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Aula 5: A Burguesia Agroindustrial do Nordeste Elegia para uma Religião 1. Quais elementos econômicos condicionaram a formação da burguesia nordestina, e em quais setores produtivos surge essa burguesia? A base econômica da burguesia do Nordeste foi a constituição da atividade de produção da cana e do açúcar. A economia do açúcar fundava-se na Colônia e durante o Primeiro e o Segundo Impérios, no trabalho escravo, compulsório, como de resto em toda a extensão territorial do futuro país, e assim mesmo nos demais espaços não-metropolitanos que o capitalismo mercantil criou como um dos pilares de sua acumulação primitiva. A intermediação da Coroa portuguesa, seus direitos de monopólio ou do “exclusivo comercial” desaparecem e as relações externas do agora país independente passam a dar-se diretamente com a emergente potência capitalista, a imperial Inglaterra. Nessa passagem, dá-se uma redefinição da repartição do produto social, retendo-se agora, internamente, uma parcela maior do excedente econômico, cuja reiteração produzirá exatamente a burguesia como classe social. 2. O que condiciona a passagem das relações de produção escrava para o capitalismo no Nordeste? Um tipo de produção como a do açúcar, pela complexidade de sua base técnica, que exigia a passagem necessária para formas de trabalho cooperativo, e manufatureiro em seguida, e pela sua competição com o açúcar de beterraba na própria Europa, continha em si mesmo o germe da produção de mercadorias, o germe do capitalismo; germe que foi levado pelo próprio capitalismo mercantil e pela sua evolução em direção a formas superiores da divisão social do trabalho nesse sistema socioeconômico de produção de valor: essa exigência do trabalho cooperativo estava projetando o outro da produção capitalista - o proletariado -, com o que se fundava plenamente o capital como relação social. A produção do açúcar exigia investimentos, inversão e reinversão de capital, aumento de produtividade, enfim uma forma de reposição dos pressupostos da produção, que continha em si mesma a circularidade própria de reprodução do capital. 3. Como surge a burguesia comercial no Nordeste? A economia açucareira continha em si mesma elementos de reposição que se fundavam numa forma de geração de valor de caráter capitalista. Em outras “regiões” do Brasil, a escravidão era uma forma específica do capitalismo, pois separava, desde o início produtores e meios de produção. É apenas mais tarde que a oposição entre escravidão e desenvolvimento das forças produtivas vai colocar-se como antagônica para os processos da reprodução ampliada. O “Nordeste” açucareiro que transitava em direção a formas de reprodução nitidamente burguesas, fazia-o sob o imperativo das mesmas leis. Deve-se adicionar, conforme já se ressaltou na Introdução, que essa forma de produção criou, internamente, no próprio “Nordeste” açucareiro, outra forma de capital, centrado na circulação de mercadorias: o capital comercial dos comerciantes do porto do Recife, cuja hegemonia se estendeu por todo o “Nordeste” açucareiro, chegando até os confins do Ceará e Piauí. Anotou-se já, também, a forma embrionária de contradições de interesses de cada forma de capital: Revolução dos Mascates, Revolução de 1817, Confederação do Equador, Revolução Praieira. 4. Como surge a burguesia industrial (têxtil) no Nordeste? Com a expansão da “região” do café começou a relegar a segundo plano o “Nordeste” açucareiro durante todo o Segundo Império, não por nenhuma conspiração aristocrática, mas sobretudo porque o próprio “Nordeste” açucareiro havia sido deslocado pelo capital internacional de sua antiga posição, centrando-se agora os novos produtores sobretudo nas Antilhas e no Caribe. Nos finais do Século XIX levavam inclusive a economia da “região” do café a libertar-se dos limites impostos pelo trabalho escravo, começaram a reativar a economia do “Nordeste” açucareiro. Sendo a época da primeira conversão dos “engenhos” em usinas, e da fundação da indústria têxtil, fecundada também pela expansão do algodão na brecha fornecida pela Guerra de Secessão norte- americana. O setor têxtil “substituía” as importações de tecidos e panos para as próprias populações escravas, além de abastecer o débil mercado urbano formado pelas classes não-proprietárias; a burguesia continuava a importar sedas da China, o linho irlandês e as casimiras inglesas. 5. O que condicionou o processo de estagnação do Nordeste algodoeiro-pecuário, segundo Oliveira (1977)? Finais do século XIX e princípios do século XX, que o algodão vai constituir o novo “Nordeste” algodoeiro-pecuário. A expansão do algodão e desse novo “Nordeste” vai encontrar sustentação nos mesmos mecanismos que reiteravam a produção cafeeira, inclusive porque também era uma mercadoria de realização externa, razão pela qual o capital comercial e financeiro inglês e norte-americano também se apossou da esfera de circulação. A emergência desse novo “Nordeste” algodoeiro-pecuário vai impor suas próprias leis de reprodução à economia industrial emergente do “Nordeste” açucareiro-têxtil. Emergindo a economia do “Nordeste” algodoeiro-pecuário, que se centrava nas formas de reprodução já descritas, produziu em primeiro lugar uma mão-de-obra que, pelas flutuações internacionais da economia algodoeira-pecuária, converteu-se parcialmente em força-de-trabalho disponível nas entressafras para alugar-se na produção da cana; a constituição desse semiproletário levou para o coração da economia capitalista do açúcar-têxtil uma forma de mão-de-obra que não era força-de-trabalho, que não era totalmente mercadoria, já que cuidava de sua própria subsistência. Tendo agora como produtor um contendor não-antagônico, o capital industrial do “Nordeste” açucareiro-têxtil caiu na armadilha preparada pela “região” que lhe era concorrente na hegemonia das forças produtivas e das relações de produção; e recriou, no seu interior, formas de trabalho semi- compulsórias, em que o trabalhador passou a ser pago em espécie. Recriou, portanto, formas de defesa anticíclicas não-capitalistas: não ocorria o desemprego, nas crises da economia açucareira: ocorria apenas a volta de parte da população trabalhadora às “economias de subsistência”, a formas quase- naturais. Essas formas de defesa foram-lhe extremamente eficazes para não desaparecer, mas cobraram seus direitos na medida em que a impediam de expandir-se. 6. Como se reestrutura a divisão do trabalho após 1930? A hegemonia do Centro-Sul sobre a burguesia industrial do Nordeste começa a ocorrer exatamente pela troca de mercadorias, pela invasão de mercadorias produzidas no Centro-Sul, onde a produtividade do trabalho estava em crescimento. O “fechar-se” de uma fronteira nacional, que é a marca peculiar dos anos pós-30, a reposição do capital constante - que é o que faz avançar a produtividade do trabalho, em primeiro lugar e/ou simultaneamente com o barateamento das mercadorias de consumo das classes trabalhadoras - será determinada pelos setores - ou, no caso, “regiões”, onde a produtividade do trabalho é mais alta. Essa produtividade percola por toda a estrutura da produção apenas e quando a própria força-de-trabalho, como mercadoria na sua plenitude, consome outras mercadorias. É esse segredo dialético do rebaixamento do custo de reprodução da força-de-trabalho, sem que se altere a chamada distribuição funcional da renda capital e trabalho. É neste sentido que é permissível dizer que, entre “regiões”, uma produtividade do trabalho mais alta numa delas converte-se numa espécie de novo equivalente geral, o qual, por suas determinações quantitativas, antecipa no capital-dinheiro pressuposto os resultados no produto, ou seja, a taxa de mais-valia e a taxa de lucros. Enquanto ocorre no Centro-Sul esse desdobramento e aprofundamento da força-de-trabalho como mercadoria, no Nordeste açucareiro-têxtil essa novacircularidade vê-se embotada pelo fato de que a forma do capital ali predominante acha-se empatada pelas formas não-capitalistas de reprodução da própria força-de-trabalho. A ruptura da “região” açucareira-têxtil, porém, no sentido de sua invasão pelas mercadorias do Centro-Sul e, portanto, da imposição da nova forma de circularidade do capital que se projeta e introjeta na própria mercadoria força-de-trabalho, não se dá automaticamente; isto é, a troca de mercadorias, mesmo quando, uma delas contém composição orgânica do capital superior, é insuficiente: as classes sociais hegemônicas no espaço de uma “região” - e essa hegemonia faz parte ela mesma do conceito de “região” - dispõem de defesas para além da inferioridade da produtividade da sua força-de-trabalho. 7. Qual instituição estatal promove a reprodução da hegemonia da burguesia açucareira – junto com a oligarquia algodoeira-pecuária – no Nordeste e qual instituição estatal marca a posse da fração industrial como hegemônica no Nordeste? ▪ Instituição estatal que promoveu a reprodução da hegemonia da burguesia açucareira – junto com a oligarquia algodoeira-pecuária – no Nordeste: Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). Nos primórdios da década de 30 deste século, na sequela da Revolução, o Estado intervirá na economia açucareira do país como um todo, criando o Instituto do Açúcar e do Álcool, cuja missão primordial era na verdade estabelecer uma divisão regional do trabalho da atividade açucareira em todo o país, emergindo já com muita força a produção de açúcar nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Essa intervenção caracterizava-se por estabelecer um mecanismo de quotas de produção para cada uma das “regiões” açucareiras do país, garantir preços mínimos, relações entre fornecedores de cana e as usinas, e financiamento da produção. A direção mais alta do IAA, sigla mediante a qual passou a figurar no dicionário institucional-administrativo do Estado e da economia, esteve entregue desde seus primórdios, e até há bem pouco tempo, a membros da burguesia açucareira do Nordeste, sobretudo pernambucanos. A ironia da História consiste aqui precisamente no fato de que foi sob a direção nominal de membros da burguesia açucareira do Nordeste que o eixo da produção do açúcar passou do Nordeste para a “região” industrial comandada por São Paulo. ▪ Instituição estatal que marcou a posse da fração industrial como hegemônica no Nordeste: Departamento Nacional de Obras Contra às Secas (DNOCS). 8. Qual é a política central do IAA, e como esse instituto contribuiu para a prorrogação da hegemonia da burguesia açucareira no Nordeste? A política central do IAA é o estabelecimento de mecanismos de quotas de produção para as “regiões” açucareiras do país, garantir preços mínimos, relações entre fornecedores de cana e usinas, e financiamento à produção. Com relação à contribuição para a prorrogação da hegemonia da burguesia açucareira no Nordeste, o IAA tinha como mecanismo básico a fixação de quotas de produção para as diversas “regiões” produtoras, até o debate de que, dentro de cada “região”, cada unidade produtora, cada usina, também tinha sua quota pré-determinada. O importante aqui, como em outros casos, é que sua reprodução se diferenciasse, diferenciando em consequência os interesses, e fundando classes sociais díspares, ainda que dos mesmos troncos familiais. O mecanismo de proteção do IAA contribuiu, na verdade, para acelerar a capitalização da economia açucareira da “região” de São Paulo, e manter as mesmas condições de reprodução da economia açucareira do “Nordeste”. O IAA passou a estabelecer preços mínimos que na verdade defendiam o produtor marginal, isto é, o produtor que produzisse a custos mais altos. Tais condições de monopólio ou oligopólio, isto é, de preços fixados em todo o território nacional, não permitindo às “regiões” concorrerem umas com as outras na base do preço, os preços mínimos para o Nordeste transformaram-se em preços máximos para a produção do açúcar na “região” industrial de São Paulo.
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