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curriculo e cultura

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DESCRIÇÃO
Estudo das relações entre currículo e cultura demonstrando que não existe proposição curricular que imobilize a relação com as culturas e tradições locais.
PROPÓSITO
Instrumentalizar os profissionais de educação de acerca da construção curricular, considerando sua necessária adaptação às culturas e às demandas dos grupos envolvidos.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Relacionar as noções de cultura e suas relações com o currículo no contexto atual da educação
MÓDULO 2
Reconhecer a perspectiva do multiculturalismo crítico em Currículo como área pedagógica
MÓDULO 3
Identificar o papel da cultura na constituição do currículo
MÓDULO 4
Identificar os impactos das dinâmicas sociais contemporâneas no campo do Currículo
INTRODUÇÃO
As relações entre os currículos e a cultura devem ser estudadas para que se compreendam muitos dos debates que envolvem esse campo. Entre as muitas concepções de cultura e de relações entre diferentes culturas, cabe destacar a chamada noção antropológica de cultura: além de ser hoje a mais aceita, defende a ideia das culturas como modos de transformação da natureza pelo homem e formação de comportamentos sociais específicos de povos, momentos históricos e situações diferentes. Essa concepção supera formulações e compreensões mais antigas que entendiam a diferença cultural como derivada de herança genética.
Currículo é um campo da Pedagogia que trata da seleção de conhecimentos, práticas e direcionamentos para a organização dos ambientes de aprendizagem. Tais seleções são necessariamente marcadas pelas sociedades em que vivemos e, por consequência, pela cultura, seja por meio de ações humanas ou de suas interpretações. Juntando as duas pontas, afirmamos: currículo e cultura são indissociáveis.
Se currículo e cultura estão inscritos no mundo e são inseparáveis, como se dá essa operação? Nas Ciências Sociais, em particular na Sociologia, o que se considera diferenciador é a ação social. A ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam: não em si mesma, mas em razão dos muitos e variados sistemas de significação (linguagens) utilizados para definir o sentido das coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos outros.
Vamos a um exemplo: se eu estender a mão a um aluno em um ambiente escolar, é uma ação que é reconhecida como valor em meio aquele conjunto. Os resultados são muitos: evitar por conta do medo do contágio de alguma doença, apertar com força, recusar o aperto de mão. Todo esse conjunto de códigos só tem sentido em um meio social. Tanto dar a mão quando a ação do outro são imprevisíveis, ainda que existam algumas tendências. Estudar a relação entre currículo e cultura é ofertar a mão em um aperto. Vamos pensar sobre quantos efeitos e interpretações são possíveis e fortalecer nosso olhar sobre cultura.
Assista agora a um vídeo que apresenta o conceito de cultura.
MÓDULO 1
A CULTURA E SUAS RELAÇÕES COM O CURRÍCULO
Relacionar as noções de cultura e suas relações
com o currículo no contexto atual da educação
AÇÃO SOCIAL
Comportamento distinto daqueles parte da programação genética, biológica ou instintiva. A ação social significa uma opinião, uma compreensão de mundo, uma vontade ou possibilidade. Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido — o que é parte de cada cultura e algo que os distingue dos demais animais, já que humanos criam símbolos e se expressam coletivamente por meio deles.
O CAMPO PEDAGÓGICO DO CURRÍCULO E A CULTURA
Imagem: shutterstock.com, adaptada por Rossana Ramos
A preocupação que habita o campo do Currículo, do ponto de vista cultural, repousa sobre o entendimento das ações sociais nele e por ele engendradas. As propostas e práticas curriculares, como ação social que constituem, devem trazer significados que possam ser compartilhados entre os diferentes sujeitos das escolas.
Ao mesmo tempo, devemos evitar nos devolver à concepção de cultura que separa o que pode ser considerado válido, cultural e socialmente, do que é percebido como “ignorância”.
Vivemos um novo mundo com tantos incrementos que o debate passa pelo seguinte questionamento: será que vivemos uma nova “aldeia global” homogênea ou uma cultura tão individual que o mundo se tornou totalmente heterogêneo?
Imagem: Shutterstock.com, adaptado por Rossana Ramos
Assim, é preciso refletir sobre as consequências, na sociedade e nos currículos, dessas transformações. Deve-se lembrar sempre que, ao mesmo tempo em que esse estreitamento de relações reduz diferenças, a reafirmação identitária e a hegemonia da cultura branca, ocidental e europeia mantém as relações culturais perigosamente excludentes. Os preconceitos derivados da valorização excessiva de culturas europeias em detrimento de outras culturas importantes na formação social do Brasil, como as culturas africanas, afrodescendentes e indígenas, segue operando na sociedade brasileira, nas práticas sociais e nos currículos.
Vamos contrapor o pensamento colonial e o pensamento decolonial
Tradição colonial
Linha de tempo europeia
Cultura erudita
Civilidade
Centro
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Proposição decolonial
Regionalismos
Cultura popular
Identidade
Periferias
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
DECOLONIAL
Utilizado para fazer referência à ruptura com as tradições culturais e as estruturas de interpretação do mundo dos colonizadores. Aparece fortemente nas Américas e na África.
Há um leque de movimentos sociais que se abrem e se fecham a todo instante, impedindo que o mundo se torne um espaço culturalmente uniforme e homogêneo, ao reagirem e reafirmarem suas especificidades, mesmo sem rejeitar interações e mudanças mútuas.
RESUMINDO
Podemos dizer, portanto, que há uma cultura global gerada pela ampliação das interações e pela globalização, mas que esta acabou apresentando ao mundo diferenças culturais, que fazem esse movimento globalizante prosperar paralelamente aos movimentos sociais locais. Isso exige dos “participantes” a reafirmação de si e a aceitação do outro e daquilo que ele nos modifica. Em outras palavras, talvez esses movimentos culturais produzam, até de maneira contraditória, simultaneamente novas identificações "globais" e novas identificações “locais”.
É evidente que o efeito leque, para funcionar e ter sentido, necessita de um abrir e fechar, ou seja, de um vai e vem em que mudanças dialogam com permanências, tradições são atualizadas e novidades emergem, mas não linearmente, são gestadas nesse processo complexo de hibridização e reafirmação de si.
O PROBLEMA CULTURAL DOS CURRÍCULOS ESCOLARES
Imagem: Lightspring/shutterstock.com
Com relação aos currículos escolares e os modos como se relacionam com essa pluralidade cultural e processos de hibridização — recentes e antigos — infelizmente, ainda se tem hoje no Brasil a predominância de propostas centradas na ideia de uma escola que transmita os conhecimentos acumulados pela humanidade. Nesses currículos, não se questiona a seleção de certos conhecimentos dentre muitos possíveis e a parte da humanidade envolvida nessa produção e acumulação de conhecimentos.
HIBRIDIZAÇÃO
Currículos híbridos reúnem tendências, modalidades, metodologias diversas na construção das práticas. Podem ser vistos desde tempos antigos, mas são repensados e reapresentados como novidades educacionais.
Fonte:Shutterstock
Como o conhecimento precisa ser pensado:
Fonte:Shutterstock
Então, como perceber a relação entre as culturas e entre as culturas e os currículos escolares, para compreendermos os critérios de escolha do que será ensinado ou não? Para tratar desse problema, é preciso ir mais longe, já que essas escolhas dependem da estrutura que se pretenda contemplar, da lógica com a qual se pretende trabalhar na estruturação da proposta e dos próprios objetivos da educação definidos antes dessas escolhas.
Naturalizando a estruturação disciplinar da proposta curricular e assumindo as disciplinastradicionalmente ministradas como ponto de partida, mesmo quando a elas se acrescentam “temas transversais” ou “integradores”, as relações entre as culturas e a pluralidade delas já está comprometida, uma vez que tais disciplinas e propostas sempre foram baseadas nos conhecimentos produzidos no campo da ciência moderna, a partir da visão cultural eurocêntrica.
O que defendemos é que, antes de pensar em conteúdos curriculares e em sua distribuição por disciplinas ou períodos de escolarização, é preciso pensar no que pretendemos com a educação escolar. Antes de definirmos “objetivos de aprendizagem”, é preciso definir os objetivos da educação e, para tal, é preciso saber de que modo a proposta curricular considera o respeito à pluralidade necessário e de as diferentes contribuições das culturas para a formação do Brasil.
OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO
Para pensar os objetivos da educação, Oliveira propõe algumas questões centrais: “O que pretendemos alcançar como nação quando tornamos obrigatório para todas as crianças do país a escolarização entre os quatro e os quinze anos de idade? O que queremos que se tornem essas crianças? Como entendemos que isso é possível? Com que estrutura institucional e curricular das escolas?” (OLIVEIRA, 2017, p. 293).
QUE BRASIL NÓS QUEREMOS?
UNIDO? FORTE? GIGANTE? PODEROSO?
??????
QUEREMOS MENOS UM BRASIL QUE NOS ENSINE O QUE DEVEMOS SER...
O CURRÍCULO PRECISA URGENTEMENTE SER O LAR, O ESPAÇO DE ACOLHIMENTO DE TODOS.
NÃO É O BRASIL QUE ME FORMA. NÓS FORMAMOS O BRASIL.
NÃO É A ESCOLA QUE ME FORMA. NÓS FORMAMOS A ESCOLA.
É essencial lembrar que nem tudo o que acontece nas escolas depende apenas das escolas, uma vez que esses objetivos dependem de políticas de viabilização, tais como: condições físicas, materiais, de transporte; salários, docentes e equipes de apoio; políticas de atendimento aos estudantes, entre outras. Isto é, nem tudo que concerne as escolas e os processos de escolarização se resolve, decide ou acontece nas escolas e nos processos de escolarização.
Ressalta-se a necessidade de reconhecimento e consideração de outras matrizes culturais formadoras do Brasil, para pensar currículos em sua perspectiva formadora de cidadãos e com responsabilidade inclusiva.
Nem sempre tem sido assim, entretanto. Com base nos conhecimentos “acumulados” pela parte da humanidade branca e europeia — predominantemente masculina —, a estrutura escolar e curricular do Brasil segue o mais estrito eurocentrismo: parte de e se baseia no olhar dos colonizadores. Definido como o processo por meio do qual a Europa se constitui como o centro de poder no mundo, principalmente com a colonização, essa visão de mundo eurocêntrica privilegia o conhecimento ocidental europeu, construído sob o mito da universalidade desses conhecimentos, considerados como os únicos válidos e legítimos a partir do lócus de enunciação do sujeito europeu, “civilizado, desenvolvido, descorporificado, dessubjetivado, neutro, objetivo e universal” (SANTOS, 2002).
ATENÇÃO
Devido a essa visão, toda a gama de experiências e conhecimentos produzidos em outros contextos e por outros sujeitos, formados em outras tradições culturais, é desconsiderada. Por isso, acredita-se que não deve entrar nas escolas oficialmente, devendo ser repelida fortemente e ignorada.
O conhecimento eurocêntrico é, assim, um conhecimento intrinsecamente atrelado à modernidade/colonialidade do poder, do ser e do saber, mas é afirmado como “neutro, objetivo e universal”, negando o passado e o presente de genocídios e epistemicídios cometidos sob sua lógica (SANTOS, 2002).
Não parece ser necessário avançar muito para perceber o quanto a formação para a democracia, para a justiça e para a cidadania — metas explícitas da educação brasileira, registradas em diferentes documentos — exige considerar as questões culturais e o modo como interferem nas definições dos currículos e, portanto, na inclusão ou exclusão de diferentes grupos sociais.
No Brasil atual, quanto mais distante da cultura europeia um estudante estiver, menores são suas chances de sucesso, uma vez que sua compreensão de mundo não dialoga com aquela que lhe é imposta pelos currículos do modo como a escola gostaria.
DEMOCRACIA
Contemporaneamente, significa ambiente democrático, de liberdade de troca e ações políticas do povo, fundado em princípios de convivência e equilíbrio social.
JUSTIÇA
Substituta do ideal de igualdade da Revolução Francesa, significa ter a garantia de ser protegido pelo Estado e pleitear seus direitos.
CIDADANIA
Substituto de fraternidade da Revolução Francesa, é um valor de reconhecimento do outro, ofertando-o condições de ser efetivamente reconhecido como alguém em um ambiente democrático e justo.
DOCUMENTOS
Alguns exemplos desses documentos são: Constituição da República Federativa do Brasil, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Plano Nacional da Educação, Parâmetros Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum Curricular.
Apesar do modelo de pensamento europeu presidir as escolhas de conteúdos e as formas de ensino, os alunos e docentes, oriundos de outras tradições culturais, interferem nessas propostas e modificam-nas, incorporando a elas suas próprias experiências, dialogando com aquilo que lhes é estranho, a partir daquilo que lhes é familiar, como as culturas locais, com origem nos povos colonizados, suas crenças e conhecimentos.
Por isso, é possível dizer que, mesmo quando há a perspectiva de um currículo democrático, fortemente vinculado às tradições coloniais, a ação humana tem deixado marcas e adaptações que não o permitem agir plenamente.
Assista agora a um vídeo que apresenta de forma lúdica as tradições brasileiras.
Para que a educação básica se torne de fato inclusiva, formadora para a democracia e para a igualdade, além de ensinar conteúdos formais, é necessário oferecer a todos a oportunidade de alcançar e manter um padrão mínimo de qualidade da aprendizagem, o que, como vimos, depende dos modos como as propostas e práticas curriculares incluem, ou não, conhecimentos e valores multiculturais.
A preocupação com a qualidade do ensino deve, portanto, ser expressa por meio da luta pela superação de todos os obstáculos que impeçam as diferentes culturas de se expressarem e serem consideradas ao longo dos processos educativos. Os preconceitos e estereótipos de qualquer natureza devem ser combatidos, em nome de uma educação para todos, que esteja em conformidade com os princípios da democracia e do reconhecimento mútuo.
Cabe ressaltar que as vítimas preferenciais dos processos de discriminação e inferiorização curricular são os grupos sociais subalternizados que, conforme o art. 3 da Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1991), devem ter recuperados seus direitos à educação.
UM COMPROMISSO EFETIVO PARA SUPERAR AS DISPARIDADES EDUCACIONAIS DEVE SER ASSUMIDO. OS GRUPOS EXCLUÍDOS — OS POBRES; OS MENINOS E MENINAS DE RUA OU TRABALHADORES; AS POPULAÇÕES DAS PERIFERIAS URBANAS E ZONAS RURAIS; OS NÔMADES E OS TRABALHADORES MIGRANTES; OS POVOS INDÍGENAS; AS MINORIAS ÉTNICAS, RACIAIS E LINGUÍSTICAS; OS REFUGIADOS; OS DESLOCADOS PELA GUERRA; E OS POVOS SUBMETIDOS A UM REGIME DE OCUPAÇÃO — NÃO DEVEM SOFRER QUALQUER TIPO DE DISCRIMINAÇÃO NO ACESSO ÀS OPORTUNIDADES EDUCACIONAIS.
(DECLARAÇÃO..., 1991)
São tais grupos que as propostas de unificação curricular baseadas nos saberes formais da cultura europeia mais excluem, e esse é um dos principais problemas da política curricular brasileira neste momento.
O PROBLEMA CULTURAL NAS POLÍTICAS CURRICULARES NO BRASIL ATUAL
Quando nos dedicamos a refletir sobre o modelo educacional brasileiro e os valores que lhe são subjacentes — fundamentalmente ligados à tradição cultural europeia —, percebemos o quanto muitos segmentos sociais do país, formados por populações subalternizadas econômica e culturalmente, permanecem excluídos mesmo quando estão dentro das escolas.
PERMANECEM EXCLUÍDOS
A professora Inês Oliveira apresenta um exemplo dessa condição:
“Isso se evidencia numa história vivenciadapor uma professora ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que me esclareceu a plateia, em um evento da área, ‘porque parecia fundamental ao movimento propor sua própria pedagogia e colocá-la em prática com professores ligados ao movimento’. O objetivo era evitar a repetição da opressão praticada por professores advindos da cidade. Era comum, segundo ela, alunos em dificuldades de aprendizagem ouvirem de suas professoras, em tom de ameaça, que se não se dedicassem ao estudo poderiam ‘acabar como os pais’, ou seja, trabalhadores rurais sem terra! Além de culpar as vítimas de um sistema social produtor e realimentador de iniquidades pela situação econômica em que se encontram, a prática desrespeita o local, a cultura e os saberes que o caracterizam, assumindo o padrão urbano e pequeno burguês como o único desejável” (OLIVEIRA, 2017, p. 294).
ATENÇÃO
Demonstra-se, assim, a incompatibilidade entre currículos únicos — uma das críticas que se faz à Base Nacional Comum Curricular —, tanto que significa para o sucesso da escolarização o respeito à pluralidade social e à diversidade do país, de modo a evitar que haja prejuízos aos diferentes grupos sociais, especialmente aos grupos subalternizados. Logo, torna-se necessário desnaturalizar os conteúdos que sempre estiveram presentes nos currículos, produzindo e legitimando a ausência de outros tantos, e refletir sobre quem define os conteúdos necessários, como e por quê.
POR QUÊ
Imagem: iam2mai/shutterstock.com
“A essa reflexão devemos acrescentar, com base em que valores, em que critérios e em que concepção de educação, de currículo e de formação. Nenhuma dessas questões pode ser respondida por meio de uma política curricular conteudista e disciplinarista. Isso porque é necessário refletir sobre que proposta curricular que busque respeitar a diversidade e evitar a naturalização de certas particularidades é possível” (OLIVEIRA, 2017, p. 294-295).
Cabe ressaltar que, ao excluirmos determinados conhecimentos dos currículos, excluímos também seus portadores. Frauda-se, desse modo, aquilo que defendem os formuladores de nossas políticas curriculares, a ideia de meritocracia que não passa, na verdade, do reconhecimento daqueles que possuem o perfil cultural e social equivalente ao desejado pela escola pensada no nível das autoridades que definem “o que entra e o que sai” (ARROYO apud OLIVEIRA, 2000) nas propostas. As vítimas dessas escolhas são responsabilizadas pelo próprio fracasso, produzido antes e para além de suas possibilidades de evitá-. Trata-se, portanto,
(...) DE UM DISCURSO FALACIOSO DE IGUALDADE DE OPORTUNIDADES, POR MEIO DA SELEÇÃO DE CONTEÚDOS ESCOLARES E DAS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA PENSADAS E PROPOSTAS PARA ATESTAR A “POSSE” DOS CONHECIMENTOS SOCIALMENTE VALORIZADOS, PRESENTES NAS PROPOSTAS CURRICULARES SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SÃO CIENTIFICAMENTE SUPERIORES. A PERGUNTA QUE FICA É A DE SE SABER A QUEM INTERESSA ESSA DESIGUALDADE E SUA REPRODUÇÃO LEGITIMADA PELO SISTEMA ESCOLAR QUE LEVA UNS AO SUCESSO E OUTROS AO FRACASSO.
(OLIVEIRA, 2017, p. 296)
Além dessas ponderações, é fundamental destacar que há muitos exemplos e outros argumentos que permitem compreender que é impossível para uma proposta única dar conta da imensa pluralidade epistemológica, social, cultural e pessoal do Brasil em suas diferentes regiões, grupos sociais, municípios e escolas.
REFLEXÃO:
Poderia ser proposta uma base curricular única como a atual, que pretende ensinar as mesmas coisas e no mesmo ritmo a estudantes tão díspares, em escolas tão diferentes, em condições de trabalho tão desiguais, desconsiderando, além da pluralidade cultural que caracteriza o país, as múltiplas realidades vividas nos cotidianos das diferentes escolas?
Foto: WAYHOME studio/shutterstock.com
Vejamos a questão sob dois pontos de vista.
VEM QUE TE EXPLICO
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. SOBRE A RELAÇÃO ENTRE CURRÍCULO E CULTURA, DEVE-SE AFIRMAR QUE É PRESSUPOSTO QUE SEJA OBSERVADA:
uma educação básica inclusiva, formadora para a democracia e para a igualdade.
uma educação erudita, formadora para intelectualidade e para o fortalecimento do conhecimento.
uma educação nacional, exaltando nossos valores e reafirmando nossa identidade.
uma educação crítica, que promova a consciência de classe e a luta contra o sistema.
uma educação crítica, que promova a consciência de classe e a luta contra o sistema.
2. A CHAMADA REVOLUÇÃO CULTURAL GLOBAL ASSUME A PERSPECTIVA DE QUE PARÂMETROS CULTURAIS QUE PARECIAM SÓLIDOS SÃO ASSOCIADOS E REINVENTADOS DIANTE DAS DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS. UM DOS AMBIENTES FORTEMENTE AFETADOS É A ESCOLA. POR QUÊ?
A escola é o lugar em que as diferenças devem ser aproximadas, então, a revolução cultural tem um impacto relativo nela.
A escola é um espaço de troca, tradicionalmente marcado pela integração, e o responsável por puxar toda a revolução cultural.
c) A escola passa a ser criticada sob o ponto de vista de promover historicamente a cultura hegemônica, então, a revolução a transforma totalmente.
d) A escola é palco de movimentos políticos e sociais, assim, a revolução cultural global torna-se ícone das transformações da instituição.
e) A escola representa o mundo de forma reduzida, assim, apresenta contradições que afastam uma perspectiva global, mas, ao mesmo tempo, é privilegiada em conviver com essa perspectiva.
GABARITO
1. Sobre a relação entre currículo e cultura, deve-se afirmar que é pressuposto que seja observada:
A alternativa "A " está correta.
Para uma educação inclusiva e formadora para a democracia, é necessário que a escola ofereça a seus alunos e alunas a oportunidade de alcançar e manter um padrão mínimo de qualidade da aprendizagem. As propostas e práticas curriculares devem incluir conhecimentos e valores multiculturais, de modo a superar todos os obstáculos que impeçam as diferentes culturas de se expressarem e serem consideradas ao longo dos processos educativos. Os currículos devem abranger as especificidades dos grupos minoritários, ao mesmo tempo em que as colocam em diálogo com as culturas ditas majoritárias.
2. A chamada revolução cultural global assume a perspectiva de que parâmetros culturais que pareciam sólidos são associados e reinventados diante das demandas contemporâneas. Um dos ambientes fortemente afetados é a escola. Por quê?
A alternativa "E " está correta.
O conceito de revolução cultural global não é assim tão uniforme, como querem alguns pensadores. Além disso, o resultado desse movimento não é tão fácil de ser previsto e nem leva necessariamente à homogeneização. Os movimentos sociais que se abrem e fecham a todo instante impedem que o mundo se torne um espaço culturalmente uniforme e homogêneo, pois reagem e reafirmam suas especificidades, mesmo sem rejeitar interações e mudanças mútuas.
MÓDULO 2
A PERSPECTIVA DO MULTICULTURALISMO
CRÍTICO EM CURRÍCULO COMO ÁREA PEDAGÓGICA
Reconhecer a perspectiva do multiculturalismo
crítico em Currículo como área pedagógica
CONCEITOS DE MULTICULTURALISMO
Imagem: Cienpies Design/shutterstock.com
A noção de multiculturalismo crítico surge no início dos anos 1990 quando, diante do crescimento das discussões sobre o tema, Peter McLaren (1994) publica seu livro Multiculturalismo Crítico, no qual apresenta uma discussão sobre as diferentes concepções de multiculturalismo. O autor destaca quatro tipos de multiculturalismo: multiculturalismo conservador ou empresarial; multiculturalismo liberal humanista; multiculturalismo liberal de esquerda; e multiculturalismo crítico.
MULTICULTURALISMO CONSERVADOR
Para o autor, o multiculturalismo conservador está baseado no projeto de universalização da cultura branca, respaldado pelas teorias evolucionistas do século XIX que defendiam a tese de que negros e indígenas eram raças inferiores à branca. Nessa perspectiva, a África é representada como um grande e misterioso continente selvagem. Uma visão típica da corrente imperialista, uma das primeiras vertentes desse tipo de multiculturalismo que, “mesmo quando reconheceoutras culturas, assenta-se sempre na incidência, na prioridade a uma língua normalizada e, portanto, é um multiculturalismo que de fato não permite que haja um reconhecimento efetivo das outras culturas” (SANTOS, 2002, p. 12).
Como símbolo maior do pensamento racista que caracteriza essa visão, McLaren conta que, na virada do século XIX, Joseph Moller, um menino negro de 10 anos, chegou a ser exibido em um zoológico na Europa como um legítimo descendente do “homunculus africano”.
MULTICULTURALISMO HUMANISTA LIBERAL
O multiculturalismo humanista liberal reveste-se de certas apropriações humanísticas, respaldadas na crença no princípio de igualdade, independentemente de questões de etnia, gênero ou sexualidade. Esse multiculturalismo acusa o sistema capitalista de promover restrições econômicas a determinados grupos sociais, defendendo, pois, uma mudança dessas condições, baseado no discurso da equivalência intelectual entre as raças, afirmando que todas podem competir “igualmente” em uma sociedade capitalista.
MULTICULTURALISMO LIBERAL DE ESQUERDA
Esse tipo de multiculturalismo reconhece que há diferenças culturais entre as raças, afirmando que a crença na igualdade universal acaba por “camuflar” as diferenças entre raça, gênero, classe e sexualidade. Nesse sentido, essa proposta investe na compreensão de que a diversidade existe e na necessidade de respeitar as diferenças culturais, entretanto, deixa de lado a participação de diferentes grupos nas discussões multiculturais e abdica de refletir e propor alternativas integradoras entre essas diferentes culturas, o que, de certa forma, compromete as possibilidades de ruptura das discriminações e desigualdades.
MULTICULTURALISMO CRÍTICO
Entendendo-a como uma alternativa mais viável, o autor apresenta o multiculturalismo crítico a partir do que define como uma abordagem pós-moderna de resistência. Nas palavras de McLaren: “a perspectiva que chamo de multiculturalismo crítico compreende a representação da raça, classe e gênero como resultado de lutas sociais sobre signos e significações e enfatiza não apenas o jogo textual, mas a tarefa de transformar as relações sociais” (p. 123).
Para o autor, o pensamento ocidental é construído como um sistema de diferenças organizado por lógicas binárias: branco/preto, bom/ruim. Quando os binarismos se tornam racial e culturalmente identificados, o branco acaba por assumir a posição do ele ou do tu, em que a “branquidade” é percebida como neutra. Os signos são assim compreendidos como parte de uma luta ideológica.
Para um currículo multiculturalista crítico, McLaren sugere que os educadores levantem questões da diferença, de maneira a superar o essencialismo monocultural dos “centrismos” — anglocentrismo, afrocentrismo e assim por diante —, pois um multiculturalismo de resistência entende a cultura como não harmoniosa e consensual. Essa proposição pensa o mundo mais assim:
CONSENSUAL
Silva e Brandim (2008, p. 64), em consonância com McLaren e outros, afirmam que:
“O multiculturalismo crítico levanta a bandeira da pluralidade de identidades culturais, a heterogeneidade como marca de cada grupo e opõe-se à padronização e uniformização definidas pelos grupos dominantes. Celebrar o direito à diferença nas relações sociais como forma de assegurar a convivência pacífica e tolerante entre os indivíduos caracteriza o compromisso com a democracia e a justiça social, em meio às relações de poder em que tais diferenças são construídas. Conceber, enfim, o multiculturalismo numa perspectiva crítica e de resistência pode contribuir para desencadear e fortalecer ações articuladas a uma prática social cotidiana em defesa da diversidade cultural, da vida humana, acima de qualquer forma discriminatória, preconceituosa ou excludente”.
Imagem: Shutterstock.com
 Binarismo entre cultura dominante e as culturas dominadas.
Imagem: Shutterstock.com
 Pesos diferentes atribuídos às múltiplas culturas são resultados das relações de poder.
O MULTICULTURALISMO CRÍTICO NA EDUCAÇÃO
Foto: Shutterstock.com
Falar de multiculturalismo é, portanto, falar da existência de muitas culturas e das relações entre elas, desiguais nas sociedades contemporâneas, compondo o que se poderia perceber como um arco-íris cultural, segundo proposta do pensador português Boaventura de Sousa Santos (2003). Ele aponta o multiculturalismo como uma nova forma de globalização. Ele compara o mundo como um "arco-íris”: “arco-íris de culturas", ou seja, o mundo é composto por uma infinidade de culturas e outra infinidade de combinações entre culturas.
Continuando na analogia do arco-íris, admite-se que é importante ser capaz de “ver” esses e outros conjuntos de cores (culturas), mas algumas pessoas, apesar de disporem de um aparelho visual morfologicamente bem constituído, não são capazes de distinguir tons e cores que compõem o arco-íris. Alguns ficam com uma capacidade reduzida de identificação de tons, reconhecendo apenas os cinzentos: são os daltônicos.
A analogia proposta aqui é a de que a não conscientização da diversidade cultural que nos rodeia em múltiplas situações constitui uma espécie de daltonismo cultural.
ARCO-ÍRIS DE CULTURAS
Não confundir com as cores visíveis, mas com a decomposição da luz que manifesta um conjunto muito maior de possibilidades de cores.
Foto: Ollyy/shutterstock.com
Romper com esse daltonismo cultural e ter presente o “arco-íris das culturas” nas práticas educativas supõem todo um processo de desconstrução de práticas naturalizadas e enraizadas no trabalho docente para sermos educadores capazes de criar maneiras de nos situar e intervir no dia a dia de nossas escolas e salas de aula.
Aos poucos, esse conceito se torna uma proposta pedagógica no campo do Currículo, entendido como a inter-relação de várias culturas em um mesmo ambiente. É também chamado de pluralismo cultural, e é um conceito da Sociologia que vem sendo usado em estudos no campo das Ciências Sociais e Humanas. É uma teoria que defende a valorização da cultura dos diversos grupos que compõem a humanidade, propondo compreender que ser diferente não significa ser melhor nem pior do que ninguém. Surge em contraposição à uniformização ou padronização do ser humano, de viés mais conservador.
DALTONISMO CULTURAL
O multiculturalismo emerge das manifestações e conquistas das chamadas minorias (movimentos negros, indígenas, das mulheres, dos homossexuais, entre outros) desde o século XIX e está intimamente relacionado com elas. Liga-se ao conceito de “História dos Vencidos”, quando no final dos anos de 1970 a história dos povos colonizados, como a dos povos africanos, sociedades ameríndias, entre outros, ganham novos espaços no meio acadêmico. Nos anos 1980 e 1990, pensadores e intelectuais mergulham no tema e passam a apontar a necessidade do diálogo intercultural, o que vai, necessariamente, impactar a Educação e os currículos.
ATENÇÃO
Seguindo com McLaren, a perspectiva multicultural crítica busca reconhecer as ideias de que tais culturas minoritárias precisam se expressar e serem reconhecidas em seus modos de estar no mundo, valores e conhecimentos. Nesse sentido, esse tipo de multiculturalismo opõe-se ao que ele julga ser uma forma de etnocentrismo, vem como contrarresposta à homogeneidade cultural construída a partir da cultura europeia, principalmente quando essa homogeneidade é considerada única e legítima, submetendo outras culturas aos rótulos de particularismos e dependência.
Pode-se dizer, nesse contexto, que uma educação multicultural será aquela que valoriza as diferentes culturas em presença, local e nacionalmente. Ainda, é a responsável pela formação do cidadão que o prepara para incluir-se e receber os “outros” na sociedade, aceitando a validade das diferentes culturas e, portanto, respeitando aqueles que as representam.
Esse multiculturalismo na educação pode ser definido como uma proposta educacional que visa garantir o conhecimento das mais diversas culturas, além do respeito a todas elas. Compromete-se, inclusive, com a compreensão e transformaçãodas relações desiguais entre as culturas estabelecidas na sociedade, levando cada sujeito a perceber que as pessoas possuem diferentes valores e conhecimentos e, com base neles, se manifestam de diversas formas.
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O multiculturalismo crítico valoriza as diversas culturas ao mesmo tempo e a diversidade dos grupos fortalece o multiculturalismo como movimento social e como parte do processo educativo, definindo, portanto, a sua participação efetiva no próprio currículo escolar.
A escola tem um papel fundamental nesse processo, pois ali estão presentes no dia a dia muitos atores que expressam a complexidade cultural brasileira. Por isso, a escola torna-se um espaço em que convivem estudantes de diferentes origens, assim como é um dos lugares em que são ensinadas as regras do espaço público para o melhor convívio com a diferença.
Desse modo, o multiculturalismo crítico é uma estratégia política de reconhecimento e de representação da diversidade cultural, não podendo ser concebido dissociado dos contextos das lutas dos grupos culturalmente oprimidos.
OPRIMIDOS
De acordo com Vera Candau (2002b, p. 51), “o multiculturalismo reflete a necessidade de redefinir conceitos como cidadania e democracia, relacionando-os à afirmação e à representação política das identidades culturais subordinadas. Como corpo teórico, questiona os conhecimentos produzidos e transmitidos pelas instituições escolares, evidenciando etnocentrismos e estereótipos criados pelos grupos sociais dominantes, silenciadores de outras visões de mundo. Busca, ainda, construir e conquistar espaços para que essas vozes se manifestem, recuperando histórias e desafiando a lógica dos discursos culturais hegemônicos”.
O MULTICULTURALISMO CRÍTICO NAS ESCOLAS E NOS CURRÍCULOS
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Num primeiro plano, o multiculturalismo na escola deve ser entendido como a inclusão de todos e todas na educação, compreendendo-a como um direito independentemente das diversidades e do lugar social subalternizado dos grupos ditos minoritários. Por outro lado, o multiculturalismo como característica da sociedade também deve ser incluído no currículo, ampliando o reconhecimento cultural dos grupos minoritários e reconhecendo a singularidade dos indivíduos no seio das diferentes culturas.
ATENÇÃO
Complementarmente, é necessário refletir sobre o que é e pode ser um currículo multicultural. Tal currículo deve buscar reverter a ideia de neutralidade e homogeneidade predominante nos espaços escolares: fazer com que todo o processo de construção cultural do país seja compreendido por meio de seus conflitos e contradições, além de ouvir as vozes de movimentos sociais e de lutas silenciadas. Normalmente, a história é escrita pelos vencedores, em detrimento dos vencidos. O multiculturalismo deve trazer a história tal qual ela foi vivida, como visto acima.
Nessa perspectiva, a inclusão de um currículo multicultural no ambiente escolar possibilitará a todos o conhecimento de outras culturas; ao mesmo tempo, auxiliará no processo ensino-aprendizagem, à medida que os professores utilizem a cultura dos próprios alunos em suas aulas e em projetos da escola. Isso porque a cultura traz consigo o íntimo de cada um de seus membros (de cada um dos alunos, dos professores e de seus entornos).
Para Vera Candau (2002b), a cultura é um fenômeno plural, multiforme, não estático e que está em constante transformação. Ela envolve um contínuo processo de criar e recriar e, talvez de uma maneira imperceptível, um componente ativo na vida do ser humano e nas manifestações mesmo nos atos do indivíduo mais corriqueiros. A autora vai ainda mais longe quando afirma que “não há indivíduo que não possua cultura, pelo contrário, cada um é criador e propagador de cultura” (CANDAU, 2002b, p. 12). Cai por terra, pois, a expressão “fulano não tem cultura”, pelo menos nesse sentido amplo da cultura.
Para o antropólogo Darcy Ribeiro, no seu livro O Povo Brasileiro,
[...] CULTURA É A HERANÇA SOCIAL DE UMA COMUNIDADE HUMANA, REPRESENTADA PELO ACERVO COPARTICIPADO DE MODOS PADRONIZADOS DE ADAPTAÇÃO À NATUREZA PARA O PROVIMENTO DA SUBSISTÊNCIA, DE NORMAS E INSTITUIÇÕES REGULADORAS DAS REAÇÕES SOCIAIS E DE CORPOS DE SABER, DE VALORES E DE CRENÇAS COM QUE EXPLICAM SUA EXPERIÊNCIA, EXPRIMEM SUA CRIATIVIDADE ARTÍSTICA E SE MOTIVAM PARA AÇÃO..
(RIBEIRO, 1995, p. 72)
Nesse contexto, e ainda dentro do pensamento de Vera Candau, a escola é uma instituição educacional e uma instituição cultural por excelência ao mesmo tempo: comporta dentro dela grupos sociais diversos, que não devem ser ignorados pela instituição, muito menos pelo currículo que a orienta. Isto é, num mesmo espaço estão a Escola — de forma privilegiada — e dentro dela mesma e de seu entorno a cultura, como lugar e fonte de que se nutre o processo educacional para formar pessoas, para formar consciência.
Para Azoilda Trindade (2000), a cultura tem um papel fundamental no processo de aprendizagem, uma vez que ela nutre todo processo educacional, na missão de formar o indivíduo crítico e conhecedor de sua origem cultural. Por isso, é tão necessário discutir as culturas diversas na sala de aula e compreender a importância do currículo.
Embora a escola seja um palco privilegiado dessa multiculturalidade, o que se percebe é que ela ainda não encontrou a fórmula ideal de usufruir desse privilégio, em virtude do eurocentrismo que ainda se faz presente nas propostas e práticas curriculares. Ela encontra dificuldades em fazer interagir suas práticas educativas mais comuns com a diversidade cultural que caracteriza os alunos e a sociedade.
SOCIEDADE
Na perspectiva multicultural crítica, propõe-se um currículo mais relacionado com o universo cultural nacional ou com essa multiculturalidade vivenciada pelos educandos. O multiculturalismo entraria, assim, na escola, por meio da inclusão da diversidade cultural e social, como propõem as leis 10.639/2003 e 11.645/2007, dedicadas a exigir que constem nos currículos escolares o ensino da história das contribuições das culturas africanas, afrodescendentes e indígenas na formação do Brasil.
Antes de entrarem em vigor as leis que tornam obrigatório o ensino de história e cultura africanas, afro-brasileira e indígenas, Vera Candau (2000, p. 2) já afirmava que "hoje se faz cada vez mais urgente a incorporação da dimensão cultural na prática pedagógica". Ela defende uma abordagem pedagógica pautada numa perspectiva de educação multicultural, com a inclusão dessa discussão no currículo escolar e, por certo, nos projetos da escola.
Quando se fala em trazer o multiculturalismo para o currículo, trata-se de uma proposta audaciosa, que vai além de trazer o tema para a sala de aula: em poucas palavras, é trazer para dentro da sala de aula os próprios atores, é a inclusão de todos nos processos de escolarização, procurando atender aos interesses e necessidades de todos, independentemente de etnias, deficiências ou diferenças.
ESCOLA
“[...] um currículo multicultural coloca aos professores o desafio de encontrar estratégias e recursos didáticos para que os conteúdos advindos de variadas culturas sejam utilizados como veículo para: introduzir ou exemplificar conceitos relativos a uma ou outra disciplina; ajudar os alunos a compreender e investigar como os referenciais teóricos de sua disciplina implicam na construção de determinados conhecimentos; facilitar o aproveitamento dos alunos pertencentes a diferentes grupos sociais; estimular a autoestima de grupos sociais minoritários ou excluídos; educar para o respeito ao plural, ao diferente, para o exercício da democracia, enfatizando ações e discursos que problematizem e enfraqueçam manifestações racistas, discriminatórias, opressoras e autoritárias, existentes em nossa nossas práticas sociais cotidianas” (CANDAU, 2000, p. 39).
Trata-se, portanto, de trazer oficialmente para os bancos das escolas os grupos minoritários, que já estão lá, mas geralmente excluídos e marginalizados. Essa proposta de um novo modelode escola, que busque atender à diversidade cultural brasileira em sua completude, levaria a uma quebra de paradigma, fazendo a escola deixar de lado sua proposta homogeneizante e se estruturar de modo mais compatível e respeitoso com a pluralidade cultural do país. Vejamos, então, o que poderia ser proposto nesse sentido.
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A ESCOLA PÚBLICA MULTICULTURAL, PLURAL E DEMOCRÁTICA
A proposta de um modelo não europeu de escola — o nosso atual é herdado da França republicana dos fins do século XIX — não é simples de formular e menos ainda de colocar em prática. O modelo social em que vivemos é, até então, compatível com essa escola, cientificista, europeia e branca.
Para a transformação, é preciso fazer com que a escola exerça uma função equalizadora, mais do que reprodutora. Trata-se, portanto, de buscar democratizar as relações entre as culturas nas propostas de currículo escolar, pluralizar conhecimentos e suas origens, trazer para a oficialidade das propostas as diferentes culturas constituidoras do país e demonstrar o quanto interagiram na formação daquilo que somos hoje.
Nesse sentido, seria necessário ampliar os currículos, de modo a abranger as especificidades dos grupos minoritários, ao mesmo tempo em que as colocamos em diálogo com as culturas ditas majoritárias. Dessa forma, a instituição escola deixaria de contemplar somente a história e a cultura dos europeus, dominantes, “vencedores”, para reconhecer a igualdade de direitos e de cidadania, realmente, a toda a população. Pensando nas práticas pedagógicas interculturais a serem construídas, uma mudança radical ótica se faz necessária. De acordo com Emília Ferreiro:
GRUPOS MINORITÁRIOS
“A escola pública, gratuita obrigatória do século XX é herdeira da do século anterior, carregada de missões históricas de grande importância: criar um único povo, uma única nação, anulando as diferenças entre os cidadãos, considerados como iguais diante da Lei. A tendência principal foi equiparar igualdade à homogeneidade. Se os cidadãos eram iguais diante da Lei, a escola deveria contribuir para gerar e cidadãos homogeneizando as crianças, independentemente de suas diferentes origens. Encarregada de homogeneizar, de igualar, essa escola mal podia apreciar as diferenças” (FERREIRO apud LERNER, 2007, p. 7).
É INDISPENSÁVEL INSTRUMENTALIZAR DIDATICAMENTE A ESCOLA PARA TRABALHAR COM A DIVERSIDADE. NEM A DIVERSIDADE NEGADA, NEM A DIVERSIDADE ISOLADA, NEM A DIVERSIDADE SIMPLESMENTE TOLERADA. TAMBÉM NÃO SE TRATA DA UNIVERSIDADE ASSUMIDA COMO UM MAL NECESSÁRIO OU CELEBRADA COM UM BEM EM SI MESMO, SEM ASSUMIR SEU PRÓPRIO DRAMATISMO. TRANSFORMAR A DIVERSIDADE CONHECIDA E RECONHECIDA EM UMA VANTAGEM PEDAGÓGICA: E ISSO ME PARECE SER O GRANDE DESAFIO DO FUTURO. .
(FERREIRO apud LERNER, 2007, p. 7)
Essa mudança de paradigma nas propostas curriculares exigiria mudanças globais nos âmbitos espacial e organizacional da escola, e isso exige tempo e trabalho. É um processo construído pouco a pouco e feito de avanços e retrocessos, que vai colocar em jogo novas exigências e possibilidades às práticas cotidianas nas escolas, pois a cultura única, anteriormente soberana, seria confrontada com outras tantas, gerando, portanto, diálogos e conflitos no interior das escolas e mesmo dos currículos.
Para Vera Candau, o movimento multiculturalista teve grande força na história dos Estados Unidos da América, quando nos anos de 1960 presenciaram muitas manifestações em prol da igualdade nos negros. Talvez os Estados Unidos tenham sido mesmo o protótipo ideal para o fortalecimento do multiculturalismo, considerando a diversidade e o Estado democrático de direito ali fundamentando. E, nesse sentido, não é só o movimento negro que importa. A democracia americana, espelho maior da democracia capitalista burguesa, não tem sentido sem a busca da igualdade de direitos entre homens e mulheres (igualdade de gênero), entre raças, entre populações locais e migrantes etc.
São essas exigências que se colocam àqueles que pensam e buscam defender uma escola democrática e plural, esse é o grande desafio. Somente quando formos capazes de não reduzir a igualdade à padronização, nem a diferença um problema a resolver, será possível mobilizar um processo de construção de práticas pedagógicas interculturais. É necessário outro olhar: reconhecer a dignidade de todos os atores presentes nos processos educativos e conceber a diferença como riqueza e "vantagem pedagógica". Sem essa mudança de perspectiva, não poderemos caminhar.
O que é preciso trabalhar supõe, ao mesmo tempo, desconstruir a padronização baseada na superioridade imaginada de uma cultura e lutar contra todas as formas de desigualdade e discriminação presentes na sociedade, ao mesmo tempo em que se reconhecem as diferenças e o direito a elas, conforme ensina Santos (2002, p. 316): “temos o direito a ser iguais quando a diferença discrimina e a ser diferentes quando a igualdade descaracteriza”.
Vamos pensar exemplos de forma prática? Rodrigo Rainha é entrevistado para falar de alguns momentos chaves para o crescimento do multiculturalismo.
VEM QUE TE EXPLICO
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. SOBRE O CONCEITO DE EDUCAÇÃO MULTICULTURAL, ANALISE AS AFIRMATIVAS A SEGUIR:
I. A EDUCAÇÃO MULTICULTURAL É AQUELA QUE VALORIZA AS DIFERENTES CULTURAS EM PRESENÇA, LOCAL E NACIONALMENTE, RESPONSÁVEL PELA FORMAÇÃO DO CIDADÃO, QUE O PREPARA PARA INCLUIR-SE E RECEBER OS “OUTROS” NA SOCIEDADE, ALÉM DE ACEITAR A VALIDADE DAS DIFERENTES CULTURAS, PORTANTO, RESPEITANDO AQUELES QUE AS REPRESENTAM.
II. A EDUCAÇÃO MULTICULTURAL É O DIÁLOGO DO MULTICULTURALISMO COM A EDUCAÇÃO, QUE PODE SER DEFINIDA COMO UMA PROPOSTA EDUCACIONAL QUE VISA GARANTIR O CONHECIMENTO DAS MAIS DIVERSAS CULTURAS E O RESPEITO A TODAS ELAS, E QUE SE COMPROMETE COM A COMPREENSÃO E A TRANSFORMAÇÃO DAS RELAÇÕES DESIGUAIS ENTRE ELAS ESTABELECIDAS NA SOCIEDADE, CONDUZINDO CADA SUJEITO A PERCEBER QUE AS PESSOAS POSSUEM DIFERENTES VALORES E CONHECIMENTOS E, COM BASE NELES, SE MANIFESTAM DE DIVERSAS FORMAS.
III. A EDUCAÇÃO MULTICULTURAL É AQUELA QUE VISA DEFENDER O DIREITO AO PERTENCIMENTO DE UMA CULTURA. MANIFESTA-SE NA POSSIBILIDADE DE A ESCOLA FORMAR-SE PARA SUA VISÃO COMUNITÁRIA, COMO UMA ESCOLA QUILOMBOLA OU UMA ESCOLA CONFESSIONAL.
ESTÃO CORRETAS AS AFIRMATIVAS:
I somente.
I e II somente.
I e III somente.
II e III somente.
III somente.
2. O CONCEITO DE MULTICULTURALISMO NÃO É LINEAR. CHEGOU A SER INTENSAMENTE CRITICADO, MAS EM UMA PERSPECTIVA CRÍTICA ELE CONTRIBUI PARA O DEBATE ENTRE CURRÍCULO E CULTURA. COMO ENTENDER O PAPEL DO MULTICULTURALISMO NA ESCOLA?
Promovendo um processo de construção de identidade a partir da escola.
Estruturando uma escola integradora que permite todos terem a mesma cultura.
Fortalecendo a necessidade de os educadores buscarem instrumentos didáticos que valorizem a diversidade.
Organizando uma proposição didática que dê conta de lidar com todas as culturas presentes na escola.
Afirmando o poder do povo na luta contra a opressão das tradições escolares eurocêntricas.
GABARITO
1. Sobre o conceito de educação multicultural, analise as afirmativas a seguir:
I. A educação multicultural é aquela que valoriza as diferentes culturas em presença, local e nacionalmente, responsável pela formação do cidadão, que o prepara para incluir-se e receber os “outros” na sociedade, além de aceitar a validade das diferentes culturas, portanto, respeitando aqueles que as representam.
II. A educação multicultural é o diálogo do multiculturalismo com a educação, que pode ser definida como uma proposta educacional que visa garantir o conhecimento das mais diversas culturas e o respeito a todas elas, e que se compromete com a compreensão e a transformação das relações desiguais entre elas estabelecidas na sociedade, conduzindo cada sujeito a perceber que as pessoas possuem diferentes valores e conhecimentos e, com base neles, se manifestam de diversas formas.
III. A educação multicultural é aquela que visa defender o direito ao pertencimento de umacultura. Manifesta-se na possibilidade de a escola formar-se para sua visão comunitária, como uma escola quilombola ou uma escola confessional.
Estão corretas as afirmativas:
A alternativa "B " está correta.
As afirmativas nos levam a três caminhos complementares. Na primeira, trata-se da perspectiva do sujeito e suas relações com a cultura, central na educação. A segunda aponta para o histórico das relações estabelecidas e o papel de superação da escola. A terceira parece correta, ao mencionar o reconhecimento do grupamento cultural, mas seu foco não é o direito a existir — que deveria ser pressuposto —, mas sim, o direito aos seus fundamentais aspectos de conviver. Por isso, a afirmativa III está incorreta.
2. O conceito de multiculturalismo não é linear. Chegou a ser intensamente criticado, mas em uma perspectiva crítica ele contribui para o debate entre currículo e cultura. Como entender o papel do multiculturalismo na escola?
A alternativa "C " está correta.
Num primeiro plano, o multiculturalismo na escola deve ser entendido como a inclusão de todos e todas na educação, compreendendo-a como um direito independentemente das diversidades e do lugar social subalternizado dos grupos ditos minoritários. Por outro lado, o multiculturalismo como característica da sociedade também deve ser incluído no currículo, ampliando o reconhecimento cultural dos grupos minoritários e reconhecendo a singularidade dos indivíduos no seio das diferentes culturas. a inclusão de um currículo multicultural no ambiente escolar possibilitará a todos o conhecimento de outras culturas; ao mesmo tempo, auxiliará no processo ensino-aprendizagem, à medida que os professores utilizem a cultura dos próprios alunos em suas aulas e em projetos da escola. Isso porque a cultura traz consigo o íntimo de cada um de seus membros (de cada um dos alunos, dos professores e de seus entornos).
MÓDULO 3
CULTURA POPULAR VERSUS CULTURA ERUDITA
E A CONSTITUIÇÃO DO CURRÍCULO
Identificar o papel da cultura
na constituição do currículo
VOCÊ TEM CULTURA?
O antropólogo Roberto da Matta, importante estudioso das relações culturais brasileiras; em 1981, já levantava o debate sobre a ideia de se ter ou não se ter cultura, interrogando a concepção de cultura subjacente a essa ideia. Ele narra:
OUTRO DIA OUVI UMA PESSOA DIZER QUE ‘MARIA NÃO TINHA CULTURA’, ERA ‘IGNORANTE DOS FATOS BÁSICOS DA POLÍTICA, ECONOMIA E LITERATURA’. INTERESSANTE QUE ESSA PROPOSIÇÃO PODE SER OUVIDA EM VÁRIOS SEGMENTOS DA SOCIEDADE. POR OUTRO LADO, QUANDO VISITAMOS UMA EXPOSIÇÃO DE ARTESANATO POPULAR, PODEMOS OUVIR A EXPRESSÃO, QUE ALI ESTÁ A REPRESENTAÇÃO DA CULTURA BRASILEIRA, COMO O QUE SE SEGUE NO TEXTO DE DA MATTA, QUE APONTA, EM SEGUIDA, O INTERESSE DE SEUS ALUNOS SOBRE ‘A CULTURA DOS ÍNDIOS APINAYÉ, DE GOIÁS’ EM AULA. ELE REFLETE SOBRE ESSES DOIS USOS: ‘(...) DECIDI QUE ESSA SERIA A MELHOR FORMA DE DISCUTIR A IDEIA OU O CONCEITO DE CULTURA TAL COMO NÓS, ESTUDANTES DA SOCIEDADE A CONCEBEMOS. OU, MELHOR AINDA, APRESENTAR ALGUMAS NOÇÕES SOBRE A CULTURA E O QUE ELA QUER DIZER, NÃO COMO UMA SIMPLES PALAVRA, MAS COMO UMA CATEGORIA INTELECTUAL, UM CONCEITO QUE PODE NOS AJUDAR A COMPREENDER MELHOR O QUE ACONTECE NO MUNDO À NOSSA VOLTA’.
(MATTA, 1981, p. 1)
Vejamos agora os comentários dos professores Rodrigo Rainha e Antônio Giacomo sobre as concepções mais recorrentes de cultura e sua vinculação com a formação dos currículos.
O que observamos na maior parte dos currículos escolares é a prevalência da primeira visão, segundo a qual a cultura é sinônimo de sofisticação, de sabedoria, de educação no sentido restrito do termo. Ou seja, quando falamos que “Fulano não tem cultura”, ou quando afirmamos que “aquele artista é culto”, estamos nos referindo a certo estado educacional dessas pessoas, querendo indicar com isso sua capacidade de compreender ou organizar certos dados e situações. Trata-se de uma compreensão de cultura como sofisticação, sabedoria.
O principal problema dessa compreensão é a associação à ideia de evolução cultural da barbárie à civilização. Vejam essas duas representações de arte:
Imagem: xennex/Wikiart/Domínio Público
Civilização: sempre representada como limpa, equilibrada, com ícones europeus.
Imagem: Palnatoke /Wikiart/CC BY-SA 3.0
Barbárie: mesmo em uma obra clássica europeia, fica revelada a perda da humanidade e do senso de ser sociável.
Sociedades consideradas atrasadas, grupos sociais e pessoas tidas como ignorantes e mesmo incapazes por estarem “abaixo” do necessário para aprender e se “elevar” culturalmente completam esse cenário, que se baseia no eurocentrismo e na noção de erudição como qualidade cultural, em oposição ao popular, favorecendo ainda essa ideia de centralidade do conhecimento europeizado.
Vamos novamente exemplificar com arte: veja e diga qual das duas você tende a reconhecer como “culturalmente superior”.
Imagem: Twixister/Wikimedia commons/Domínio Público)
FISHING, JEAN-MICHEL BASQUIAT, 1981.
Imagem: dlapin/Wikiart/Domínio Público
RETRATO COM UM COLAR, MOISE KISLING, 1938.
Você pode pensar ainda qual das duas em uma exposição te traria maior estranhamento. Saiba que o primeiro é um dos artistas mais reconhecidos do neoexpressionismo.
Por isso é tão importante buscar sair dessa percepção para promover uma educação mais democrática e menos discriminatória, conforme visto no módulo anterior. Você precisa parar e pensar por que é mais “natural” ver a jovem loira em uma obra de arte do que a menina negra, mesmo vivendo no país com o maior número de negros fora da África.
Imagem: yigruzeltil/Wikiart/Domínio Público
Retrato de uma menina, Irma Stern, 1939.
Para isso, é importante centrar a atenção sobre a segunda concepção que considera a cultura como “a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa”.
Roberto da Matta reconhece ainda, em seu texto, o caráter parcial de toda cultura. Ele se insurge contra a tendência recorrente classificarmos hierarquicamente diferentes culturas ao invés de percebermos que, em suas parcialidades, se complementam na formação da totalidade que é o mundo multicultural no qual vivemos. O autor chama atenção, ainda, para o fato de que as regras de cada cultura formam tão somente um cenário básico no qual os sujeitos sociais se movem com certa liberdade na vida cotidiana.
Um caminho para a compreensão dessas diferenças de sentido está na compreensão da evolução dos significados do termo, que nos permite, também, compreender por que, apesar dos cientistas sociais privilegiarem o segundo sentido, permanece na nossa sociedade a insistência no uso do primeiro, inclusive nas propostas curriculares e nas práticas educativas. Marilena Chauí (2006) esclarece os muitos usos atuais do termo cultura a partir da origem do termo.
RECONHECE
“Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. (...). Por outro lado, a cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É algo que está fora e dentro de cada um de nós (...). Quer dizer, as regras que formam a cultura (ou a cultura como regra) é algo que permite relacionar indivíduos entre si e o próprio grupo com o ambiente onde vivem” (MATTA, 1981, p. 2).
Quando você quer fazer mal, promover dor, é comum usar o termo: judiar — vem da naturalização de maltratar um judeu.
Quando você quer falar que uma pessoa tem interesse sexual em pessoas do mesmo sexo usa: homossexualismo — vem do tempo em que questões de sexualidade eram tratadas como uma doença, por isso o sufixo.
Quando uma pessoa trabalha em sua residência fazendo funções de limpeza e arrumação, é chamada de doméstica — vem do termo domesticar, como ter um animal que agora não mais o ataca e você pode conviver dentro de casa.
Quando você quer falar que alguém está falando mal de você, afirma que está o denegrindo — vem de tornar-se negro, quer dizer, perdendo o status social histórico e sendo tratado como é tratado um negro.
O mesmo acontececom a questão da cultura. Marilena Chauí também explica que, a partir do século XVIII, a cultura ganha um novo sentido. Passa a significar “os resultados daquela formação ou educação dos seres humanos, de seu trabalho e de sua sociabilidade, resultados expressos em obras, feitos, ações e instituições” (CHAUÍ, 2006, p. 106). A partir daí, o termo assume outro significado, o de vita civile, sinônimo de civilização, “como expressão dos costumes e das instituições enquanto efeitos da formação e da educação dos indivíduos do trabalho e da sociabilidade” (CHAUÍ, 2006, p. 106).
ATENÇÃO
Desse modo, cultura passa a ser entendida como civilização e significa, então, o aprimoramento e o aperfeiçoamento da humanidade. Entendida como histórica, essa perspectiva introduz a ideia de progresso no uso do termo. E, nesse sentido, faz-se a “distinção entre cultos (os senhores) e incultos (escravos, servos e homens livres pobres) e a distinção entre os povos se fazia pela designação do outro como bárbaro” (CHAUÍ, 2006, p. 106). Essa abertura para o estabelecimento de graus e estágios de civilização para classificar as culturas em atrasadas e avançadas exerceu grande influência sobre as compreensões de mundo da época e exerce até hoje.
A distinção entre culturas, fruto do cientificismo do século XIX, em primitivas e modernas, se impõe como compreensão hegemônica e separa, pelo nível de erudição, diferentes povos e sujeitos sociais. Cabe ressaltar o modo como, no Brasil, essa concepção se instala nas compreensões de mundo e nas relações entre a cultura de origem europeia — erudita — e os demais povos formadores do país — negros e indígenas. Os comportamentos europeus eram vistos como normais, já as práticas dos demais grupos, como marcas de seu atraso. Esse ainda é um pensamento presente no nosso modelo de escola e, infelizmente, ainda é base de muitos comportamentos docentes e discentes. É uma forma de negligenciar, o que esclarece Roberto da Matta, ao afirmar que por compartilharem dos códigos de base de cada cultura que:
UM CONJUNTO DE INDIVÍDUOS, COM INTERESSES E CAPACIDADES DISTINTAS E ATÉ MESMO OPOSTAS, TRANSFORMAM-SE NUM GRUPO E PODEM VIVER JUNTOS SENTINDO-SE PARTE DE UMA MESMA TOTALIDADE. PODEM, ASSIM, DESENVOLVER RELAÇÕES ENTRE SI PORQUE A CULTURA LHES FORNECEU NORMAS QUE DIZEM RESPEITO AOS MODOS, MAIS (OU MENOS) APROPRIADOS DE COMPORTAMENTO DIANTE DE CERTAS SITUAÇÕES.
(MATTA, 1981, p. 2)
CIENTIFICISMO DO SÉCULO XIX
Ciência que adota a percepção de raças humanas e seus estágios diferenciados em civilizados, bárbaros e selvagens.
O que existe, portanto, são formas culturais ou subculturas de uma sociedade que caracterizam diferentes grupos sociais e que precisam ser compreendidas como equivalentes, embora diferentes em seus modos de sentir, celebrar, pensar e atuar sobre o mundo. Infelizmente, a hierarquização entre culturas, que define a cultura europeia como “erudita” e, logo, superior, ainda possibilita a crença e a difusão de que essa é a única forma válida, porque superior e mais “moderna”, mais desenvolvida que as demais. É preciso outro modo de perceber e enfrentar as diferenças culturais, acompanhado de outra visão dessa relação entre o erudito e o “popular”, e mesmo entre diferentes manifestações dessas culturas.
Ainda vivemos sob a hierarquia entre diferentes manifestações culturais, sejam elas no campo das artes — literatura, teatro, ópera, cinema, artes plásticas e música, que com frequência é percebida como erudita ou popular —, ou no campo dos eventos culturais e religiosos — festivais, carnaval, eventos religiosos como procissões e outras manifestações, como as esportivas.
OS EMBATES CULTURAIS, OS CURRÍCULOS E AS PRÁTICAS ESCOLARES
Em texto publicado ainda nos anos 1990, o estudioso de Currículo Ivor Goodson traz uma importante reflexão sobre como, historicamente, o ensino de diferentes disciplinas escolares e a abordagem que deveriam adotar em diferentes contextos se constituíram. Sobre o ensino de Música, a abordagem evolutiva e classificatória fica evidente em Brocklehurst, conforme podemos ver:
O OBJETIVO PRIMEIRO DA EDUCAÇÃO MUSICAL É FAZER GOSTAR DA BOA MÚSICA E COMPREENDÊ-LA. É CERTAMENTE TAREFA DOS PROFESSORES ESFORÇAR-SE AO MÁXIMO PARA PREVENIR OS JOVENS DE SE TORNAREM PRESAS FÁCEIS DOS FORNECEDORES DE MÚSICA POPULAR COMERCIALIZADA.
(BROCKLEHURST apud GOODSON, 1995, p. 111)
Não é preciso procurar muito para encontrar a frequente atitude incentivada nas escolas brasileiras de rejeição a manifestações musicais como o funk e o rap, consideradas impróprias para o ambiente escolar. Trata-se, aqui, de assumir não só o que vale e o que não vale, mas de encontrar o porquê.
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Podemos entender que é uma forma de silenciar culturas consideradas inferiores, muitas vezes apenas pelas suas origens distantes da suposta erudição de determinados gêneros musicais. Recorremos de novo a Goodson (1995, p. 110), quando ele interroga: “Que tipo de educação de massa está sendo visado quando o que é popular é, não somente ignorado, mas positivamente desvalorizado?”.
Um acontecimento do século XIX na Inglaterra, apresentado na sequência, evidencia não só o preconceito e a discriminação, como a motivação deles: manter a hegemonia entre as diferentes classes sociais e as culturas que professam. No caso brasileiro, entre as culturas europeias e negras/indígenas.
O fato é que não há nada de óbvio ou natural nas escolhas curriculares, frequentemente habitadas por esse tipo de preconceito que permite a reprodução do ideário da superioridade da cultura erudita europeia sobre as demais culturas, função subliminar da escola moderna.
Para encerrar nosso módulo com um resumo dessas reflexões e a importância delas para pensar as relações entre currículo e cultura, podemos sintetizar o que diz o autor ao final do capítulo: na perspectiva da oposição/complementaridade entre cultura erudita e cultura popular, temos a afirmação de que “o currículo escrito é um exemplo perfeito sobre invenção da tradição” (GOODSON, 1995, p. 113). Assim, é possível compreender o fato de termos nossa atenção voltada a determinados temas e preocupações como uma ideologia.
Preocupações como a noção de “ensino eficaz (isto é, avaliação de professores ou ‘professores incompetentes’) e ‘aprendizado efetivo’, ou seja, ‘melhores escolas’”, tornam-se diferenciais de sucesso decisivos em cada escola e para cada aluno, individualizando e descaracterizando os aspectos sociais envolvidos nesses “sucessos”. Com isso, a reflexão em torno dos aspectos comuns de sucesso e fracasso, que permitiria acessar a construção social do currículo, é negligenciada. Esconde-se que esses critérios e lógicas foram objeto de luta anterior e nos levam a crer que “determinada versão de escola deveria ser considerada boa” (GOODSON, 1995, p. 113).
ATENÇÃO
Aqui a questão da multiculturalidade do currículo se mostra particularmente importante como antídoto à legitimação acrítica dos currículos eurocêntricos com os quais trabalhamos e como possibilidade de diálogo entre a chamada cultura erudita e a popular na formulação de possibilidades curriculares mais inclusivas e democráticas.
Jurjo Torres Santomé (2011, p. 155) aponta, nesse sentido, a necessidade de considerarmos a importância da escolarização na formação “de cidadãos (ãs) ativos (as) e críticos (as), membros solidários e democráticos de uma sociedade solidária e democrática”. Para tal, o autor formula uma ideia do que seria um “projeto curricular emancipador” que “deve necessariamente propor certas metas educativas e aqueles blocos de conteúdos culturais que melhor contribuam para a socialização crítica dos indivíduos” (SANTOMÉ, 2011, p. 156).
A noção de conteúdos culturais, definidos como relativos “ao conhecimento, destrezas e habilidades que as pessoas usam para construir e interpretar a vida social”, criados e aprendidos nos seus meios culturais específicos, que não se restringem ao modelo eurocêntrico. Essa proposta pretende, portanto, superar a predominância de conteúdosescolares baseados apenas nas culturas hegemônicas e incluir conteúdos advindos das culturas tradicionalmente negadas nos currículos, de modo a viabilizar a reflexão crítica sobre a sociedade.
Sem esquecer que a maioria dos docentes da atualidade não se sente capaz e não é autorizada a formular currículos com conteúdos culturais, o autor chama atenção para um importante aspecto:
(...) A ARRASADORA PRESENÇA DAS CULTURAS QUE PODEMOS CHAMAR HOJE DE HEGEMÔNICAS. AS CULTURAS OU VOZES DOS GRUPOS SOCIAIS MINORITÁRIOS E/OU MARGINALIZADOS QUE NÃO DISPÕEM DE ESTRUTURAS IMPORTANTES DE PODER COSTUMAM SER SILENCIADAS, QUANDO NÃO ESTEREOTIPADAS E DEFORMADAS, PARA ANULAR SUAS POSSIBLIDADES DE REAÇÃO.
(SANTOMÉ, 2011, p. 157)
Santomé ainda aponta, não por acaso, culturas consideradas populares ou sem valor, como as culturas locais, as culturas infantis e juvenis, as culturas das etnias sem poder, o mundo feminino e as homossexualidades, os pobres e as classes trabalhadoras, o mundo rural, as pessoas com deficiência e as vozes do terceiro mundo. São essas culturas que precisam — numa perspectiva intercultural de educação — adentrar os currículos, rompendo a dicotomia entre erudito popular, viabilizando a recuperação, pela educação obrigatória, de “uma de suas razões de ser: a de ser um espaço onde as novas gerações se capacitem para adquirir e analisar criticamente o legado cultural da sociedade” (SANTOMÉ, 2011, p. 171).
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A RESPEITO DAS QUESTÕES CURRICULARES, OS DOCUMENTOS OFICIAIS SINALIZAM QUE TRATAR DA DIVERSIDADE E DA DIFERENÇA NO CONTEXTO ESCOLAR IMPLICA:
I. POSICIONAR-SE FAVORÁVEL AOS PROCESSOS DE COLONIZAÇÃO E DOMINAÇÃO.
II. OFERECER POSSIBILIDADES DE ANÁLISES SOBRE COMO AS DIFERENÇAS FORAM HIERARQUIZADAS E TRATADAS DE FORMA DESIGUAL E DISCRIMINATÓRIA.
III. ANALISAR O CURRÍCULO COMO UM FENÔMENO QUE DIALOGA COM A CULTURA E QUE, POR ISSO, DEVE PERCEBER O SEU COMPROMISSO COM A COMPOSIÇÃO VIGENTE EM NOSSA REALIDADE.
IV. COMPREENDER A DIVERSIDADE COMO PRINCÍPIO E ENTENDER QUE A CULTURA NÃO É UM BEM QUE PODE SER ADQUIRIDO.
ASSINALE A ALTERNATIVA QUE INDICA TODAS AS AFIRMATIVAS CORRETAS.
São corretas apenas as afirmativas I e II.
São corretas apenas as afirmativas III e IV.
São corretas apenas as afirmativas I, II e III.
São corretas apenas as afirmativas II, III e IV.
São corretas as afirmativas I e IV.
2. NA PROPOSTA CURRICULAR DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE FLORIANÓPOLIS (2008), QUE SE ATENTA A PENSAR O CURRÍCULO NÃO DIANTE DE UMA CULTURA ERUDITA OU HEGEMÔNICA, MAS EM SUA DIVERSIDADE. NESSE SENTIDO, SÃO LINHAS PREVISTAS NA PROPOSIÇÃO CURRICULAR DA REDE:
I. PATRIMÔNIO CULTURAL DE TODOS.
II. RECONHECER OS ARTEFATOS SOCIAIS ELABORADOS POR MEIO DOS CONHECIMENTOS ACADÊMICOS.
III. RIQUEZA DA DIVERSIDADE CULTURAL.
IV. CONJUNTO DE INFORMAÇÕES QUE DEVE SER TRANSMITIDO AOS ESTUDANTES DE MANEIRA SEGMENTADA E HIERARQUIZADA.
V. INFORMAÇÃO ELABORADA A SERVIÇO DA CIDADANIA AMPLA E CONTEMPORÂNEA.
ASSINALE A ALTERNATIVA QUE INDICA TODAS AS AFIRMATIVAS CORRETAS.
É correta apenas a afirmativa I.
São corretas apenas as afirmativas I, II e III.
São corretas apenas as afirmativas I, III e V.
São corretas apenas as afirmativas II, IV e V.
São corretas apenas as afirmativas III, IV e V.
GABARITO
1. A respeito das questões curriculares, os documentos oficiais sinalizam que tratar da diversidade e da diferença no contexto escolar implica:
I. Posicionar-se favorável aos processos de colonização e dominação.
II. Oferecer possibilidades de análises sobre como as diferenças foram hierarquizadas e tratadas de forma desigual e discriminatória.
III. Analisar o currículo como um fenômeno que dialoga com a cultura e que, por isso, deve perceber o seu compromisso com a composição vigente em nossa realidade.
IV. Compreender a diversidade como princípio e entender que a cultura não é um bem que pode ser adquirido.
Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas.
A alternativa "D " está correta.
A cultura do colonizador é a hegemônica que notamos como uma dificuldade na tradição escolar. A cultura deve ser observada como um papel não hegemônico, por isso, as outras três afirmativas estão corretas.
2. Na Proposta Curricular da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (2008), que se atenta a pensar o currículo não diante de uma cultura erudita ou hegemônica, mas em sua diversidade. Nesse sentido, são linhas previstas na proposição curricular da rede:
I. Patrimônio cultural de todos.
II. Reconhecer os artefatos sociais elaborados por meio dos conhecimentos acadêmicos.
III. Riqueza da diversidade cultural.
IV. Conjunto de informações que deve ser transmitido aos estudantes de maneira segmentada e hierarquizada.
V. Informação elaborada a serviço da cidadania ampla e contemporânea.
Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas.
A alternativa "C " está correta.
As afirmativas corretas são as que falam em diversidade: patrimônio tratado de forma ampla, riqueza da diversidade cultural como um valor para todos e a lógica de uma cidadania não civilizadora, mas integradora. As afirmativas II e IV são excludentes e eruditas, por isso, não estão adequadas.
MÓDULO 4
CURRÍCULO E A CULTURA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Identificar os impactos das dinâmicas sociais
contemporâneas no campo do Currículo
CURRÍCULO E TECNOLOGIA
Antes de começarmos a leitura, vamos ouvir o que os professores Rodrigo Rainha e Antônio Giacomo têm a nos dizer.
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Com o advento da internet e, posteriormente, com a popularização da informatização de conteúdos e a automática introdução de conteúdos digitais, novas linguagens e formas de comunicação surgem a cada instante, trazendo, com elas, novas possibilidades no campo das práticas educativas e dos currículos. Essas “novas formas” surgem de modo muito rápido e, simultaneamente, são substituídas ou complementadas por outras ainda mais novas na mesma velocidade, sendo ultrapassadas por novas tecnologias em permanente mutação. Há casos em que, enquanto ainda tentamos definir o nome da tecnologia, ela já está superada por outra mais recente.
Nos anos de 1990, tivemos, por exemplo, a educação via internet pela Plataforma Web 2.0. Essa plataforma introduziu novas possibilidades de relacionamento entre diferentes formas de ensino e aprendizagem por meio do uso de recursos tecnológicos recém desenvolvidos pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) no campo educacional. Essa época e os recursos e métodos proporcionados pela Educação Web 2.0 parecem longínquos, já se foram há muito. Ficou somente o conceito, que evoluiu para a noção de educação on-line, híbrida, mediada, entre outras noções. Atualmente, mesmo no chamado ensino presencial, as redes sociais, a internet e os recursos nelas e por elas disponibilizados seguem presentes na educação.
Com o advento e o desenrolar da pandemia advinda da covid-19, novas formas de uso da tecnologia em sala de aula vêm ocorrendo. O que se percebe, cada vez mais nitidamente, é que o uso das novas tecnologias na Educação veio para ficar. Assim, as propostas e práticas curriculares precisam se adaptar aos novos tempos, como já ocorreu no passado.
Foto: insta_photos/shutterstock.com)
Sim, as novas tecnologias digitais são consequência de um processo de desenvolvimento tecnológico das sociedades humanas que não começou com a informática. O domínio do fogo nos primórdios da humanidade, os primeiros utensílios e armas, a descoberta da pólvora, entre outras marcas transformadoras das práticas sociais sempre ocorreram. Do ponto de vista mais estrito da cultura e da escolarização, a própria invenção do papel, da imprensa e mesmo o advento dos cadernos escolares foram cruciais para a transformação dos registros de conhecimentos, para a sua transmissão e, portanto, para as práticas educativas.
Essas transformações, comuns ao longo da história, não param de ser criadas. O que há de diferente no momento é a velocidade com que novas formas de comunicação surgem, exigindotambém uma maior atenção e celeridade na incorporação das novidades. Ao mesmo tempo, é necessário certo cuidado com o “inovacionismo” nas práticas educativas, já que o ritmo dos processos educativos não é o mesmo da evolução tecnológica. O equilíbrio entre inovação e preservação é fundamental para que as propostas não se percam dos sujeitos concretos que as utilizarão nos cotidianos, incluindo os alunos, que nem sempre têm à disposição as inovações mais recentes.
A pandemia deixa evidente que a escola já não pode abdicar do trabalho na e com a internet, com os dispositivos móveis e as redes de colaboração, instrumentos e espaços de produção e circulação de conhecimentos, de pesquisa, de interatividade e de socialização dentro e fora do ambiente escolar.
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No caso específico dos processos educativos, nos quais a interação social é tão relevante, escolas e universidades se desdobraram — e seguem se desdobrando — para viabilizar a sociabilização, mesmo com os alunos ausentes fisicamente da escola. Isso só é possível por meio das redes sociais e de reuniões por videoconferências em tempo real, ou com o uso de aplicativos diversos que facilitaram o processo comunicativo, dialógico e (in)formacional. Pode-se, portanto, afirmar que essas novas tecnologias vêm criando possibilidades de experiência social diferentes e inovadoras em diferentes esferas da sociedade, provocando mudanças de paradigma nos modos como nos relacionamos com base nas tecnologias digitais.
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Diante de tantas mudanças, além da proliferação de equipamentos, aplicativos e formas de acesso à internet, as linguagens também estão se modificando. Anglicismos novos, palavras e termos surgem, em busca de dar conta dessas “novidades”, e alguns deles já são considerados incontornáveis. Deletar, linkar, downloadar são palavras de uso corrente. Símbolos como hashtag (#), arroba (@) e outros habitam a vida cotidiana da maior parte da população. Quanto aos termos, as noções de letramento digital, alfabetização digital, bem como a preocupação com a inclusão digital, necessária à democracia digital, são hoje inevitáveis nas reflexões sobre a inclusão educacional e o efetivo exercício do direito à educação.
Não por acaso, após os resultados de pesquisas envolvendo os processos de escolarização no primeiro ano da pandemia (2020), que evidenciaram muitos problemas de ordem política e social, foi promulgada a Lei 14.172, de 10 de junho de 2021. Essa lei garante que estudantes e professores das redes públicas do país deverão ter acesso à internet. Para tal, o governo federal deverá destinar R$ 3,5 bilhões aos estados e municípios para garantir a conectividade de banda larga nas escolas até 2024. Ainda que se saiba que essa urgência advém da pandemia, é impossível negar que se trata de uma preparação para um futuro em que as redes sociais e as possibilidades da internet estarão plenamente incorporadas aos processos ensino-aprendizagem nas escolas.
Daí a importância particular da noção de “democracia digital”, termo que está se incorporando à realidade do século XXI. Wilson Gomes nos apresenta uma definição desse termo:
[...] QUALQUER FORMA DE EMPREGO DE DISPOSITIVOS (COMPUTADORES, CELULARES, SMARTPHONES, PALMTOPS, IPADS...), APLICATIVOS (PROGRAMAS) E FERRAMENTAS (FÓRUNS, SITES, REDES SOCIAIS, MÍDIAS SOCIAIS...) DE TECNOLOGIAS DIGITAIS DE COMUNICAÇÃO PARA SUPLEMENTAR, REFORÇAR OU CORRIGIR ASPECTOS DAS PRÁTICAS POLÍTICAS E SOCIAIS DO ESTADO E DOS CIDADÃOS EM BENEFÍCIO DO TEOR DEMOCRÁTICO DA COMUNIDADE POLÍTICA.
(GOMES, 2011, p. 27-28)
RESUMINDO
Falar de democracia digital é falar da dinâmica democrática do século XXI, com repercussões diversas na sociedade, relacionadas também às questões de percursos educacionais, sociais, econômicos e ambientais. Não se trata apenas de acesso à internet, mas da imersão constante em um ambiente comunicativo mediado por novas tecnologias que envolvem os sujeitos nos cotidianos e, por isso, necessariamente no espaço escolar.
OS CURRÍCULOS ESCOLARES E AS NOVAS TECNOLOGIAS: O QUE É UM WEBCURRÍCULO?
Há algum tempo, a educação já vem se percebendo dentro de um complexo de redes, envolvendo tanto as tradições como as inovações, as possibilidades e as dificuldades. As culturas digitais integram e reforçam crescentemente essa ideia; são uma grande rede de ligação, disseminação e interação entre todas as formas de cultura, que devem ser compartilhadas e modificadas nesse novo espaço, ou melhor, nesse novo ciberespaço.
Imagem: FGC/shutterstock.com
Com suas redes sociais digitais, esse ciberespaço potencializa o surgimento de novas linguagens de comunicação e de informação que, ao transcenderem os espaços-tempos escolares, os modificam. As novas “tecnologias digitais” geram, portanto, novos cenários e modos para interagir e comunicar nas comunidades virtuais que adentram também o espaço escolar, trazendo inovações pedagógicas e mudanças. A virtualidade dos meios tecnológicos digitais propicia novas formas de estar, pensar, agir, interagir, criar, conectar, recriar-se no mundo (ALVES; MOREIRA, 2017), além de transformar a capacidade de comunicação dos usuários.
A escola é um importante instrumento dentro da sociedade e não pode ficar de fora das transformações e interações que ocorrem nas redes educativas do/no cotidiano dos sujeitos-alunos, que cada vez mais fazem parte do ciberespaço. Essa agilidade da comunicação, própria do contexto contemporâneo das juventudes e de suas relações com o meio ambiente e/ou com as tecnologias digitais, precisa ser considerada dentro das salas de aula de forma colaborativa, criativa e inventiva. As trocas em rede, potencializadas pelos usos dos dispositivos móveis, indicam um processo formativo de troca de saberes que, por si só, modifica os processos ensino-aprendizagem nas escolas.
MUDANÇAS
Segundo Alves e Moreira (2017, p. 7), “É por meio da cultura contemporânea, como rede educativa, atrelada ao currículo da escola, que as redes sociais permitem uma maior ampliação em termos de territorialidade, visto que permitem possibilidades outras de que os jovens possam participar de forma ampla da cibercultura, envolvendo também o ambiente escolar”.
O que se pode afirmar com a noção de webcurrículo é que este pretende disponibilizar algo que tenha real sentido para os alunos, a fim de incentivá-los a pensar, a criar, a transgredir a mesmice. Dessa forma, permite-lhes alcançar voos mais altos criando novas possibilidades de uso da imaginação.
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WEBCURRÍCULO
“Webcurrículo, que é o currículo que se desenvolve por meio das tecnologias digitais de informação e comunicação, especialmente mediado pela internet. Uma forma de trabalhá-lo é informatizar o ensino ao colocar o material didático na rede. Mas o webcurrículo vai além disso: ele implica a incorporação das principais características desse meio digital no desenvolvimento do currículo. Isto é, implica apropriar-se dessas tecnologias em prol da interação, do trabalho colaborativo e do protagonismo entre todas as pessoas para o desenvolvimento do currículo. É uma integração entre o que está no documento prescrito e previsto com uma intencionalidade de propiciar o aprendizado de conhecimentos científicos com base naquilo que o estudante já traz de sua experiência. O webcurrículo está a favor do projeto pedagógico. Não se trata mais do uso eventual da tecnologia, mas de uma forma integrada com as atividades em sala de aula” (ALMEIDA, 2014, p. 26).
O potencial dessa proposta é, principalmente, o de oferecer aos alunos a oportunidade de olhar para si mesmos e para mundo de forma diversa e mais rica, sem descartar a aprendizagem de novos conceitos, procedimentos e atitudes, como também o desenvolvimento de competências e habilidades que favoreçam a construção do conhecimento.
A tecnologia proporcionará mais visibilidade, auxiliará no processo de construção e representação do conhecimento, potencializará a busca das informações e a comunicação entre aqueles

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