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CETOACIDOSE DIABÉTICA

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CETOACIDOSE DIABÉTICA 
Paciente do sexo masculino, 32 anos, procurou o PS referindo que há 4 dias iniciou quadro de poliúria, adinamia, tontura, vômitos e boca seca. Procurou inicialmente o PA da sua cidade onde foi medicado com insulina e liberado. Hoje como houve agravamento do quadro associado a taquipnéia e dor abdominal difusa, voltou a procurar assistência médica. 
Antecedente de HAS e não sabe relatar nome da medicação de uso regular. É tabagista, drogadito e etilista pesado.
Ao exame físico, paciente em regular estado geral, com hálito cetônico, taquipnêico, taquicárdico, corado, desidratado, afebril, anictérico e acianótico, com boa perfusão periférica (TEC < 3 segundos). Glasgow de 15.
PA = 150 x 90 mmHg
FC = 125 bpm
Tax = 36,0°C
SpO2 = 97% (AA) 
FR = 30 irpm
AR: MV audível universalmente sem RA
ACV: RCR em 2T Bulhas normofonéticas sem sopros e/ou arritmias
Abdome: semigloboso, pouco distendido, doloroso à palpação difusamente, sem sinais de irritação peritoneal, sem visceromegalias, peristalse diminuída 
Extremidades: MMII sem edemas, pulsos presentes, panturrilhas livres 
· Hipóteses diagnósticas:
- Cetoacidose diabética 
- Desidratação
- Dor abdominal de causa a esclarecer
· Conduta inicial a ser adotada:
1- Ter o paciente nas MÃOS: monitorização eletrocardiográfica com reavaliação constante dos sinais vitais e do nível de consciência – oxigênio se necessário – veia. 
2- ABCD
3- Glicosimetria imediata
4- Insulina regular endovenosa se confirmado diagnóstico de descompensação diabética – dose inicial de 0,1 a 0,2U/kg - AVALIAR NÍVEIS DE POTÁSSIO!!!
5- Início de hidratação com SF EV pinça aberta: 1000 a 1500 ml de SF 0,9% na 1ª hora
6- Solicitar exames complementares: hemograma, eletrólitos, função renal, glicemia, gasometria arterial, lactato e urina I
7- Solicitar R-X de tórax
Obs: gasometria é muito importante, pois geralmente esses pacientes evoluem para uma acidose metabólica, um acúmulo de cetoácidos. 
- Principais causas de cetoacidose: infecção por trato respiratório, ITU, pele (celulites, erisipelas), lembrar que os diabéticos fazem muita infecção fúngica. 
- Exemplo: paciente diabética com língua com muita cândida. 
- Para fazer insulina o ideal é que sejam avaliados os níveis de potássio e dependendo deve-se repor o potássio e após repor a insulina. Geralmente é feito por EV, pois os pacientes geralmente estão desidratados, para que a absorção seja por completo. 
· Cetoacidose Diabética é definida pela tríade:
- Glicemia > 250 mg/dl (pacientes em jejum prolongado podem ter euglicemia)
- pH < 7,3 (excluídas outras causa de acidose)
- Cetonemia positiva (na impossibilidade de aferição considerar cetonúria fortemente positiva)
Obs: geralmente não tem dosagem de cetona no sangue tão freqüente, geralmente tem na urina. Então mais freqüente cetonúria positiva.
· Estado hiperosmolar é definido por:
- Glicemia > 600 mg/dl 
- pH> 7,3 
- Osmolaridade> 320 mosm/kg
*** Pode haver CAD com hiperosmolaridade
- Geralmente acontece uma deficiência insulínica absoluta - quando falta insulina o organismo não consegue reconhecer, a célula não consegue usar glicose. Quando tem falta no organismo lança a mão de fontes de energia, a partir de fontes não glicídicas. Então, ele começa a queimar gordura (lipólise), neolicogenese e a glicogenólise hepática. Tudo isso culminando com queima de proteína e aminoácidos, começando a produzir os corpos cetônicos no sangue, vindo ai a cetoacidose diabética. 
- Nas situações de deficiência insulínica relativa, que acontece mais nos estados hiperosmolares, tem ausência de cetogênese, não tendo essa cetonemia tão importante. Pode até ter mas em grau muito menor. 
- Na CAD ocorre grande produção de lípideos e triglicerídeos os que pode desencadear como complicação a pancreatite (causa ou consequência?).
- O aumento das prostaglandinas vasodilatadoras e vasoconstrictoras pelo tecido adiposo causa hipotensão, náuseas e vômitos, além de justificarem o quadro de dor abdominal na CAD por vasoconstricção esplâncnica.
- No EHH (estado hiperosmolar) não existe aumento importante do glucagon e por isso não ocorre a produção de cetoácidos como na CAD.
- A pancreatite pode ser causa ou conseqüência da descompensação diabética. 
- Tem uma liberação de hormônios antagonistas da insulina, inclusive o glucagon.
· Maior fator desencadeante = INFECÇÕES:
- Pneumonia
- ITU
- Sepse de origem indeterminada
- Infecções cutâneas
- Infecções gastrointestinais
*** A CAD pode ser a primeira manifestação de DM em 20% dos pacientes. Pode ser primeira manifestação de DM tipo II também.
- Hoje mesmo que o paciente ainda tenha uma reserva pequena de insulina, também pode fazer cetoacidose, mas não tão intensa quanto naqueles que tem deficiência absoluta de insulina.
· Exames complementares
- Desvio a esquerda importante, plaquetopenia discreta. 
- Acidose metabólica, tentando ser compensada com uma alcalose respiratória. 
- BE consumido, pois esta tentando compensar. 
- Potássio importante para iniciar a insulina. 
- Normalmente quando temos uma hiperglicemia, tendemos a puxar água para intravascular, diluindo sódio, por isso temos o sódio mais baixo do que o real. Então deve ser corrigido pelos níveis de glicemia. Fazendo essa formula acima. Começa a corrigir a partir da glicemia a cima de 100. 
- A osmolaridade é feita para ver se existe situação de estado hiperosmolar. 
- Não tinha leucocituria importante.
· Raio-X de tórax
- Horizontalização dos arcos costais e cúpulas um pouco elevadas. 
- Para ver se está expandido é necessário que conte os arcos costais (deve ter pelo menos 9). No caso do paciente possui 8, pouco expandido, isso acontece quando tem algum processo abdominal (distensão, peritonite) faz com que aconteça isso (elevação das cúpulas e menos expansão do tórax). Consequentemente pode ocorrer atelectasia pulmonar de bases. 
· Onde tratar o paciente?
Indicações de UTI:
- Desconforto respiratório agudo
- Acidose com pH < 6,9
- Choque cardiogênico
- Edema cerebral
- Importante avaliar debito urinário, passar sondagem vesical. 
- 2 acessos calibrosos, um acesso bom para passar insulina em bomba de infusão, fazer glicosimetria de hora em hora. 
Nosso paciente foi tratado na UTI..
Hidratação:
- Mantido SF 0,9% 500ml/h a partir da 2ª hora até glicemia de 250 mg/dl – se Na normal ou aumentado, continuar hidratando com SF 0,45% (AD- água destilada 977,5 ml + NaCl 20% 22,5 ml).
- Quando glicemia ≤ 250 mg/dl – continuar hidratando com SG- soro glicosado 5% na mesma velocidade de infusão. Podem ser colocadas 2 ampolas de NaCl 20% nesse soro.
- Dar glicose e insulina, a célula vai começar a usar a glicose de forma adequada, pela insulina dada. Então desvia o metabolismo e passa a não produzir os cetoácidos, revertendo o processo.
Insulinoterapia:
- Montar solução de 1ml: 1U de insulina regular e colocar em BI em infusão contínua na dose de 0,1U/kg/hora.
- Colocar 100U de insulina regular em SF 100ml e correr em BI- bomba de infusão contínua.
- Realizar glicosimetrias de h/h: esperada a queda da glicemia entre 50-70mg/hora. Se quedas <s que 50mg/dl - dobrar a dose; se quedas >s que 70 mg/hora - diminuir a infusão pela metade.
- Montar uma bomba de infusão continua de 0,1 unidades por kg/hora. Ajustando de hora em hora conforme a resposta. Como ajustar: se houve queda e se forem menores que 50, a dose é dobrada e se for maiores que 70, diminuirmos pela metade.
· Bomba de infusão contínua 
Insulinoterapia:
- Desligar a BI quando pH > 7,3
 Bicarbonato ≥ 15
 AG ≤ 12
- Para desligar a bomba espera-se 1 hora após a primeira injeção de insulina regular SC e depois deve-se manter esquema de insulina regular de 4/4 horas:
até 180 - nada; 181-200 = 2U; 201-250 = 4U; 251-300 = 6U; 301-350 = 8U ; > 350 = 12U
- Dose da insulina NPH: 2/3 da dose de insulina regular usada nas últimas 24 horas ou 0,6U/kg/dia divididas em 2 tomadas (2/3 e 1/3).
· Reposição de potássio:
- Se K < 3,3 - iniciar reposição antes de iniciara insulinoterapia - repor 1 ampola de KCl 19,1% em SF 1000 ml em 1 hora e repetir dosagem.
- Se K entre 3,3 - 5,0 meq/l = repor 1 ampola de KCl 19,1% em cada SF 1000 ml e repetir dosagem cada 2 - 4 horas.
- Se K > 5,0 meq/l = repor quando valores <s que 5,0 meq/l.
· Reposição de bicarbonato:
- Só deve ser realizada se HCO3 < 6,9 – repõe em 100ml de Bic Na 8,4% em 2 horas – repetir gasometria após 1-2 horas.
· Controle da glicemia:
- De hora em hora até correção da CAD.
· No segundo dia de internação...
- Paciente manteve quadro de dor e distensão abdominal com vômitos apesar da melhora da acidose metabólica (pH de 7,35 e HCO3 de 13,2). Houve queda do potássio para 2,9 meq/l que precisou ser reposto de forma mais agressiva e também houve melhora da creatinina para 2,9 e uréia de 53. Hemograma com piora do desvio a esquerda com desvio até metamielócito e 43% de bastões. Manutenção de taquicardia e taquipnéia.
- Solicitados amilase de 358U/L (normal de até 125U/L), albumina de 3,0g/dl, transaminases normais, cálcio normal, INR de 1,32, TTPA de 23,7 segundos e triglicerídeos de 200mg/dl.
- Fazer USG para excluir causa biliar. Analgésico, hidratação. O USG é mais feito inicialmente para descartar causa biliar e caso o paciente não evolua bem, está autorizado a pedir uma tomografia.
· USG com líquido livre na cavidade e pâncreas com sinais sugestivos de pancreatite sem cálculos 
CT de abdome: ideal 3-6 dias da doença
Primeiras 48 horas: falsos-negativos 
- Necrose pancreática pode infectar em 30-70% dos casos
- TC foi feita sem contraste, pois o paciente estava com disfunção renal, ruim para definir, um dos sinais de complicação da pancreatite. Nessa TC, mostra um pequeno derrame pleural, pâncreas um pouco borrado e o laudo falam que se pode ter uma pancreatite com baltazar mais elevado. Foi tratado também com antibiótico. 
· Diagnóstico de pancreatite – 2 dos 3 critérios:
- Dor abdominal em andar superior do abdome
- Aumento de pelos menos 3x o valor normal das enzimas pancreáticas
- Exame de imagem com alteração sugestiva de pancreatite aguda (CT ou RNM) 
· Causas de pancreatite aguda:
- Biliar – 35 a 45 % dos casos
- Alcoólica – 25 a 35% dos casos
- Pós-operatória
- Pós-CPRE – 5 a 6% dos casos
- Pós-trauma
- Metabólica: hipertrigliceridemia, hipercalcemia – 2 a 5% dos casos
- Infecciosa: parotidite, CMV, Coxsackie, hepatite viral, SIDA, micoplasma, M. avium – até 4,6% dos casos
- Medicamentosa: azatioprina, sulfamidas, furosemida, tiazídicos, estrógenos, paracetamol, AINES, eritromicina, antiretrovirais
- Vasculares: síndrome de isquemia-reperfusão, embolias
- Auto-imunes: LES, PTT, panangeíte necrotizante
- Outras: úlceras pépticas penetrantes, obstrução da ampola de Vater
- Casos recorrentes: medicamentosa, hiperlipêmica, CA de pâncreas, fibrose cística, disfunção do esfíncter de Oddi, idiopática (15 a 25% dos casos)
· Nosso paciente foi considerado como tendo uma pancreatite aguda grave por apresentar:
- Dor abdominal com CT mostrando complicações locais – coleção, necrose?
- Sinais de SIRS
- Só apresentava 1 critério de Ranson na admissão – MORTALIDADE < 1%
· Como o paciente foi tratado?
- Mantido em jejum
- Sintomáticos para dor
- Inibidor da bomba de prótons endovenoso
- Nutrição parenteral
- Hidratação endovenosa
- Insulina endovenosa
- Antibioticoterapia endovenosa (meronem 1g EV de 8/8 horas) após 4 dias de internação devido febre + piora da leucocitose com desvio a esquerda e achados do CT que sugeriam necrose
 - Boa evolução após 7 dias de internação na UTI com resolução progressiva do estado inflamatório. Realizado novo CT com contraste, iniciado dieta VO e alta para a enfermaria após 10 dias de internação em UTI.
- A CAD pode ser a primeira manifestação de DM em 20% dos casos.
- São pilares para o tratamento da CAD, a hidratação, a insulinoterapia, a correção dos distúrbios eletrolíticos e metabólicos, e principalmente determinar e tratar a causa base. O paciente deve ser monitorado de perto com controles laboratoriais frequentes principalmente nas primeiras 24 horas de tratamento e se sinais de complicação.
- Apesar da dor abdominal ser uma queixa comum na CAD, é importante pensar nos possíveis diagnósticos associados e a pancreatite pode ser causa ou consequência da descompensação diabética.
- Diante do diagnóstico de pancreatite deve-se estimar sua gravidade de acordo com achados clínicos, laboratoriais e de imagem.
- O USG de abdome deve ser realizado em todos pacientes com pancreatite aguda por detectar inflamação pancreática, e ter sensibilidade elevada para detectar cálculos biliares.
- A tomo de abdome com contraste é necessária quando há dúvida diagnóstica, para diagnósticos diferenciais e para avaliação de possíveis complicações locais.

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