Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Nutrologia – Amanda Logo Louzada 1 DESNUTRIÇÃO CONCEITO: É um distúrbio da nutrição decorrente da falta concomitante de calorias e de proteínas, em diferentes proporções. Pode ser primária, decorrente de carência alimentar, falta de acesso a saneamento básico e serviços de saúde, e falta de práticas de cuidados infantis (exemplo: vacinação, higiene pessoal); Pode ser secundária, causada por doenças que aumentem a necessidade metabólica, diminuam a absorção intestinal ou causem perda de nutrientes (exemplo: síndromes disabsortivas). OBS: Os primeiros 1000 dias de vida são os mais susceptíveis à desnutrição, afetando o desenvolvimento e crescimento. Há maior prevalência de desnutrição no segundo ano de vida, porque, apesar do aleitamento “proteger” a criança, o desmame é feito precocemente e de forma errada. O tempo e a gravidade contribuem para a definição e a classificação da desnutrição. Cças: indivíduos emagrecidos (wasted) e/ou com parada de crescimento (stunted). Práticas inadequadas de higiene favorecem a ocorrência de parasitoses, infecções e diarreia, acompanhando então a desnutrição. Quanto à gravidade da desnutrição, existem as formas moderada e grave. Essa classificação, baseada em critérios clínicos e laboratoriais, é dividida em: Marasmo Kwashiorkor Kwashiorkor-marasmático FISIOPATOLOGIA: BOMBA SÓDIO/POTÁSSIO: Há redução global do metabolismo, com diminuição do gasto energético, da atividade da bomba de sódio-potássio (devido à baixa de ATP, o que gera hipocalemia e hiponatremia sérica, já que a célula passa a excretar menos sódio e importar menos potássio, causando edema celular). Apesar de o nível sérico de sódio laboratorialmente estar baixo, o sódio total corporal está alto (está apenas diluído); Com o tratamento, o sódio é exportado de dentro das células para o compartimento extracelular, que é acompanhado pela expansão do volume sanguíneo; Terapia com fluidos (oral ou intravenosa), grandes volume de alimentação ou dieta rica em sódio durante este período podem ocasionar insuficiência cardíaca aguda na criança e óbito!! METABOLISMO: Há redução dos substratos energéticos, como glicogênio, gorduras e proteínas, e aumento inicial de glicólise, lipólise e gliconeogênese. O metabolismo cerebral é mantido às custas de ácidos graxos e corpos cetônicos. O consumo progressivo leva à queda dos níveis plasmáticos de glicose e aminoácidos, havendo redução da insulina sérica e aumento de glucagon e adrenalina. Há elevação dos níveis de GH e, com isso, aumento da lipólise. O estresse e as infecções aumentam a secreção de cortisol, que atua na gliconeogênese e glicogenólise. Já os níveis de T3 e T4 estão reduzidos, havendo queda da termogênese e do consumo de oxigênio. Ocorre grande desequilíbrio hidroeletrolítico, há aumento dos níveis de cálcio intracitoplasmáticos, desencadeando reações que causam lise celular. Também pode haver hipomagnesemia. Além disso, em casos graves há redução da contração dos miócitos cardíacos IMUNIDADE: Imunidade inespecífica: Há perda de integridade das barreiras epitelial e mucosa, diminuição de muco, pH e lisozima. Imunidade celular: Há diminuição de linfócitos T no timo, baço e linfonodos, IL-1 (interleucina 1) e redução de fatores do sistema complemento. Logo, há menor capacidade de opsonização, fagocitose e quimiotaxia. Testes cutâneos geralmente apresentam-se negativos (exemplo: PPD). Imunidade humoral: Linfócitos B e imunoglobulinas têm sua função relativamente preservada. A deficiência de IgA é a mais frequente, favorecendo a ocorrência de diarreia e infecção de vias aéreas. Há ainda predisponência há alergias alimentares. ALTERAÇÕES GASTROINTESTINAIS: Há redução na secreção gástrica, pancreática e biliar, com diminuição de enzimas digestivas (lactase, maltase e sacarase), amilase e lipase. O paciente pode apresentar intolerância à lactose e fezes ácidas, devido à deficiência de lactase. Nutrologia – Amanda Logo Louzada 2 DESNUTRIÇÃO Há ainda diminuição da absorção de aminoácidos essenciais, e o transporte de glicose também pode estar comprometido. Há perda de tônus das alças intestinais e diminuição da peristalse, favorecendo a proliferação bacteriana. Pode haver dificuldade de absorção de água e eletrólitos, e má absorção de lipídios, vitamina B12 e outras vitaminas lipossolúveis Diminuição do tamanho e número das vilosidades intestinais, podendo lembrar o aspecto de doença celíaca (principalmente em Kwashiorkor). Esteatose hepática, que pode evoluir para fibrose perilobular e cirrose, principalmente em Kwashiorkor. Atrofia de glândulas parótidas, que durante a recuperação nutricional podem aumentar de tamanho. ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES E RENAIS: Alterações Cardiovasculares e Renais Há déficit contrátil do miócito cardíaco, diminuindo o débito cardíaco e respondendo inadequadamente às alterações volêmicas. Com isso, há queda da taxa de filtração glomerular, prejudicando a concentração e acidificação urinária. Queixas de poliúria e noctúria são comuns. KWASHIORKOF: Nesse distúrbio, a ingestão calórica pode ser adequada, mas há deficiência dietética de proteína, o que impede a adaptação do organismo à desnutrição. A instalação da doença é mais rápida que no marasmo. A principal característica é o estabelecimento de edema. A hipoalbuminemia é um dos fatores que contribui para essa alteração. A diminuição da atividade da Na/K ATPase, liberação de radicais livres e diminuição de substâncias antioxidantes como a glutationa, parecem contribuir para a geração do edema. “Geralmente” o paciente apresenta peso menores do que os esperados para a idade. Apresenta-se consumida, principalmente se observarmos os membros superiores e inferiores, mas pode ser mascarado pelo edema. Tal edema pode acometer qualquer parte do corpo, mas em pacientes que deambulam, geralmente se inicia com intumescimento dos pés, que se estende às pernas e, posteriormente, acomete mãos e face. Também pode haver edema em regiao escrotal. O paciente pode apresentar alterações mentais e comportamentais, se apresentando apática, hipoativa, anorética e desinteressada pelo que acontece à sua volta. Nesse distúrbio o paciente tem tecido celular subcutâneo. Apresenta dermatoses em áreas de atrito (exemplo: região inguinal e no períneo), pois a pele geralmente está despigmentada. Pode haver áreas de hiperpigmentação que descamam, causando aspecto de dermatite em escamas (flaky paint dermatosis). Essa pele é facilmente infectável. Cabelos apresentam alteração de textura e de cor (discromia), além de serem quebradiços. Cabelos pretos podem estar castanhos ou avermelhados. Sinal da bandeira pode estar presente e consiste na alteração segmentar (em faixas) da cor do cabelo, o que traduz períodos de melhora e piora nutricional. Fezes podem estar liquefeitas, com presença de sangue e alimentos não digeridos. Geralmente há anemia, pela deficiência proteica para a síntese de eritrócitos, deficiência de ferro e de ácido fólico, parasitoses intestinais e infecções. Os pacientes podem ainda apresentar hepatomegalia (esteatose). MARASMO: Resulta de uma deficiência calórica total (energia e proteínas). A instalação da doença é insidiosa, o que permite certa adaptação do organismo à deficiência nutricional. Apresenta déficit de peso, extrema atrofia muscular, emagrecimento acentuado com pobreza de tecido celular subcutâneo e pele enrugada, principalmente em nádegas e coxas. Devido à perda de tecido celular subcutâneo, ocorreo desaparecimento da bola gordurosa de Bichat. Geralmente o apetite da criança está preservado. Há comumente anemia e diarreia, associadas à abdome volumoso. Não há edema nem lesões cutâneas. Os cabelos podem estar alterados. Pode haver hipoalbuminemia. Nutrologia – Amanda Logo Louzada 3 DESNUTRIÇÃO KWASHIORKOR-MARASMÁTICO: O paciente pode evoluir com carências na ingesta proteica e/ou energética, apresentando características dos dois distúrbios. AVALIAÇÃO COMPLEMENTAR: Proteínas séricas (lembrar que essas podem aumentar em situação de inflamação, já que são reagentes de fase aguda) Hemograma completo, função renal e hepática Ferro, ácido fólico, vitamina B12, hemólise e linfopenia Lipidograma com redução de colesterol e triglicerídeos Hipoglicemia; hiponatremia; hipocalemia (podendo haver fraqueza muscular, íleo paralítico e alterações da repolarização ventricular) Hipomagnesemia; hipofosfatemia; alcalose ou acidose metabólica. Tiamina TRATAMENTO: PASSOS: 1. Tratar e prevenir a hipoglicemia. 2. Tratar e prevenir a hipotermia. 3. Tratar a desidratação e o choque séptico. 4. Corrigir os distúrbios hidroeletrolíticos. 5. Tratar infecção. 6. Corrigir as deficiências de micronutrientes. 7. Reiniciar a alimentação cautelosamente. 8. Reconstruir os tecidos perdidos (fase de reabilitação ou de crescimento rápido). 9. Afetividade, estimulação, recreação e cuidado. 10. Preparar para a alta e o acompanhamento após a alta FASES: Fase 1: Estabilização (1 a 7 dias) Identificação e tratamento das condições que necessitem de maior urgência no momento, que também podem ser ameaçadoras de vida, como a hipoglicemia, hipotermia, distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos, desidratação, infecção e anemia. Reiniciar a alimentação cautelosamente. Como o desnutrido não tolera grandes volumes, a oferta hídrica deve ser de menor que a habitual. A dieta deve ser de baixa osmolaridade (abaixo de 280 mOsmol/L), menor teor de lactose (abaixo de 13 g/L) e de sódio. Nesta fase, não se objetiva a recuperação do estado nutricional, e sim sua conservação e estabilização clínico-metabólica Fase 2: Reabilitação (2ª a 6ª semana) Alimentação intensiva na tentativa de recuperar o peso que foi perdido, estimulação emocional e física. Deve-se ofertar alimentação em maior quantidade, visando a recuperar grande parte do peso perdido. A dieta deve conter menor teor de lactose. É importante o fornecimento de preparados com multivitaminas, assim como de zinco, cobre e ferro Fase 3: Acompanhamento (7ª a 26ª semana) Fase de acompanhamento ambulatorial para prevenir recaída. Pode ser realizado em hospitais-dia ou ambulatórios e tem por objetivos prosseguir com a orientação nutricional.
Compartilhar