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Tétano, Botulismo e Colite Pseudomembranosa Antônio Cabral, Heliara Paola, Kathleen Lopes e Natalia Sayago. Taxonomia das espécies de Clostridium Grupo de bacilos anaeróbios formadores de esporos, anaeróbios estritos (exceto o C. perfringens); Podem fazer parte da microbiota do trato GI; São causadores de infecções endógenas e exógenas e formam esporos facilmente nas culturas. Infecções causadas: Infecções toxigênicas exógenas reconhecidas há muito tempo: tétano (C. tetani) e as diversas formas de botulismo (C. botulinum). Hoje, a colite pseudomembranosa causada pelo C. difficile também é uma infecção toxigênica bem conhecida, que resulta da colonização do trato GI no hospital ou na comunidade. Habitats dos anaeróbios: solo, pântanos, sedimentos de lagos e rios, oceanos, esgoto, alimentos e animais. Nos seres humanos são comuns na cavidade oral ao redor dos dentes, no trato GI (especialmente intestino grosso), nos orifícios do trato geniturinário (GU) e na pele. Gênero Clostridium Tétano Agente Etiológico e Transmissão Tétano é uma doença infecciosa causada pelo Clostridium tetani. Bacilo anaeróbio obrigatório formador de esporos. Os esporos estão amplamente dispersos no solo e nos ambientes aquáticos. A contaminação em maior incidência é na zona rural ou onde não há destino adequado de dejetos. Vacina: três doses de DTP (contra tétano, difteria e coqueluche). Transmissão: Contaminação de feridas com perfuração profunda, lacerações, lesões por esmagamento dos esporos e contaminação fecal do cordão umbilical (tétano neonatal). Os esporos são resistentes e permitem que a bactéria sobreviva no intestino humano. O período de incubação varia de 3 a 21 dias. Tétano Epidemiologia e Fatores de risco Nos países com estratégias eficazes de imunização, a doença é mais comumente encontrada entre usuários de drogas injetáveis. Nos EUA, a incidência relatada foi de 233 casos entre 2001 e 2008, com média aproximada de 29 casos por ano. A taxa de mortalidade foi de 13,2%, mas aumentou para 31,3% na faixa etária ≥ 65 anos. Medidas terapêuticas para as feridas como a aplicação de vacinas e da antitoxina junto do avanço das práticas obstétricas ajudaram a reduzir a incidência e a melhorar o prognóstico. Hoje, 50% das infecções são secundárias à contaminação de feridas e abscessos, além dos casos associados ao uso de drogas ilícitas injetáveis. É uma doença de notificação compulsória nos EUA. Existem relatos de infecções após operações de reparo laparoscópico de hérnias, além de um caso raro de bacteremia de um paciente de 87 anos, no qual uma suposta fonte de bactérias endógenas foi reconhecida como causa da doença. É responsável por cerca de 150.000 mortes anuais, a maioria em países da África e do Sudeste Asiático. Tétano Manifestações clínicas Causada pelas ações de duas toxinas: tetanolisina e tetanospasmina. Semelhanças com a difteria: infecção permanece localizado (ferida com perfuração), enquanto a toxina é absorvida e causa os efeitos sistêmicos principais. Após essa lesão, pode haver infecção mista por anaeróbios e aeróbios nos tecidos desvitalizados, oferecendo condições favoráveis à germinação dos esporos, à multiplicação das células e à liberação de tetanospasmina com a autólise das bactérias. A tetanospasmina liga-se às terminações dos nervos motores periféricos e é levada até o SNC, onde liga-se aos gangliosídeos e bloqueia os estímulos inibitórios; Fixa-se aos locais de ligação das junções mioneurais e inibe a liberação de acetilcolina. Esse processo é semelhante ao da ligação da toxina botulínica às junções mioneurais, com exceção de que os locais de ligação são diferentes. Sinais e sintomas: contrações musculares espásticas, dificuldade de abrir a mandíbula (“trismo” ou mandíbula travada), sorriso típico conhecido como “riso sardônico” e contrações dos músculos dorsais que resulta no arqueamento do corpo para trás. Ficam irritáveis e desenvolvem convulsões tetânicas por causa das contrações musculares violentas e dolorosas depois de estímulos mínimos (ruído no ambiente). O aparecimento dos sintomas pode variar de 4 dias a várias semanas, dependendo do número de esporos inoculados por ocasião da lesão. Tétano Diagnóstico e Tratamento Diagnóstico: baseado mais na exposição e manifestações clínicas do que em exames laboratoriais, visto que, em geral, a ferida antecedente é inexpressiva. Logo, a coloração pelo Gram e as culturas para anaeróbios da amostra da ferida, não conseguem isolar C. tetani frequentemente. Contudo, quando isolados em Cultura: Ágar-sangue para anaeróbios: produz esporos terminais arredondados, forma colônias dispersivas ou crescentes e produz grandes quantidades de acetato e butirato e quantidades mínimas de propionato. Ágar gema de ovo (EYA; do inglês, egg yolk agar): tem reações negativas de lipase e lecitinase e é assacarolítico. É rara a detecção da toxina no sangue ou nos tecidos do paciente. Diagnóstico diferencial primário: envenenamento por estricnina. Prova de isolamento: baseia-se na produção de toxina em sua neutralização por antitoxina específica. Tratamento: internação hospitalar, tratamento imediato com imunoglobulina antitetânica humana (IGT) (ou antitoxina equina), vacinação contra o tétano e fármacos para controlar os espasmos musculares. Plano terapêutico: cuidados rigorosos com as feridas e antibióticos. Tétano Diagnóstico Figura 1: Colônias de C. tetani em ágar-sangue duro (ágar a 4%), que é usado para inibir o movimento dispersivo dos microrganismos, de forma que possam ser isolados das outras bactérias presentes nas culturas mistas. Fonte: KONEMAN, 2018 Figura 2: Coloração por Gram de C. tetani isolado de uma cultura em caldo de glicose e carne cozida. Algumas células tinham esporos terminais arredondados, que são típicos dessa bactéria. Fonte: KONEMAN, 2018 Botulismo Agente Etiológico e Transmissão Botulismo é uma doença neuroparalisante potencialmente fatal causada por diferentes toxinas proteicas termolábeis produzidas pelo Clostridium botulinum Bacilo Gram positivo anaeróbio esporulado. Encontrado no solo e em fezes de animais. A toxina botulínica é considerada um dos principais agentes para bioterrorismo e guerra biológica. Embora as diversas cepas produzam sete tipos de toxina (A a G), a maioria dos casos de botulismo humano é causada pelos tipos A, B, E e F. Transmissão: Botulismo clássico veiculado por alimentos: Contato com o solo, fezes de animais e após ingestão de alimentos contaminados pelas toxinas da bactéria (vegetais, peixes, frutas, guisados de carne, chili, molho de espaguete, frios, defumados, embalados a vácuo, enlatados, crus, nos quais os esporos germinam em condições anaeróbias, crescem e produzem a toxina). Botulismo infantil: ingerem esporos (não toxina pré-formada) do solo, da poeira doméstica, do mel ou outra fonte. Dentro do intestino, a bactéria multiplica-se e produz a toxina. Botulismo das feridas: causado pela infecção de uma ferida pela bactéria. Botulismo Epidemiologia e fatores de risco Comum nos EUA, Reino Unido e Alemanha, associada com usuários de heroína contaminada. De acordo com os CDC, anualmente ocorrem cerca de 145 casos de botulismo nos EUA, que representam os diferentes tipos de infecção. Botulismo clássico veiculado por alimentos: 13% dos casos notificados nos EUA Em geral se relaciona à conservação de alimentos de maneira inadequada. Alimentos processados em casa foram mais envolvidos nos surtos. Botulismo das feridas: 20% do total dos casos notificados nos EUA Um tipo especial foi atribuído à injeção de heroína com alcatrão principalmente na Califórnia. Botulismo infantil: 65% dos casos notificados nos EUA Reconhecido como uma doença clínica diferenciada em 1976. Entre 1976 e 1988: diagnosticados 760 casos em muitos estados dos EUA, mas a maioria ocorre na Califórnia. Têm sido notificados na Ásia, Austrália, Europa, Américas do Norte e do Sul. Idade dos bebêsafetados varia de 6 dias a 11,7 meses e os dois sexos são acometidos com a mesma frequência. Botulismo Manifestações clínicas A toxina botulínica liga-se às vesículas sinápticas de acetilcolina nas terminações nervosas periféricas e nas junções neuromusculares. Pacientes não tratados desenvolvem paralisia descendente flácida aguda, a qual inicia-se com disfunção bilateral dos nervos cranianos, acarretando paralisia dos músculos da face, cabeça e garganta. Em seguida, desce e afeta os músculos do tórax, diafragma e membros. O óbito pode ser atribuído à paralisia respiratória ou à pneumonia secundária causada por outros microrganismos. Botulismo clássico veiculado por alimentos: nos casos típicos afeta adultos e resulta da ingestão da toxina pré-formada presente no alimento contaminado. Sinais e sintomas: aparecem de 18 a 24 horas: diplopia e/ou borramento visual, ptose palpebral, fala arrastada, dificuldade de engolir, boca seca e fraqueza muscular. Sintomas gastrointestinais não são regularmente proeminentes. Botulismo das feridas: produção da toxina botulínica in vivo, depois da multiplicação da bactéria em uma ferida infectada. Botulismo Manifestações clínicas Botulismo infantil: mais comum e resulta da multiplicação in vivo no interior do trato intestinal dos lactentes. Sinais e sintomas: constipação intestinal (em geral, o primeiro sinal), irritabilidade, dificuldade de mamar e deglutir, alteração do padrão de choro, hipotonia, fraqueza → muscular (parece “molengo”) e perde o controle postural da cabeça. Em seguida, podem ocorrer ptose, oftalmoplegia, expressão facial flácida, disfagia e outros sinais neurológicos. Por fim, há insuficiência ou parada respiratória, que requer suporte ventilatório. Uma porcentagem pequena dos bebês com botulismo infantil morre. Colonização intestinal do adulto (toxemia): muito raro, embora seja semelhante ao infantil. Botulismo iatrogênico: causado por uma hiper dose da toxina botulínica e também é muito raro. Botulismo inalatório: aerossolização e inalação da toxina botulínica. Arma potencial de bioterrorismo. Os pacientes que se recuperam não desenvolvem antitoxina no sangue. Botulismo Diagnóstico Botulismo veiculado por alimentos: Amostras: soro (15 a 20 mℓ), fezes (25 a 50 g), conteúdo gástrico ou no vômito. A detecção da toxina no alimento, com ou sem isolamento, ajuda a confirmar se esteve envolvido no surto. Botulismo das feridas: Amostras: exsudato ou swabs retirados da ferida, tecidos e fezes. Botulismo infantil: Amostras: soro (2 a 3 mℓ) → toxina raramente detectada e fezes (25 a 50 g). Caso apresente constipação intestinal o médico deve avaliar o risco de colher um swab anorretal. Confirmação: Demonstração da toxina botulínica (teste de neutralização em camundongo) e/ou isolamento e identificação com técnicas bioquímicas em cultura convencional. Possível ação terrorista- Amostras: soro, aspirado gástrico, fezes, amostras ambientais ou swabs nasais, que devem ser refrigerados. Figura 3: Produção de lipase no ágar gema de ovo. Alguns clostrídios como C. botulinum, C. sporogenes e C. novyi tipo A apresentam essa lipase. Observe a camada perolada iridescente na superfície das colônias, que se estendia adentro da superfície do meio situado imediatamente ao seu redor. Fonte: KONEMAN, 2018 Colite Pseudomembranosa Agente etiológico e Transmissão Doença gastrointestinal associada a C. difficile causada pela liberação de duas toxinas: Toxina A: enterotoxina capaz de provocar acúmulo de líquidos nos ensaios de alça ileal ligada em coelhos. Toxina B: citotoxina potente capaz de causar efeitos citopatogênicos em várias linhagens de células em cultura de tecidos. OBS: a toxina A também é citotóxica em algumas linhagens celulares, mas não tanto quanto a toxina B nas linhagens utilizadas tradicionalmente. A maioria das cepas de C. difficile toxigênico tem os genes para as toxinas A (tcdA) e B (tcdB). Existem cepas com um terceiro gene (tcdC) responsável pela regulação da elevada produção das toxinas que tornam a doença mais grave. Essas cepas hipervirulentas são conhecidas como NAP1/027 ou PCR ribotipo 027 e a toxina é referida como binária. Algumas evidências mostram que essas cepas podem ser ativadas pelo uso excessivo de fluoroquinolonas. C. difficile : Bacilos gram positivos longos, anaeróbios, formadores de esporos encontrados no ambiente (solo, água), conteúdos intestinais, vagina, uretra, fezes de pessoas saudáveis (3%) e de adultos hospitalizados que não têm diarreia ou colite (mais prevalente). Colite Pseudomembranosa Epidemiologia e Fatores de risco Em 1935, não parecia ser patogênico para os humanos, mas, em 1970, foi implicado como agente etiológico de DAA e CPM Pacientes hospitalizados em tratamento com antibióticos frequentemente desenvolvem diarréia autolimitada benigna que geralmente regride quando o tratamento é interrompido → C. difficile responsável por 25 a 30% dos casos de DAA. Em outros casos, os sintomas podem ser mais graves e a diarreia persiste → C. difficile responsável por 60 a 75% dos casos de CAA (Colite associada aos antibióticos). CPM: mais grave, potencialmente fatal e é causada principalmente por C. difficile, embora também possa ser causada por S. aureus ou outros patógenos. Nos EUA, ocorrem mais de 300.000 casos de DAA, CAA ou CPM por C. difficile toxigênico. A mortalidade associada à gastrenterite atribuída a C. difficile nos EUA entre 1999 e 2007 aumentou cinco vezes. C. difficile também pode ser uma causa rara de abscessos, infecções de feridas, osteomielite, pleurite, peritonite, bacteremia e infecções do trato urogenital. As cepas hipervirulentas causaram surtos no Canadá, na Europa e nos EUA e foram associadas a índices menores de cura e índices maiores de recidiva (recorrência). A maioria dos pacientes com infecções por C. difficile foram expostos previamente aos antibióticos clindamicina, cefalosporinas e fluoroquinolonas (mais comuns). Colite Pseudomembranosa Sinais e sintomas e Diagnóstico Sinais e sintomas: Diarreia aquosa ou sanguinolenta, cólicas abdominais, leucocitose e febre. Diagnóstico microbiológico: PADRÃO OURO- Cultura: Meio seletivo: Ágar CCFA (ciclosserina–cefoxitina–frutose) e/ou Meio não seletivo: Ágar-sangue para anaeróbios. Amostra: fezes. Também é o método referencial utilizado para avaliar testes novos. Testes para determinar se a cepa isolada é toxigênica: Ensaio com cultura de células para citotoxina B (realizado mais comumente) Ensaio de neutralização em cultura celular (CCNA): ensaios com culturas de tecidos para citotoxina B realizados diretamente com amostras de fezes → ainda são realizados em alguns laboratórios para confirmar ensaios mais novos de triagem e com a finalidade de confirmar os resultados da cultura, embora menos frequentemente como testes diagnósticos primários. OBS: intervalos longos (24-48h) para a liberação dos resultados e a necessidade de manter testes confirmatórios disponíveis para a detecção das toxinas tem limitado a utilidade destes testes. Colite Pseudomembranosa Diagnóstico e Tratamento Diagnóstico molecular: PCR Teste de amplificação do ácido nucléico do C. difficile Diagnóstico imunológico: Imunoensaios enzimáticos (IEE) para detectar toxinas de C. difficile Tratamento: Suspensão do uso do antibiótico agressor (mais comuns são: ampicilina, clindamicina e as fluoroquinolonas) Administração oral de metronidazol ou vancomicina. Colite Pseudomembranosa Diagnóstico Figura 5: Clostridium difficile no ágar ciclosserina–cefoxitina–frutose depois de 48 horas de incubação. Fonte: KONEMAN, 2018 Figura 4: Colônias de C. difficile no ágar-sangue para anaeróbios depois de 48 horas de incubação. Fonte: KONEMAN, 2018 Referências Bibliográficas KONEMAN, Elmer W. et al. Diagnóstico Microbiológico: texto e atlas colorido. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. 1860 p. BROOKS, Geo. F.; CARROLL, Karen C.;BUTEL, Janet S.; MORSE, Stephen A.; MIETZNER, Timothy A.. Microbiologia Médica: de jawetz, melnick e adelberg. 26. ed. Porto Alegre: Amgh, 2014. 872 p.
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