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AULA 6 DIDÁTICA DO ENSINO E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM EM LÍNGUA PORTUGUESA Profª Mariana Trautwein CONVERSA INICIAL Nesta nossa última aula, trabalharemos com o último eixo norteador do ensino da disciplina de Língua Portuguesa (LP): a gramática e a análise linguística. Antes de falarmos sobre esse eixo em sala de aula, vamos refletir um pouco sobre os conceitos nele envolvidos, como esses conceitos se relacionam com a língua e com a percepção do ensino da gramática e, consequentemente, da LP. Depois, veremos as orientações das diretrizes oficiais e algumas formas de trabalhar significativamente com esse eixo, além de discutirmos um pouco sobre seus critérios e formas de avaliação. Ao fim desta última aula, espera-se que você, professor, tenha um panorama geral sobre os conceitos envolvidos na didática e avaliação da disciplina de LP e sobre o trabalho com seus quatro eixos norteadores. CONTEXTUALIZANDO O último eixo norteador do ensino de LP, conforme as diretrizes oficiais, é o desenvolvimento da gramática e da análise linguística. Para podermos discutir sobre esse eixo em sala de aula, primeiro precisamos conseguir responder: O que é a gramática? Quais seus diferentes conceitos? Qual seu relacionamento com a língua em uso e com as nomenclaturas metalinguísticas? Depois de entendermos essas questões na primeira parte da aula, partiremos para o que realmente nos concerne em sala de aula: o ensino e a avaliação desse eixo, o que nos faz questionar como trabalhar com a gramática e a análise linguística de forma significativa em sala de aula. TEMA 1 – AS DIFERENTES GRAMÁTICAS A maioria das pessoas desconhece que o termo gramática tem mais de um significado e que está relacionado a diferentes conceitos. Antunes (2007, p. 25) aponta que existem pelo menos cinco conceitos diferentes para a palavra : i) o das regras que definem o funcionamento de determinada língua; ii) o das regras que definem o funcionamento de determinada norma; iii) o de uma perspectiva de estudo; iv) o de uma disciplina escolar; v) o de um livro. 03 Cada uma dessas acepções se refere a um objeto diferente e todas coexistem. Vejamos mais detalhadamente cada uma delas. A gramática como regras que definem o funcionamento da língua refere- se aos padrões dessa língua, desde o nível da formação de sílabas e palavras até os de distribuição dessas unidades em frases e em períodos. Como menciona Antunes (2007, p. 26), “Nada na língua, em nenhuma língua, escapa a essa gramática. Por isso é que se diz que não existe língua sem gramática. Nem existe gramática fora da língua” . Em outras palavras, essa primeira concepção de gramática engloba as regras que regem uma língua, que fazem com que seus falantes sigam a mesma estrutura-base para se comunicar. É também conhecida como gramática internalizada, pois não é formalmente aprendida, ela simplesmente existe a partir da aquisição de uma língua, por meio das tentativas e erros que se passam durante esse processo de aquisição. Ela explica o fato de sabermos todos, mesmo pessoas sem aparente instrução, que a frase “Caiu bolo no Maria da chão” não é uma frase do português e que seus elementos estão desorganizados; ou o fato de nenhuma criança responder “queremos” ou “quis” se alguém pergunta a ela (apenas essa criança) se quer alguma coisa. Trata-se de uma gramática da língua e de todas as suas variedades e ela não é uniforme para todos, cada um tem as regras que usa, isto é, as de sua variedade, internalizadas. O próximo conceito de gramática é o das regras que definem o funcionamento de uma norma, isto é, de uma variedade única que é vista como a aceitável, a certa, a “normal”. Por isso, essa gramática também é conhecida como gramática normativa ou gramática tradicional. É importante frisar que as regras dessa gramática não são propriamente linguísticas, mas sim de origens históricas e sociais, e que determinam o falar socialmente mais aceito. O terceiro conceito refere-se à perspectiva científica e aos métodos de investigação sobre as línguas, como a gramática gerativa ou a gramática funcionalista. Cada uma dessas segue uma linha de estudo científico com pressupostos e propriedades distintas: a gramática gerativa parte do pressuposto de que a linguagem é inata, assim como suas regras; já a gramática funcionalista descreve suas regras de acordo com suas funcionalidades no processo de comunicação. O quarto conceito é a gramática vista como objeto de estudo de uma disciplina: a aula de gramática. Nesse conceito reside um dos mitos sobre o 04 ensino de LP, o de que só se estuda a LP se estivermos estudando sua gramática – suas regras e relações vistas nas aulas de LP, muitas vezes chamadas de aulas de gramática. Por fim, o livro chamado Gramática, provavelmente o conceito mais conhecido. Esse livro é resultado de um compêndio de descrições sobre o funcionamento da língua e pode ter caráter mais descritivo (ligado ao primeiro conceito aqui visto) ou mais prescritivo (ligado ao segundo conceito, só levando em conta a variedade culta/normativa). Como exemplo desses diferentes tipos do livro gramática podemos citar a A Gramática Descritiva do Português, de Perini (2007), como uma gramática que descreve a língua em uso, e as gramáticas escolares, como as de Infante (1997) ou Terra (2002), que apresentam um tom mais prescritivista das regras da variedade culta / norma- padrão. Agora que entendemos os diferentes conceitos ligados à palavra gramática, vejamos sua relação com a língua no próximo tema. TEMA 2 – A RELAÇÃO LÍNGUA E GRAMÁTICA Quem acredita que língua e gramática são a mesma coisa reduz a língua ao um único componente, o gramatical. Essa crença pauta outro mito linguístico, o de que “quem domina a gramática domina a língua”, ou vice-versa, e de que estudar a língua é estudar apenas sua gramática, aqui em seu sentido normativo. Como já vimos em aulas anteriores, a língua é uma atividade interativa, direcionada para a comunicação social e supõe outros componentes além de sua gramática internalizada ou normativa, pois a língua é “uma entidade complexa, um conjunto de subsistemas que integram e se interdependem irremediavelmente” (Antunes, 2007, p. 40). Antunes afirma que a língua é constituída de dois componentes: o léxico, que inclui as palavras da língua, ou seja, seu vocabulário, e a gramática, em seu conceito de gramática internalizada composta das regras de construção de palavras e sentenças nessa língua. Esses dois componentes estão relacionados intimamente, já que as regras de uma língua especificam a criação de novas unidades lexicais, e a mobilização de seus radicais, prefixos e sufixos permite que novas relações sejam estabelecidas. Além desses componentes, a autora relaciona ainda mais dois: a composição de textos – enunciados escritos ou orais – e a situação de interação, 05 pois a língua supõe uso e uma atualização concreta de interações complexas feitas por seus usuários. Sendo assim, restringir a língua a apenas sua gramática, especialmente a uma gramática normativa, é “perder de vista sua totalidade e, portanto, falsear a compreensão de suas múltiplas determinações” (Antunes, 2007, p. 41). Veremos nos próximos temas como essa relação influencia o trabalho com a gramática, tanto em seu conceito internalizado de conhecimento linguístico, quanto em seu conceito normativo. TEMA 3 – REGRAS DE GRAMÁTICA X NOMENCLATURAS GRAMATICAIS Antes de entrarmos na temática específica da gramática e da aquisição linguística em sala de aula, vamos fazer mais um esclarecimento sobre a diferença entre estudar a língua e sua gramática e estudar nomenclaturas. É um equívoco pensar que aprender gramática é saber classificar palavras e sentenças. Como vimos anteriormente, a gramática reflete as regras de uma língua,ou de apenas uma norma dessa língua, mas para ter domínio dessas regras não é necessário dominar sua classificação. Antunes relaciona o reconhecimento dessa classificação, como saber o que são substantivos e adjetivos desde as séries iniciais do Ensino Fundamental I, com a visão equivocada de acreditar que conhecer as classes é aprender a língua, quando afirma: Com tal exploração de classes e categorias gramaticais, se cristaliza a “certeza” de que a escola está oferecendo - como deveria ser - o estudo da gramática que é necessária para que as pessoas atuem de forma eficaz […] Ora, falta à maioria das pessoas leigas em questões linguísticas a clareza para discernir entre o que são regras e o que são apenas elementos da terminologia gramatical, isto é, rótulos, nomes das unidades da gramática. (Antunes, 2007, p. 70) Podemos entender então que estudar nomenclaturas não é sinônimo de estudar gramática ou estudar a língua. Como regras de gramática, podemos citar alguns exemplos: colocar o verbo em primeira pessoa quando o sujeito refere- se a quem está falando (eu penso); colocar o artigo antes do substantivo (o livro); alterar a forma do substantivo em caso de concordância de gênero ou número (o gato - os gatos - a gata - as gatas), usar o indicativo para afirmações, em situações reais, (cheguei em casa) e o subjuntivo para situações hipotéticas (se eu chegasse em casa rapidamente, …); alterar o tempo dos verbos de acordo com o tempo do ato enunciado. 06 Podemos ver que para o desenvolvimento linguístico e aquisição dessas regras não é necessário, na maioria das vezes, saber a metalinguagem envolvida em sua descrição e prescrição, isto é, saber que o é um artigo e gato um substantivo, ou que a oração dependente que segue o “mas” é uma oração subordinada adverbial. Para possibilitar que nossos alunos atuem de forma eficaz nas diversas situações da vida social, seja falando, lendo ou escrevendo, temos que garantir que eles reconheçam essas regras e possam colocá-las em uso quando necessário, pois de nada adianta o aluno saber a classificação metalinguística, se não se conseguir utilizar esse recurso nas situações discursivas. É claro que após a aquisição dessas regras, considerando que continuamos refletindo sobre a língua, é natural que passemos a compreender os termos e classes que são usados para descrever tais regras e recursos da língua. Por isso, a escola é certamente o lugar de se aprender as nomenclaturas que descrevem, de forma metalinguística, as regras e recursos da língua, até na tentativa de se compreender melhor o funcionamento desse sistema. Porém, essas nomenclaturas não podem ser o critério único para se aprender e para avaliar os conhecimentos gramaticais do aluno, como confirma Antunes (2007, p. 81) ao afirmar que a pertinência de trabalhar com nomenclaturas nos leva a fazer da nomenclatura um recurso, uma mediação, um ponto de passagem e não um fim, ou um objetivo isolado de estudo e, muito menos, de avaliação. Consequentemente, os muitos exercícios de simples reconhecimento das categorias gramaticais passam a ocupar um tempo mínimo em sala de aula. Até porque, se nos detivermos em um programa com ênfase nos componentes textual e discursivo da língua, vai faltar tempo para atividades de simples reconhecimento de substantivos, verbos, advérbios, dígrafos - e outras coisas similares. TEMA 4 – O TRABALHO COM A AQUISIÇÃO LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA Agora que já esclarecemos algumas questões sobre o que é gramática, quais seus possíveis conceitos, sua relação com a língua e com a metalinguagem usada para sua descrição, vamos pensar mais especificamente sobre esse eixo norteador nas aulas de LP. Nada melhor para começar essa reflexão que o poema de Carlos Drummond de Andrade: Aula de Português Carlos Drummond de Andrade 07 A linguagem na ponta da língua tão fácil de falar e de entender. A linguagem na superfície estrelada de letras, sabe lá o que ela quer dizer? Professor Carlos Góis, ele é quem sabe, e vai desmatando o amazonas de minha ignorância. Figuras de gramática, equipáticas, atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me. Já esqueci a língua em que comia, em que pedia para ir lá fora, em que levava e dava pontapé, a língua, breve língua entrecortada do namoro com a prima. O português são dois; o outro, mistério. Nesse poema de Drummond, podemos ter ideia da percepção dos alunos sobre as aulas de LP. Se o objeto do ensino de LP é a linguagem em uso, como discutimos em aulas anteriores, como pode o aluno, representado pela voz do poeta, “esquecer a língua que comia, que pedia para ir lá fora”? Essa é a linguagem em uso que não pode ser vista como uma língua estrangeira pelo aluno a partir das reflexões que apresentam sua gramática e sua variedade mais formal ou normativa. É importante que fique claro ao professor que a variedade linguística que o aluno traz em sua bagagem não deve ser substituída pela variedade formal/normativa, mas que as duas devem, sim, coexistir para que possam ser acionadas de acordo com as necessidades comunicativas encontradas por ele. Exatamente por essa razão é que o trabalho de análise linguística – termo utilizado pelos PCN para se referir ao desenvolvimento da gramática, como regras da língua – não pode ser reduzido ao trabalho sistemático das regras normativas ou do livro que as descreve ou prescreve, conforme os conceitos 08 vistos nos temas anteriores. Na verdade, para se atingir esse desenvolvimento, de acordo com as diretrizes, devemos [...] criar situações em que os alunos possam operar sobre a própria linguagem, construindo pouco a pouco, no curso dos vários anos de escolaridade, paradigmas próprios da fala de sua comunidade, colocando atenção sobre similaridades, regularidades e diferenças de formas e de usos linguísticos, levantando hipóteses sobre as condições contextuais e estruturais em que se dão (Brasil, 1998, p. 28). Para que essas situações de aprendizagem possam ocorrer é necessário pensar além da dimensão gramatical e das nomenclaturas gramaticais discutidas no tema anterior. Deve-se pensar também na dimensão discursiva e nas adaptações linguísticas que ela requer de nossos alunos. Por isso, os PCN afirmam que a prática da análise linguística não é simplesmente uma nova denominação para o conhecido ensino de gramática normativa e também orientam o caminho a se tomar. O modo de ensinar [...] não reproduz a clássica metodologia de definição, classificação e exercitação, mas corresponde a uma prática que parte da reflexão produzida pelos alunos mediante a utilização de uma terminologia simples e se aproxima, progressivamente, pela mediação do professor, do conhecimento gramatical produzido. Isso implica, muitas vezes, chegar a resultados diferentes daqueles obtidos pela gramática tradicional, cuja descrição, em muitos aspectos, não corresponde aos usos atuais da linguagem, o que coloca a necessidade de busca de apoio em outros materiais e fontes (Brasil, 1998, p. 29). A prática de análise linguística e seu desenvolvimento devem estar articulados às práticas de linguagem, isto é, aos textos. Ao trabalharmos esse eixo em uma situação discursiva, representada por um texto oral ou escrito, estamos desenvolvendo os recursos em seu hábitat natural, em um processo sociocomunicativo-interacional. Dessa forma, podemos selecionar conteúdos que precisem ser desenvolvidos pelos alunos e trabalhar com eles de forma contextualizada, de maneira que a parte estrutural desse conteúdo, e até mesmo a de classificação, possa ser compreendida dentro de uma situação comunicativa. [...] quando se toma o texto como unidade de ensino, ainda que se considere a dimensão gramatical, não é possível adotar uma categorização preestabelecida. Os textos submetem-seàs regularidades linguísticas dos gêneros em que se organizam e às especificidades de suas condições de produção: isto aponta para a necessidade de priorização de alguns conteúdos e não de outros. Os alunos, por sua vez, ao se relacionarem com este ou aquele texto, sempre o farão segundo suas possibilidades: isto aponta para a necessidade de trabalhar com alguns desses conteúdos e não com todos (Brasil, 1998, p. 78-79). 09 Mendonça e Bunzen (2006, p. 208) afirmam, sobre a prática de análise linguística: [...] pode-se dizer que [a análise linguística] é parte das práticas de letramento escolar, consistindo numa reflexão explícita e sistemática sobre a constituição e o funcionamento da linguagem nas dimensões sistêmica (ou gramatical), textual, discursiva e também normativa, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de habilidades de leitura/escuta, de produção de textos orais e escritos e de análise e sistematização dos fenômenos linguísticos. Já sobre os conteúdos que concernem à análise linguística, Geraldi (1996, p. 129) critica que a sistematização dos conteúdos gramaticais [...] não se dá, na prática de sala de aula, de forma tão sistemática. O simples manuseio de alguns livros didáticos, ou de materiais alternativos produzidos para substituí-los, nos mostra que a sequência em que são trabalhados tais conteúdos gramaticais dificilmente permitirá, ao final de oito anos de estudos, que o aluno tenha um quadro sinóptico de ao menos uma proposta gramatical. O conteúdo é distribuído, nas diferentes séries, de uma forma tão irracional que a uma lição sobre o plural de substantivos compostos pode se seguir uma lição de análise sintática. Qual é, então, a sistematização que se oferece à reflexão prévia do estudante? Tratar-se-ia de uma sistematização a cada vez local? Por conta de quem ficaria, então, a construção de uma visão geral da teoria gramatical estudada? Por conta do estudante? Por essa arbitrariedade encontrada ainda nos currículos de LP, devemos observar quais as necessidades de nossos alunos, quais os recursos linguísticos que ainda estão em processo de aquisição ou que eles ainda sentem dificuldades. Essa observação deve ser feita em diferentes momentos: na oralidade, em situações informais e mais formais em sala de aula, e na modalidade escrita. A partir dessa observação acontece a seleção de textos que possuem amostragem desse recurso, para que aluno possa vê-lo em funcionamento e crie relações e conceitos pessoais para seu entendimento. Outra questão importante é encontrar textos próximos à realidade dos alunos, não limitando a escolha a gêneros estritamente formais, até porque um dos recursos da análise linguística é identificar e transitar entre diferentes variedades linguísticas. Notícias, tirinhas, charges, posts e até mensagens em redes sociais podem apresentar situações comunicativas reais que apresentam o domínio, ou a falta dele, de certo recurso linguístico. É interessante que um dos principais momentos para o trabalho com a análise linguística é durante o processo de reescrita, em que o aluno se depara com suas próprias inadequações e tenta encontrar formas de resolvê-las; nesse 010 momento ele não só reflete sobre a língua e sobre os conteúdos trabalhados, mas precisa colocá-los em prática. Vejamos, a seguir, alguns dos procedimentos metodológicos para o trabalho de análise linguística sugeridos pelos PCN: - isolamento, entre os diversos componentes da expressão oral ou escrita, do fato linguístico a ser estudado, tomando como ponto de partida as capacidades já dominadas pelos alunos: o ensino deve centrar-se na tarefa de instrumentalizar o aluno para o domínio cada vez maior da linguagem; - construção de um corpus1 que leve em conta a relevância, a simplicidade, bem como a quantidade de dados, para que o aluno possa perceber o que é regular; - análise de corpus, promovendo o agrupamento dos dados a partir dos critérios construídos para apontar as regularidades observadas; - organização e registro das conclusões a que os alunos tenham chegado; - apresentação da metalinguagem, após diversas experiências de manipulação e exploração do aspecto selecionado, o que, além de apresentar a possibilidade de tratamento mais econômico para os fatos da língua, valida socialmente o conhecimento produzido. Para esta passagem, o professor precisa possibilitar ao aluno acesso a diversos textos que abordem os conteúdos estudados; - exercitação sobre os conteúdos estudados, de modo a permitir que o aluno se aproprie efetivamente das descobertas realizadas; - reinvestimento dos diferentes conteúdos exercitados em atividades mais complexas, na prática de escuta e de leitura ou na prática de produção de textos orais e escritos. (Brasil, 1998, p. 79). Para que fique ainda mais cristalino que o objetivo do trabalho com a análise linguística não é o domínio das nomenclaturas e classificações dos fenômenos, e sim seu reconhecimento e aplicação prática, segue um trecho do livro Por que (não) ensinar gramática na escola, de Sírio Possenti, sobre a relação da disciplina de LP com esse eixo: No dia em que as escolas se dessem conta de que estão ensinando aos alunos o que eles já sabem, e que é em grande parte por isso que falta tempo para ensinar o que eles não sabem, poderia ocorrer uma verdadeira revolução. Para verificar o quanto ensinamos coisas que os alunos já sabem, poderíamos fazer o seguinte teste: ouvir o que os alunos do primeiro ano dizem nos recreios (ou durante nossas aulas), 1 Coletânea ou conjunto de documentos sobre determinado tema. Neste caso, refere-se especificamente a um conjunto de dados sobre um determinado fenômeno linguístico (substantivos, verbos, orações coordenadas, concordância, regência, etc.) que será apresentado e/ou construído com o aluno para que ele possa analisá-los e levantar generalizações empíricas. Esse processo mostra-se muito mais significativo ao aluno do que a apresentação de regras gramaticais seguidas de exercícios de complete. 011 para verificar se já sabem ou não fazer frases completas (e então não precisaríamos fazer exercícios de completar), se já dizem ou não períodos compostos (e não precisaríamos mais imaginar que temos que começar a ensiná-los a ler apenas frases curtas e idiotas), se eles sabem brincar na língua do “pê” (talvez então não seja necessário fazer tantos exercícios de divisão silábica), se já fazem perguntas, afirmações, negações e exclamações (então, não precisamos mais ensinar isso a eles), e assim quase ao infinito. Sobrariam apenas coisas inteligentes para fazer na aula, como ler e escrever, discutir e reescrever, reler e reescrever mais, para escrever e ler de forma sempre mais sofisticada etc. (Possenti, 1996, p. 32-33). TEMA 5 – AVALIAÇÃO DA ANÁLISE LINGUÍSTICA Já deu para perceber que a avaliação desse eixo norteador não é aquela que lista situações e pede classificações, como muitos ainda vivenciam nas salas de aula. Como vimos, as orientações das diretrizes oficiais demonstram que o foco desse eixo não é a gramática, e que análise linguística não é um novo nome para aulas de gramática, afirmando que Deve-se ter claro, na seleção dos conteúdos de análise linguística, que a referência não pode ser a gramática tradicional. A preocupação não é reconstruir com os alunos o quadro descritivo constante dos manuais de gramática escolar [...] (Brasil, 1998, p. 29). A partir dessa distinção, é perceptível que as avaliações desse eixo não podem ser feitas em atividades exclusivas, pois uma atividade assim não teria outra alternativa senão as famosas listagens e classificações. Como as próprias diretrizesafirmam, a melhor maneira de trabalhar com esse eixo é de forma contextualizada dentro de uma situação comunicativa, a partir de um texto, por isso a avaliação desse eixo fará parte da avaliação dos demais, em uma sequência didática que trabalhe de diversas maneiras com o conteúdo em questão. Vamos pensar em um exemplo prático: uma turma está trabalhando os classificados. Além de trabalhar os detalhes do gênero, sua leitura e interpretação e sua produção, esse texto é uma fonte de fenômenos linguísticos (verbos em terceira pessoa, utilização constante de sujeito indeterminado, uso de adjetivos para descrever o que está sendo anunciado, linguagem sucinta, etc.). A forma mais comum de vermos a gramática ser trabalhada nesse contexto seriam exercícios pontuais de gramática que se utilizam do texto como pano de fundo: “Encontre no classificado dois adjetivos”; “qual o sujeito da 012 sentença X do classificado?”; “quais são as palavras proparoxítonas presentes no classificado?”, “como classificar o período presente no classificado?”, etc. Esse tipo de exercício usa o texto como pretexto para um trabalho exclusivo de gramática, com pouca diferença dos exercícios de “complete” presentes na gramática. Para criar condições que possibilitem que o aluno desenvolva seus conhecimento linguísticos de forma relevante, isto é, além da memorização, é fundamental que o trabalho com a análise linguística extrapole a mera gramática. No exemplo dos classificados, poderíamos fazer a seguinte questão para trabalhar com o tipo de sujeito usado nesse gênero: “Este tipo de sujeito é muito utilizado neste gênero. Explique o porquê.”. Nesse tipo de questão, levamos o aluno para além da simples classificação do sujeito indeterminado, levamos esse aluno a analisar os motivos que levam ao uso desse sujeito para dizer “qualquer um, inclusive eu ou você, poderia ser o sujeito da situação descrita no predicado”. Pode-se trabalhar, na produção de classificados (orais ou escritos), qual a necessidade de se qualificar o que se está vendendo ou procurando, trabalhando assim os adjetivos em um nível superior a sua simples identificação e classificação. Nessa perspectiva, a avaliação dos exercícios pontuais torna-se dicotômica - certo ou errado – e não abre espaço para que cada aluno verifique a melhor forma de buscar seu próprio desenvolvimento. Ao trabalharmos com questões mais amplas – e com diferentes possibilidades de respostas que podem estar parcialmente certas/erradas e não apenas certas ou erradas, estamos levando o aluno à reflexão e dando a oportunidade para que ele possa rever seus equívocos e corrigi-los de forma processual. Uma técnica que pode se tornar interessante é a avaliação do desenvolvimento linguístico por conceitos, em vez de notas numéricas finais, dando oportunidade, na reescrita ou na refação, para que o aluno demonstre um melhor domínio do conteúdo e melhore seu conceito. Como podemos ver no exemplo anterior, a avaliação estará presente nos momentos de produção e compreensão oral, além dos momentos de interpretação e leitura e produção escrita. Nesses momentos, busca-se verificar se o aluno compreende, por meio de relações entre estruturas semelhantes, por exemplo, e produz certo conteúdo trabalhado especificamente até então. 013 Como já vimos, o momento da reescrita é um aliado poderoso no desenvolvimento da aquisição linguística, pois permite que o aluno reflita e aplique os recursos linguísticos para aumentar a clareza e facilitar a compreensão de seu texto. FINALIZANDO Nesta última aula, discutimos sobre o eixo norteador do ensino da disciplina de LP: a gramática e a análise linguística. Vimos que gramática não é uma coisa só e que a concepção de gramática adotada pelo professor influencia em seu trabalho com esse eixo em sala de aula. Também discutimos sobre a relação entre gramática, língua e nomenclaturas prescritivas, para enfim vermos as diretrizes que orientam que o trabalho com esse eixo deve estar ligado ao uso real da linguagem, sem a cobrança e avaliação de apenas nomenclaturas. Também verificamos a importância de os conteúdos de análise linguística estarem contextualizados, isto é, em uso real em uma situação discursiva, e que sua avaliação deve ser processual e feita em conjunto com o trabalho de outros gêneros, pois a avaliação descontextualizada meramente conduz a listas de exercícios classificatórios que não são adequados para o desenvolvimento dessa competência. Saiba mais Para complementar o conteúdo desta aula, indicamos as leituras a seguir: BORTONI, S. O que é gramática. Letra Magna, ano 3, n. 4, 2006. Entrevista com Stella Bortoni à revista Letra Magna sobre o que é gramática. FERREIRA, J. O. B. Gramática: um diagnóstico da abordagem no ensino fundamental. Monografia (Especialização).; UTFPR, Medianeira, 2013. Disponível em: <http://repositorio.roca.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/4307/1/MD_EDUMTE_201 4_2_46.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017. RIBEIRO, V. S. Ensino de gramática contextualizada: problematização e aceitação dos docentes em Língua Portuguesa. Capítulo I: Concepções de Disponível em: <https://parabolablog.com.br/index.php/en/blogs/o-que-e- gramatica-1>. Acesso em: 23 jun. 2022. 014 gramática. Disponível em: <http://www.unifan.edu.br/files/pesquisa/ENSINO%20DE%20GRAM%C1TICA %20CONTEXTUALIZADA%20PROBLEMATIZA%C7%C3O%20E%20ACEITA %C7%C3O%20DOS%20DOCENTES%20EM%20L%CDNGUA%20PORTUGU ESA%20-%20VIVIANE%20DE%20SOUZA.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017. RUFINO. K. M. Gramática tradicional X Gramática descritiva. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/gramatica-tradicional-x-gramatica- descritiva/113546/>. Acesso em: 15 nov. 2017. REFERÊNCIAS ANTUNES, I. Muito além da gramática: por um ensino sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 106 p. GERALDI, J. W. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas: Mercado das Letras, 1996. INFANTE, U. 36 lições práticas de gramática. 2. ed. São Paulo: Scipione, 1997. MENDONÇA, M.; BUNZEN, C. Sobre o ensino de língua materna no Ensino Médio e a formação de professores. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (Org.). Português no Ensino Médio e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. PERINI, M. A. A gramática descritiva do português. 4. ed. São Paulo: Ática, 2007. POSSENTI, S. Porque (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996. TERRA, E. Curso prático de gramática. São Paulo: Scipione, 2002.