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FABIANO CAXITO / ROBERTA DAM IÃO ANDRADE PROCESSO DE TRABALHO EM SERVIÇO SOCIAL II Código Logístico I000089 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-65-5821-016-0 9 7 8 6 5 5 8 2 1 0 1 6 0 Processo de Trabalho em Serviço Social II Fabiano Caxito Roberta Damião Andrade IESDE BRASIL 2021 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2021 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Syda Production/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C377p Caxito, Fabiano Processo de trabalho em serviço social II / Fabiano Caxito, Roberta Damião Andrade. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2021. 140 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-016-0 1. Serviço social - Brasil. 2. Assistentes sociais - Brasil. 3. Serviço social - Prática. I. Andrade, Roberta Damião. II. Título. 21-70068 CDD: 361.320981 CDU: 364-47(81) Fabiano Caxito Mestre em Administração Estratégica pela Universidade Nove de Julho (Uninove). MBA em Recursos Humanos pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Pós-graduado nos seguintes cursos: Business Intelligence, Big Data e Analytics, pela Universidade Anhanguera; Língua Portuguesa: redação e oratória, pela Universidade São Franscisco; e Filosofia pela Universidade Estácio de Sá. É pós-graduado, também, em Educação Corporativa, Educação Financeira, Tecnologias e Educação a Distância, Antropologia, Sociologia Política e Urbana e Coaching pela Faculdade UniBF. É graduado em Administração Financeira pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Atuou nas áreas comerciais, de logística e de recrutamento e seleção, bem como no treinamento e desenvolvimento em diversas empresas de distribuição e venda de bebidas. Foi coordenador de cursos de pós-graduação lato sensu. Atualmente, é professor universitário e influenciador digital. Roberta Damião Andrade Graduada em Serviço Social pela Universidade Paulista (UNIP). Atua, atualmente, como assistente social na área da saúde. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 O Serviço Social no contexto das ciências humanas 9 1.1 Aspectos antropológicos do Serviço Social profissional 10 1.2 A relação do Serviço Social com a filosofia 15 1.3 Sociologia e Serviço Social 20 1.4 Serviço Social e ciência política 26 1.5 Aspectos psicológicos e o Serviço Social 29 2 Mudanças sociais e demográficas e o Serviço Social 36 2.1 Mudanças na pirâmide etária brasileira 36 2.2 Mudanças na estrutura da sociedade 44 2.3 Mudanças culturais 48 2.4 Mudanças tecnológicas 52 2.5 Os grupos minoritários e o trabalho do Serviço Social 54 3 O Serviço Social no novo contexto das relações de trabalho 64 3.1 Mudanças nas relações de trabalho 65 3.2 Desemprego estrutural e o futuro do trabalho 68 3.3 Reestruturação dos processos produtivos 71 3.4 Impactos sociais das mudanças do trabalho 77 3.5 Espaços sócio-ocupacionais do Serviço Social na nova organização do trabalho 80 4 Planejamento e gestão de processos em Serviço Social 85 4.1 Planejamento do trabalho no Serviço Social 86 4.2 Aspectos sociais, econômicos e administrativos 90 4.3 Processos de mudança 95 4.4 Etapas do planejamento 98 5 O futuro do trabalho no Serviço Social 107 5.1 A economia do conhecimento 108 5.2 Serviços públicos e sociais na era da informação 111 5.3 Inovação e Serviço Social 116 5.4 Novas competências dos profissionais no Serviço Social 119 5.5 Atuação do assistente social nas diversas áreas sociais 122 Gabarito 136 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Cada profissão tem seu valor e seu espaço na sociedade, mas, em um mundo que passa por grandes transformações sociais e estruturais, o papel do profissional de Serviço Social ganha especial destaque: é por meio de sua atuação que se enfrentam os grandes desafios que se colocam em nossa sociedade, em especial, em nosso país, onde uma parcela significativa da população não tem acesso pleno a todos os seus direitos. No primeiro capítulo será discutida a relação do Serviço Social com diversas ciências humanas, entre elas: a filosofia e antropologia, que fornecem as bases conceituais do Serviço Social; a sociologia, ciência que dialoga diretamente com a dialética de prática e teoria; e as ciências políticas, presentes no cotidiano da atuação do profissional de Serviço Social. No segundo capítulo, o tema é as mudanças culturais e estruturais pelas quais passa a sociedade contemporânea, que criam novos parâmetros sociais e modelos de comportamento para os indivíduos e grupos em situação de vulnerabilidade e risco, e se discute a atuação do assistente social. O mundo passa não apenas por mudanças sociais, mas também por uma rápida alteração do modelo econômico e dos processos produtivos e de trabalho causada por fatores econômicos globais e, principalmente, por inovações tecnológicas O terceiro capítulo discute o grande desafio contemporâneo: garantir que as parcelas mais vulneráveis da população não sejam cada vez mais excluídas da sociedade Assim como o mundo evolui, se modifica também a atuação do assistente social. De uma atuação antes mais operacional, voltada à implementação de ações sociais, agora, o profissional se envolve também com os aspectos estratégicos do planejamento das políticas e ações sociais. Assim, precisa desenvolver competências relacionadas à gestão e ao planejamento, que serão abordadas no quarto capítulo desta obra. Dessa forma, APRESENTAÇÃOVídeo 8 Processo de Trabalho em Serviço Social II são discutidos tanto os aspectos técnicos e as diversas etapas de um processo de planejamento quanto as dimensões sociais do planejamento na área. Por fim, no quinto capítulo, o foco é a discussão sobre o impacto do desenvolvimento das tecnologias da informação sobre a economia global e o papel do profissional de Serviço Social no contexto das transformações profundas que ocorrem na estrutura demográfica, na organização do trabalho, nos padrões morais, nos comportamentos dos indivíduos e na organização da sociedade. O Serviço Social no contexto das ciências humanas 9 1 O Serviço Social no contexto das ciências humanas Toda profissão tem um significado maior do que a simples execução de uma atividade ou tarefa. Mais que calcular as car- gas físicas de um prédio, um engenheiro constrói estruturas que possibilitam que as pessoas morem, trabalhem, locomovam-se e convivam nos espaços urbanos. Mais que vender um produto, um vendedor atende a necessidades e desejos de um consumi- dor. No caso do profissional de Serviço Social, essa realidade é ainda mais presente. A atuação desse profissional se dá com base em pilares relacionados a importantes aspectos que com- põem a estrutura da sociedade. Como profissão, o Serviço Social se enquadra na área das ciências sociais aplicadas. Por isso, é importante entender sua relação com as demais ciências sociais,que buscam compreen- der como se dão as relações que se estabelecem nos grupos humanos. A discussão começa pela relação do Serviço Social com a an- tropologia, por esta ser a ciência social que busca entender tanto o desenvolvimento biológico do ser humano quanto a formação dos aspectos culturais dos grupos humanos. Essas duas áreas de conhecimento estão intrinsecamente ligadas, já que têm o ser humano no centro de sua atuação. A relação do Serviço Social com a filosofia também será abordada, já que é por meio das principais correntes filosóficas, como o marxismo e o positivismo, que se estabelecem as bases do Serviço Social como agente de atuação sobre a sociedade. Entre as ciências sociais, a sociologia talvez seja aquela que apresenta maior relação com os serviços sociais. Enquanto a sociologia se volta para o estudo e o entendimento teórico 10 Processo de Trabalho em Serviço Social II das estruturas da sociedade, o Serviço Social tem como foco a aplicação prática das ações sociais no cotidiano das relações humanas. Contudo, para que se possa entender ainda mais profun- damente o papel do Serviço Social no cotidiano, é fundamen- tal discutir sua relação com outra importante área de estudos sociais: a ciência política. Este capítulo não pretende discutir as correntes políticas ou analisá-las de maneira comparativa, mas, sim, apresentar o papel do Serviço Social como instrumento de aplicação prática das políticas sociais do Estado. Após discutir a interação do Serviço Social com as diversas ciências sociais, a parte final do capítulo tratará da centralidade do ser humano para a prática profissional do assistente social, abordando a relação da psicologia com o Serviço Social. 1.1 Aspectos antropológicos do Serviço Social profissional Vídeo Para entender a relevância do estudo da antropologia, é preci- so compreender o papel dela nos estudos sociais. Para L’Estoile, Neiburg e Sigaud (2002), a antropologia muitas vezes é relaciona- da apenas ao estudo de grupos primitivos, entendidos inicialmente como subdesenvolvidos, tais como tribos e grupos sociais isolados. Com base nesse ponto de vista, os grupos sociais a serem estuda- dos pela antropologia são definidos por uma visão externa, pelo estudioso, marcada também pela alteridade desses grupos em re- lação à civilização do antropólogo, vista como baseada na ciência e na técnica. Porém, o campo de atuação da antropologia é mais amplo. Anali- sando o surgimento e o desenvolvimento da ciência, é possível iden- tificar que a área surgiu e floresceu em ambientes nos quais essas culturas mais primitivas vinham sendo submetidas ao controle e à repressão de Estados nacionais ou Estados imperiais. Esse contro- le compreendia tanto a busca pela preservação e proteção dessas culturas quanto a repressão e a planificação social, como o objetivo O Serviço Social no contexto das ciências humanas 11 de transformar e adaptar esses grupos sociais à cultura dominante (DURAN; DURAN, 2020). O estudo da antropologia como campo científico pode ser dividido, segundo Montero (2003), em duas áreas: o conceito de homem (termo aqui entendido como sinônimo de ser humano, independentemente da questão de gênero) e o conceito de cultura. A autora observa um papel político da ciência, assim como acontece nas demais ciências sociais. Destaca também a importância da antropologia no entendimento e es- tudo dos problemas que se estabelecem no mundo contemporâneo e das complexidades das estruturas sociais das civilizações humanas, com todas as mudanças pelas quais o mundo passa constantemente. Ao buscar definir a antropologia, é possível identificar essas duas ideias apontadas por Monteiro (2003). Em sua visão mais clássica, a antropologia pode ser definida como o estudo do ser humano; mas essa definição parece ser muito ampla. Diversas são as ciências que têm como objeto o estudo do homem, desde a medicina – que o estuda do ponto de vista biológico – até a psicologia – que analisa os aspectos relacionados à mente humana –, passando por todas as ciências sociais (NOGARO; ECCO, 2014). Assim, é preciso delimitar melhor o objeto de estudo da antropo- logia, que pode ser mais bem definido como o estudo do outro, e em especial das diversas culturas, sejam elas consideradas mais desenvol- vidas ou mais primitivas, assim como as relações que se estabelecem tanto entre as pessoas quanto entre elas e suas culturas, bem como a relação entre as diversas culturas. A antropologia estuda também a relação das culturas com o meio ambiente (BOAS, 2014). A antropologia busca entender como a sociedade se organiza e como o ser humano vive nessas sociedades. Ela estuda quais são as diferenças que marcam cada uma das culturas e como essas culturas se posicionam em relação às demais. Essa ciência tem também um pa- pel fundamental no entendimento da modernidade e das mudanças trazidas pela globalização cultural, a criação de uma cultural global que leva a uma homogeneização da cultura; por outro lado, cresce a visão da importância da preservação dos valores culturais e das diferenças e singularidades culturais (LÉVI-STRAUSS, 2018). Em seus primórdios, no fim do século XIX, a antropologia tinha como principal foco de estudo entender a extrema diversidade e as 12 Processo de Trabalho em Serviço Social II diferenças de costumes entre os diversos povos, notadamente entre as sociedades ocidentais, tidas como evoluídas, e os povos considerados como primitivos. A visão inicial da antropologia, a chamada corrente evolucionista, considerava que a sociedade evoluía de uma forma única. Assim, con- siderava-se que as diferenças que eram encontradas entre as diversas sociedades representavam diferentes estágios de um processo evoluti- vo comum a todas as sociedades humanas (CLAUDINO, 2019). Com a evolução dos estudos antropológicos, o foco deixou de ser apenas os povos tidos como primitivos e se estendeu aos indivíduos das sociedades, que passaram a ser vistos como dotados de diversi- dade social e cultural. Assim, os agrupamentos humanos, mesmo nas sociedades tidas como evoluídas, passaram a ser objeto de estudo e pesquisas antropológicas, em especial as cidades e, dentro delas, os agrupamentos sociais. A esse novo lócus de pesquisas Agier (2019) dá o nome de antropologia urbana. Essa nova forma de se pensar a antropologia também passou a ga- nhar destaque no Brasil, a partir dos anos 1970, década fundamental para o estudo da antropologia no país, com um alto nível de qualidade das pesquisas antropológicas e um novo direcionamento dos objetos de pesquisa, com maior foco na antropologia urbana. Nas décadas anteriores, o estudo antropológico no Brasil tinha como principal foco as culturas indígenas, vistas como primitivas, den- tro do conceito inicial da antropologia (ATHIAS, 2018). Diversos estudos também eram realizados tendo como foco os processos de aculturação dos grupos étnicos específicos, em especial de imigrantes, como italia- nos, japoneses e alemães (OLIVEIRA, 2018). Mesmo que alguns estudos realizados em décadas anteriores já abordassem os processos sociais nas cidades, como o fundamental trabalho de Gilberto Freyre, Sobrados e mucambos, lançado em 1951 (FREYRE, 2015), foi somente a partir da década de 1970 que a antro- pologia urbana passou a ser valorizada, com o surgimento de estudos baseados em pesquisa de campo e observação participante. No ambiente urbano atual, em que as cidades passaram a reu- nir cada vez mais pessoas, chegando a tamanhos antes impensáveis, o estudo das relações sociais entre grupos que compõem a população heterogênea e multifacetada é fundamental para que se possa com- O Serviço Social no contexto das ciências humanas 13 preender toda a diversidade de culturas que compõem o tecido social. (GOSSN, 2020). O grande desafio para as ciências sociais, em especial para a antropologia, é entender como essas transformações sociais im- pactam de maneira cada vez mais aceleradaos indivíduos, as identida- des pessoais e dos grupos e as relações que se formam nas cidades. As grandes cidades apresentam uma extrema diversidade, que se expressa das mais variadas formas – educacional, financeira, cultural e social –, e se modificam, alteram-se e se reinventam cada vez mais rapi- damente (MARTINS, 2019b). Essas diferenças se expressam não apenas na criação de grupo sociais com características diversas que convivem no mesmo local, como explica Agier (2019), mas também no próprio es- paço físico urbano, que acaba por tornar ainda mais aparente e demar- cada a divisão entre os grupos que compõem a população da cidade. Com o crescimento do tamanho e da importância das cidades na organização da sociedade, a antropologia se voltou cada vez mais para o estudo dessas novas realidades. Assim, os conceitos, as teses e as ferramentas utilizadas pela antropologia também precisaram evoluir, pois estavam antes direcionados ao entendimento das relações entre diferentes sociedades relativamente simples (ERIKSEN; NIELSEN, 2019). Antropólogos e urbanistas tentam, de modo multidisciplinar, en- contrar padrões de como as cidades, por meio do desenvolvimento de sua urbanização, possibilitaram a criação de imensos conglomerados humanos, que têm um impacto na cultura de nossa sociedade e nos fluxos humanos, atraindo pessoas de outras cidades, estados e países (AGIER, 2019). Algumas cidades, por seu tamanho e pela complexidade do tecido social, tornaram-se cidades globais, refletindo, em sua po- pulação, os diversos fluxos de migração que ocorreram no decorrer de sua história. Riegel (2019) cita que no Brasil a cidade de São Paulo exemplifica esse conceito. Uma vez que crescem, diversos limites da condição humana e da diversidade cultural são alcançados e ultrapassados, e é no entendi- mento desses limites e dessas alterações sociais que a antropologia urbana desenvolve seus mais modernos estudos. Para Riegel (2019), as grandes cidades têm um papel fundamental no entendimento de como a história da civilização humana se desenvolverá no futuro. Ao concentrar cada vez mais pessoas, fontes de geração de rique- zas, fluxos de capital e de mão de obra e a criação e divulgação de co- 14 Processo de Trabalho em Serviço Social II nhecimentos, as cidades passam por mudanças sociais e culturais, que levam a novos arranjos sociais, novas experiências sociais e conflitos culturais que acabam por direcionar o desenvolvimento das socieda- des humanas. Na atuação do profissional de Serviço Social, a influência da antro- pologia se dá pelo fato de que ela busca entender a diversidade e a plu- ralidade dos indivíduos e das culturas que se relacionam no ambiente social. Como aponta Viveiros de Castro (2002), a cultura de um grupo social é viva e evolui constantemente, e um povo é composto de vários grupos culturais que se relacionam no mesmo espaço. Se a antropolo- gia estuda as relações entre essas diferentes culturas e diversas reali- dades individuais, o Serviço Social tem o papel de intervir na realidade dessas interações por meio de ações práticas. O trabalho do assistente social se constrói com base em uma refle- xão que inclui os conceitos básicos da antropologia e as discussões às quais a ciência antropológica se propõe, tais como o papel do Estado na sociedade, a separação e a integração entre o público e o privado, a garantia de que todos os indivíduos da sociedade possam exercer os seus direitos, aspectos relacionados às manifestações da cultura local e global e impactos de movimentações populacionais nacionais e tran- sacionais como migrações (SANCHES; PONTES, 2016). São também temas comuns às duas áreas as questões étnicas e raciais e de gênero e sexualidade. Temas centrais da vida social, como direito à saúde, investimento em educação, justiça, segurança, traba- lho, participação política e cidadania, bem como questões geracionais, como a proteção à infância e à juventude e o cuidado com a população idosa, são também foco do estudo da antropologia e da atuação do Serviço Social (OLIVEIRA, 2017). A reflexão sobre o ser humano e sobre a cultura proporcionada pela antropologia contribui para a atividade do Serviço Social e para a prá- tica dos processos de trabalho do assistente social, pois possibilita a compreensão de como se estabelecem as relações e as questões so- ciais (SOUSA, 2008). Se por um lado a antropologia fornece bases teóricas importantes para o desenvolvimento da atividade do Serviço Social, por outro o trabalho de campo realizado pelo assistente é uma importante fonte de dados e informações para a pesquisa antropológica, possibilitando Passado em um tempo futuro, o filme Gattaca: a experiência genética apresenta uma sociedade na qual a profissão de cada indivíduo é escolhi- da por seus padrões e características genéticas. Ao acompanhar a história do personagem Vincent Freeman (seu sobrenome pode ser traduzido como homem livre), uma pessoa com código genético considerado inadequado, mas que busca atingir seus objetivos pessoais e profissionais, o filme possibilita uma reflexão antropológica sobre como a construção do ser humano e os aspectos culturais da sociedade podem impactar a histó- ria de cada indivíduo. Direção: Andrew Niccol. Estados Unidos: Sony Pictures, 1997. Filme O Serviço Social no contexto das ciências humanas 15 o desenvolvimento de novos referenciais teóricos para a ciência, com base na intervenção prática na realidade social (PONTES, 2018). Para Sousa (2008), o trabalho do assistente social precisa ser orien- tado por uma visão estratégica com o objetivo de intervir de maneira eficaz sobre a realidade, sob a orientação de políticas sociais públicas ou privadas que preservem os direitos das pessoas e busquem atender às demandas individuais e do grupo social. Faz parte desse processo de trabalho o planejamento de propostas de trabalho que sejam criativas e inovadoras, a definição de objetivos, a organização de recursos, a execução dos planos de ação, a avaliação dos resultados quantitativos e qualitativos alcançados e a proposição de ações de melhoria de políticas sociais que levem em consideração toda a diversidade cultural e humana (MOLJO; CUNHA, 2009). Os co- nhecimentos e conceitos da antropologia e do Serviço Social são, nesse contexto, complementares. Cabe ao assistente social conhecer essas contribuições da antropologia e reconhecer sua utilidade no cotidiano de sua atuação profissional. 1.2 A relação do Serviço Social com a filosofia Vídeo O pensar filosófico está presente em todas as ciências, bem como em todas as atividades e ações sociais e profissionais tomadas pelos indivíduos (ADORNO; NOBRE; JANUÁRIO, 2014). O objetivo desta parte do capítulo não é aprofundar a discussão sobre a filosofia e sua histó- ria, mas estabelecer a relação dela com as bases conceituais do Serviço Social. Assim, para entender o papel da filosofia no desenvolvimento da sociedade e, de maneira mais específica, das ciências sociais, é pre- ciso repassar brevemente sua história. O desenvolvimento da agricultura possibilitou que os grupos so- ciais, antes nômades, passassem a estabelecer moradia fixa. A partir do estabelecimento das primeiras comunidades, surgiram manifesta- ções de aspectos culturais e sociais específicos de cada um desses gru- pos, com a transmissão de informações, conhecimentos e saberes de uma geração para a outra. Em sua origem, o conhecimento e a cultura eram baseados no saber mítico e mitológico, que buscava explicar os fenômenos ambientais e naturais por meio da intervenção superior e divina, sobre a qual o ser humano não tinha controle (CHAUÍ, 2018). 16 Processo de Trabalho em Serviço Social II A evolução econômica e social dessas comunidades levou ao sur- gimento das cidades, entre as quais se destacam, nesse momento histórico, as cidades-Estado gregas, berço da pólis moderna. É nesse contexto que surge a filosofia, por meio das discussões entreos cida- dãos das poleis gregas, como uma forma de substituir as explicações mitológicas pelo uso da razão, das reflexões, da lógica e da oratória. Segundo Chauí (2018), a discussão filosófica tinha também o papel de organizar as relações cotidianas entre os membros da sociedade, ten- do como temas de discussão as normas, as regras, as leis, a política e o papel do Estado na gestão do grupo social. O primeiro período da história da filosofia, conhecido como filoso- fia antiga, pode ser dividido em três períodos: pré-socrático, clássico e pós-socrático. A proposta de divisão mostra a importância de Sócrates para o desenvolvimento da filosofia. De acordo com Bornheim (2005), no período pré-socrático o foco da filosofia era a busca por explicações lógicas e racionais para os fenômenos naturais, com discussões e es- tudos sobre aspectos como a cosmologia (a busca pela compreensão do universo), tendo como principal ferramenta a matemática (na bus- ca por explicações sobre o funcionamento da natureza), e a ontologia (que estuda a essência e a existência do ser humano). Apesar de serem incluídos no mesmo rotulo de pré-socráticos, os filósofos desse período desenvolveram estudos sobre diversos temas e, muitas vezes, defendiam ideias divergentes e até mesmo opostas. A cidade de Mileto 1 foi o berço de alguns dos mais importantes filó- sofos do período, como Tales de Mileto, considerado por muitos como o primeiro filósofo, Anaximandro de Mileto, discípulo de Tales que de- senvolveu o conceito do ápeiron, substância da qual todas as coisas eram formadas, e Anaxímenes de Mileto, discípulo de Anaximandro para quem o ar era o princípio e a fonte de todas as coisas. São tam- bém desse período os filósofos Heráclito de Éfeso, Parmênides e, talvez o mais conhecido deles, Pitágoras de Samos (BORNHEIM, 2005). O que une esses pensadores e os distinguem dos demais no mesmo período de desenvolvimento do conhecimento é a busca por explicações lógi- cas e a contraposição às explicações mitológicas. Mas é a partir de Sócrates, seu discípulo Platão e o discípulo deste, Aristóteles, que a filosofia ganha o rigor metodológico e a estrutura conceitual sobre a qual todo o desenvolvimento filosófico posterior se Mileto era uma cidade-Es- tado grega na região onde atualmente está localizada a Turquia. A cidade foi um importante polo econômico do império grego durante os anos de 700 a.C. a 700 d.C. A cidade também foi um importante polo cultural, reunindo diversos filósofos e estudiosos. Diversas inovações foram desenvolvidas na cidade: foi a primeira a cunhar moedas e a primeira a desenvolver projetos de planejamento urbano. 1 O Serviço Social no contexto das ciências humanas 17 apoiou. A pólis de Atenas era um grande centro de saber que atraía sábios, filósofos e alunos de toda a Grécia. Foi também com Sócrates e seus discípulos que a filosofia se aproximou da gestão pública e da política, temas fundamentais para se entender a influência da filosofia sobre o Serviço Social (GHIRALDELLI JR., 2015). Duas obras são fundamentais para estabelecer essa relação entre filosofia, política e sociedade. A primeira é A República (PLATÃO, 2019), escrita por Platão (em torno do ano de 380 a.C.), em que o filósofo discute os limites entre a coisa pública e os interesses do grupo social e entre os bens privados e os interesses individuais. Tendo Sócrates como o personagem que orienta as discussões sobre o tema da cons- tituição da república, Platão apresenta uma cidade utópica, a qual ele chama de Kallipolis (que em tradução livre significa cidade bela), cons- tituída por uma rígida hierarquia de cidadãos organizados de acordo com seu conhecimento e sua experiência. A segunda obra fundamental é A Política, de Aristóteles (2017), es- crita entre os anos 335 e 323 a. C., e composta de oito livros em que o filósofo desenvolve diversos temas relacionados à organização e ao regime político e social de diversas cidades gregas. No período medieval, a filosofia esteve intrinsecamente ligada à re- ligião e se afastou das discussões políticas e sociais. Os principais ex- poentes da filosofia nesse período são religiosos, como Santo Agostinho, Santo Anselmo, São Tomás de Aquino e o frade Guilherme de Ockham, que estabelecem uma ligação entre a filosofia cristã e a filosofia clássica, em especial com os pensamentos de Platão (BONI, 2003). A política volta à cena na discussão filosófica com o início da Idade Moderna, principalmente por meio das publicações de Nicolau Maquiavel, em especial o clássico O Príncipe, escrito em 1513 (MAQUIAVEL, 2010), que ainda influencia a atuação de polí- ticos de diversas matizes ideológicas. Maquiavel coloca a atuação política dos governantes no centro de sua filosofia e defende que as decisões do soberano não necessariamente devem ser pautadas pela ética ou pela moral, desde que sejam tomadas em benefício da maioria da população de uma sociedade (CAXITO, 2020). A relação entre o entendimento da forma como a sociedade se or- ganiza e a filosofia assume um papel central no trabalho dos filósofos conhecidos como contratualistas, para os quais a vida em sociedade é 18 Processo de Trabalho em Serviço Social II baseada em um contrato estabelecido entre os membros do grupo, que renunciam à liberdade e aos direitos e aceitam ser governados por leis e normas sob a tutela do Estado. Segundo Caxito (2020), entre os filósofos contratualistas se desta- cam: Thomas Hobbes, que analisa a organização social e o papel do Estado nas suas obras, principalmente em Leviatã, publicada em 1651 (HOBBES, 2014); John Locke, que defendia a ideia de que o desenvol- vimento social e organizado só é possível com a definição de um po- der central que governe o grupo; e Jean-Jacques Rousseau, que em sua obra Do contrato social, de 1762, defende que a vontade do governante é soberana e deve ser considerada como mais importante em relação aos desejos e demandas dos indivíduos (ROUSSEAU, 2013). Com o advento da Revolução Industrial, tanto os meios de produção quanto a própria organização da sociedade passaram por transforma- ções profundas. Segundo Netto (2011), é nesse contexto que surgem as primeiras discussões sobre a questão social na filosofia, tema que será aprofundado na próxima parte deste capítulo. Aqueles que não estão familiarizados com o pensar filosófico podem concluir que a filosofia está relacionada apenas à história do desenvolvi- mento do conhecimento. Porém, a filosofia está presente no cotidiano contemporâneo. A observação das relações que se estabelecem nas redes sociais é um fascinante experimento filosófico, antropológico e sociológico, assim como o consumismo e a centralidade do ego incentivados pela mí- dia levantam importantes questões sobre a individualidade e a diversidade cultural (FIALHO, 2015). A luta pela inclusão e pela igualdade defendida por grupos ativistas dos direitos humanos e das questões raciais, de gênero, sexualidade, idade e proteção da natureza são exemplos de como a ques- tão social e o debate filosófico são fundamentais para que se possa enten- der a sociedade contemporânea e se posicionar nela (FERREIRA, 2014). De maneira semelhante ao que ocorre com a antropologia, discuti- da na seção anterior deste capítulo, a relação da filosofia com o Servi- ço Social também é uma via de duas mãos (WINCH, 2020). A filosofia, apesar de estar relacionada às mais diversas áreas do conhecimento humano, não tem como objetivo responder às questões de todas as ciências, mas sim possibilitar uma visão holística das relações humanas e sociais. Assim, a filosofia oferece ao Serviço Social uma base concei- O Serviço Social no contexto das ciências humanas 19 tual sobre a qual se estabelecem as discussões e os direcionamentos das políticas sociais e da atividade profissional do assistente social, ao passo que o Serviço Social, ao interferir na realidade, traz impactos a longo e médio prazo nas estruturas da sociedade e capturaexperiên- cias sobre as mudanças na prática da filosofia (IAMAMOTO, 2006). Para Gomes e Diniz (2014), no trabalho em Serviço Social as discus- sões filosóficas são especialmente presentes, já que as políticas sociais que são colocadas em prática por meio das ações dos assistentes so- ciais têm, muitas vezes, o papel de reverter os resultados indesejados ou inesperados da adoção de filosofias econômicas e de poder por parte dos Estados e governos. Como exemplo, muitas ações sociais buscam garantir as condições mínimas de vida e dignidade para parte da população que não se encaixa nas exigências de formação, conheci- mento e perfil profissional exigido pelo mercado que se organiza com base em valores e padrões éticos e morais do capitalismo. Na formação do profissional de Serviço Social, o estudo da filosofia não deve estar ligado apenas a um viés ou uma linha de pensamento, já que as políticas públicas se alteram de acordo com o grupo de poder que ocupa o governo em cada momento da história. O conhecimento filosófico, dentro do contexto de formação profissional, tem o papel de preparar o assistente social para atuar em uma realidade complexa e multifacetada, marcada pela diversidade e pela alteridade entre indiví- duos e grupos sociais (GOMES; DINIZ, 2014). É importante também salientar que uma das mais importantes áreas de estudo da filosofia é a ética. Além de oferecer ao assistente social a capacidade de analisar os dilemas éticos e morais que se apre- sentam na sociedade contemporânea, e como as ações sociais mui- tas vezes lidam com situações e com indivíduos que se encontram em áreas limítrofes dos padrões éticos e das normas morais da socieda- de, os conceitos relacionados à ética estão também presentes na pró- pria definição da atividade realizada pelo profissional de Serviço Social (CREMONESE, 2019). O Código de Ética do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) (BRASIL, 2012) descreve os padrões éticos e morais que devem nortear a atuação do assistente social no cotidiano de suas atividades. O Código de Ética do Conselho Federal de Ser- viço Social (CFESS) foi lan- çado em 1993, por meio da promulgação da Lei n. 8.662/1993, e passou por diversas atualizações e revisões, com o objetivo de mantê-lo coerente com as alterações ocor- ridas na sociedade e na legislação e com a própria atuação do profissional de Serviço Social. A mais recente versão do Código é de 2011 e é uma leitura fundamental para o aluno do curso de Serviço Social, pois apresenta pontos importantes da atuação do assistente so- cial, bem como os pilares filosóficos, éticos e morais que direcionam a atuação desse profissional. BRASIL. 10. ed. rev. e atual. Brasília, DF: CFESS, 2012. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/ CEP_CFESS-SITE.pdf. Acesso em: 16 mar. 2021. Leitura http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf 20 Processo de Trabalho em Serviço Social II 1.3 Sociologia e Serviço Social Vídeo Entre as ciências sociais, a que apresenta os maiores pontos de con- vergência com o campo e o processo de trabalho do Serviço Social é a sociologia (NETTO, 2017). A sociologia surge como campo de estudo separado da filosofia no contexto das grandes transformações econômicas, tecnológicas e po- líticas pelas quais o mundo passou durante os séculos XVIII e XIV, a partir da Revolução Industrial (WINCH, 2020). O objetivo desta seção não é descrever de maneira aprofundada todo esse contexto históri- co e econômico, mas abordá-lo resumidamente para que seja possível identificar as origens comuns entre as duas áreas. O início da história da civilização humana é marcado pelo estabe- lecimento das primeiras comunidades, o que só foi possível com a descoberta de formas de plantar e colher alimentos, além do desen- volvimento de técnicas de criação de animais utilizados para prover ali- mentos para o grupo social. Assim, os indivíduos, que antes precisavam se locomover constantemente em busca de alimentos e abrigo passa- ram a estabelecer moradias definitivas. A revolução agrícola levou ao desenvolvimento da cultura e da sociedade como a conhecemos e foi o principal modelo econômico e social vigente durante grande parte da história humana (CAXITO, 2020). Como o poder estava centrado na posse de terras e na produção de alimentos, quem era o proprietário da terra também detinha o poder. Esse modelo econômico deu origem aos sistemas de governo feudalis- tas e absolutistas, em que nobres e governantes exerciam seu poder por meio da posse de grandes extensões de terra e da exploração do trabalho manual de seus súditos. Assim, defender a terra e as posses dos nobres era um ponto central do modelo político, embasado na for- mação de exércitos e na celebração de alianças em que os detentores do poder buscavam proteger seus próprios interesses. O segundo modelo econômico que marca a história surgiu a par- tir da Revolução Industrial, do desenvolvimento, criação e aplicação de novas tecnologias de geração de energia e de processos produtivos na produção de bens de consumo. Segundo Caxito (2019), o desenvolvi- mento tecnológico e os ganhos produtivos obtidos por meio da Revo- lução Industrial foram tão significativos e importantes que deslocaram O Serviço Social no contexto das ciências humanas 21 o poder econômico da agricultura para a indústria, esvaziando o po- der dos nobres e dos soberanos absolutistas. A Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos da América são dois importantes marcos da ruptura política e social trazida pelo deslocamento do poder econômico (TOKARSKI; GONÇALVES, 2019). Além das mudanças econômicas e políticas, a Revolução também trouxe grandes mudanças na organização da sociedade. A massiva migração de trabalhadores do campo para as cidades, em busca de novas oportunidades, fez com que os centros urbanos crescessem de maneira acelerada e não planejada, dando origem a toda uma variedade de novos problemas sociais para os quais filósofos, po- líticos e governantes não estavam preparados, como a pobreza, as condições de saúde e moradia, o ensino profissional e as relações de trabalho entre os detentores do capital e a mão de obra representa- da pelos trabalhadores. Foi nesse contexto político, social e econômico que alguns filóso- fos passaram a estudar e discutir as questões sociais que dão origem à sociologia e estão na base da atividade do Serviço Social (GIDDENS; SUTTON, 2017). Para o estudo da sociologia e sua relação com o Serviço Social, os filósofos mais importantes e influentes são aqueles que têm como foco de seus estudos tanto as discussões sociais quanto as econômicas e abordam a influência do poder econômico do Estado e das instituições privadas sobre as relações sociais que se estabelecem no seio da socie- dade (MARTINS, 2019a). Assim, destacam-se duas visões sobre a ques- tão social: o positivismo e o marxismo. 1.3.1 Filosofia positivista Os filósofos positivistas, em especial Augusto Comte e Émile Durkheim, buscavam usar o método científico fundamentado na ob- servação da natureza e dos fenômenos, a identificação de relações causais e a generalização das conclusões por meio da indução para estudar os fenômenos sociais, entender o passado da história e tentar predizer os possíveis desdobramentos das relações entre os grupos sociais no futuro (FAVORETO; GALTER, 2020). Comte propõe uma nova ciência, a sociologia, como síntese da filosofia e do método científico, que teria por objetivo entender a dinâmica das relações sociais. 22 Processo de Trabalho em Serviço Social II Apesar de ser Comte o criador do termo sociologia, é Durkheim que delimita o objeto de estudo da ciência, que é o fato social. Segundo o filósofo, o fato social é “a maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existên- cia própria,independente das manifestações individuais que possa ter” (DURKHEIM, 2007, p. 11). Para entender o conceito do fato social, é necessário decompor a expli- cação de Durkheim em três elementos, conforme mostra a Figura 1. Figura 1 Os elementos que constituem o fato social Generalidade na sociedade estudada Exterioridade em relação ao indivíduo Coerção social Fonte: Elaborada pelos autores com base em Durkheim, 2007. O primeiro elemento do fato social é a coerção social, ou seja, a força externa que a estrutura social exerce sobre o indivíduo para que ele aja em resposta ao fato social. A coerção pode ser exercida pela legislação, ou seja, pela obrigatoriedade de que o indivíduo respeite normas e regras que possibilitem que ele seja aceito como um mem- bro da sociedade. Se o indivíduo realiza atos ou ações que não estão de acordo com a legislação, é colocado à margem da sociedade, isto é, torna-se um marginal (DURKHEIM, 2007). Esse conceito é importante para o Serviço Social, pois muitas das políticas implantadas pelas ações do assistente social têm por objetivo reintegrar os indivíduos margina- lizados ao convívio em sociedade. Outra forma pela qual a coerção social ocorre são as normas mo- rais, ou seja, as regras estabelecidas culturalmente pelos membros de um grupo social, segundo as quais se espera que cada indivíduo aja em suas interações. As regras morais são mais fluidas e mais facilmente modificadas, à medida que a sociedade evolui (DURKHEIM, 2007). Um O Serviço Social no contexto das ciências humanas 23 bom exemplo de como essa coerção é praticada no cotidiano é a forma de aceitação das diversas orientações sexuais dos indivíduos. O pró- prio Código de Ética do assistente social pode ser usado para ilustrar a mudança da visão da sociedade sobre esse tema: do ponto de vista do conteúdo, as mudanças procedidas foram relativas à modificação de nomenclatura, substituindo o termo “opção sexual” por “orientação sexual”, incluindo ainda no princí- pio XI a “identidade de gênero”, quando se refere ao exercício do serviço social sem ser discriminado/a nem discriminar por essa condição, juntamente com as demais condições já explicitadas no texto. Essas alterações são de suma importância, pois reafir- mam princípios e valores do nosso Projeto Ético-Político e incor- poram avanços nas discussões acerca dos direitos da população LGBT pela livre orientação e expressão sexual. Portanto, as mu- danças aqui expressas são resultado de discussões no âmbito do Conjunto CFESS/CRESS, em especial na temática da ética e dos direitos humanos. (BRASIL, 2012, p. 13-14) O segundo elemento do fato social é a exterioridade em relação ao indivíduo. Durkheim (2007) destaca que os fatos sociais, como as leis, as normas morais, os costumes e as manifestações culturais, estão estabelecidos nos diversos grupos sociais, e o indivíduo, desde o mo- mento de seu nascimento, está inserido nesse contexto; assim, muitas vezes, não tem a percepção de como a coação social é exercida sobre sua liberdade e suas atitudes, pois é educado dentro desses parâme- tros normativos. Discussões importantes que fazem parte do trabalho do Serviço Social, como o racismo estrutural 2 e os preconceitos de gê- nero, são exemplos de como identificar, analisar e propor ações que possam modificar essa realidade e são tarefas complexas. A educação é vista por Durkheim como um instrumento externo usado pelos detentores do poder como forma de impor que os indiví- duos, desde a mais tenra infância, conformem-se com as normas e re- gras legais e morais que são desejadas para garantir o controle social. O terceiro elemento do fato social é a sua generalidade na so- ciedade estudada. Esse elemento apresenta duas características (DUKHEIM, 2007): em primeiro lugar, o fato social é entendido como geral, pois a maioria dos indivíduos de um determinado grupo social são coagidos a aceitá-lo e a adequar seu comportamento a ele; por outro lado, a generalidade do fato diz respeito a uma determinada so- ciedade ou grupo cultural. Cada grupo social tem seus próprios fatos, Almeida (2018, p. 38) define racismo estrutural como “um processo histórico e político, que cria as condições sociais para que, direta ou indireta- mente, grupos racialmente identificados sejam discrimina- dos de forma sistêmica”. 2 24 Processo de Trabalho em Serviço Social II leis e normas morais a serem seguidos. O que é adequado em uma cultura ou sociedade pode não ser aceito em outra. Assim, enquanto a coerção social e a exterioridade do fato social são elementos pre- sentes de maneira semelhante em todos os grupos, a generalidade é específica de cada um. 1.3.2 Marx e o materialismo histórico-dialético A segunda linha filosófica que discute a questão social que emer- ge a partir da Revolução Industrial é o materialismo histórico-dialético, que tem como seus principais filósofos Karl Marx e Friedrich Engels. Para Tavares (2013), a filosofia de Marx e o Serviço Social apresentam uma relação dicotômica. Ambos têm como foco central a questão so- cial: para o marxismo, ela é indissociável da estrutura capitalista que domina a organização social e econômica da sociedade; para o Serviço Social, é a razão de ser, pois é por meio da atuação do assistente social que o Estado e o governo administram a questão social. Discutir a filosofia de Marx é sempre um grande desafio, pois muitas de suas ideias foram absorvidas e distorcidas por ideólogos e políticos que tomaram pontos específicos do pensamento do filó- sofo para justificar a adoção de ações de controle sobre a sociedade e até mesmo como fonte teórica de regimes de governo. Assim, toda e qualquer discussão sobre a filosofia marxista precisa tomar o cui- dado de retomar os conceitos básicos de seu pensamento, sem se contaminar com possíveis mitos criados por interpretações de seus conceitos (TAVARES, 2013). Como filósofo, Marx precisa ser entendido dentro do contexto no qual seu trabalho foi desenvolvido, durante o acelerado momen- to de mudanças sociais e econômicas descrito no início desta seção (TAVARES, 2013). A sociedade passava por uma reorganização, com o surgimento de uma nova classe social formada pelos trabalhadores das nascentes indústrias e pelos que migravam do campo em direção às cidades em busca de oportunidades. Ao mesmo tempo, o poder econô- mico e político migrava da mão dos nobres proprietários de terras para os empresários detentores do capital. Nesse contexto, tanto a relação da sociedade com o trabalho e com a produção de riqueza quanto a própria individualidade do ser humano no grupo social se modificavam rapidamente (FAVORETO; GALTER, 2020). O Serviço Social no contexto das ciências humanas 25 Marx se propõe a analisar em profundidade as raízes e os frutos sociais dessa sociedade capitalista e coloca no centro de sua filosofia a relação do homem e da sociedade com o trabalho. Em seus estu- dos, Marx discute as desigualdades sociais e o antagonismo entre os grupos sociais que marca o capitalismo, apontando as contradições do modelo econômico. O ponto central de sua filosofia é a dicotomia entre o caráter coletivo da produção, que depende de diversos parti- cipantes que contribuem cada qual com sua parte (o capitalista com o capital o operário com a mão de obra), e a apropriação individual pelo empresário do resultado econômico obtido como fruto do trabalho (MARX, 2017). Assim, Marx conclui que o trabalhador vende sua força de trabalho para que possa garantir sua sobrevivência. Portanto, a liberdade do trabalhador e a valorização de sua mão de obra seriam fundamentais para garantir a igualdade social e o acesso a todos os direitos sociais para todos os indivíduos da sociedade (TAVARES, 2013). É nesse ponto que a filosofia de Marx é usada como base conceitual por políticos e governos. Pela qualidade de seu trabalho e profundidade dos ques- tionamentos que tornaram a filosofia marxista tão importante e tão presente nocotidiano da sociedade, mesmo após séculos. O artigo científico Marx, marxismos e Serviço Social, escrito por Maria Augusta Tavares, publicado em 2013 na Revista Katálysis, propõe uma análise sobre a relação entre a filosofia marxista e a construção dos espaços de atuação do Serviço Social, tanto no Brasil quanto em outros países, destacando o papel dos movimentos sociais revolucionários da década de 1960. O artigo também apresenta a relação da pesquisa e do ensino nos cursos de Serviço Social com a filosofia positivista e, em especial, com as ideias de Marx. Acesso em: 16 mar. 2021. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802013000100002&lng=en&nrm=iso Artigo Sociologia e Serviço Social podem ser vistos como dois lados de uma mesma moeda, não no sentido de serem opostos, mas com a interpre- tação de que ambos fazem parte de uma mesma área de conhecimen- to. A relação entre as ciências pode ser melhor entendida com base na pretensa dicotomia entre teoria e prática, que muitas vezes marca as discussões nos meios acadêmicos e educacionais. Por esse ponto de vista, a sociologia é enxergada como uma ciência teórica que tem por objetivo estudar e entender as complexas intera- Esta frase parece incompleta. Qual in- formação está sendo passada aqui? O que se infere “Pela qualidade de seu trabalho e...”? Ou esta frase seria con- tinuação da anterior (trocando o ponto por vírgula) 26 Processo de Trabalho em Serviço Social II ções entre campos de saber diversos, sendo que alguns deles estão ligados às relações que se estabelecem no grupo social, como a econo- mia, a política e a filosofia, mas que também inclui as ciências relacio- nadas aos indivíduos, como a cultura, a saúde, a educação, a psicologia e os direitos humanos (PANSANI, 2018). Com base nessa ampla gama de saberes e de campos de estudo, a sociologia busca entender os fe- nômenos sociais. Do outro lado dessa moeda, o Serviço Social é visto como uma ciên- cia aplicada, cujo objeto de trabalho se realiza na aplicação prática das ações no ambiente social, por meio da integração de conhecimentos tão diversos quanto os que são abordados na sociologia, mas com o objetivo de operar mudanças práticas e reais na sociedade (SOUZA FILHO; GURGEL, 2018). Porém, na prática, a atuação do sociólogo e do assistente social apresentam mais similaridades do que diferenças. Mesmo que a ativi- dade profissional do sociólogo esteja mais voltada para a pesquisa aca- dêmica e para o desenvolvimento de atividades na docência, é comum que profissionais com essa formação desenvolvam atividades de cam- po, no desenvolvimento e no planejamento de políticas sociais tanto para o poder público quanto para a iniciativa privada e para o Terceiro Setor (FERNANDES, 2020). Já no caso do assistente social, a atuação profissional se dá no cam- po e na intervenção direta sobre a realidade social. Porém, com base no conhecimento empírico desenvolvido nessas interações, cada vez é mais comum que o assistente social se envolva com pesquisas acadê- micas e com a prática da docência. Assim, a separação entre a ativida- de teórica e a atuação prática se torna cada vez mais borrada, o que traz benefícios para ambas as áreas e para os profissionais, já que essa convivência traz a possibilidade de desenvolvimento de competências complementares, fundamentais para a atuação profissional. 1.4 Serviço Social e ciência política Vídeo Se as bases conceituais do trabalho no Serviço Social são encontra- das na filosofia, na antropologia e principalmente na sociologia, é com a ciência política que a prática do Serviço Social está mais intrinsecamen- te ligada (LEITE, 2017). Para entender melhor essa relação, é necessário O Serviço Social no contexto das ciências humanas 27 analisar a trajetória de desenvolvimento do trabalho do assistente so- cial e sua relação com a história política brasileira (IAMAMOTO, 2017). Durante séculos, o trabalho social esteve ligado à filantropia, de- senvolvida, na maioria dos casos, por instituições religiosas ou de cunho social. Nesse momento histórico, a ação social não envolvia o debate filosófico, político ou mesmo social, nem a análise ou o enfrentamento das estruturas sociais causadoras dos problemas. Segundo Iamamoto (2017), a ação profissional era voltada, basica- mente, para a integração de indivíduos marginalizados na socieda- de e ações pontuais com o objetivo de diminuir as mazelas sociais, pela prestação de serviços e pelo oferecimento de benefícios, tanto por meio de instituições públicas quanto por meio de organizações privadas. O debate global sobre a necessidade de um pensamento mais profundo sobre as questões sociais por parte dos governos tomou corpo por meio dos programas econômicos desenvolvimentistas lançados por diversos países após o fim da Segunda Guerra Mun- dial (BRESSER-PEREIRA; OREIRO; MARCONI, 2017). Em alguns países, esse pensar social se deu pela necessidade de reestruturar uma so- ciedade destruída pela guerra. No caso do Brasil e de diversos outros países em desenvolvimen- to, o desenvolvimentismo econômico teve como objetivo melhorar as condições econômicas e sociais da população. O programa de go- verno de Juscelino Kubitschek, conhecido como cinquenta anos em cinco, é um exemplo desses planos (IORIS, 2017). Nesse contexto, o papel do Serviço Social foi repensado, buscando incorporar uma nova visão filosófica em sua teoria, bem como novos métodos e pro- cessos de trabalho em sua atividade. O papel do assistente social e do Serviço Social se amplia, abarcando atividades de planejamento e organização de políticas públicas sociais, em consonância com os planos de desenvolvimento do governo (IAMAMOTO, 2017). Essa nova etapa do Serviço Social no contexto brasileiro passou por um período do governo militar, entre os anos de 1964 e 1985, momento no qual a atividade profissional do assistente social voltou a focar em atividades de apoio a indivíduos marginalizados ou em situação de pobreza. Não cabe aqui discutir aspectos políticos do período, mas sim constatar que as ações e políticas sociais tiveram, O documentário História da assistência social no Brasil, produzido pela TV BrasilGov, no ano de 2010, em comemoração ao Dia do Assistente Social, mostra diversos marcos do desenvolvi- mento da profissão no Brasil, demostrando a importância da atividade para o desenvolvimento social do país. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=qPE5MdntV2Y. Acesso em: 16 mar. 2021. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=qPE5MdntV2Y https://www.youtube.com/watch?v=qPE5MdntV2Y 28 Processo de Trabalho em Serviço Social II como foco principal, o oferecimento de serviços e benefícios previ- denciários e a implantação de estruturas e programas voltados para atendimento de pessoas em situação de pobreza e proteção social, em especial da criança e do adolescente. Apesar de o período ter sido marcado pelo desenvolvimento de programas e projetos de amplitude nacional, baseados em uma vi- são mais integrada com as políticas públicas, tanto o planejamento quanto a gestão dos programas foram realizados de modo incons- tante e pontual, seguindo os métodos e práticas da gestão estatal desenvolvida no período, com características burocráticas e hierár- quicas que impediam que decisões fossem tomadas de maneira rá- pida (NETTO, 2011). Se por um lado essas condições engessavam o desenvolvimento de ações sociais mais efetivas, por outro con- feriam grande autonomia profissional ao assistente social, já que muitas de suas ações eram tomadas com base em decisões indivi- duais que buscavam intervir no ambiente social local e nas situações individuais. A partir da redemocratização política, ocorrida na década de 1980, e, especialmente, da Constituição Federal de 1988, o papel do Serviço Social e a atividade do assistente passaram por grandes transformações (RAMOS; DINIZ, 2017). A própria definição da profis- são foi transformada, com aampliação do escopo de atuação, que passa a incluir atividades de planejamento, implementação e gestão de políticas sociais públicas e privadas. Foram definidos valores éti- cos e bases filosóficas para orientar a atuação e o fazer profissional do assistente social, bem como um completo ideário dos direitos sociais dos cidadãos, nas áreas da saúde, educação, inclusão e assis- tência social (IAMAMOTO, 2017). Porém, a atuação do profissional de Serviço Social não se dá de maneira isolada, mas se enquadra dentro das políticas sociais dos governos que estão no poder. Segundo Caxito (2020, p. 17): as políticas públicas, sejam elas as de foco econômico ou de foco social, são as ferramentas pelas quais o governo busca implementar as mudanças e o desenvolvimento econômico e social. As políticas sociais são as ferramentas utilizadas para se construir um Estado de Bem-Estar social. Mas as políticas públicas, no Brasil, não são estáveis, nem são pensadas como um planejamento da atuação do governo em um horizonte O Serviço Social no contexto das ciências humanas 29 de longo prazo. O desenvolvimento econômico brasileiro é marcado por diferenças significativas entre as regiões. Alguns estados e regiões se desenvolveram mais aceleradamente, concentrando os investimentos e, assim, registrando maior desenvolvimento econômico e social. Dentro desta realida- de, as políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento das regiões menos favorecidas se fazem ainda mais importantes, como forma de garantir a igualdade de condições econômicas e sociais da população. A atuação do assistente social nessa realidade multifacetada vai muito além da antiga visão benemérita que marcou grande par- te da história da profissão. Em sua atividade contemporânea, o profissional se envolve com todos os momentos da política social, desde a identificação das demandas da sociedade, passando pela formulação das políticas, pelo planejamento dos programas, pela implementação das ações e pela gestão do processo de trabalho durante o período de realização das políticas, até a análise dos re- sultados obtidos. 1.5 Aspectos psicológicos e o Serviço Social Vídeo Antes de abordar a relação da psicologia com o Serviço Social, é importante desconstruir alguns mitos que cercam o trabalho do psicólogo. A psicologia, em uma visão simplista, é entendida como uma ciência voltada para o estudo da mente humana. O trabalho do psicólogo, muitas vezes, é reduzido à atividade da psicologia clínica, que tem por objetivo estudar e conhecer a condição psíquica de um determinado indivíduo e, por meio do uso de intervenções baseadas em métodos e técnicas, buscar restabelecer a saúde mental da pes- soa (DUTRA, 2004). Nesse sentido, encontra-se uma das primeiras interseções entre a atividade do psicológico e a do assistente social. No cotidiano de sua atividade profissional, o assistente social se relaciona com indi- víduos e grupos sociais que, na maioria das vezes, encontram-se em situação de vulnerabilidade e de risco, ou até mesmo à margem da sociedade. Apesar de o escopo de seu trabalho não envolver o aten- dimento psicológico desses indivíduos, é fundamental que o pro- fissional de Serviço Social compreenda os impactos das condições 30 Processo de Trabalho em Serviço Social II psicológicas das pessoas atendidas sobre o resultado das ações e serviços sociais oferecidos. O artigo Psicologia social e Serviço Social: uma relação interdisciplinar na direção da produção de conhecimento, escrito por Karen Eidelwein, publicado em 2007 na revista Textos & Contextos, discute a relação entre psicologia social e Serviço Social, apontando os objetos de ambas as áreas e apresentando caminhos para que sejam desenvolvidos conhecimentos comuns que podem subsidiar a atuação do assistente social. Acesso em: 16 mar. 2021. https://www.redalyc.org/pdf/3215/321527161007.pdf Artigo Porém, como apontam Prado Filho e Martins (2007), a psicologia como ciência apresenta outros objetos de estudo, como as capacida- des humanas, os processos de cognição, o comportamento humano, as percepções sobre o indivíduo e as relações que se estabelecem entre os indivíduos. É nesse último sentido que se desenvolveu um ramo conhecido como psicologia social, que guarda a maior relação com as atividades do profissional de Serviço Social. No contexto da psicologia social, o objeto de estudo se deslo- ca do indivíduo para as relações que ele estabelece com o meio no qual está inserido. As normas e regras que regem a conduta social dos indivíduos na comunidade e os rituais de convivência dentro do grupo e deste com o ambiente externo também estão no escopo das atividades da psicologia social. A psicologia social, além de analisar a interação do indivíduo com o grupo, busca entender os aspectos comportamentais das relações sociais e os papéis que cada indivíduo desempenha no grupo. Esses papéis e comportamentos, dentro do contexto da psicologia social, são definidos e prescritos pela sociedade, mas nem sempre são colocados em prática pelos indivíduos (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008). A diver- sidade inerente aos indivíduos faz com que os comportamentos ado- tados também sejam distintos, porém a individualidade é influenciada pelo contexto social e pela mente coletiva do grupo. Os grupos sociais são formados por indivíduos que compartilham alguns objetivos ou características comuns e estabelecem formas de interação, que envolvem ações de cooperação e de competição, de O Serviço Social no contexto das ciências humanas 31 acordo com regras e normas aceitas pelos integrantes. O grupo tam- bém estabelece ações de controle e coação sobre seus membros. O foco da psicologia social, assim como o do Serviço Social, está relacionado à realidade e às condições dos indivíduos no ambiente em que estão inseridos, sendo que a primeira busca entender os im- pactos psicológicos dessa situação, enquanto o segundo atua sobre as condições físicas de vulnerabilidade dessa população. Tanto o indivíduo quanto a comunidade da qual ele faz parte são objeto do trabalho do assistente social. Assim, as duas profissões apre- sentam uma interdisciplinaridade que possibilita a atuação conjunta, em que as competências profissionais se somam e se complementam. Dessa forma, os conhecimentos sobre psicologia social, como os conceitos da teoria comportamental e do funcionamento dos siste- mas sociais, são importantes na prática do assistente social, tanto no entendimento dos comportamentos individuais quanto no contexto da comunidade atendida, relacionando o conhecimento teórico com sua experiência pessoal e os aprendizados empíricos advindos de sua prática profissional. Por outro lado, o psicólogo, segundo Sawaia (2002), busca na rea- lidade dos indivíduos e dos grupos as informações e os conhecimen- tos necessários para desenvolver as ações terapêuticas do sujeito, levando em consideração o contexto socioeconômico ao qual ele está exposto. Ao trabalhar a autonomia do indivíduo e seu papel no grupo, psicólogos e assistentes sociais agem para garantir que os direitos do sujeito sejam respeitados e que ele possa ser fortalecido mental e fisicamente para desenvolver suas capacidades. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em uma sociedade na qual as demandas por serviços que ga- rantam a segurança social dos cidadãos nos mais variados campos da vida do indivíduo se tornam cada vez mais complexas, a atuação do profissional de Serviço Social também se torna muito mais am- pla e passa a incluir a participação profunda nas discussões e na implementação das políticas sociais, pelas grandes mudanças eco- nômicas, sociais e comportamentais pelas quais a sociedade vem passando nas últimas décadas. 32 Processo de Trabalho em Serviço Social II Para tornar possível a atuação nesse novo contexto, a formação do profissional de Serviço Social também passou por uma grande reformulação, na qual temas ligados às diversas ciências sociais aqui discutidas foram incluídosnas diretrizes e bases dos cursos superio- res de formação desse profissional. Assim, o assistente se torna um profissional muito mais preparado para entender a importância de suas intervenções e de sua atividade na sociedade. ATIVIDADES 1. O estudo da antropologia como campo científico pode ser dividido em duas áreas. Cite e explique essas áreas. 2. Explique a influência da antropologia sobre a atuação profissional em Serviço Social. 3. Explique o contexto no qual surgiu a filosofia. REFERÊNCIAS ADORNO, T. W.; NOBRE, M.; JANUÁRIO, A. Anotações ao pensar filosófico. Cadernos de Filosofia Alemã: crítica e modernidade, v. 19, n. 2, p. 199-209, 2014. Disponível em: http:// www.periodicos.usp.br/filosofiaalema/article/view/90831/0. Acesso em: 16 mar. 2021. AGIER, M. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo: Terceiro Nome, 2019. ALMEIDA, S. L. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Ícone, 2017. ATHIAS, R. M. Povos indígenas, processos identitários e etnicidade: notas sobre pesquisas em antropologia política. EntreRios, v. 1, n. 1, p. 91-107, 2018. 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Impulsionada pelas inovações tecnológicas e por alterações nos padrões morais dos grupos humanos, cada geração estabelece novos parâmetros sociais e modelos de comportamento que o grupo impõe sobre os indivíduos que dele fazem parte. É inegável, porém, que nas últimas décadas, devido ao de- senvolvimento de tecnologias de informação e comunicação, a sociedade vem passando por um processo ainda mais acelerado de mudanças tecnológicas, comportamentais, sociais e culturais. Contamos, inclusive, com a possibilidade de criar e compartilhar conhecimento em tempo real, em uma velocidade nunca vista, e o acesso a novas experiências e à criação de redes de relacionamen- to ultrapassa as fronteiras físicas e gera alterações significativas nas culturas e nos comportamentos dos indivíduos. Todas essas mudanças estão diretamente ligadas à atuação do profissional de Serviço Social, pois se relacionam com a proteção de indivíduos e de grupos em situação de vulnerabilidade e risco, que dependem de ações e políticas de apoio social. Neste capítulo, abordaremos as mudanças pelas quais passa a sociedade, bem como seus os impactos sobre o Serviço Social. 2.1 Mudanças na pirâmide etária brasileira Vídeo A alteração na estrutura da pirâmide etária brasileira é uma das mais significativas mudanças pelas quais passa o país. Isso ocorre porque essa modificação traz impactos para diversas áreas da so- Mudanças sociais e demográficas e o Serviço Social 37 ciedade, como economia, educação, saúde, trabalho, e para a estru- tura das famílias. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2015), a população brasileira passa por um rápido processo de envelhecimento. A divisão da população por faixa etária, projetada para as próximas décadas, em comparação com a estrutura atual da pirâmide, mostra que, enquanto a porcentagem de crianças e jovens diminui gradativamente – em função da diminuição da taxa de natalida- de média –, a participação da população idosa cresce aceleradamente, devido ao aumento da expectativa de vida. Os dados do IBGE mostram que, em relação ao processo de envelhecimento da população global, a inversão da pirâmide etária brasileira é duas vezes mais rápida. No Gráfico 1, você poderá observar a população brasileira dividida por fai- xa etária nos anos 1980 e 2020 e a projeção para o ano de 2060. Gráfico 1 Evolução da pirâmide etária brasileira A) 1980 População: 120.694.012 Fonte: Populationpyramid.net, 2021a. 38 Processo de Trabalho em Serviço Social II B) 2020 População: 212.559.409 Fonte: Populationpyramid.net, 2021b. C) 2060 População: 224.411.614 Fonte: Populationpyramid.net, 2021c. Mudanças sociais e demográficas e o Serviço Social 39 É possível observar que, na década de 1980, o formato do gráfico representava perfeitamente uma pirâmide, na qual a maior parte da população era formada por crianças, e a porcentagem de cada faixa etária sobre o total da população diminuía gradativamente. O gráfico relativo ao ano de 2020 já apresenta um formato bem menos definido, com destaque para a significativa diminuição da parcela de crianças e de jovens e o aumento da população acima de 65 anos. Por fim, a projeção para o ano de 2060 é que ocorra um equilíbrio entre as faixas populacionais. Muitos países passam por processos semelhantes de envelhecimen- to e pelos mesmos motivos que impactam a pirâmide etária