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História antiga A Índia antiga Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Marcelo dos Reis Tavares Revisão Textual: Profa. Esp.Vera Lídia de Sá Cicarone 5 • Introdução • As antigas civilizações e os grandes rios: uma questão de necessidade • Proto-história indiana: Mohenjo-Daro e Harappa A atividade de aprofundamento desta unidade será um fórum cujo tema é a sociedade de castas na Índia. Leia, atentamente o material didático, realize com empenho todas as atividades propostas, cite corretamente as fontes de pesquisa e atenção aos prazos. Não se esqueça esclarecer suas dúvidas com o seu tutor. Bom trabalho! · Nesta unidade, iremos tratar da civilização indiana em seus aspectos históricos, políticos, sociais e culturais. A Índia antiga • A Índia antiga e as suas várias formas de dominação política • Índia: entre o domínio Persa e de Alexandre, o Grande • Sociedade, economia, religião e arte na antiguidade indiana 6 Unidade: A Índia antiga Contextualização Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, meditação, budismo, Hare Krishna, hinduísmo, rio Ganges, Taj Mahal, vaca sagrada, sociedade de castas – essas são palavras que, sem dúvida, nos remetem à realidade da Índia, mas que não explicam nada por si mesmas. É por essa razão que se torna necessário um aprofundamento, fruto de leituras e reflexões, capaz de nos situar no contexto que envolve toda a riqueza e complexidade presentes na sociedade indiana. Com uma população de mais 1,2 bilhão de pessoas, várias etnias e línguas, uma religião com mais de 300 mil deuses e cerca de 6 mil anos de história, a Índia fascina e instiga a nossa curiosidade. Atualmente é a décima economia mundial, possuindo três das dez maiores megalópoles mundiais (Délhi, Mumbai e Calcutá) e faz parte do BRICS, grupo de cooperação econômica formado por países de economia emergente: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South Africa). Retratada em novelas ou nos filmes de “Hollywood”, é o cenário do filme indicado abaixo. Que tal conhecermos esta fantástica história? Vamos lá! Capa do filme premiado Quem quer ser um milionário?, do diretor britânico Danny Boyle. Europa Filmes/Warner Bros., 2008. 7 Introdução Figura 1: A Índia e suas fronteiras. Thinkstock/Getty Images Após buscarmos compreender melhor a história da China, outra nação do oriente destaca-se e passa a ser o tema de nossos estudos: a civilização indiana. Mas quais os motivos que nos levam a nos interessar pela Índia? Em primeiro lugar, a Índia passa a ter um destaque econômico cada vez maior na sociedade contemporânea. Além disso, trata-se de um importante parceiro comercial do Brasil, principalmente através do BRICS (associação que liga as economias do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o que já gera uma necessidade de melhor conhecermos o país, suas culturas e tradições. Outro importante aspecto a ser considerado é a sociedade globalizada que faz com que tenhamos cada vez mais contato com culturas variadas. Nos dias de hoje, não se pode mais desprezar países ou localidades que sejam tidas como exóticas ou estranhas, uma vez que mudanças ou ações econômicas nesses países podem ter consequências em nosso dia a dia, fruto de uma sociedade mais conectada. Cada dia mais se destaca a necessidade de um cidadão global, que precisa conhecer tanto os problemas e características do seu país como também os dos outros. Com essa premissa, outra pergunta se faz importante: por que a história antiga da Índia? Todo país tem que ser interpretado segundo as suas origens. Entender os fundamentos e raízes de seus costumes e culturas é de fundamental importância para compreender a forma como as pessoas agem e se portam naquela sociedade (para que se possa entender o Brasil, é de suma importância entender a influência portuguesa desde a colonização, por exemplo). E para a Índia, essa afirmação toma mais força ainda, já que se trata de uma cultura milenar que mantém muito dos seus traços. Religiões e costumes que tiveram origem antes mesmo do nascimento de Cristo ainda têm muita força naquela nação. O sistema de castas, que é de grande importância para a compreensão da sociedade indiana até os dias hoje, tem a sua origem ainda no tempo dos vedas, o que remonta a mais de mil anos antes de Cristo. 8 Unidade: A Índia antiga As antigas civilizações e os grandes rios: uma questão de necessidade Antes de discutirmos a importância dos rios para a proliferação das antigas civilizações, é importante falarmos sobre a arqueologia e sua grande contribuição para a história e também para o conhecimento das civilizações antigas. A história é feita de documentos, fontes com informações e registros que nos permitem pesquisar e entender sociedades antigas. Apesar de uma grande variedade de fontes que vêm sendo utilizadas nos dias de hoje, inclusive audiovisuais, a maioria delas ainda consistem em fontes escritas, em suas mais variadas formas, desde documentos governamentais até diários e memórias. Assim sendo, como se dá a compreensão das antigas civilizações que ainda não tinham desenvolvido a escrita ou a tinham de forma bastante complexa para a nossa compreensão? E também, como isso se dá levando em consideração que, devido à grande distância de tempo, muitos desses registros acabaram se perdendo ou mesmo desaparecendo? É neste ponto que passamos a compreender melhor a função da arqueologia e de suas técnicas. A arqueologia, com suas técnicas e características, tem condições de melhor entender essas civilizações. Através dos objetos, da arquitetura e de símbolos encontrados, arqueólogos conseguem avaliar e traçar um bom perfil das sociedades que eles buscam descortinar. Claro que, devido à distância temporal e à falta de informações, é comum que algumas lacunas ou perguntas sem respostas venham a surgir, mas não se pode culpar esse profissional, que é de total importância para a história e para a compreensão de uma série de civilizações. Várias civilizações antigas tinham suas origens nas proximidades de grandes rios. A água é fonte de energia e vida; é por meio dela que se pode manter o plantio de alimentos e estabelecer a estruturação da agricultura, como também ela é de suma importância para a criação de animais e o pastoreio. As primeiras civilizações que ocuparam a região da Índia tinham uma relação essencial com os rios do vale do Indo, em especial o Rio Ganges, que também tem uma importante função religiosa. O rio Ganges tem grande importância para a população da Índia já que é considerado sagrado, e o banho em suas águas, a despeito de sua atual poluição, ainda atrai milhares de peregrinos anualmente. Proto-história indiana: Mohenjo-Daro e Harappa A história indiana tem como marco inicial a chegada dos povos árias no segundo milênio antes de Cristo. Existiram, no entanto, povos que viveram na região antes dos árias, que deram origem às cidades de Mohenjo-Daro e Harappa. Segundo Mário Giordani: A civilização do Indo era assaz poderosa para influenciar, por sua vez, as civilizações da Mesopotâmia, do Elam, da Ásia Menor, de Creta e também, provavelmente, a do Egito, e seus produtos eram aceitos e apreciados em diversos mercados mediterrâneos (GIORDANI, p. 299). 9 Essa civilização tomou lugar na região de Amri (Sind), que era uma zona fértil e irrigada. Apesar da dificuldade de se precisar o momento em que essa civilização floresceu, pode-se dizer que foi por volta de 2500 a 1500 a.C. Não se pode pensar que se tratava de uma Índia em miniatura e que todas as características da Índia lá estariam; pode-se afirmar que algumas características são parecidas, mas há uma série de diferenças, pois, afinal de contas, estamos falando de outro povo e outro momento. A civilização que habitou as cidades de Mojeho-Daro e Harappa pode ser definida como pertencente a uma sociedade urbana. Uma questão interessante e também bastante misteriosa relaciona-se à origem e ao fim dessa civilização, jáque não há informações precisas sobre isso. Provavelmente eram povos malaio-polinésios, vindos da Oceania, mas não se pode comprovar essa afirmação. As pesquisas arqueológicas desenvolvidas por Sir Mostimer Wheeler conduziram às principais descobertas na região. De acordo com as descobertas, é possível dizer que era uma série de cidades-estados, com relativa independência entre elas. Havia uma declarada preocupação com a segurança, já que todas eram cercadas por fortes muralhas. Outra característica bastante interessante dessas cidades é que elas tinham um sistema de irrigação e canalização sofisticado. Nas casas, de forma geral, havia banheiros e outros espaços em que se podia utilizar a água que passava por esse sistema. Essa característica remete a uma preocupação com o bem- estar e a higiene, o que demonstra uma ação pública para desenvolvimento desse sistema hidráulico existente. Isso nos leva a refletir sobre o arranjo urbano dessa civilização, que se mostra muito superior à maioria das outras civilizações daquele momento histórico. Já havia uma noção de urbanismo e de organização dessas casas. As casas eram feitas de tijolos e tinham uma estrutura bastante sólida. Já havia uma organização econômica organizada e, para as trocas, havia uma medida de cereal que era tida como valor. Assim, todas as coisas tinham seu “preço” baseado nessa medida de cereal, que era pré-estabelecida pelos dirigentes das cidades. Essa característica econômica nos possibilita concluir que, em termos produtivos, havia uma intensa atividade agrícola e o ambiente urbano aparecia como suplementar para essa produção. Outra característica que também chama bastante a atenção dos arqueólogos é a ausência de construções ou locais que indiquem cerimônias religiosas. Havia alguns símbolos, normalmente ligados a algum animal, que podem representar um certo tipo de culto ou mesmo algumas divindades. É interessante notar que alguns desses símbolos têm semelhança com divindades indianas de outras temporalidades. Com relação à arte, pode-se dizer que havia duas formas de manifestação artística: uma cujo estilo era parecido com o estilo grego e que se preocupava com uma modelagem mais acurada e com as formas; e um segundo estilo que apresentava formas mais ligadas a questões religiosas, possivelmente. Outra importante característica é a ausência de túmulos reais, ou mesmo túmulos comuns, o que nos leva a concluir que era uma sociedade que cremava os seus mortos em vez de enterrá- los. Não há nenhum sinal de campo público ou construções que possa remeter a algum tipo de cemitério ou a locais tidos como sagrados para que os mortos fossem enterrados. 10 Unidade: A Índia antiga Sobre rituais ou algo que remeta à religião e, ainda, a algum tipo de prática pública, pode se afirmar que foi encontrada uma série de prédios públicos com os tradicionais sistemas de canalização, mas com a característica interessante de estarem ligados a vários banheiros e uma espécie de piscina central. Ora, não se pode pensar a piscina como um objeto de lazer, tal como nos dias de hoje, mas pode-se pensar em algum tipo de ritual do banho em água sagrada. Como dito anteriormente, a água cumpre um papel fundamental dentro da trajetória da história da Índia; trata-se de um dos símbolos de maior apelo popular e que mexe, e muito, com a fé daquelas pessoas. Assim, é interessante pensar que, apesar de essa civilização estar bastante distante de ter fundado algum tipo de hinduísmo embrionário, ela mantinha esse culto à água sagrada e a possíveis características da mesma. Assim, esses banhos teriam uma caráter bem mais ritual do que cultural; em outras palavras, a religião desses povos não seria algo que se podia perceber no dia a dia e que estaria presente em todas as ações e momentos, mas, sim, seria um modelo religioso mais individualista, com momentos específicos para demonstrar a fé. Outro achado importante foi um conjunto de selos que foram conservados por terem sido feitos em pequenas planas de barro, com a mesma técnica utilizada para a fabricação de tijolos, que era muito comum naquela sociedade. Foram encontrados mais de 1200 desses selos e, novamente, deparamo-nos com a dificuldade de analisar e compreender as razões ou as formas de uso desses selos. A maior parte deles simboliza animais, a fauna daquele local e tempo, o que já auxilia a entender os tipos de animais com que os povos tinham contato naquela sociedade. Mas, além disso, o mais provável é que esses selos cumprissem alguma função religiosa, servindo como símbolos divinos ou mesmo como algum tipo de proteção para as pessoas e os seus afazeres. Além da imagem de animais, há também outras formas que foram exploradas por aquela civilização, tal como a de um ser com três cabeças, o que pode até remeter a deuses hindus que também têm essa característica. Mas não há ligação direta concreta entre essas questões. Há também seres fantásticos nesses selos, como o unicórnio, que foi representado em frente a árvores sagradas, mas novamente faltam maiores informações para que se possa precisar, com certeza, a relação desse suposto panteão com algum tipo de prática religiosa efetiva daquela população. Tal como a origem desses povos, que é desconhecida, o seu fim, que ocorreu por volta do ano de 1500 a.C. também tem os seus mistérios. Não há informações sobre o que aconteceu de fato. No momento em que a cidade foi descoberta, encontraram-se alguns esqueletos de pessoas que estariam jogadas em meio às ruas daquela cidade, e alguns com sinais de agressão. Essa hipótese ganha força não apenas pelas marcas de violência, mas também pela prática de cremação. Como não havia sido encontrado nenhum corpo em toda a cidade, o fato de, depois, alguns serem encontrados pelas ruas mostra que não houve tempo de fazer os devidos rituais fúnebres para essas pessoas, muito provavelmente por se tratar de um momento de crise em que a cidade estava sendo atacada por outros povos. Assim, pode-se dizer que havia a essência indiana nessas cidades devido à genialidade de seu povo, mas não se pode criar muitas ligações entre um povo mais antigo e as práticas que aconteceriam com outras civilizações, uma vez que não há condições ou informações para tal. Mas é importante destacar a força e a diversidade dos povos que primeiro habitaram aquela região. 11 A Índia antiga e as suas várias formas de dominação política Figura 2: fragmento dos Vedas, escrituras sagradas do hinduísmo. Wikimedia Commons Os povos tidos como indianos históricos eram conhecidos como Árias, que não são autóctones da região da Índia, mas não se tem informações precisas de onde vieram. Sabe-se que eram povos estrangeiros que dominaram a região de forma violenta, dominando a planície indo-gangética e também os povos locais que lá viviam: os tamuls, tégulus, kanard e os munda. Todos eles foram dominados, mas não eliminados; muitos tentaram sobreviver ao lado dos ocupantes e foram transformados em escravos. Essa época ficou conhecida como a Índia Rig- Védica, Védicas ou veda (todos os três termos são corretos para a designação do período). Na verdade, vedas são textos antigos da civilização indiana, o rig-vedica (o mais antigo). Acredita-se que tenham sido escritos por volta de 1500 a.C. É através deles que se tem as principais informações sobre os árias ou a época védica. Esses são os primeiros povos indianos que deixaram registros escritos, os quais, apesar das dificuldades para a sua compreensão, facilitaram bastante o trabalho dos historiadores. Através de estudos, pode-se concluir que arianos invasores fixaram morada na região da Índia e já passaram a impor o seu modo de vida aos habitantes locais, dominando-os e escravizando- os. Esses eventos aconteceram por volta de 1500 a.C. A nova organização política desses povos contava com nobres e um soberano, o qual passou a governar toda a região com grandes poderes, porém não totais, já que havia uma assembleia dopovo que podia interferir nas ações desse governante. O seu principal papel era proteger todos os seus súditos e também manter o corpo de sacerdotes. Essa característica ligada aos sacerdotes já demonstra bastante a índole desses novos habitantes e dominadores: davam uma grande atenção à religiosidade. Aliás, os sacerdotes tinham tratamento diferenciado e eram tratados como referência dentro dessa sociedade, tal como guias; eram de fundamental importância para o funcionamento da sociedade e os próprios vedas foram escritos por eles. Dentro dessa sociedade, então, havia a seguinte organização política: em primeiro lugar estava o rei, grande mandatário e líder político; junto dele, estavam os seus auxiliares imediatos: chefe do exército, chefe das aldeias e também o purohita, que seria o líder religioso. Havia a nobreza (râjanya), que também tinha o seu local de destaque na sociedade, e o sacerdócio (brâhmana), responsável por todos os assuntos religiosos daquele povo. Os homens livres (vaiçya) ocupavam-se dos afazeres mais comuns dentro dessa sociedade e, por fim, os escravos (sudra), que eram os antigos povos primitivos que vivam naquela região e que faziam o trabalho mais pesado. 12 Unidade: A Índia antiga Ainda trataremos, de forma mais aprofundada, do assunto, mas esse já é um embrião da divisão da sociedade em castas. Um dos motivos da criação das castas e de uma divisão tão acentuada está no medo de que a população ária se misturasse com os povos locais; foi uma forma de manter uma certa pureza étnica do invasor. Na economia, sabe-se que havia a agricultura, com a produção de cevada, arroz, algodão e trigo, e também a criação de animais. Em um primeiro momento, os animais também serviam para a alimentação, mas, com o passar do tempo e por uma decisão dos sacerdotes, foi abolido o uso de carne. Alguns animais já tinham grande prestígio nessa sociedade, tal como os cavalos, que eram tidos como animais nobres e somente poderiam ser utilizados para o esporte ou para a guerra. Havia também a produção de um riquíssimo artesanato. Como um movimento de expansão natural, os vedas foram mais para o leste, para os campos do Kuru, que ficavam entre o Ganges e o Sarasvati. Esse deslocamento para o leste foi importante, pois houve o contato com o povos aquemênidas, que podem ser considerados como pertencentes ao primeiro grande Império persa, que foi criado por Ciro I. Mas a importância desse deslocamento não está apenas pelo contato entre esses povos, mas, sim, no fato de que muitas informações que temos sobre os povos que viviam na Índia chegaram até nós, justamente, através dos aquemênidas, que deixaram registros e informações. Também destaca- se pelo fato de esses povos terem dominado os indianos por um determinado período de tempo. Essas foram as consequências dessa expansão para o leste. Nesse momento, também, ocorreu algo de fundamental importância para a cultura e sociedade indiana: o aparecimento, de fato, do sistema de castas. Claro que houve mudanças com o passar do tempo, mas a estrutura que iria subsistir passou a funcionar nesse período. Basicamente, havia a casta dos sacerdotes, dos nobres, dos homens livres e os servos, que não formavam bem uma casta, mas existiam na estrutura social indiana. Com o passar do tempo, também houve divisões de castas ligadas a ofícios desempenhados por determinados grupos. Isto vai se dar, principalmente, na casta dos homens livres, a qual sofreu uma espécie de subdivisão interna. As informações sobre esse período permitem dizer que já existia a constituição do bramanismo, que seria o embrião do hinduísmo, ou seja, uma versão mais antiga da atual religião da Índia. O Bramanismo foi criado pelos sacerdotes dos vedas e, justamente nesses livros sagrados, encontra-se a descrição dos principais elementos da religiosidade (este aspecto será discutido mais adiante, pois uma parte deste texto é dedicada somente para a análise das religiões mais antigas da Índia). E foi nesse momento também que se deu a criação de duas diversificações do bramanismo, que tiveram, e ainda têm, uma grande importância para a sociedade indiana: a criação de duas doutrinas heterodoxas, o jainismo e o budismo. Ambas foram criadas no mesmo momento e questionavam o formalismo bramânico, buscando uma religiosidade mais livre. O jainismo foi criado por Vardhâmana (Jina – o vitorioso), que viveu de 528 a.C. até 468 a.C. Já o budismo foi criado por Sajyamuni, o Budha (o iluminado) ou Siddhartha (o que atingiu o seu fim). Não há dados concretos sobre o ano do seu nascimento, mas acredita-se que faleceu no ano de 483 a.C. Essas manifestações religiosas são tão importantes para a história da Índia, com destaque para o budismo, que alguns tratam o “início” da história indiana justamente no século V a.C. por ter sido o momento de criação dessas religiões. 13 Índia: entre o domínio Persa e de Alexandre, o Grande Logo após o contato com os aquemênidas, houve um processo de dominação desempenhado por esse povo na bacia do Indo. Novamente o povo indiano sofreu a invasão de povos estrangeiros. Sob o comando de Dário, houve a anexação de todo o vale do Indo e a Índia chegou a ser tratada como uma satrapia de Dário. Outro importante nome da história persa também esteve envolvido no domínio da Índia. Xerxes chegou a dominar o noroeste da Índia, mas a derrota para a Grécia fez com que seus planos de expansão para essa região fossem cancelados. O domínio persa, na região, influenciou um pouco a escrita, a arte, arquitetura e a própria ideia de realeza dos indianos. Mas é interessante notar que, mesmo sob a influência desses povos, a Índia manteve-se bastante fiel às suas bases culturais já desenvolvidas. Glossário Satrapia: nome dado às províncias do império persa Porém, após a dominação dos persas, a Índia também passou um tempo sob o domínio de Alexandre, o Grande. Aliás, Alexandre, o Grande, foi responsável por levar a cultura helenística a algumas regiões do oriente durante o processo de expansão que promovia, o que também aconteceu no caso da Índia. Mas, embora tenha ocorrido a expedição à região e a domínio sobre o povo indiano, sabe-se que esse domínio não teve grande influência para a história da Índia. Também não há muitos documentos que tratam desse período específico e do domínio de Alexandre, o Grande, sobre aquele povo. Os máurias É interessante lembrar que a dominação exercida por vários povos sobre a Índia não, necessariamente, representa um domínio total, ou seja, de toda a região. Às vezes, conquistava- se apenas parte do território; as regiões mais ao norte sofreram mais com esse tipo de situação, por exemplo. Isso ajuda a explicar a formação multicultural existente, até os dias de hoje, na Índia, fruto de um local com muitos povos e tradições. O próprio domínio de Alexandre, o Grande, sobre a Índia atingiu apenas parte da região, justamente mais ao norte. Mas por que essa explicação? Concomitante ao processo de dominação dos gregos, houve o desenvolvimento do reino de Magadha, ainda na bacia gangética, cujo povo conseguiu expulsar os gregos e realizar uma tarefa complicada para a época: realmente dominar toda a Índia e não somente alguma de suas regiões. Isso foi obra de um jovem general desse reino chamado Chandragupta, no ano de 313 a.C., que realizou uma grande coligação que expulsou os gregos e tornou-se uma espécie de comandante daquelas regiões. O segundo a reinar os Máurias, forma como ficaram conhecidos, foi Bindussara (298 a.C.), que manteve uma boa relação com os gregos e reinou por volta de 28 anos. Mas, o grande nome do reino dos Máurias foi Açoka (273 a.C.), filho de Bindussara, que reinou durante 24 anos e realizou uma série de obras que ficaram marcadas naquele tempo. Em primeiro lugar, foi dele o êxito de ter conseguido expandir o reino para quase toda a Índia, fazendo uma espécie de unificação na época. 14 Unidade: A Índia antiga Acabou por construir uma Índia bastanterica e próspera, e o mais interessante é que, para governar, soube identificar e respeitar as várias diferenças e idiossincrasias de cada povo que compunha a Índia naquele momento. Assim, criou uma série de vice-reinos, tais como Pendjab, Malva, Kalinhga e Decão e também proporcionou um maior respeito e autonomia local, tornando as cidades e aldeias as verdadeiras unidades administrativas da época. Outra característica importante é que Açoka também se tornou chefe temporal e espiritual e, unindo essas duas características, acabou por se converter ao budismo. Devido aos horrores da guerra, que presenciou em toda a sua vida, cansou-se e buscou uma alternativa mais pacífica para si, o que o levou à decisão de se converter para o budismo. Assim, seu objetivo era dedicar- se à segurança, paz, alegria e moderação da alma. Continuou com as obras de irrigação do avô; aliás, buscou uma melhoria para as condições de vida da população ao criar locais semelhantes a hospitais e também auxiliar médicos e farmacêuticos da época. Em seu governo, a Ilha de Ceilão tornou-se quase um grande santuário budista, com a criação de mais de 500 mosteiros. O fim do Reino dos Máurias deu-se logo após a morte de Açoka, uma vez que o reino teve de ser dividido entre seus filhos, o que diminuiu o poder e fez com que o reino se desmantelasse. Citas e kuchanes: os novos invasores. Novamente parte da região da Índia viu-se ameaçada por povos estrangeiros guerreiros que se interessaram por suas terras. Assim, no século I a.C., houve uma enorme pressão dos povos Sakas (Citas iranizados) na região noroeste da Índia, que acabaram tendo êxito e passaram a dominar essa parte da Índia. Durante a fase de dominação dos Sakas, houve o reinado de Maués, que foi o primeiro grande rei dessa nova fase. Depois foi substituído por Gondofares (19 a.C. até 45 d.C.), que expandiu o reino e reinou sobre o Seislão (Irã) até Pendjab (Índia). A dominação desses espaços é justificada pelo fato de que as regiões, naquela época, tinham limites de difícil precisão e fronteiras não bem delimitadas. Durante a fase de dominação dos Sakas, pode-se dizer que houve dois grandes períodos ou fases culturais. A primeira diz respeito a um momento mais ligado à cultura grega, como um processo de helenização, de continuação da obra que os gregos haviam começado naquela região. Mas, com o passar do tempo, em um segundo momento, houve uma certa inversão do processo e os invasores passaram a assimilar a cultura dos invadidos, ou seja, passou a ocorrer um processo de indianização do invasor. Isso demonstra a força e o poder sedutor que a cultura indiana já tinha naquele momento, o que é ratificado pelo fato de que, mesmo com uma série de invasões e o contato com várias outras culturas, muitas das suas tradições, costumes e práticas foram mantidos. Logo após a invasão dos Sakas, houve a invasão dos povos Kuchanes. O grande soberano desses novos invasores foi Kaniska, que dilatou as fronteiras da Índia e soube conduzir o seu reino mesmo com o ecletismo religioso, que era o traço marcante da Índia. Pode-se dizer que soube conduzir os problemas e as situações críticas com sabedoria, mantendo o seu poder e suas prioridades. Não se sabe, ao certo, o que levou ao fim do domínio dos kuchanes; há pouquíssimas informações e nenhum tipo de hipótese ainda foi levantada para o seu final. Apenas se sabe que houve uma grande divisão da região do Indo e dos Ganges e que a Índia voltou a ficar dividida durante esse tempo. 15 Os guptas Após o reinado e dominação dos Kuchanes, há um hiato na história da Índia. Na verdade, do século I ao século III, praticamente não há informações ou documentos que possam atestar como se deu o processo de dominação na região, quais foram os povos envolvidos ou mesmo que tipos de governo passaram por lá. Os documentos aos quais se tem acesso revelam que a próxima dinastia, ou povo, que dominou a região foi a dos guptas, que dominaram por quase dois séculos toda a região, tendo o mérito de unificar todas as regiões da Índia novamente. Os guptas são originários de Magadha e seriam uma dinastia autóctone que se desenvolveu ali e não mais um povo estrangeiro que chegou via invasões beligerantes. O grande desenvolvimento dessa dinastia deu-se no século IV d.C. Os guptas começaram um grande processo de expansão até conseguirem dominar toda a região da Índia. O primeiro grande rei foi Chandragupta, que pode ser, inclusive, de linhagem Máurya e que começou o grande processo de dominação. Em seu lugar, após a sua morte, assumiu o seu filho Samudragupta, no ano de 335 d.C. Com grande índole guerreira, ele chegou a dominar do sopé do Himalaia até Narbadâ e de Bramaputra até Chambal. O seu filho e sucessor Chandragupta II completou todas as conquistas do pai. A capital de todo esse reino foi Ujjain. Já no século V d.C., os guptas tiveram grandes problemas com povos invasores. Para ser mais exato, a ameaça eram os Hunos brancos, povos beligerantes que, de longa data, incomodavam os mais variados reinos e regiões por onde passavam. Os Hunos chegaram a dominar uma porção da bacia do Indo e lá fixaram residência por um certo tempo. Só foram expulsos da região quando houve uma aliança entre os povos sassânidas e turcos, já no final do século V. O fim da dinastia dos guptas deu-se por perda de prestígio e poder, pois as sucessões foram desmantelando o poder. Após o domínio dos guptas, ainda outros povos exerceram o domínio na região, com destaque também para a presença do islamismo, que passou a fazer parte da história da Índia e a fundar sultanatos. De maneira geral, esses podem ser considerados os principais povos, entre os que ficaram conhecidos, que formaram a era antiga da Índia. Assim, pode-se compreender melhor as suas funções e também o papel que desempenharam em toda a história indiana. Sociedade, economia, religião e arte na antiguidade indiana Figura 3: Asceta hindu em postura contemplativa. Thinkstock/Getty Images Muito mais do que pelos diversos governos e aspectos políticos, a Índia é formada por uma série de características que a definem como única dentro da sociedade mundial. Aliás, o grande interesse que essa nação desperta em estudiosos das ciências humanas deve-se à forma como a sociedade indiana consegue se desenvolver e acompanhar o ritmo do mundo contemporâneo mantendo, ainda, algumas dessas características, como, por exemplo, a divisão social em castas, as quais dificultam ou tornam bem mais difícil esse processo. 16 Unidade: A Índia antiga Trata-se de um caso clássico de sociedade com costumes e tradições tão arraigados que não há a possibilidade de, simplesmente, serem abolidos, mas que, ainda assim, consegue se manter competitiva. Portanto, para compreender a sociedade indiana é preciso compreender todas essas idiossincrasias. E o mais importante disso é que esses traços sociais e culturais não pertencem à história recente da Índia, mas vêm de longa data. Explore Documentário: As religiões do Mundo http://www.youtube.com/watch?v=JfYiJ7OvWWg Estrutura Social: a sociedade de castas A sociedade dividida em castas, um dos maiores símbolos de identificação da Índia, começou a surgir na sociedade védica, a partir do momento em que a religiosidade passou a desempenhar um papel mais relevante naquela sociedade. Os motivos para a existência das castas podem ser variados. Em primeiro lugar, há um interesse em manter o status e o poder de determinados grupos sociais; toda e qualquer tradição que prega que não há a possibilidade de mobilidade social ou de mudança e relação entre os grupos tem em vista a manutenção de uma determinada estrutura de poder. Interessante apontar que os grupos em destaque na época dos vedas não são os mesmos de hoje, mas, ainda assim, mantém-se a separação por castas. Outro importante elemento para explicar o início da sociedade de castas é a separação étnica, já que, no momento em que os árias fizeram contato com a populaçãolocal, não se queira que houvesse nenhum tipo de miscigenação ou de contato entre eles. Assim, houve a escravização daquele povo e também a criação das castas para aumentar o distanciamento entre os povos, dando a esse processo um tipo de legitimação religiosa, que tem grande força não apenas na sociedade indiana, mas em várias outras sociedades nos mais variados momentos históricos. Com o passar do tempo, as castas também serviram para diferenciar determinadas atividades profissionais, o que também funcionava como um tipo de exclusividade de ofício e também conferia um determinado status. Esse tipo de separação passou a funcionar no momento em que essas especializações foram surgindo. Na sociedade dos vedas, as castas correspondiam às seguintes definições: • Bramanes: sacerdotes, que eram considerados quase como seres divinos; • Kshátriyas: nobreza, os bem nascidos de famílias poderosas; • Vaicyas: homens-livres, cujas principais ocupações eram a agricultura e o comércio; • Sudras: escravos, que não constituíam exatamente de uma casta, pois eram tratados como seres inferiores. Fora do sistema de castas, havia os párias ou dálits, os “intocáveis”, considerados impuros, “a poeira sob os pés de Brahma”, responsáveis pela realização das tarefas mais pesadas e degradantes. http://www.youtube.com/watch?v=JfYiJ7OvWWg 17 Com o passar do tempo, essas castas foram se tornando mais complexas e houve uma maior diferenciação, com destaque para a separação de alguns ofícios que também passaram a ganhar status de castas. Explore Vídeo: o sistema de castas na Índia http://mais.uol.com.br/view/87wy04aj5nh5/o-sistema-de-castas-da-india-os- intocaveis--irenita-2011-04020C193172C8C11326 Sob o ponto de vista político, a Índia teve diferentes tipos de organização governamental, mas pode-se indicar um modelo geral a ser aplicado a todos. De forma geral, não se pode dizer que foi uma sociedade teocrática, mas também não se pode negar que a religiosidade sempre cumpriu um importante papel para a manutenção da ordem e do status quo. Basta lembrar que o modelo de castas continuou funcionando mesmo com a mudança de dominadores e de mandatários. Também sempre houve uma forte influência das famílias mais poderosas, como em uma aristocracia. De forma que sempre houve famílias com maior destaque; novamente o sistema de castas, que faz a diferenciação dos nobres, respalda essa afirmação. O modelo de governo, invariavelmente, era a monarquia, independentemente de quem fossem os mandatários e do momento histórico analisado no período compreendido como antiguidade. A vida econômica As atividades econômicas mais praticadas na Índia antiga estavam ligadas à agricultura, ao artesanato têxtil e ao comércio. Em relação à agricultura, havia predileção pela produção de uma série de cereais e também de legumes, que compunha os principais elementos da alimentação da população indiana. Havia também uma intensa prática do pastoreio e da criação de animais, os quais, no princípio da história da Índia, eram utilizados como alimento, mas, com o passar do tempo, muitos desses animais foram considerados sagrados e não mais consumidos. Apesar de relatos apontarem uma abundância de alimentos, a população daquela região sempre se viu com problemas de alimentação devido à falta de conhecimento sobre armazenamento, a questões climáticas e outros fatores de difícil enfrentamento naqueles tempos. Desenvolvia-se, também, a produção de tecidos, a metalurgia e a marcenaria, cada qual contribuindo, à sua forma, para o desenvolvimento daquele período. Tanto a metalurgia (que se destacava na produção de cobre, bronze e ferro) quanto a marcenaria eram trabalhos mais voltados para o uso das populações locais; já a fabricação de tecidos era voltada para o comércio com os povos vizinhos. Interessante lembrar que o grande desenvolvimento na produção de tecidos é algo que não ficou apenas na antiguidade, pois a Índia sempre se destacou nesse tipo de produção. Outra característica importante do processo de produção é a sua organização. Na antiguidade, muitas organizações pareciam com as corporações de ofício europeias, com a diferença de que se tratava de algo hereditário, o que até é compreensível se pensarmos no sistema de castas. http://mais.uol.com.br/view/87wy04aj5nh5/o-sistema-de-castas-da-india-os-intocaveis--irenita-2011-04020C193172C8C11326 http://mais.uol.com.br/view/87wy04aj5nh5/o-sistema-de-castas-da-india-os-intocaveis--irenita-2011-04020C193172C8C11326 18 Unidade: A Índia antiga Glossário Corporações de ofício: associações de artesãos da Europa medieval. O comércio era realizado com as nações vizinhas e até usando algumas rotas marítimas. Mas o mais importante a se destacar é o intenso intercâmbio cultural que era realizado através desse processo comercial. Literatura na antiguidade indiana A literatura foi um importante elemento para a história indiana. Sua tradição de contar grandes histórias levou à produção de textos que se tornaram registros históricos, uma vez que muitas das informações que nós temos sobre esse povo, nos dias de hoje, chegaram até nós através de textos literários. Assim, a importância desses textos vai além da literatura, pois eles se tornaram um importante elemento para a compreensão do próprio povo indiano da antiguidade. É possível observar um tipo de escrita que era utilizada por aquele povo já na época das cidades de Harappa e Mohenjo-Daro. Essa escrita, que pode ser tratada como escrita protoindiana, era baseada na representação de figuras humanas, partes do corpo, animais e outras representações. Até os dias de hoje, ainda não se obteve sucesso com algum tipo de tradução ou compreensão mais aprofundada dessa escrita. Outra característica muito importante da civilização indiana e que influenciou bastante a sua literatura foi a tradição oral existente naquela sociedade. A princípio, as grandes histórias, tradições e costumes eram passados de geração para geração por meio de conversas. A memória foi o principal depósito de muitas tradições, durante muito tempo, para aqueles povos. De certa forma, a tradição oral existiu em muitos povos; não se trata de uma característica apenas dos povos da Índia. Mas os primeiros relatos escritos sobre a história da Índia com os quais se teve contato são, justamente, os Vedas. Desses relatos foi retirada uma série de informações que permitiram um melhor conhecimento a respeito dos tempos mais antigos da vida daqueles povos. Os vedas, termo que significa saber, consistem em um conjunto de textos sagrados que incluem desde testemunhos até modelos de rituais religiosos. Os vedas podem ser divididos em 4 grandes conjuntos: • Rig-Veda: são lendas antigas, cantos épicos; muito do que foi escrito pode ser interpretado como para fins religiosos. Grande fonte histórica. • Sama-veda: não há muita inovação em relação ao Rig-Veda; apenas comenta-se mais sobre a importância dos sacrifícios para a religião de forma geral. • Yajur-Veda: em sua maioria, são fórmulas litúrgicas para os sacerdotes; também discute- se um pouco sobre a organização e divisão social. • Atharva-Veda: trata-se de antigas superstições e crenças dos povos antigos. Em seus relatos, já há referências à supremacia dos brâmanes em relação a outros grupos sociais. Outro conjunto de escritos importantes são os Brâmana, que constituem uma série de relatos redigidos em prosa, o que facilitou a interpretação e o entendimento de suas mensagens. É de grande valor histórico, uma vez que traz uma série informações sobre a sociedade indiana da época. 19 Outros textos antigos que chegaram até os dias atuais e possibilitaram uma maior compreensão da sociedade indiana foram os Aranyakas e Upanixadas, que podem ser entendidos como reflexões dos sábios. O primeiro, que pode ser traduzido como reflexões feitas nas florestas, fala sobre um estilo de vida mais isolado e as virtudes desse tipo de vivência. Já o segundo, conhecido como ensinamentosecreto, são especulações feitas sobre aspectos religiosos, mas por pessoas que não eram sacerdotes. Além desses, outro conjunto de relatos que se destacam é composto pelos Sutras, que podem ser definidos como um conjunto de modelos e regras, como uma coleção de preceitos, para os mais variados assuntos: religião, sacrifícios, vida doméstica, etc. Como pode ser visto, a maioria da produção literária e dos textos que se mantiveram no tempo são relativos à religião e à formação da cultura indiana. Mas também havia outros textos. Em relação à poesia épica, pode-se destacar os textos de Maabárata, Ramáiana e os Puranos. Em relação ao drama, há dois textos bastante populares que vêm desde a antiguidade: o Mrcchakática e o Abhijinana-Xacúntala. Ainda existe um conjunto de textos, não necessariamente literários, mas que se referem a algum tipo de código de leis, que ficou conhecido como Código de Manu (trata-se de um personagem lendário para quem as leis foram entregues). Esse conjunto de leis, que abrange desde o século II a.C. até o II d.C., pode ser considerado um interessante tratado sobre a ordem naquela época. Destaca-se o fato de que os brâmanes já eram colocados como superiores a todas as criaturas também nesses textos. Assim, percebe-se que a construção da superioridade desse grupo social não se deu somente no campo religioso e é, sempre que possível, novamente reforçada. Religiosidade na Índia Antiga Um dos temas mais complexos a serem tratados sobre a Índia antiga e, de certa forma, também sobre a atual é a religiosidade. São várias religiões e uma imensa pluralidade cultural, o que dificulta uma compreensão global de toda essa complexidade. A melhor definição para a Índia nessa questão seria o caos, que tentaremos simplificar para um melhor entendimento do tema. Um traço muito importante da característica religiosa indiana é que os povos de lá conservavam os elementos em vez de assimilá-los. Assim, em vez de um processo de mistura e de criação de novas identidades e religiosidades, o que se pode perceber é a criação de uma série de camadas e a agregação de novos elementos que passariam a fazer parte da realidade daqueles povos. Sobre a religiosidade nas cidades de Harappa e Mohenjo-Daro, que também pode ser tratada como uma religião protoindiana, não há muitas informações. Sabe-se, apenas, que não havia templos e observa-se a existência da religiosidade muito mais por meio de pequenos detalhes do que, especificamente, através de grandes estruturas. Assim, percebe-se certo culto aos animais e a outros símbolos. 20 Unidade: A Índia antiga A primeira religião a ser abordada por nós é o vedismo, prática religiosa que antecedeu o bramanismo e que continha muitas características que foram incorporadas por outras religiões; seria como um processo de evolução dessas religiosidades. O culto consistia na veneração a uma série de deuses que eram cultuados sempre em troca de alguma coisa. Assim, havia rituais e sacrifícios para um determinado deus em troca de boa colheita ou de um clima mais agradável; enfim, era como um processo de troca: a dádiva em troca do culto. Sendo assim, a prática dos sacrifícios e das oferendas foi constituindo o centro dessa religiosidade, e elas mudavam de acordo com as dádivas esperadas. Logo, podia-se oferecer desde leite até o cavalo de batalha dos reis, considerado uma das maiores oferendas. Com as práticas dos rituais de sacrifício, os sacerdotes passaram a ter cada vez mais importância, uma vez que eram eles que coordenavam essas ações, tornando-se, assim, o elemento central dessas religiões, o que já era um traço do bramanismo. Os principais deuses eram: Varuna, o rei do universo, dos deuses e dos homens; Agni, deus do fogo, aquele que aquece, cozinha e realiza os sacrifícios e que seria o mais próximo dos homens; Indra, deus guerreiro, que também se responsabilizaria pela fecundidade e pela chuva. Havia uma grande variedade de deuses dentro dessa prática religiosa. O bramanismo pode ser considerado a principal religião daquele povo naquela época pelo fato de ter claras repercussões sociais, tal como a divisão da sociedade em castas e da formação de uma ordem geral e também pelo fato de que ele inspirou muitas outras religiões. Seria como uma matriz que auxiliou a criação e proliferação de outras formas de práticas religiosas. O nome bramanismo deve-se ao que ficou conhecido como Brama ou espírito universal. Trata-se de um nome de difícil conceituação, mas, basicamente, traduz-se na essência de todo o universo, como um espírito universal que estaria em toda a realidade. E o princípio básico do bramanismo é que todos deveriam retornar ao Brama e fazerem-se unos novamente. Logo, o grande desafio das pessoas que acreditam e professam o bramanismo é a superação do samsara, que seria como um castigo do espírito (parte desgarrada do Brama). Todos os espíritos estariam presos em um eterno ciclo de nascimento e morte, condenados a sempre voltar para a realidade e nunca para o Brama. Assim, através de um processo de evolução do espírito, que pode levar várias reencarnações, deve-se superar esse ciclo, o samsara, e voltar para o Brama. A forma como se estabeleceria a evolução ou não do espírito é o que ficou conhecida como Karma, que seria uma soma dos méritos e deméritos que aquele espírito carregaria em suas vidas. Logo, de acordo com o Karma, um determinado espírito pode reencarnar em uma casta superior ou inferior à da sua vida passada. Trata-se de um longo processo de evolução. O bramanismo passou a ter um caráter mais elitista como a religião dos grandes brâmanes, daí a criação do hinduísmo. O hinduísmo é uma religião que tem no bramanismo a sua principal fonte de influência. Aliás, pode-se dizer que o hinduísmo é um tipo de religião mais simples e popular do que o bramanismo, mas que mantém os mesmos princípios básicos dele: a questão da liberdade do espírito e da volta para o princípio universal do mundo. O destaque maior do hinduísmo são as suas divindades principais: Shiva e Vixnu. Aliás, pode-se dizer que há um culto maior em torno dessas duas divindades, uma vez que há uma ala que cultua mais Shiva e outra que tem no culto a Vixnu a sua principal referência. No culto a Shiva - que tem uma representação humana, mas com quatro braços - acredita-se na alma como distinta da matéria, como uma energia divina que seria operada pelo meio. Da mesma forma, acredita-se que se deve preservar e evoluir a alma. 21 Já, nas duas representações comuns de Vixnu, ele aparece flutuando sobre ondas, em cima das costas de um deus-serpente, ou flutuando sobre as ondas com seus quatro braços. Uma característica interessante do culto a Vixnu é que ele teria 10 avatares, o que facilitaria, e muito, a identificação das pessoas com essa divindade, uma vez que cada um de seus avatares seria uma representação de um deus menor. Ou seja, era um deus que poderia ser representado sob 10 facetas diferentes. Uma curiosidade é que o Buda seria uma dessas dez facetas. Ainda no hinduísmo, há personificação do que ficou chamado da tríade dessa religião, o Trimurti, que seria a manifestação dos três principais deuses do hinduísmo: Brama, Vixnu e Shiva. Cada qual representaria uma parte essencial da criação: Brama seria o princípio criador; Shiva, o destruidor (há a necessidade de destruição para a renovação; assim, não se trata de uma característica negativa); e Vixnu, o conservador. Desse modo, a união dos três garantiria o equilíbrio em toda a sociedade. Outra religião da Índia antiga, mas que já não tem força é o jainismo, que seria influenciado pelo bramanismo, mas justamente o criticava pela sua imposição de modelos. O jainismo era muito mais uma doutrina com modelos de como levar uma vida mais pura do que especificamente uma grande religião. Assim, as principais prédicas eram não matar, não roubar, dizer somente a verdade, guardar a castidade. Também previa a total abstenção de qualquer tipode propriedade pessoal e a proibição de prejudicar qualquer forma de vida. Como símbolos, tinham a vassoura, o coador e o véu, que representavam o não pisar, não engolir ou respirar nada vivo. Por último, temos uma prática que permanece relativamente forte até os dias de hoje: o budismo, que representa uma grande busca pela pureza do espírito. O budismo nasceu de uma revolta contra os brâmanes e como uma possibilidade de libertar a humanidade da dor. O grande objetivo seria atingir o nirvana, que seria um estado de pureza total, em que os elementos terrenos não mais atrapalhariam ou seduziriam a pessoa. Não há uma divindade específica, a não ser o próprio Buda; é uma grande busca para se atingir esse modo de vida ideal. Uma frase que define bem o budismo é a seguinte: “Para matar o sofrimento, matar em si o desejo e o sofrimento” (GIORDANI, p. 321). Explore Documentário: a vida de Buda - http://www.youtube.com/watch?v=0ZE67-_g1rE Documentário produzido pela BBC de Londres e pelo canal Discovery Channel sobre a vida e o legado de Sidarta Gautama, o Buda. http://www.youtube.com/watch?v=0ZE67-_g1rE 22 Unidade: A Índia antiga Material Complementar O pequeno Buda Filme que narra a saga de dois monges budistas nepaleses nos Estados Unidos em busca daquele que pode ser a próxima encarnação do Buda, tornando-se o próximo Dalai Lama. O filme narra também a história de Buda em belíssimas imagens. Kundun Filme dirigido por Martin Scorsese, Kundun conta a história de Tenzin Gyatso, o 14ª Dalai Lama, líder espiritual e político do Tibet. Miramax Films, 1993. Touchstone Pictures, 1997. 23 Referências AYMARD, André & AUBOYER, Jeannine. História Geral das civilizações: o oriente e a Grécia antiga. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972 COURTILLIER, Gaston. As antigas civilizações da Índia. Rio de Janeiro: Edições Ferni, 1978. GIORDANI, Mário Curtis. História da Antiguidade Oriental. Petrópolis: Vozes, 1969. 24 Unidade: A Índia antiga Anotações www.cruzeirodosulvirtual.com.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 CEP 01506-000 São Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000 http://www.cruzeirodosulvirtual.com.br
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