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Geovana Sanches, TXXIV DOENÇAS INTERSTICIAIS INTRODUÇÃO Compartimentos intersticiais O espaço intersticial corresponde a todas as regiões que estão entre os brônquios, bronquíolos e alvéolos. Sendo assim, há: • Interstício intralobular: região mais central • Interstício subpleural: mais periférico • Interstício peribronquiovascular: encontra-se ao redor do brônquio Definição As doenças pulmonares intersticiais (DPIs) são afecções heterogêneas, agrupadas em função de achados clínicos, radiológicos e funcionais semelhantes. OPACIDADES LINEARES E RETICULARES As opacidades lineares e reticulares resultam do espessamento do interstício, por: • Acúmulo de líquido (congestão pulmonar) • Inflamação • Fibrose • Infiltração neoplásica Dependendo do tipo de acometimento, as apresentações histológica e radiológica são diferentes. A apresentação mais comum é o faveolamento (pulmão em favo de mel), na qual há espessamento mais periférico. Podem ocorrer ainda espessamento das fissuras, lesões intraloulares, espessamento dos septos intra-lobulares, bandas de parênquima, nódulos tubulares, lesões peribronquiovasculares e bronquiectasia de tração (modifica a estrutura ao redor do brônquio). Além disso, o pulmão é risco em vasos linfáticos e apresenta células em seu interior, o que também podem promover o espessamento do interstício. Disseminação As disseminações que acometem o interstício podem ocorrer por: • Via aérea o Inalação de partículas que acometem a região o DRGE – pode ocorrer aspiração e consequente acometimento do interstício • Via hematogênica o Exemplo: doenças neoplásicas • Via linfática o A circulação linfática se dá principalmente na região periférica PRINCIPAIS DOENÇAS DIFUSAS DO PARÊNQUIMA PULMONAR Doenças de causas conhecidas • Doenças do colágeno o Esclerodermia o Artrite reumatoide Geovana Sanches, TXXIV o LES • Doenças tabaco-relacionadas: é frequente a identificação de enfisema em associação, assim como de macrófagos com acúmulo de pigmento acastanhado (característica histológica que marca a exposição ao tabaco). Pneumonias intersticiais idiopáticas (PIIs) As PIIs constituem um grupo heterogêneo de doenças pulmonares que não tem causa totalmente identificada, que resultam em graus variáveis de inflamação e fibrose. Fibrose pulmonar idiopática (FIPI) É a mais prevalente na prática clínica, excluindo-se os acometimentos pulmonares secundárias a outras doenças. Caracteriza-se pelo padrão histológico de pneumonia intersticial usual, observando-se áreas de fibrose intercaladas com áreas de parênquima normal, focos de fibrose ativa, faveolamento e distribuição da fibrose nas regiões subpleurais. PII não FIPI • Pneumonia alveolar macrofágica (AMP) – antiga DIP • Pneumonia intersticial aguda (AIP) – síndrome de Hamman-Rich: caracterizada por achados anatomopatológicos de dano alveolar difuso na biópsia pulmonar, em geral, em fase proliferativa, e sem causa aparente. • Pneumonia intersticial inespecífica (NSIP): caracterizada por inflamação e/ou fibrose de distribuição homogênea. • Bronquiolite respiratória – doença intersticial pulmonar (RB-PID) • Pneumonia organizante criptogenética (COP) – antiga BOOP: caracterizada por fibrose intraluminal em organização nos espaços aéreos distais, embora haja algum grau de inflamação intersticial. • Pneumonia intersticial linfocítica (LIP) Granulomatoses Diversas doenças pulmonares difusas podem exibir granulomas, necrotizantes ou não, nos espécimes de biópsia (transbrônquica ou cirúrgica). As doenças granulomatosas apresentam processo inflamatório granulomatoso, podendo ser infecciosas ou não. A avaliação microbiológica, com exame direto e culturas, é fundamental na presença de granuloma. • Sarcoidose • Granulomatose de Werker Outras doenças As doenças que não apresentam características que permitam incluí-las nos grupos anteriores estão reunidas nesse grupo. A maioria é idiopática e rara, sem tratamento curativo, e algumas têm um padrão clínico-radiológico sugestivo. • Linfangioleiomiomatose (LAM) • Histiocitose pulmonar de células de Langerhans • Pneumonia de hipersensibilidade ABORDAGEM INICIAL A avaliação inicial do paciente com suspeita de doença pulmonar intersticial deve incluir história e exame físico completos, seguidos de testes laboratoriais e de imagem: testes hematológicos de rotina, radiografia de tórax, TCAR de tórax, gasometria arterial e testes de função pulmonar, incluindo DLCO e medida da SpO2 no esforço. Sintomas • Dispneia: sua graduação é útil para avaliação da gravidade da doença e para o acompanhamento. Se correlaciona inversamente com a CVF, qualidade de vida e prognóstico em pacientes com FPI. • Tosse: em pacientes com DPIs, outras causas de tosse podem estar presentes, de modo que elas devem ser excluídas antes de se atribuir a tosse à DPI. • Sibilância: são ocasionalmente observados nas doenças que incidem mais em asmáticos, naqueles que envolvem o feixe broncovascular ou naquelas que resultam em bronquiolite. • Achados clínicos compatíveis com doenças do tecido conjuntivo: Dor, edema, rigidez articular, fenômeno de Raynaud, fotos- sensibilidade, rash fácil, persistência de boca e olhos secos, úlceras orogenitais, edema de mãos e de braços, “mãos de mecânico”, ulcerações nos dedos, lesões de pele diversas, dificuldade para deglutir ou engasgos com alimentos, pirose, regurgitação, dificuldade para se levantar da cadeira, subir escadas ou pentear os cabelos. • Refluxo gastroesofágico: pacientes com sintomas de DRGE como pirose e regurgitação devem ser pesquisados para Geovana Sanches, TXXIV tal, tendo em vista que a doença é uma com causa importante para aspiração, indicando que a doença pulmonar pode ser resultante disso. Dados da história clínica A histórica clínica na suspeita de doenças intersticiais deve ter alto grau de detalhamento. • História ocupacional completa: todos os pacientes portadores de DPI devem ser questionados sobre ocupações que envolvem exposições a poeira, fumos, vapores e gases, tendo em vista que, com frequência, a doença está associada as exposições ocupacionais. • Tabagismo: as DPIs podem ser classificadas, quanto ao tabagismo, em: (1) doenças que quase sempre ocorrem em fumantes, geralmente associadas a enfisema; (2) doenças que podem ser precipitadas pelo tabagismo; (3) doenças estatisticamente mais prevalentes em fumantes. • História ambiental: animais domésticos, contato com mofo etc. o Destaque para pássaros: há muitas doenças intersticiais ocasionadas pelo contato com esses animais. § Travesseiro de pena de ganso • Evolução temporal dos sintomas: geralmente tosse (seca) e dispneia aos esforços, em quadros prolongados • Presença de sintomas constitucionais o Emagrecimento, acometimento sistêmico, febre... • História de colagenoses ou doenças reumatológicas o Artrite, lúpus eritematoso sistêmico, entre outras • História de uso de drogas lícitas e ilícitas o Medicamentos: amiodarona o Drogas: cocaína • História de neoplasias o Mama, cólon, pulmão o Quimioterapia • AIDS • Doenças genéticas Exame físico • Verificar sinal de doença reumatológica • Estertores finos em “velcro”: são mais comuns em doenças intersticias fibrosantes e menor frequentes em doenças granulomatosas, especialmente na sarcoidose. o FIPI/UIP, colagenoses, asbestose, drogas fibrosantes o Estertores finos ao final da inspiração são ocasionados pela entrada do ar no alvéolo, extensão do mesmo e, consequentemente, do interstício – sinal de infiltrado intersticial, não é diagnóstico de nenhuma doença • Grasnidos: som inspiratório, agudo, tipo “piado de gaivota”, que ocorre em pacientes com doenças em que há comprometimento bronquiolar, como as bronquiolites. • Baqueteamento digital: écomum nas doenças pulmonares fibrosantes, sendo infrequente em outras condições. o FIPI/UIP, AR com UIP, asbestose, drogas fibrosantes, fibrose cística o Sinal de hipoxemia • Exames cardíaco: é usualmente normal, exceto nas fases avançadas das doenças fibrosantes, quando surgem achados secundários a cor pulmonale, como edema periférico e estase jugular. Avaliação complementar Exames laboratoriais • Hemograma • DHL: níveis elevados desse marcador são um achado inespecífico nas DPIs • Função hepática e renal • Enzimas musculares • Urina I • Calciúria de 24 horas • PPF (parasitológico de fezes) • PPD (tuberculose) • Provas reumatológicas o FAN, látex, anticorpos específicos, atividade inflamatória, ANCA Provas funcionais • Espirometria: mostra mais comumente um distúrbio restritivo com fluxos distais elevados, o que demonstra aumento do recolhimento elástico. Em algumas condições mais específicas, quando há acometimento do eixo broncovascular, pode-se encontrar distúrbio obstrutivo: o Sarcoidose o Linfangioleiomiomatose Geovana Sanches, TXXIV o Pneumonia de hipersensibilidade (PH) o Bronquiolite constritiva o Blastomicose o Silicose o DPOC superposta • DLCO (pletismografia): a doença atrapalha a passagem de gases entre a membrana alvéolo-capilar, o que é visto como diminuição na difusão. • Teste de exercício: teste da caminhada com oximetria e ergo espirometria o Alteração de difusão e troca gasosa – é comum que haja redução da saturação de oxigênio o Caminhada durante 6 minutos • Gasometria arterial: verifica se há ou não hipoxemia Exames definidores O raio-X de tórax pode ser o exame radiológico inicial, na qual, muitas vezes, a DPI é evidenciada por achados anormais. Todavia, a radiografia pode-se apresentar normal mesmo na presença da doença. É importante rever todas as radiografias prévias para avaliar se há progressão ou estabilidade da doença. Tendo em vista que a identificação de padrões bem definidos nem sempre é fácil na radiografia de tórax, o exame que realmente confirma o diagnóstico é a tomografia computadorizada (TCAR). Em algumas situações, podem ser realizados exames que diagnosticam hemorragia alveolar, como broncoscopia não chega à região periférica). Hemorragia alveolar difusa Biópsia pulmonar A biópsia pulmonar é o método mais eficaz para confirmar o diagnóstico e avaliar a atividade da doença. Ela deve ser realizada antes da instituição do tratamento pois indica o diagnóstico definitivo e, assim, evita confusão e ansiedade em fase posterior da evolução clínica caso o paciente não responda ao tratamento ou experimente efeitos colaterais em decorrência dele. A broncoscopia de fibra óptica com múltiplas biópsias pulmonares transbrônquicas (4 a 8 amostras) muitas vezes é o procedimento de escolha inicial. Se um diagnóstico específico não for definido pela biópsia transbrônquica, será indicada uma biópsia pulmonar cirúrgica por videotoracoscopia ou toracotomia. Devem-se obter biópsias de tamanho adequado de múltiplos locais, em geral de dois lobos. As contraindicações relativas as biópsias pulmonares consistem em doença cardiovascular grave, padrão em “favo de mel” e outras evidências radiográficas de doença difusa terminal, disfunção pulmonar grave e outros grandes riscos cirúrgicos, sobretudo em idosos. Raio-X Na imagem, vemos espessamento intersticial bilateral em bases. Tomografia computadorizada A imagem demonstra acometimento difuso do pulmão do paciente. Geovana Sanches, TXXIV FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA A Fibrose Pulmonar Idiopática (FPI) é uma síndrome clínica com padrão radiológico e anatomopatológico de UIP (ou PIU - usual intersticial pneumonia). É a doença mais comum dentre as pneumonias intersticiais idiopáticas. Acomete principalmente homens, maiores de 50 anos e está relacionada ao tabagismo. Caracteriza-se por um quadro clínico arrastado, com dispneia progressiva, tosse seca, estertores crepitantes em velcro, baqueteamento digital e hipoxemia. Na prova de função pulmonar, verifica-se padrão restritivo e redução na difusão (há grande acometimento da membrana alvéolo-capilar). O prognóstico da doença é ruim, devido a pouca resposta ao tratamento. Usual intersticial pneumonia (UIP ou PIU) O padrão histológico de UPI não é exclusivo da fibrose pulmonar idiopática. Pode ser também secundário a pneumonia de hipersensibilidade (PH), doenças colagenosas e drogas. Trata-se de um acometimento mais heterogêneo, com áreas de pulmão preservado alternadas com áreas de fibrose terminal. Em geral, o acometimento é em bases e periférico (região em que há mais interstício), com faveolamento (pulmão em favo de mel). É comum ainda o aparecimento de bronquiectasias. Padrão UIP Possível UIP Incompatível > Reticulado > Faveolamento > Predomínio periférico e basal > Ausência de característica inconsistentes > Reticulado > Predomínio periférico e basal > Ausência de característica inconsistentes > Predomínio superior ou médio > Predomínio peribroncovascular > Consolidações > VF > reticulado > Muitos micronódulos > Mosaico (bilateral e > 3 lobos) > Muitos cistos (não faveolamento) Tomografia Destruição do parênquima com faveolamento + brônquios repuxados. OUTROS PADRÕES HISTOLÓGICOS Pneumonia intersticial não específica (NSIP ou PINE) A PINE é rara na forma idiopática, sendo um padrão mais comum quando secundário a doenças conhecidas, como colagenoses, pneumonite de hipersensibilidade e exposição a drogas. Há maior acometimento em pacientes com cerca de 50 anos, mulheres e melhor resposta ao tratamento com corticoides. Assim, apresenta melhor prognóstico. Caracteriza-se por envolvimento pulmonar homogêneo, ao contrário da UIP. Apresenta os subtipos celular (com maior inflamação) e fibrosante. Padrão Usual x Não usual UIP NSIP Ø Gradiente ápico- basal óbvio Ø Heterogêneo Ø Favo de mel Ø Sem gradiente óbvio Ø Homogêneo Ø Opacidades em vidro fosco Geovana Sanches, TXXIV Criptogenic organizing pneumonia (COP) Antigamente denominada BOOP (bronchiolitis obliterans organizing pneumonia). A pneumonia criptogênica em organização envolve tecido de granulação nos ductos alveolares e alvéolos, com imagem mais condensada. A duração é subaguda, com cerca de 3 meses. Há maior acometimento em pacientes com cerca de 55 anos e história de infecção respiratória prévia. Não tem associação com tabagismo. Uma grande variedade de doenças pode cursar com COP, tais como colagenosas, infecções, reações a drogas – diagnóstico de exclusão. No contexto atual, inclui-se aqui também a COVID-19. A grande maioria dos pacientes melhora com terapia corticoide, mas alguns podem evoluir com fibrose (irreversível). Os achados na tomografia incluem: consolidações esparsas e vidro fosco; distribuição periférica e peribrônquica, com certo predomínio nos campos inferiores; opacidades migratórias (mudam de lugar). Accelerated Interstitial Pneumonia (AIP) A pneumonia intersticial aguda é um padrão encontrado em afecções agudas e idiopáticas. Há hipóxia rapidamente progressiva e alta mortalidade; não há tratamento (apenas de suporte). Há dano alveolar difuso, com o mesmo padrão de SARA na biópsia. A grande diferença entre as duas é que a AIP é idiopática, enquanto a SARA tem causa conhecida. A fase inicial é exsudativa, com vidro fosco e consolidações decúbito dependentes. Já a fase tardia, é organizante, com fibrose e bronquiectasias. Tomografia A imagem demonstra acometimento quase completo do pulmão. NOÇÕES BÁSICAS SOBRE TRATAMENTO Embora a evolução da DPI seja variável, a progressão é comum e com frequência insidiosa. Todos os distúrbios tratáveis devem ser considerados cuidadosamente. Como a terapia não reverte fibrose, os principais objetivosdo tratamento são a remoção permanente do agente ofensivo, quando conhecido, com a identificação precoce e supressão vigorosa do processo inflamatório agudo e crônico, reduzindo assim a lesão pulmonar adicional. A hipoxemia (PaO2 < 55 mmHg) em repouso e/ou no exercício deve ser tratada com Geovana Sanches, TXXIV oxigênio suplementar e, de acordo com a progressão da doença, o tratamento do cor pulmonale pode ser necessário. Os glicocorticoides são a base do tratamento para a supressão da inflamação presente na DPI, mas não existem evidências diretas de que os esteroides melhoram a sobrevida em muitas das doenças para as quais são usados comumente, de forma que a taxa de sucesso é baixa. A terapia com glicocorticoides é recomendada aos pacientes com DPI sintomática com pneumonia eosinofílica, POC, DTC, sarcoidose, pneumonite de hipersensibilidade, exposições agudas a poeira inorgânica, pneumonite devida a radiação aguda, HAD e DPI induzida por fármacos. A dose ideal e a duração apropriada do tratamento com glicocorticoides, para a maioria das DPIs, são desconhecidas. Uma dose inicial comum é a administração oral de 0,5 a 1 mg/kg de prednisona uma vez ao dia. Essa dose é mantida por 4 a 12 semanas, quando o paciente é reavaliado. Se o paciente estiver estável ou melhor, a dose deve ser reduzida para 0,25 a 0,5 mg/kg e mantida nesse nível por mais 4 a 12 semanas, de acordo com a evolução. Uma redução rápida da dose ou um ciclo breve de tratamento com glicocorticoides pode levar à recorrência. Se o estado do paciente continuar declinando com o uso de glicocorticoides, um segundo agente normalmente deve ser adicionado e será reduzida ou mantida a dose de prednisona em 0,25 mg/kg/dia. Muitos casos de DPIs são crônicos e irreversíveis, não responsivos ao tratamento, podendo ser considerado o transplante pulmonar. RESUMIDAMENTE... • Lembrar da história, antecedentes e exame físico • Exames de imagem e laboratoriais o Raio-X é exame de screening, sendo que normalmente escolhe-se a tomografia • Biópsia pode ser necessária, principalmente em padrão não usual o Nos casos de UIP com história compatível, não é necessário realizar a biópsia, podendo o diagnóstico ser firmado apenas pelo padrão radiológico. o Nos demais casos, em geral é indicada a biópsia • Tratamento: depende da etiologia o PH= corticoide o FPI= normalmente paciente não responde § Novas medicações para doenças fibrosantes: são muito caros, não estão disponíveis no SUS e nem todos os pacientes respondem • Pirfenidona • Nintedanib
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