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Corpo e Personalidade APRESENTAÇÃO Nesta Unidade de Aprendizagem, veremos como a tomada de consciência do próprio corpo cont ribui para a formação da personalidade na criança. De acordo com alguns autores é com o corpo que a criança elabora as suas experiências vitais e organiza a sua personalidade. Vamos ver com o isso funciona? Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os aspectos do desenvolvimento corporal.• Explicar o que significa a organização da personalidade.• Relacionar o desenvolvimento do corpo com a organização da personalidade.• DESAFIO De acordo com Julian de Ajuriaguerra, médico de origem basca, formado na França e radicado d urante muito tempo na Suíça, mundialmente reconhecido pelos seus trabalhos no âmbito da neur ofisiologia, da neuropatologia e, fundamentalmente, no campo que interessa mais à teoria da psi comotricidade, a criança é o seu corpo. A evolução da criança é sinônimo de consciencialização e de conhecimento cada vez mais profundos do seu corpo, ou seja, do seu eu total. É com o corp o, diz-nos este autor, que a criança elabora todas as suas experiências vitais e organiza a sua pers onalidade única, total e evolutiva. Com base nesta premissa, pense em atividades para o desenvo lvimento da corporeidade e expressão de crianças do Berçário I. Você deverá listar três atividade s e explicar de que forma cada uma delas contribui para o desenvolvimento infantil. INFOGRÁFICO O indivíduo constrói a imagem do corpo a partir de diferentes esferas: esfera fisiológica, esfera s ociológica e esfera libidinal. Na esfera fisiológica são considerados desde os alicerces da atitude (postura bípede) até a história corporal do indivíduo (experiências anteriores armazenadas). Na e sfera libidinal são consideradas as concepções freudianas da personalidade. E, por fim, na esfera sociológica ou social, o corpo surge como o instrumento de relação e interação com o outro. O c onjunto destas três esferas equivale à imagem do corpo. CONTEÚDO DO LIVRO No livro Desenvolvimento Psicomotor a Aprendizagem, de Vitor da Fonseca, são apresentadas d iferentes noções sobre a psicomotricidade e as suas relações com a aprendizagem. O autor reúne estudos de autores europeus, norte-americanos e russos, dando uma importante contribuição par a a compreensão do desenvolvimento psicomotor na criança. Confira o trecho a seguir em que el e discorre sobre a formação da personalidade e as controvérsias existentes em relação ao tema. Boa leitura. Vitor da Fonseca Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem F676d Fonseca, Vitor da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem [recurso eletrônico] / Vitor da Fonseca. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2008. Editado também como livro impresso em 2008. ISBN 978-85-363-1402-0 1. Psicomotricidade. I. Título. CDU 159.943 Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023. 104 Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem CORPO E PERSONALIDADE Julian de Ajuriaguerra, médico de origem basca, formado na França e radicado durante muito tempo na Suíça, é mundialmente reconhe- cido pelos seus trabalhos no âmbito da neuro- fisiologia, da neuropatologia e, fundamental- mente, no campo que interessa mais à teoria da psicomotricidade, ou seja, o da neuropsiquiatria infantil. Sua obra é de tal extensão e profundi- dade que naturalmente se torna impossível tratá- la, ou mesmo só apresentá-la, em um livro de sensibilização à problemática do desenvolvimen- to psicomotor e da aprendizagem, como é o caso. No entanto, não posso adiar por mais tempo uma primeira abordagem à perspectiva multifacetada deste autor, que permite, por si só, completar e concretizar um sentido multi e transdisciplinar, que entendo ser hoje indispensável a todos os especialistas em desenvolvimento humano (pais, inclusive) quando, principalmente, está em ques- tão o estudo, a compreensão, a caracterização e a intervenção sobre a personalidade total, intei- ra, completa e evolutiva da criança e do jovem. Nessa perspectiva, considero este autor como essencial, e o seu conhecimento, inadiável, em especial para a compreensão da importância da neuropsicologia da motricidade e da gênese do corpo na formação integral das crianças e dos jovens na sociedade atual. Claro que a interpretação de uma obra cientí- fica tão valiosa como é a de Ajuriaguerra implica- rá correr riscos – por um lado, o risco do recurso a determinados pressupostos complexos e, por ou- tro, o artifício léxico-visual na apresentação dos vários temas. Tentarei, no entanto, atenuar tais inconvenientes salvaguardando ao máximo o ri- gor científico com que Ajuriaguerra construiu as suas obras de primeira importância para a psico- motricidade. Ao leitor e educador estudioso com- petirá, assim o espero, aprofundar qualquer des- tas noções em um estudo mais completo e exaus- tivo da bibliografia relevante deste autor. Para Ajuriaguerra (Ajuriaguerra, 1956, 1961, 1962, 1972a, 1974, 1976, 1978, 1980, 1981; Aju- riaguerra e Angelergues, 1962), a evolução da criança é sinônimo de consciencialização e de co- nhecimento cada vez mais profundos do seu cor- po, ou seja, do seu eu total. É com o corpo, diz- nos este autor, que a criança elabora todas as suas experiências vitais e organiza a sua personalida- de única, total e evolutiva. Esta perspectiva, que constitui indubitavelmente um contributo ori- ginal para a compreensão da evolução da crian- ça e do jovem no plano científico, tem, por isso mesmo, encontrado resistências de várias ordens, principalmente filosóficas e até culturais. Claro que a tais dificuldades e resistências não será estranha, por um lado, a já clássica e tradicional separação entre o homem e o am- biente, isto é, dos vários ecossistemas, e, por outro, o famoso dualismo teológico e cartesiano corpo-espírito, tão enraizado nos mais varia- dos campos do conhecimento e do pensamen- to humano. Nesta perspectiva mecanicista, que nunca é demais desmistificar, o corpo foi carac- terizado e considerado como uma massa e um físico, constituído por um conjunto de ossos e de articulações “empilhados” de baixo para A CRIANÇA É O SEU CORPO: introdução à obra de Ajuriaguerra3 105Vitor da Fonseca cima em um esqueleto de vísceras e de múscu- los revestido e envolvido por pele e pêlos. Daí ter sido fácil e freqüente ter-se caído e continuar-se a cair na alienação do corpo, quer no trabalho, quer no esporte, quer na arte, quer na educação, quer em outra atividade qualquer. O corpo surge, então, como uma ferramenta de produção ou máquina industrial, que, racio- nalizada ao extremo, adquire um potencial de alto rendimento, transforma-se em um recor- de ou em um mister ou miss mundo qualquer! A CRIANÇA É O SEU CORPO A obra de Ajuriaguerra (1948, 1962, 1972a, 1974, 1980) é, pois, um grito de alarme contra tal perspectiva fácil, vulgar, mediática e simplista, colocando, ao contrário, o corpo em uma dimen- são antropológica e ontológica de grande am- plitude, isto é, “a criança é o seu corpo”. Claro que não é Ajuriaguerra o primeiro e único autor a preocupar-se com a problemática do corpo. Basta que recordemos a preocupação que sempre o corpo constituiu, desde o cristianis- mo, passando pelo hinduísmo ou pelo budismo, por exemplo. Podemos mesmo, ainda, recuar mais no tempo e recordar, muito sincretica- mente, com Hanna (1970), como o corpo já fora preocupação de Aristóteles e dos filósofos tomis- tas. Também os filósofos somáticos, como Des- cartes, Kant, Kierkegaard e outros, encontraram no corpo um objeto de estudo e de reflexão. Des- cartes, por exemplo, reduz o corpo a um objeto, “fragmento do espaço visível e mensurável”. Só com Rousseau, por um lado, e Nietzche, por outro, esta noção é profundamente abalada e desmistificada, ao ponto de, mais tarde, o fenomenologismo (Merleau-Ponty, 1967,1969; Husserl, 1985, 1992; Heidegger, 1958, 1986; Henry, 1965; Buytendijk, 1952, 1957, 1967; Bergson, 1913), o existencialismo (Sartre, 1939) e alguns filósofos (de Biran, 1932, Chirpaz, 1969, Hanna, 1970) terem colocado esta análise filo- sófica em uma visão epifenomenológica. O CORPO COMO MATERIALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO Claro que não me compete aqui e agora fazer um estudo comparativo e polêmico das várias perspectivas de ver, ser e estar com o corpo. Tam- pouco aproveitarei este capítulo para lançar mi- nha própria perspectiva e linha de investigação. No entanto, e antes de passar ao corpo proposto por Ajuriaguerra (1978, 1980, 1981), não quero deixar de registrar que, para mim, o estudo do corpo é, no mínimo, o estudo do ser humano na sua dimensão ontológica, e que a humanização do corpo é, pelo menos, a materialização do seu percurso evolutivo. De qualquer forma, foi só após as especula- ções filosóficas sobre o corpo do século XIX que, no século XX, este se tornou efetivamente objeto e sujeito de um estudo mais profundo, sistemáti- co e experimental. Primeiro, pelos neurologistas, para compreenderem o funcionamento do cére- bro e da sua patologia (Head, 1911, 1937; Foester, 1931; Pick, 1973; Goldstein, 1983; Wernicke, Von Bogaert, citados por Ajuriaguerra e Hécaen, 1964, etc.). Depois, pelos psicólogos (Wallon, 1969, 1970; Piaget, 1973, 1976; Gesell, 1949, 1962; Vygotsky, 1962, 1978; Leontiev, 1969, 1975, 1978; etc.) e pelos psicanalistas (Freud, 1962, 1968; Schilder, 1968; Klein, 1972, 1966; etc.), para com- preenderem a evolução da personalidade da criança e do jovem e as suas perturbações. CONCEPÇÕES SOBRE A IMAGEM DO CORPO É, pois, dentro deste pressuposto que desejo apresentar, embora muito resumidamente, algu- mas das concepções que Ajuriaguerra (1962, 1972, 1974), Ajuriaguerra e Hécaen (1964), Aju- riaguerra e Marcelli (1984), Angellergues (1964), Damásio (1999, 2003), Bermúdez e colaboradores (1998), Campbell (1970), Benton (1979), Bergès e Lezine (1963), Bender e colaboradores (1952), Bors (1951) e Charcot (1888) apresentam sobre o estudo do corpo. Antes, porém, de me adiantar um pouco mais nos conceitos de Ajuriaguerra, parece-me oportuno, a fim de atenuar um pouco as possíveis defasagens terminológicas em rela- ção a este assunto, reunir em um pequeno qua- dro comparativo várias expressões equivalentes no seu conteúdo e fundamento neurofisiológico, situando-as analogicamente entre si e a expres- são somatognosia (gnosia, reconhecimento do soma, do corpo), introduzida por Ajuriaguerra. 106 Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem De todas estas noções, porém, destacarei apenas as necessárias para um breve estudo comparativo e complementar dos trabalhos deste autor: 1. esquema corporal, por ser a mais ha- bitual, e por se situar em um plano mais neurofuncional, envolvendo a integra- ção neurológica de posturas e de progra- mas motores em interação com a per- cepção espacial de objetos, pois se trata de um subsistema necessário à realiza- ção da ação; 2. imagem do corpo: por ser a expressão ori- ginal de Schilder (1968), autor que, no dizer do próprio Ajuriaguerra, foi o psica- nalista clássico que mais atenção dedi- cou aos estudos sobre o corpo e, por isso, mais o influenciou. Trata-se de uma ex- pressão mais enfocada na abstração e na representação inconsciente e consciente do corpo, envolvendo a autopercepção, o autoconceito conceitualizado, a própria noção do eu – o denominado self, o sujei- to de emoções vividas e integradas, a ati- tude, isto é, o componente principal do processo intencional; 3. membro fantasma: por revelar a per- sistência alucinatória, a ilusão dolorosa e a representação mental de um mem- bro ou de membros ausentes ou dese- nervados que o sujeito amputado expe- rimenta após situação traumática; 4. anosognosia: desconhecimento ou ne- gligência de membros hemiplégicos de- vidos a lesão hemisférica; 5. somatognosia: por ser a noção criada e proposta pelo próprio Ajuriaguerra, que consubstancia a ontogênese psicomotora e da aprendizagem. Noção de esquema corporal e de imagem do corpo A noção de esquema corporal é considerada por vários autores, entre os quais destaco Schilder (1968), como uma noção de âmbito neurofisioló- gico, que pode ser entendida como a imagem mental do corpo registrada no âmbito cerebral, mais exatamente no âmbito parietal, em função da integração das percepções e da elaboração das respectivas praxias. Tal noção, talvez a mais usa- da entre nós, tem, no entanto, o grande incon- veniente de o termo “esquema” não traduzir a noção de plasticidade e de disponibilidade que este conceito contém. A imagem do corpo, por sua vez, segundo Schilder, expressa uma relação permanente com a história psicomotora (motora, afetiva e ESQUEMA POSTURAL ESQUEMA IMAGEM DE SI SOMATOPSÍQUICO IMAGEM DO EU CORPORAL IMAGEM DO CORPO NOÇÃO DO CORPO IMAGEM ESPACIAL DO CORPO IMAGEM DO NOSSO CORPO ANOSOGNOSIA AGNOSIA DIGITAL ILUSÃO DO MEMBRO FANTASMA DO AMPUTADO Head Bonnier Van Bogaert Janet Merleau-Ponty Schilder Ribot Picq Lhermitte Babinski Gertsman Weir Mitchel 107Vitor da Fonseca cognitiva) do indivíduo, estruturando-se e rees- truturando-se continuamente, através da inter- relação e da interação integrada das seguintes esferas do comportamento humano: chamado diálogo corporal entre a mãe e o re- cém-nascido, e para Piaget, na imitação inteli- gente da criança (Gantheret, 1961). Em suma, pode-se dizer que, para além da importância que tem para a descoberta do nosso corpo, para a sua experiência anterior e para as tendências libidinais que os outros exercem so- bre nós, e vice-versa, o corpo não é apenas um instrumento de construção e de ação, mas tam- bém o meio concreto e último de comunicação social. É nesse contexto que inúmeras pesqui- sas sobre a comunicação não-verbal têm sido desenvolvidas (Harlow, 1958; Argyle, 1975; Bergés, 1967; Buytendijk, 1967; Campbell, 1970; Chirpaz, 1969; Corraze, 1980; Dolto, 1957, 1984; Descamps, 1986; Fauché, 1993; Knap, 1972; Hall, 1986, 1994). A ilusão do membro fantasma no amputado A ilusão do membro fantasma no amputa- do traduz a persistência no indivíduo da cons- ciência do corpo na sua totalidade, independen- temente da subtração ou da diminuição anatô- mica ou física ocorrida ou existente. O membro fantasma é designado em Ajuria- guerra (1974), Ajuriaguerra e Hécaen (1952, 1964) e em outros autores, como Alvim (1962), Angelergues (1964), Babinski (1914), Bors (1951) Benton (1979), Fere (1891), Foerster (1931), Fisher e Cleveland (1968), Fonseca (1974c, 1977c, 1985, 1991, 1992, 2001), Fonse- ca e Mendes (1990), Fonseca e Martins (2001), Gantheret (1961), Gerstmann (1927), Lhermitte (1939), Lowghi (1939), Pick (1973), Margoulis e Tournay (1963), Meyer (1982), Montagu (1979), Quesne (1969), Reinhardt (1990), Schilder (1968) e Wallon (1954), como o resí- duo cinestésico do membro (ou parte do corpo) anatomicamente ausente. De fato, o corpo encontra-se mentalmente representado nas áreas motoras e sensitivo- somáticas do córtex humano (área 4 e áreas 1, 2, 3 de Broadman, respectivamente). Como a cada área motora corresponde fun- cionalmente uma área sensitiva concomitante, ESFERA FISIOLÓGICA ESFERA LIBIDINAL ESFERA SOCIOLÓGICA IMAGEM DO CORPO Na esfera fisiológica, Schilder considera as relações entre a psicotonia e a visuocinesiologia, referindo-se aos alicerces da atitude (postura bípede), ao papel da dor e à história corporal do indivíduo, isto é, à sua experiência anterior armazenada. Na esfera libidinal, o autor recua às concep- ções freudianas da personalidade, inter-relacio- nando as interferências sensoriais, erógenas e libidinais, em uma síntese integrada das relações entre o corpo e o mundo, dando ênfase à expres- são “o corpo incorpora o mundo”. É neste equilí- brio em comunicação que, segundo este autor, se organizaa estrutura individual da personalidade. Na esfera social (ou sociológica), Schilder equaciona toda a fenomenologia do investimen- to corporal na relação e inter-relação social, isto é, o corpo surge como o instrumento de relação e interação com o outro. Note-se como no âmbito desta última esfe- ra e em uma perspectiva já interdisciplinar, para Schilder, a imagem do corpo tem origem na imagem do corpo dos outros; para Wallon, no 108 Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem Braço Tronco Cerebelo PescoçoCotovelo Antebraço Punho Mão Mínimo Anelar Máximo Indicador Polegar Olho Nariz Cara Lábio superior Lábios Lábio inferior Dentes, gengivas e maxilar Língua Faringe Intra-abdominal HOMÚNCULO SENSORIAL CÓRTEX SOMÁTICO-SENSORIAL Cabeça Ombro Tronco Perna Pé Anca Joelho Clavícula Dedos do pé Espádua Ombro Cotovelo Punho Mão Mínimo Anelar Máximo Indicador Polegar Pescoço Fronte Pálpebra e pupila Cara Lábios Vocalização Maxilar Língua Deglutição Salivação Mastigação HOMÚNCULO MOTOR CÓRTEX MOTOR 109Vitor da Fonseca a ausência súbita de qualquer parte do corpo corresponde, sem dúvida, a uma ausência ana- tômica das respectivas inervações sensitivo- motoras, mas, paradoxalmente, na condição de membro fantasma, permanece uma “ilusão” mental (sentida, interiorizada e posicionada) do membro amputado, isto é, o sujeito amputado continua a sentir no coto o membro mutilado através da respectiva representação, não só de ordem cinestésica, como também, inclusive, de ordem emocional e simbólica (Azcoaga et al., 1983; Bour, 1971; Bourret e Louis, 1983; Bergés e Lezine, 1963; Challey-Bert e Plast, 1973; Chalmers et al., 1971; Chauchard, 1963, 1967; Changeux, 1983; Delgado, 1971; Feldenkrais, 1971; Fulton, 1955; Gardner, 1968; Gatz, 1970; Grant, 1955, 1977; Gross e Zeigler, 1969; Hécaen, 1972, 1975; Lashley, 1929; Lezak, 1976; Morin, 1969; Pribram, 1960, 1973; Rasch e Burke, 1974; Russel, 1975; Sanides, 1966; Sarnat e Netsky, 1981). A somatognosia Sendo a noção de somatognosia proposta por Ajuriaguerra (1956, 1974, 1978), Ajuria- guerra e Thomas (1948), Ajuriaguerra e Hécaen (1952, 1964), Ajuriaguerra e Angellergues (1962), Ajuriaguerra, Diatkine e Badaraco (1956), ela é entendida por Ajuriaguerra como a tomada de consciência do corpo na sua tota- lidade e respectivas partes, intimamente liga- das e inter-relacionadas com a evolução dos movimentos intencionais, isto é, a tomada de consciência do corpo como realidade vivida e convivida. ÁREAS MOTORAS E SENSITIVOMOTORAS NO SER HUMANO Área sup leme ntar Moto ra Sensitiva Área rolândica motora Área sensitiva secundária Área rolândica sensitiva Fac e m em bro su p. Me mb ro inf . Ínsu la Tronco cerebral F a c e M e m b ro S u p . M e m b ro in f. 110 Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem Os dados experimentais permitem, entretan- to, revelar vários componentes da somatognosia: Somatognosia Corpo Aspecto motor Ação Praxias Dados proprioceptivos Conhecimento (Noção) Aspecto psíquico Representação Gnosias Dados exteroceptivos Totalidade psicomotora da criança S O C IA L L IB ID IN A L TÁTIL V E S T IB U L A R V IS U A L CINESTÉSICA COMPONENTES DA SOMATOGNOSIA Repare-se, pois, como a noção de corpo, em Ajuriaguerra (1961, 1976), Ajuriaguerra e Sou- biran (1962), Ajuriaguerra e Marcelli (1984) e Ajuriaguerra e colaboradores (1956), equivale à noção de veículo de adesão ao mundo, de en- velope e fronteira da existência humana e de infra-estrutura da personalidade. É, de certa forma, uma síntese de dois dos parâmetros apresentados por Schilder (1968). De fato, e como já mencionei resumidamen- te, a concepção deste autor recorre, em primeiro lugar, à noção de esquema corporal (de âmbito mais fisiológico), entendida como a integração das percepções e da elaboração das respectivas praxias e, em segundo, à noção de imagem do corpo (de âmbito mais psicológico), entendida como fator de relação inter-pessoal, cuja ima- gem resulta da oposição em comunicação entre a singularidade do sujeito e a universalidade da pessoa. Entre ambas as noções, como é óbvio, torna-se difícil desenhar fronteiras nítidas, dada a natureza psicofisiológica total e evolutiva do ser humano. Antes, porém, de passar, agora com outro de- senvolvimento, à concepção neurofisiológica e neuropsicológica da imagem do corpo apresen- tada por Ajuriaguerra (1974) e Ajuriaguerra e Hécaen (1952), farei breves considerações pes- 111Vitor da Fonseca soais sobre este assunto. Assim, pensamos que este problema da imagem do corpo é, no fundo, um problema que se situa na sempre e uni- versalmente controversa questão de conceber e de definir a consciência: terá a consciência uma base material e corporal ou não? Que dizer dos múltiplos e variados estudos e investigações neurofisiológicas efetuadas não só sobre o mem- bro fantasma nos amputados, mas também so- bre as paralisias cerebrais, as lesões cerebrais e as várias e multifacetadas psicopatologias? Minha concepção de imagem do corpo com- preende, principalmente, uma noção de unida- de sensório-cinestésica em constante modulação com as circunstâncias do meio ambiente. Esta noção pretende, pois, realçar, como em Damásio (2003, 1999, 1994), que a noção do nosso corpo é não só uma estrutura sensorial e cinestésica registrada e integrada no cérebro, mas também, e simultaneamente, uma estrutura funcional in- dispensável a todas as condutas. Em síntese, compreende um “sentimento” que se possui do nosso corpo, do nosso espaço existencial e, por isso, também do nosso espaço material. Parece, assim, não haver dúvidas de que o sentir se encontra mais ou menos identificado com o agir do corpo. Por este meio, o cérebro recebe, organiza e sente as informações do mun- do exterior, e a partir delas comanda as ações intencionais (Paollard, 1961, 1980). Reflita-se, no entanto, antes de se passar imediatamente à concepção neurofisiológica, como a imagem do corpo, apresentada por Bonnier, em 1893, já era considerada como uma representação espacial, constante e figurativa, de relação com o mundo exterior. Concepção neurofisiológica da imagem do corpo Uma vez mais insisto que, em minha opi- nião, a compreensão do desenvolvimento psicomotor e da ontogênese da imagem do cor- po tem as suas repercussões, diretas e indiretas, no desenvolvimento da personalidade e no po- tencial de aprendizagem (Launay e Vanhove, 1949; Thomas e Ajuriaguerra, 1949; Thomas e Autgaerden, 1963a, 1963b; Widlocher, 1969; Richel, 1972). Ambos exigem um conhecimen- to e um fundamento neurofisiológico e neuropsi- cológico sem o qual nos escaparão, bem como a qualquer educador ou terapeuta, não só os da- dos corretos da evolução da criança e do jovem, como também, o que não é menos importante, os limites dos casos a considerar, como desviantes ou atípicos, paranormais, parapatológicos ou mesmo patológicos e portadores de qualquer tipo de deficiência. De fato, penso, e já o disse logo de início, que o educador poderá obter mais êxito na aprendizagem, ou pelo menos não registrar tan- tos insucessos, se levar em conta, por um lado, a noção evolutiva e sistêmica da imagem do corpo da criança e do jovem, e por outro, a no- ção da sua disontogênese (Vygotsky, 1993). Nesse sentido, e independentemente de mui- tas outras noções dispersas por vários autores, algumas das quais foram já levantadas na in- trodução deste capítulo, parece-me oportuno completar um pouco mais e desenvolver algu- mas das noções neuropsicológicas propostas por Ajuriaguerra (Ajuriaguerra, 1961; Ajuriaguerra et al., 1955, 1960, 1962, 1964), primeiro, por- que Ajuriaguerra é, sem dúvida alguma, um dos autores que melhor reúne e aglutina os concei- tos-chave para o conhecimento do corpo no de- senvolvimento psicomotor e na aprendizagem, todos eles, sublinhe-se, com evidência clínica e experimental;segundo, porque estas noções são essenciais, e por isso oportunas, não só para a compreensão da importância da imagem do cor- po de um modo geral, mas, principalmente, para o respectivo estudo neurológico em relação ao desenvolvimento psicomotor e às dificuldades, perturbações ou transtornos de aprendizagem, que já abordei em outras publicações (Fonseca, 1979, 1983, 1984, 1990, 1996, 2001). Realmente, parece-me que só no âmbito da concepção neurológica da imagem do corpo se poderá compreender qual o papel essencial des- te componente em todo o fenômeno da apren- dizagem. É, pois, neste sentido que, para apro- fundar este assunto, vou a seguir recorrer a Aju- 112 Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem riaguerra. No entanto, aproveito esta ocasião para apresentar, embora muito resumidamente, um conjunto de noções e conceitos que, com a respectiva terminologia, considero fundamentais para ajudar na descoberta e no estudo deste neu- rologista por parte de todos os educadores. Porém, e antes ainda de entrar propriamente no assunto, parece-me útil referir, como fez o pró- prio Ajuriaguerra, os trabalhos realizados dentro desta mesma ótica por Head, Lhermitte, Schilder, Pick, Babinski, Van Bogaert, Gerstmann, Golds- tein, Gueniot, Weir-Mitchel, Hécaen, etc., auto- res que são naturalmente outras tantas fontes de pesquisa e de consulta por parte dos especia- listas mais curiosos e interessados. Assim, a imagem do corpo é vista como a re- sultante da relação entre o conjunto dos dados interoceptivos, proprioceptivos, exteroceptivos, isto é, as sensações, as percepções, os fantasmas, as projeções, as memórias e as intenções motoras. Esta resultante, no seu todo, representa e concre- tiza o ajustamento, a precisão e a eficiência das condutas humanas. Daí a importância, na minha opinião, da perspectiva dos estudos de Ajuria- guerra, uma vez que, à alteração de tais dados e inter-relações, naturalmente irá corresponder um desajustamento dos comportamentos e, por isso, o que poderíamos designar como uma patologia da conduta – e por que não uma patologia da aprendizagem? –, pois o estudo das incapacida- des de aprendizagem (como, por exemplo, das agnosias, das afasias, das assomatognosias, das apraxias, etc.) é uma pedra angular do estudo das dificuldades de aprendizagem. A observação das variadas e diferentes de- sintegrações parapatológicas ou patológicas e ex- perimentais da imagem do corpo pode, pois, le- var-nos de forma mais abrangente e dinâmica ao estudo do comportamento humano, ainda mais que a imagem do corpo é simultaneamen- te uma estrutura de conjunto e revela intrinse- camente, de forma coibida, seqüencializada e interdependente, uma unidade estrutural. É interessante assinalar aqui como Ajuria- guerra fundamenta tal afirmação baseando-se no estudo e na observação do fenômeno do membro fantasma. Realmente, segundo este au- tor, a ilusão do membro fantasma no indivíduo amputado (noção que já situei antes no seu con- teúdo) é a confirmação mais evidente do papel do conhecimento e do sentimento do corpo na formação da personalidade humana. Note-se que, à supressão dos membros ou de qualquer outra parte anatômica do corpo, o indivíduo si- nistrado responde com uma representação men- tal e uma sensação de volume e de localização da zona do corpo perdida ou extirpada. Mesmo sem o membro amputado, o indiví- duo continua a senti-lo, não só nos seus movi- mentos, como também nas suas relações com as demais partes do corpo. Por quê? Somente por- que o corpo está inserido e embutido na sua per- sonalidade, é a própria personalidade, e é a ra- zão da sua integridade (Pirisi, 1949; Onnis, 1996). Esta observação clínica, confirmada em mi- lhares de casos no pós-guerra e em acidentes cotidianos de trabalho ou de trânsito, não só mostra bem a unicidade coerente da imagem do corpo como confirma a totalidade do ser hu- mano. Não podemos, no entanto, ignorar, bem pelo contrário, que a ausência anatômica de um membro amputado, além de uma agressão real à personalidade total do indivíduo sinistrado, traz consigo ainda uma modificação do peso, do volume, da densidade e da própria gravidade, interferindo no controle postural e em todos os aspectos da atitude. Em uma palavra, traz con- sigo uma modificação dos próprios movimen- tos de um modo geral, mas esta realidade não impede, como vimos, que os movimentos sejam sentidos como estados psíquicos concomitantes e em perfeita e profunda co-relação (Fonseca, 1985, 1992) com os circuitos motores cerebrais (corticais e subcorticais), que continuam a repre- sentar os movimentos do membro amputado. Ajuriaguerra e Hécaen (1955) confirmam e fundamentam todas estas afirmações basean- do-se, além de nas provas anteriores, nos traba- lhos de Münzebrock e de Cronholm. Estes au- tores, citados por Ajuriaguerra e Hécaen, desco- briram em 122 casos de amputados (não só fálicos, como de dentes, testículos, olhos, seios e membros) a existência de 118 com membros fantasmas (96,5%). 113Vitor da Fonseca Repare-se já agora e a título complementar, que Bors (1951), em outra investigação, demons- trou que o fantasma dos membros ausentes é mais intenso do que o fantasma dos membros paralisados, o que, diga-se de passagem, em ter- mos de aprendizagem é bastante significativo. Aliás, todas estas evidências são ainda confir- madas nas adaptações às próteses em indivíduos amputados, abrindo novas perspectivas de análise. Segundo Charcot (1888), existe mesmo uma sensação de irritação dos nervos do coto, ”sentida” na imagem sensorial do membro amputado. Ajuriaguerra, juntamente com outros neurologistas (Fulton, 1955; Hebb, 1958, 1959, 1976; Gatz, 1970; Gardner, 1968; Granit, 1977), equaciona os problemas de perturbação do mem- bro fantasma, com síndromes assomatognósicas cuja localização cerebral se situa preferencialmen- te no lóbulo parietal. Note-se como tudo isto, que já era impor- tante e significativo como fundamento cientí- fico para o desenvolvimento psicomotor e para a aprendizagem, se reforça ainda mais ao veri- ficar-se que as várias e diferentes síndromes psicopatológicas cerebrais têm uma localiza- ção funcional: HEMISFÉRIO ESQUERDO Agrafia Acalculia e apraxia (ideomotora e ideatória) Alexia Afasia motora Afasia sensorial Agnosia das cores Agnosia dos objetos HEMISFÉRIO DIREITO Agnosia espacial Apraxia do vestuário Agnosia da face Apraxia construtiva Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. DICA DO PROFESSOR No vídeo a seguir veremos como se desenvolve a noção de imagem do corpo, compreendendo a relação entre a formação do corpo e a elaboração da personalidade. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. EXERCÍCIOS 1) A imagem do corpo, segundo Schilder (1968) apud Fonseca (2008), expressa uma rela ção permanente com a história psicomotora (motora, afetiva e cognitiva) do indivídu o, estruturando-se e reestruturando-se continuamente, através da inter-relação e da i nteração integrada de algumas esferas do comportamento humano. Marque a alterna tiva que apresenta essas esferas. A) Esfera libidinal, esfera social, esfera fisiológica. B) Esfera sociológica, esfera biológica, esfera sociolinguística. C) Esfera libidinosa, esfera sociológica, esfera psicológica. D) Esfera psicológica, esfera neurológica, esfera sociológica. E) Esfera físico-muscular, esfera neurológica, esfera psicológica. 2) Para a criança, é muito importante a descoberta do próprio corpo. Este não é apenas um instrumento de construção e de ação, mas também o meio concreto e último de co municação social. Assim, no âmbito da esfera social e em uma perspectiva interdiscipl inar onde ou quando tem origem a imagem do próprio corpo? A) Na imagem especular. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/1874bcd762e3589af9d0791f89779976B) A consciência corporal é inata. C) No corpo dos outros D) Nas brincadeiras individuais. E) No início da marcha bípede. 3) O corpo encontra-se mentalmente representado nas áreas motoras e sensitivo-somáti cas do córtex humano. Como a cada área motora corresponde funcionalmente uma á rea sensitiva concomitante, a ausência súbita de qualquer parte do corpo correspond e, sem dúvida, a uma ausência anatômica das respectivas inervações sensitivo-motora s. Todavia o cérebro tende a não reconhecer essa ausência, criando uma "ilusão" me ntal. Assim sendo, pode-se afirmar que esta ilusão é chamada de: A) Ilusão corporal. B) Ilusão sensório-motora. C) Ilusão fisiológica D) Ilusão do membro fantasma do amputado. E) Ilusão de ótica. 4) A noção de somatognosia, proposta por Ajuriaguerra, é entendida como a tomada de consciência do corpo na sua totalidade e respectivas partes, intimamente ligadas e int er-relacionadas, ou seja, a realidade do corpo como realidade vivida e convivida. Que tipo de movimentos são considerados nessa tomada de consciência? A) Involuntários B) Intencionais C) Viscerais D) Musculares E) Aleatórios 5) A concepção de imagem do corpo, tomada por Ajuriaguerra, compreende, principal mente, uma noção de unidade sensório-cinestésica em constante modulação com as ci rcunstâncias do meio ambiente. Esta noção pretende, pois, realçar que a noção do nos so corpo é não só uma estrutura sensorial e cinestésica registrada e integrada no cére bro, mas também, e simultaneamente, uma estrutura funcional indispensável a todas as condutas. Assinale a alternativa que indica, de forma completa, o que o autor quer dizer quando afirma que a imagem do corpo corresponde a uma estrutura funcional. A) O corpo é uma estrutura dotada de funções e de "sentimentos". B) O corpo é uma estrutura muscular esquelética. C) O corpo possui uma dualidade corpo e alma. D) O corpo é o espaço material utilizado pelo indivíduo. E) O corpo possui um espaço existencial. NA PRÁTICA O cérebro humano tem a capacidade de receber, organizar e sentir as informações do mundo ext erior e, a partir delas, comandar as ações intencionais. Veja. SAIBA + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professo r: A nada santa alma freudiana Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! http://www.bsfreud.com/notAlmaFreudiana.html
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