiente completamente diferente do que vinham experimentando até então? Quem lembra de feirinhas de artesanato da década de 1980 e início da década de 1990 sabe que era quase uma febre venderem Havaianas com as tirinhas enfeitadas a mão. O mais interessante é que muitas eram vendidas até mesmo para o turista estrangeiro no Brasil. Em meados da década de 1990, conseguimos controlar uma inflação que chegou a 100% ao ano e estabilizar nossa moeda. Com isso, os gestores da empresa puderam traçar um cenário em que poderiam entrar em um ambiente jamais pensado por eles antes. Começa, então, uma grande mudança de posicionamento de marca e mudança de público-alvo, com a customização de suas sandálias e aberturas de lojas próprias. Assim, o valor do produto subiu, mudando seu alvo para as classes A e B. Além disso, começou um processo de importação de produtos muito agressivo. Atualmente, é possível achar na Itália, por exemplo, lojas de sandálias Havaianas com preços superiores aos nossos e estampas que são comercializados somente lá. Em alguns países da África, as Havaianas comercializam estampas próprias por tribos, uma vez que os países africanos possuem em seus territórios várias etnias. 12 TEMA 5 – PLATAFORMAS E O CASE DE FÁBRICAS DE COMPUTADORES Para que tudo funcione da melhor forma possível, as organizações necessitam de um modelo estável que proporcione uma plataforma para coordenar e integrar todos os recursos, capacidades e competências, incluindo as pessoas. É importante lembrarmos que até esse momento, tudo que estudamos e analisamos gira em torno da coleta e análise de dados, portanto, é muito natural que tenhamos plataformas para a integração disso tudo. Essas plataformas podem ser físicas ou virtuais. Segundo Chiavenato (2020), elas devem substituir os processos que estão dispersos e conduzem a uma tomada de decisão dividida e isolada. É preciso organizar, reunir e integrar para interpretar e agir por meio de dados e análises com um enorme diferencial competitivo. Chiavenato (2020) chama atenção para o termo plataforma, que devemos entender como um conjunto de componentes nos quais a empresa cria um conjunto de produtos ou componentes ou uma base de tecnologia. Atualmente, essas plataformas são muito comuns e consistem em uma questão de sobrevivência. As trocas e tecnologias interoperáveis permitem uma ampla gama de fornecedores e clientes, interagindo diretamente entre si, como Amazon, Apple, Facebook, Google e outras. Vamos imaginar três grandes marcas de computadores: Apple, Dell e Positivo. Observe que estamos trazendo três marcas com públicos muito distintos entre si. Antes de falarmos de estratégias em relação às estratégias de abordagem de seu público-alvo, vamos entender quem são os clientes-alvo de cada uma dessas marcas no Brasil. Começaremos pela Apple. Conhecida no Brasil como uma marca de preços elevadíssimos, ela permeia um nicho de mercado de classe socialalta, de pessoas que necessitam de um equipamento com uma eficiência muito grande e uma capacidade grande para trabalhos com imagens e vídeos. Além disso, a marca possui um programa de incentivo para universitários e uma linha mais barata para universitários (embora o melhor termo seja menos cara). Então, temos um público que gira em torno dos 20-40 anos, com uma necessidade muito específica em torno de capacidade operacional dos equipamentos. Os computadores da Dell operam com um sistema operacional muito conhecido, o Windows. A grande vantagem em relação aos computadores da 13 Apple seria a capacidade de suportar basicamente todos os softwares disponíveis por usar um sistema mais comum no mercado. Por serem computadores de uma configuração mais robusta e, consequentemente, mais cara, são muito buscados por engenheiros, arquitetos e gamers, bem como por universitários e profissionais. Estamos falando de consumidores de uma faixa etária possivelmente entre 20 e 50 anos, pertencentes a classes econômicas mais favorecidas. Os computadores da Positivo diferenciam-se muito dos computadores da Dell, operando com uma configuração mais simples, pois a missão da empresa é levar a inclusão digital para todo o Brasil. É importante observar como a missão direciona a empresa para um alvo muito diferente de produtos similares. A Positivo Tecnologia tem, com base em sua missão, um público-alvo formado por classes menos favorecidas, sendo constituído por um perfil de pessoas mais carentes, estudantes de ensino fundamental e médio ou mesmo de idosos. Assim, basicamente temos o mesmo produto (computadores) com públicos completamente distintos. Agora, vamos entender um pouco sobre o perfil de consumos de cada um deles. O perfil dos consumidores da Apple é aquele de indivíduos que entendem o que querem, conhecem o produto, usam várias gerações do produto e não necessariamente precisam vê-lo ou tocá-lo para adquiri-lo. O que isso significa? Que o mais natural para esse público é que o produto seja comprado em canais eletrônicos por via de e-commerce. Por isso, é difícil, mas não impossível, encontrar esses computadores em grandes varejistas. Até podemos encontrá-los, mas esses produtos nunca são o carro-chefe da loja pelo simples fato de seu principal público não buscar por esse meio. O perfil do consumidor afeta a estratégia de como oferecer o produto. E por ser considerado um produto premium para consumidores exigentes, abrir uma embalagem deles é uma experiência única, uma vez que apresentam detalhes de quem sabe para quem vende. Um detalhe são as lojas dessa marca, a impressão é que estão lá para que o consumidor somente experimente as novidades. É uma loja completamente vazia, porém, extremamente funcional para o perfil de consumidor objetivado. Agora, vamos ao público da Dell. No sentido de entender o que querem e já usarem gerações desses produtos, o público é muito similar ao da Apple. E como são profissionais, muitas vezes, buscam o customizado. Por isso, o grande meio de compra para esse público é o e-commerce, pois além de não precisarem 14 ver o produto por já o conhecerem, frequentemente querem recebê-los com configurações diferentes do padrão oferecido. Por conta desse perfil de consumidor, a Dell foi por muitos anos um caso de sucesso no Brasil, com fabricação usando a metodologia do just-in-time, que explicando rapidamente, é o ato de produzir somente o que vendeu. Até podemos encontrar computadores Dell em grandes varejistas. Mas, assim como no caso da Apple, esses produtos não são o carro-chefe desses varejistas. A proposta da Positivo Tecnologia é atingir as classes menos favorecidas, proporcionando estratégias completamente distintas do que vimos anteriormente, pois o público objetivado precisa ver o produto, tocá-lo e experimentá-lo. Somente a configuração descrita em um site é muito pouco para eles, por isso, encontrar um computador dessa marca em um grande varejista é quase certo, pois seus preços são muito abaixo dos mencionados anteriormente. Além disso, esses computadores geralmente são vendidos com parcelamento a perder de vista. É interessante observar nessa breve análise como estratégias distintas devem ser tomadas por empresas de mesmo produto para atender aos ambientes em que estão inseridas. 15 REFERÊNCIAS CERTO, S. C.; PETER, J. P.; MARCONDES, R. C.; CESAR, A. M. R. Administração Estratégica: Planejamento e implantação de estratégias. 3. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2010. CHIAVENATO, I. Planejamento Estratégico: da intenção aos resultados. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2020. KOTTER, J. Liderando mudanças, transformando empresas com a força das emoções. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017.
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