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1 Felipe Altimari 6 – Lúpus eritematoso sistêmico Problema: Quem saberá o que eu tenho? Identificação: DCP, 45 anos, feminino, natural de Recife, mora em Embu das Artes Queixa Principal: mancha no rosto há 5 meses HPMA: manchas em asa de borboleta, fotossensível; eritema, máculas, pápulas, bolhas (na região malar, poupando sulco nasolabial) Relacionar remissão, agravamento (hormônios sexuais?) Presença de aftas no céu da boca e bochecha esquerda Diagnóstico diferencial com sarampo Em consulta prévia teve diagnóstico de rosácea, depois de dermatite seborreica ISDA: OA, aumento do volume articular simétrico nos punhos (quais fatores de piora e remissão?)- uso de anti- inflamatório e gelo Renal: Perda de proteína pela urinaqual seria o exame de rotina? Saúde mental: depressão e ansiedade (lembrar acompanhamento multidisciplinar AP: Hipertensão há 4 meses, dor torácica há 10 meses com duração de 10 dias - na região precordial e face lateral esquerda do tórax → RG e ECG normais e melhorou com AINE por 15 dias Exame físico: BEG, hidratada, corada, anictérica, afebril, PA: 150x 105 mmHg, FC: 88bpm, eritema malar plano e úlceras orais indolores; edema com desvio ulnar do metacarpofalangeanas (dedo em pescoço de cisne); cardiopulmonar sem alterações evidentes; abdome sem visceromegalias, RHA presentes; Membros inferiores normais. Exames complementares: Anticorpos anti-DNA nativo Anti- SM Anticardiolipina Fan (não é específico) Anticoagulante lúpico + Urina 1 com proteinúria Hb: 9,6 Ht: 2,2 Leucócitos: Plaquetas Evolução: Metilprednisolona (corticóide), Cloroquina (anti- malárico), Metotrexato (imunossupressor) → melhora significativa Objetivos: 1. Caracterizar a fisiopatologia das doenças autoimunes que possuem manifestações externas (cutânea, osteoarticular). 2. Definir Lúpus (epidemiologia, quadro clínico, diagnóstico, tratamento, fisiopatologia das manifestações sistêmicas) Lupus eritematoso sistêmico DEFINIÇÃO Infamação de diversos tecidos Dano tecidual Formação e deposição de imunocomplexos Doença autoimune sistêmica Produção de anticorpos Variado (conforme estágio do paciente) Fotoproteção para todos Cloroquina Prednisona se doença ativa Pulsoterapia: grave Metil-predinisolona e Ciclofosfamida EPIDEMIOLOGIA Mulher em idade fértil Estrógeno Afrodescentes Rara: crianças e idosos ETIOLOGIA Complexa e multifatorial Hormonal Fatores ambientais Genética Drogas: Clorpromazina, hidralazina, isoniazida, medildopa, minociclina, procaínamida FISIOPATOLOGIA BAFF/Blys e Linf. T reg Linf. B auto anticorpos Interação multifatorial perda da auto tolerância Imunocomplexos Imunidade inata IL1 e TNF inflamação Consumo do complemento clearance dos imunocomplexos e restos apoptóticos ANTICORPOS Anti-RO Complemento (C3 e C4) FAN Anti-histona Específico: Anti-P; Anti-ds DNA; Anti-Sm Atividade clínica: Anti-P E Anti-ds DNA DIAGNÓSTICO Clínico Laboratorial Critérios classificatórios: SLICC 2012 TRATAMENTO Variado (conforme estágio do paciente) Fotoproteção para todos Hidroxicloroquina Prednisona se doença ativa Pulsoterapia: grave Metil-predinisolona Ciclofosfamida Azatioprina (Imuram) (controle de Leucograma) Metrotrexato Outras drogas (anticorpo monoclonal) Ciclosporina Tacrolimus Belimumabe Rituximabe PROGNÓSTICO Com TTO adequado: 95% em 5 anos e 90% em 10 anos - Mortalidade por: insuficiência renal, alterações neurológica (AVE), infecções. . 2 Felipe Altimari LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO INTRODUÇÃO O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, autoimune, de etiologia pouco conhecida, decorrente de um desequilíbrio do sistema imunológico e de produção de autoanticorpos dirigidos contra proteínas do próprio organismo. Isso gera a formação de imunocomplexos que, ao se depositarem em vasos de pequeno calibre, resultam em vasculite e disfunção do local acometido.O LES compromete órgãos e tecidos nas mais diversas combinações e em graus variados de gravidade. Clinicamente, a doença apresenta períodos de exacerbação de atividade inflamatória, intercalados com remissão parcial ou completa dos sintomas. Em alguns pacientes, há a manutenção da atividade inflamatória crônica. EPIDEMIOLOGIA O LES é muito mais prevalente em mulheres na idade reprodutiva, sendo que os primeiros sinais e sintomas se iniciam entre a 2º e a 3ª décadas de vida, o que demonstra um potencial efeito no estrógeno na fisiopatologia da doença. Nessa faixa etária, há um predomínio do sexo feminino, na proporção de 10:1. Nas crianças, em que o efeito do estrógeno é mínimo, a relação entre os sexos feminino e masculino é de 3:1 e, nos idosos, de 8:1. No Brasil, estima-se uma incidência aproximada de 4,8 a 8,7 casos por 100.000 habitantes/ano. O LES é uma doença universal encontrada em todas as etnias e nas mais diversas áreas geográficas, mas parece ser mais prevalente em afrodescendentes. As características da doença e sua gravidade bem como sua prevalência podem diferir em variados grupos étnicos. ETIOLOGIA Apesar de ainda não totalmente esclarecida, a etiologia de LES é multifatorial, sendo composta por fatores genéticos, epigenéticos, hormonais, ambientais e imunológicos. 1. Genéticos: À luz da genética, já é bem documentada uma alta prevalência da doença entre gêmeos monozigóticos e nos parentes de primeiro grau. A chance de desenvolvimento de LES é 29 x maior para gêmeos monozigóticos e 17 vezes maior para parentes de 1º grau de pessoas acometidas quando comparados a dados da população geral. Outro fator importante é a deficiência de algumas proteínas do sistema complemento, especialmente C1q e C4. Também já foram identificados polimorfismos genéticos como fator predisponente. Além disso, é consistente a associação de alguns alelos do MHC (Complexo Principal de Histocompatibilidade) com o LES, principalmente os alelos DR2 e DR3 de classe II. Outras associações importantes estão relacionadas à assinatura do IFN (Interferon). Genes ligados à imunidade intata, como STAT4, IRF5 e TLR7, estão ligados à sinalização e produção de IFN-α, que tem sua expressão aumentada no soro de 60 a 80% dos pacientes lúpicos. 2. Hormonal: Do ponto de vista hormonal, os estrógenos possuem papel estimulador de várias células imunes, como macrófagos, linfócitos T e B. Nesse sentido, favorecem a adesão de mononucleares ao endotélio vascular, estimulam a secreção de algumas citocinas, como IL- 1, e expressão de moléculas de adesão e MHC. Do mesmo modo, a via IFN do tipo I é regulada positivamente pelo estrógeno e negativamente pelos progestágenos. Os estrógenos também têm ação semelhante às moléculas de BLyS/BAFF (estimulador de linfócitos B/fator de ativação das células B), reduzindo a apoptose das células autorreativas e acelerando sua maturação, especialmente das células B com alta afinidade pelo DNA. Os níveis séricos do BAFF estão frequentemente aumentados nos pacientes, promovendo a formação e a sobrevivência das células B de memória e dos plasmócitos. Esse aumento persistente dos autoanticorpos não é controlado adequadamente pelos anticorpos anti-idiotípicos, pelas células T reguladoras CD4+, ou pelas células T supressoras CD8+. 3. Ambientais: O meio ambiente, provavelmente, também apresenta um papel na etiologia do LES, por seus efeitos sobre o sistema imune. As infecções podem intensificar respostas imunes indesejáveis. Pacientes com LES, frequentemente, expressam altos títulos dos anticorpos antivírus Epstein-Barr, apresentam carga viral circulante desse vírus aumentada e produzem anticorpos antirretrovírus. Outros microrganismos relacionados são o citomegalovírus (CMV) e a Mycobacterium tuberculosis. Infecções por micobactérias e tripanossoma podem induzir a formação de anticorpos anti-DNA ou mesmo sintomas lúpus-símile. O tabagismo é 2º fator ambiental mais associado ao desenvolvimento do LES. Ele também reduz o efeito da hidroxicloroquina na terapêutica Ainda sobre os fatores ambientais, é importante ressaltar o papel da luz ultravioleta (UV) na ativação da doença, o que ocorrem em 70% dos pacientes com LES. A exposição solar determina a apoptose de queratinócitos com subsequente expressão de moléculas, como RNP, Ro, nucleossoma e fosfolipídeos nos corpúsculos apoptóticos. Também há secreção de citocinas, como IL-1, IL-6 e TNF-α, com amplificação da resposta imune e ativação de macrófagos, além de processamento de antígenos, o que desencadeia uma resposta inflamatória sistêmica. FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia é marcada por vários defeitos no sistema imune que levam a uma perda de autotolerância. Nesse sentido, há uma produção anormal de autoanticorpos, prévia ao início dos sintomas, por parte dos linfócitos B, que são estimulados e mantém sua sobrevida por ação das moléculas de BLyS/BAFF. Antígenos próprios (DNA/proteína nucleossômais, RNA/ proteína em SM, Ro e La, além de fosfolipídeos) estão disponíveis para o 3 Felipe Altimari reconhecimento por parte do sistema imune nas vesículas apoptóticas. Assim, antígenos, autoanticorpos e complexos imunes persistem por períodos prolongados, tornando possível a inflamação e a própria doença. Outro fator que contribui para o LES é a produção insuficiente de IL-2 e TGF, pelas células T e natural killer (NK), para a sustentação das células T CD8+ e CD4+ reguladoras, que inviabilizariam a evolução fisiopatológica. O resultado de todo esse processo é a manutenção e produção de autoanticorpos e, subsequente, imunocomplexos, que se depositam em órgãos-alvo. As células-alvo lesadas (glomérulos, células endoteliais, plaquetas e outras) liberam mais antígenos, que perpetuam o processo. Paralelamente aos eventos descritos acima, ainda ocorre a ativação do sistema complemento, levando à liberação de citocinas, quimiocinas, peptídeos vasoativos, oxidantes e enzimas destrutivas. Esse contexto é acompanhado pelo influxo de células T, monócitos, macrófagos e células dendríticas para os tecidos-alvo, bem como pela ativação de macrófagos residentes e células dendríticas. Durante a inflamação crônica, o acúmulo de fatores de crescimento e de produtos da oxidação crônica contribui para o dano tecidual irreversível aos glomérulos, artérias, pulmões e outros tecidos. Interação multifatorial Perda da auto tolerância Linfócitos B Auto anticorpos IMUNOCOMPLEXOS Imunidade inata IL-1 e TNF Inflamação Consumo do fator complemento o clearance dos imunocomplexos e restos apoptóticos MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Sintomas gerais como anorexia e perda de peso podem ser observadas como quadro inicial da doença e preceder o aparecimento de outras manifestações em meses. Diminuição do apetite, febre, poliadenopatias, mialgia e artralgia também podem fazer parte do quadro. O lúpus é causa de febre de origem indeterminada em menos de 5% dos pacientes, mas pode ser o 1º sinal da doença. Cerca de 42% dos pacientes podem ter febre como manifestação do lúpus ativo, principalmente observada em crianças e adolescentes. Linfadenopatia generalizada ou localizada, com predomínio das cadeias cervical e axilar, pode ser observada em mais de 1/3 dos casos, assim como a presença de hepato e/ou esplenomegalia. PELE E ANEXOS As manifestações cutâneas são extremamente importantes para o diagnóstico. Ocorrem em 70% dos pacientes no início da doença e em até 80 a 90% durante sua evolução. As principais lesões compreendem o lúpus cutâneo agudo, subagudo e discoide (crônico). A principal lesão cutânea aguda é o rash malar ou eritema em “asa de borboleta”, identificada em 30 a 60% dos casos, sendo altamente fotossensível. Também chamado de rash em vespertílio, essa lesão se apresenta como eritema na região malar e no dorso do nariz, dando o aspecto de “asa de borboleta”, transitório ou mais persistente. Geralmente poupa o sulco nasolabial e seu aparecimento acompanha os períodos de atividade da doença. Fig 1. Manifestação cutânea do Lupus: rash malar Pode ainda apresenta-se como erupção maculopapular discreta e descamativa, e cura sem deixar cicatriz. Sua forma generalizada é conhecida como rash maculopapular ou dermatite lúpica fotossensível e se apresenta como erupção exantematosa ou morbiliforme generalizada. Outros tipos de lesões agudas são máculas, pápulas ou placas eritematosas, algumas com tonalidade violácea, que podem apresentar leve descamação. As lesões não são pruriginosas e primariamente ocorrem em áreas expostas ao sol, como face, tórax, ombros, face extensora dos braços e dorso das mãos, regredindo sem deixar atrofia. O lúpus bolhoso e necrose epidérmica tóxica são também outras formas de lesões agudas da doença, juntamente com a fotossensibildade. O lúpus cutâneo subagudo manifesta-se como placas eritematosas em áreas expostas e com intensa fotossensibilidade, habitualmente associada ao anticorpo anti-Ro. Clinicamente observam-se duas variedades de lesão: a papuloescamosa e anular. Inicialmente, as lesões apresentam-se como um pápula ou pequena placa eritematosa levemente descamativa. Na variante papuloescamosa, as lesões progridem e confluem formando placas psoriasiformes em arranjo muitas vezes reticulado. Já na variante anular ocorre progressão periférica das lesões, com eritema e fina descamação na borda. Ocasionalmente surgem hipopigmentação e telangectasias no centro das lesões anulares. Fig 2. Placas eritematosas como manifestação do lúpus cutâneo subagudo 4 Felipe Altimari A forma mais comum de lúpus eritematoso cutâneo crônico é o lúpus eritematoso discoide, caracterizado por lesões maculosas ou papulosas, eritematosas, bem definidas, com escamas firmes e aderentes à superfície das lesões. Podem ocorrer na ausência de manifestações sistêmicas. Comumente, em sua evolução, essas lesões tornam-se confluentes, formando placas recobertas por escamas espessas e ceratose, que se estende para o interior do folículo piloso dilatado. Os locais mais acometidos são: couro cabeludo, pavilhão auricular, região torácica anterior e porção superior dos braços. Na face, as sobrancelhas, as pálpebras, o nariz e as regiões mentoniana e malar estão frequentemente envolvidas. As lesões cutâneas são crônicas, persistentes e podem regredir deixando áreas cicatriciais discrômicas, além de telangectasias e alopecia cicatricial. Figura 3. Lúpus Discoide Existem ainda algumas manifestações cutâneas que representam formas de apresentação de vasculite, como púrpura palpável, a urticaria, o livedo reticular, o eritema periungueal, as ulcerações digitais ou em MMIIs e o fenômeno de Reynaud, presente em até 50% dos pacientes, as quais indicam doença ativa. MUSCULOESQUELÉTICAS A presença de artralgia e/ou artrite pode ser identificada no início da doença em 75 a 85% dos casos e na maioria dos pacientes durante a evolução. Embora não possua um padrão específico de acometimento, na maioria das vezes observa-se um poliartrite simétrica aditiva, na qual pode ocorrer rigidez matinal, semelhante à da artrite reumatoide. Outro achado importante é a artropatia de Jaccoud, identificada em 8 a 10% dos casos, que é caracterizada por desvio ulnar dos dedos, subluxação das articulações matacarpofalangianas, deformidades reversíveis do tipo “pescoço de cisne” e polegar em “Z” decorrentes do acometimento inflamatório de tendões e ligamentos. Essas estruturas sofrem frouxidão na vigência do processo inflamatório. Também podem ser encontrados hálux valgo, dedos em martelo e subluxação das articulações matatarsofalangianas nos pés. Essas deformidades articulares também são comuns à artrite reumatoide, porém, no lúpus, não são observadas erosões. Fig 4. Artropatia de Jaccoud A persistência de dor, edema e calor em apenas uma articulação, principalmente no joelho, no ombro ou no quadril, levanta a suspeita de osteonecrose ou artrite séptica. A prevalência de osteonecrose é aumentada em doentes com lúpus, principalmente naqueles em uso de corticoides. O quadril (cabeça do fêmur) é a articulação mais frequentemente envolvida. Outra complicação articular é a artrite séptica. As infecções são comuns nestes indivíduos, especialmente naqueles com doença renal crônica, tanto por bactérias típicas quanto pelas atípicas, lembrando sempre da tuberculose. Figura 5. Osteonecrose da cabeça do fêmur CARDIORRESPIRATÓRIAS O envolvimento cardiovascular em pacientes com LES inclui o pericárdio, o endocárdio, o miocárdio, as artérias coronárias e o sistema de condução, com significante morbidade e mortalidade. A pericardite pode ser a 1ª manifestação do LES em 5% dos quadros, podendo aparecer isoladamente ou associada a serosite generalizada, particularmente associando-se à pleurite. Os quadros variam desde assintomáticos até tamponamento cardíaco, podendo ser detectado por atrito pericárdico, alterações ecocardiográficas ou na tomografia. A miocardite sintomática pode ser suspeitada na presença na presença de taquicardia persistente e sinais clínicos de insuficiência cardíaca aguda, geralmente coma alterações no mapeamento cardíaco e enzimas musculares. O diagnóstico baseia-se em dispneia, palpitações, febre, presença de sopros cardíacos com ritmo de galope e cardiomegalia. As alterações valvulares pode se manifestar como espessamento valvar, massas ou vegetações, regurgitação e, raramente, estenose. Durante o curso da doença, essas alterações podem aparecer pela primeira vez, resolver, persistir ou piorar. Pacientes que apresentam essas alterações possuem maior incidência de AVE, embolia periférica, insuficiência cardíaca, endocardite infecciosa e morte, quando comparados a pacientes sem valvopatia. Cerca de 43% dos portadores de lúpus apresentam vegetações conhecidas como endocardite de Libman-Sacks. Consistem em acúmulos estéreis de imunocomplexos, células mononucleares, corpos de hematoxilina e trombos de fibrina e plaquetas. Essas lesões podem se desenvolver em qualquer parte da superfície endocárdica, porém são mais encontradas nas valvas do coração esquerdo, particularmente na superfície atrial da valva mitral. Sua cicatrização leva à fibrose e, em alguns casos, à calcificação. 5 Felipe Altimari Dentre as manifestações pulmonares, a pleurite é a mais frequente e ocorre em 30 a 60% dos pacientes, sendo que derrame pleural é observado em 16 a 40% durante o curso da doença. A hemorragia alveolar difusa é outra condição que determina dispneia de início súbito, associada à redução dos níveis de hemoglobina. A hipertensão pulmonar pode ocorrer em decorrência da própria em decorrência da própria doença ou secundária a valvopatia cardíaca, doença intersticial pulmonar ou embolia pulmonar. Os quadros de pneumonite aguda e crônica no lúpus são menos frequentes. A Síndrome do pulmão encolhido é uma complicação rara no LES. Ela é caracterizada por dispneia progressiva e a radiografia de tórax mostra redução significativa dos campos pleuropulmonares sem acometimento do parênquima, diafragmas elevados e imagens de atelectasia nas bases. RENAIS E HEMATOLÓGICAS O envolvimento renal é um dos principais determinantes da morbimortaliade nos pacientes com LES. Manifesta-se clinicamente em 50 a 70% dos pacientes, mas praticamente 100% deles têm doença renal à microscopia eletrônica. Em geral, as manifestações renais surgem nos primeiros 2 a 5 anos da doença e, quando se apresentam como a manifestação inicial do LES, pioram o prognóstico desses pacientes. As manifestações clínicas subestimam a verdadeira frequência do comprometimento renal, pois alguns pacientes com LES podem ter alterações histopatológicas significativas na biópsia renal sem qualquer sinal clínico de envolvimento renal. Além das síndromes nefrítica e nefrótica que ocorrem em quadros de nefrite lúpica, alterações do sedimento urinário também são comuns durante as repercussões renais. A presença de hematúria, leucocitúria e cilindros celulares, são os parâmetros mais importantes para a caracterização de glomerulonefrite em atividade. A proteinúria também pode indicar a atividade inflamatória nos rins. Redução filtração glomerular, proteinúria nefrótica e presença de hipertensão sugerem maior gravidade e pior prognóstico. Em relação às manifestações hematológicas, a leucopenia e linfopenia são encontradas com alta frequência no LES. A plaquetopenia pode ser a 1º manifestação da doença. Clinicamente observam-se petéquias ou equimoses, principalmente de MMIIs, além de fenômenos hemorrágicos. A anemia hemolítica Coombs positivo também pode ocorrer de forma isolada no início da doença, porém, o achado mais frequente é a anemia de doença crônica. A pancitopenia nos pacientes lúpicos pode ser relacionada com efeito colateral dos imunossupressores, com complicação de infecções ou com manifestações da síndrome hemofagocítica GASTROINTESTINAIS Ocorrem em 25 a 40% dos pacientes, sendo que grande parte são queixas inespecíficas, como dor abdominal, náuseas e vômitos, que podem traduzir desde uma peritonite estéril até efeitos colaterais dos medicamentos. A queixa de boca seca pode aparecer secundária como parte da síndrome de Sjogren secundária. Disfagia pode ocorrer por hipomotilidade esofagiana, doença do refluxo gastroesofágico, e, raramente, ulcerações por vasculite. A dor abdominal pode estar presente em até 30% dos pacientes e indica um diagnóstico diferencial amplo: peritonite, úlcera péptica, vasculite mesentérica e infarto intestinal, pancreatite e doença inflamatória intestinal. Icterícia também pode estar presente e, em geral, é consequência de hepatite, pancreatite ou hemólise. A enteropatia perdedora de proteínas tem sido descrita em pacientes com LES e é caracterizada por edema e hipoalbuminemia na ausência de nefrite. É mais comum em mulheres jovens, e diarreia pode estar presente em 50% dos casos. A biópsia da parede do intestino delgado demonstra depósitos de C3 na parede dos capilares, o que provoca aumento da permeabilidade capilar. NEUROPSIQUIÁTRICAS O lúpus neuropsiquiátrico compreende diversas síndromes neurológicas, envolvendo o sistema nervoso central, periférico e autonômico, além de síndromes psiquiátricas e psico funcionais. As manifestações neuropsiquiátricas podem preceder, ocorrer simultaneamente ou algum tempo após o início da doença durante os períodos de atividade ou quando o LES se encontra inativo. Podem ser primárias, ou seja, decorrentes do dano imunológico ou de tromboembolismo, ou podem ser secundárias a diversas situações clínicas a que está sujeito o paciente com uma doença sistêmica. Infecções, distúrbios metabólicos, diabetes, uso de alguns medicamentos, hipertensão podem levar a síndromes neuropsiquiátricas não imunomediadas. PRINCIPAIS SÍNDROMES NEUROPSIQUIÁTRICAS RELACIONADAS AO LES Sistema Nervoso Central Sistema Nervoso Periférico Estado confucional agudo Neuropatia craniana Distúrbios cognitivos Polineuropatia Psicose Plexopatia Desordens de humor Mononeuropatia simples/múltipla Desordens de ansiedade Cefaleia Polirradiculopatia inflamatória aguda (Guillain-Barré) Doença cerebrovascular Mielopatia Desordens do movimento Desordens autonômicas Síndromes desmielinizantes Convulsões Meningite asséptica 6 Felipe Altimari Grave: SN, miocárdio, pulmonar, vasculite Segue “padrão” nos primeiros 5 anos + Comum: cutâneo-articular Sintomas constitucionais Pele e e anexos Rash malar em asa de borboleta Lúpus discoide Alopecia Fotossensibilidade Articular Artralgia inflamatória Poliartrite simétrica Artropatia de Jaccoud Não erosiva Renal Urina muito espumosa Nefrite lúpica Insuficiência renal Hematúria Muscuoarticulares Artrite Mialgia Artralgia Cardiorespiratória Miocardite Pneumonite lúpica Embolia pulmonar Hemorragia pulmonar Endocardite de Libman-Sacks Infarto Hipertensão Pericardite Pleurite Gastrointestinal Úlceras orais Isquemia intestinal Hepatite Pancreatite Sanguínea “Anemia hemolítica” Trombose Plaquetopenia Leucopenia DIAGNÓSTICO O diagnóstico de LES baseia-se na combinação de manifestações clínicas e alterações laboratoriais, desde que outras doenças sejam excluídas. Recentemente, em 2012, o grupo do Systemic Lupus Collaborating Clínics (SLICC) publicou a atual proposta de classificação de pacientes com LES. Para um indivíduo ser classificado com lúpus sistêmico é necessário que estejam presentes no mínimo, 4 critérios, incluindo pelo menos um clínico e um imunológico (do total de 6). Alternativamente, a doença é considerada quando a nefrite é confirmada por biópsia na presença de FAN positivo ou anticorpo anti-dsDNA positivo. O critério SLLIC apresenta especificidade de 92% e sensibilidade de 94%. MANIFESTAÇÃO CLÍNICA Lúpus cutâneo agudo, incluindo: eritema malar (não discoide), lúpus bolhoso, necrólise epidérmica tóxica – variante lúpus, eritema maculopapular, eritema fotossensível do lúpus ou lúpus cutâneo subagudo (psoriasiforme/anular) Lúpus cutâneo crônico: lúpus discoide, lúpus hipertrófico/verrucoso, lúpus profundus (paniculite), lúpus túmido, lúpus mucoso, sobreposição líquen plano/lúpus discoide Úlcera mucosa: palato, cavidade oral, língua ou úlcera nasal (na ausência de outras causas) Alopecia não cicatricial Artrite/Artralgia - Sinovite (edema/derrame articular) ≥ 2 articulações - Artralgia (dor) em 2 ou + articulações com rigidez matinal ≥ 30 min Serosite - Pleurite (dor ≥ 1 dia/derrame pleural/atrito pleural) - Pericardite (dor ≥ 1 dia/derrame/atrito/alterações ECG) Nefrite: proteinúria 24h > 500mg ou relação prot/creat > 500 mcg/mg (mg/g), cilindro eritrocitário Neurológica: convulsão, psicose, mononeurite múltipla, mielite, neuropatia periférica/craniana, estado confusional agudo (na ausência de outras causas) Anemia hemolítica Leucopenia (<4.000/mm3, em pelo menos uma ocasião) ou linfopenia (<1000/mm3, em pelo menos uma ocasião) Plaquetopenia (<100.000/mm3, em pelo menos uma ocasião) Alteração imunológica FAN Hep2 positivo Anti-DNA positivo Anti-Sm positivo 7 Felipe Altimari Anticorpo antifosfolípide positivo: anticoagulante lúpico positivo, anticardiolipina positivo (título modera do/alto – IgA/IgM/IgG), VDRL falso positiva, anti-α2 glicoproteína 1 positivo (predispõe a fenômenos trombóticos) Complemento baixo: C3, C4, CH50 Coombs direto positivo (na ausência de anemia hemolítica) O paciente deverá preencher pelo menos 4 critérios (incluindo 1 clínico e 1 imunológico) OU ter nefrite lú- pica comprovada por biópsia renal com presença de FAN positivo ou anti-DNAn posito. A atividade da doença é avaliada por meio da combinação de história clínica, exame físico, testes funcionais e estudos sorológicos. Sua quantificação pode ser de grande importância para o acompanhamento dos pacientes, tanto na prática clínica quanto nos estudos clínicos. As anormalidades imunológicas são as mais características e incluem a presença de autoanticorpos e redução do complemento. A maioria dos pacientes (mais de 98%) tem o teste do fator antinuclear (FAN) positivo em títulos altos, em particular durante os períodos de atividade de doença. A positividade desse exame não é específica do LES e pode ocorrer em outras doenças autoimunies, além de doenças infecciosas e neoplásicas e até mesmo em indivíduos saudáveis. Desta forma, o teste é relevante pelo seu alto valor preditivo negativo (VPN). O anti-dsDNA nativo tem importância não só pela sua especificidade no LES, mas também devido ao fato de altos títulos representarem atividade de doença, principalmente renal. A presença do anticorpo anti-Sm indica especificidade para o LES, apesar de ser positivo em cerca de apenas 30% dos casos. O anti-Ro/SS-A também é encontrado no lúpus e na Síndrome de Sjogren, geralmente associado ao anti-LA/SS- B. É detectado em cerca de 80% dos pacientes com lúpus eritematoso cutâneo subagudo. O anti-Ro está relacionado com o lúpus neonatal e bloqueio congênito em crianças nascidas de mães com esse autoanticorpo, mesmo que estas não tenham nenhuma doença evidente. Os anticorpos antiproteína P ribossomal (anti-P) são marcadores específicos de LES, ocorrendo em 10 a 20% dos casos e, possivelmente, apresentando associação com manifestações neuropsiquiátricas da doença. Outros anticorpos, os antifosfolípides, são autoanticorpos que interagem com fosfolipídeos associados a um cofator no endotélio vascular, provocando tromboses arteriais e venosas, plaquetopenia e abortos de repetição, além de insuficiência adrenal, pré-eclâmpsia, livedo reticular, valvopatia, entre outras. Os grupos mais comuns de anticorpos antifosfolípides são o anticoagulante lúpico (LA) e os anticorpos anticardiolipina (aCL). Também podem ser encontrados anticorpos anti-histona nos casos de lúpus induzido por medicamentos. Esses são de caráter temporário e desaparecem poucos meses após o término do tratamento com medicação indutora. Outra característica que auxilia no diagnóstico e acompanhamento do pacientes é a avaliação do sistema complemento. O consumo do complemento (C3, C4 e complemento hemolítico total) é uma alteração importante. Com relação aos exames que refletem envolvimento dos órgãos e sistemas: Hemograma pode revelar anemia, leucopenia e trombocitopenia; Exame de sedimento urinário pode apresentar proteinúria, hamatúria, leucocitúria e cilindrúria; a Biópsia renal reflete a classe histológica da nefrite; Enzimas musculares pode confirma a suspeita de miosite; Enzimas hepáticas podem fornecer indícios de hepatite; entre outros. Esses exames complementares devem ser realizados de acordo com a suspeita de acometimento de órgãos/sistemas, exceto para os quadros hematológico e renal que devem ser avaliados independentemente da manifestação. Os exames que refletem alterações inflamatórias são inespecíficos e incluem VHS e PCR. No lúpus, a PCR, geralmente, não se eleva muito, salvo quando existe infecção associada. O diagnóstico de Lúpus Cutâneo é diferente do LES. As manifestações cutâneas isoladamente não refletem, necessariamente, a existência de uma doença sistêmica. DIAGNÓSTICO CRITÉRIO DE CLASSIFICAÇÃO (SLICC) MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS MARCADORES IMUNOLÓGICOS FAN ANTI-dsDNA ANTI-RO ANTI-P ANTI-HISTONA COMPLEMENTO (C3, C4) EXAMES QUE PODEM REVELAR DISFUNÇÃO ORGÂNICA Hemograma Sumário de urina Biópsia renal Enzimas hepáticas/musculares VHS/PCR 8 Felipe Altimari TRATAMENTO Em decorrência da grande variabilidade fenotípica e das manifestações clínicas, o tratamento de portadores de LES requer inicialmente a definição da extensão e gravidade da doença. Medidas gerais também apresentam grande valia e são tão importantes quanto ao tratamento medicamentoso. Quando não são levadas em conta, podem contribuir para o insucesso na condução do caso. MEDIDAS GERAIS DO TRATAMENTO DO PACIENTE COM LES I) Educação: informar, ao paciente e aos familiares, o que é a doença, sua evolução, riscos e os recursos disponíveis para diagnóstico e tratamento. Recomenda-se a necessidade de cumprimento das medidas estabelecidas pelo médico. II) Apoio psicológico: transmitir otimismo e motivação para o tratamento, além de estimular os projetos de vida. O paciente deve ser capaz de levar sua vida social, profissional e afetiva de forma normal. III) Atividade física: repouso nos períodos de atividade sistêmica da doença e medidas visando melhora do condicionamento físico (estimular a atividade física regular). IV) Dieta: recomenda-se a adoção de uma dieta balanceada, evitando-se excessos de sal, carboidratos e lipídeos. V) Proteção: contra luz solar e outras forma de irradiação ultravioleta (protetores solares, roupas, chapéus, sombrinhas). VI) Evitar: tabagismo, pois está implicado na patogenia da doença cardiovascular e exacerbação das lesões discoides. Outro ponto importante, no tratamento, é a identificação de fatores associados à reativação da doença, como exposição à irradiação UV, infecções superpostas e distúrbios emocionais, que deveram ser evitados. Um aspecto que deve ser constantemente avaliado é a não adesão do paciente ao tratamento. Talvez esse fator seja uma das mais importantes causas de não controle da doença. Por isso é fundamental a educação do paciente e seus familiares sobre a provável evolução natural da doença e potencial gravidade dos acometimentos, além da presença de comorbidades e danos associados ao LES e/ou seu tratamento. TRATAMENTO MEDICAMENTOSO O tratamento medicamentoso deve ser individualizado para cada paciente e dependerá dos órgãos ou sistemas acometidos e da gravidade das manifestações. A terapia de pacientes com comprometimento de múltiplos sistemas deverá ser orientada para o comprometimento mais grave. Quando houver manifestação que não responda a um medicamento, pode ser necessário fazer uso concomitante de diversos medicamentos. Independentemente do órgão ou sistema afetado, o uso de antimaláricos é indicado para reduzir a atividade da doença e tentar poupar o uso de corticoide. O difosfato de cloroquina (4mg/kg/dia) e o sulfato de hidroxicloroquina (6mg/kg/dia) são os fármacos mais bem empregados nesse sentido. A manutenção dessa classe medicamentosa em pacientes controlados reduz a possibilidades de novo surto de atividade. Além disso, melhora o perfil lipídico, diminuindo os níveis de LDL, melhora a glicemia e reduz o risco de trombose. Os antimaláricos não aumentam o risco de infecções e seu uso é seguro na gravidez. Apesar de todos os benefícios, esses fármacos apresentam toxicidade ocular e podem gerar maculopatia, uma complicação rara e improvável para indivíduos com função renal normal e período de uso inferior a 7 anos. Uma avaliação oftalmológica semestral está indicada para pacientes que fazem uso contínuo dos antimaláricos. 9 Felipe Altimari O corticoide é a classe medicamentosa mais utilizada no tratamento. A dose indicada varia de acordo com a gravidade da manifestação. Devido aos múltiplos efeitos colaterais (desvantagens), como catarata e osteoporose, o corticoide deve ser utilizado na dose efetiva para o controle da atividade da doença, e, assim que possível, deve haver redução gradual da dose empregada. Nos pacientes que não conseguem atingir uma dose de manutenção <7,5 mg/dia, está indicada a associação de outro medicamento para poupar corticoide. Entre esses, além dos antimaláricos, estão indicados a azatioprina, o metotrexato (MTX) ou ciclosporina na manifestação cutânea, hematológica e na vasculite. É importante o diagnóstico diferencial entre atividade da doença e infecção, lembrando da possibilidade de coexistência de ambas, assim como da presença de comorbidades. Novas alternativas para o tratamento de pacientes com LES não responsivo à outras terapias têm sido estudadas, especialmente medicamentos imunobiológicos. O belimumabe foi aprovado pelas agências regulatórias para uso na prática clínica. Trata-se de um anticorpo monoclonal cujo mecanismo de ação se dá pela ligação ao BLyS solúvel, impedindo sua maturação, diferenciação e sobrevida. É indicado, particularmente, nos quadros musculoesqueléticos ou cutâneos, que mesmo em uso de antimalárico associado a doses baixas de corticoide e falha de pelo menos dois imunossupressores utilizados em doses adequadas por 3 a 6 meses. Deve ser considerada a descontinuação do belimumabe quando não houver melhora no controle da doença após 6 meses. Outro imunobiológico atualmente empregado, em pacientes com doença grave e refratária, é o rituximabe. Essa droga é um anticorpo monoclonal quimérico que desencadeia a depleção de linfócitos B. Utiliza-se, geralmente, em ciclos com dose total de 1.000 mg intravenoso, tendo cada aplicação o intervalo de 2 semanas. Os ciclos são repetidos a cada 6 meses. TRATAMENTOS ESPECÍFICOS • Manifestação cutânea: O tratamento vai depender do tipo e da extensão das lesões de pele e da gravidade das manifestações extracutâneas. Considerando a radiação UV como principal causadora de fotossensibilidade e desencadeante das lesões de pele, protetores solares com fator de proteção solar (FPS) de 15 até 30 devem ser utilizados em quantidade generosa pela manhã e reaplicados mais uma vez ao dia, em geral, no horário do almoço. Os pacientes também devem ser orientados quanto ao uso de roupas, chapéus e sombrinhas devido não haver nenhum creme protetor solar que bloqueia toda a radiação UV. Nas lesões localizadas, está indicada terapia tópica com corticoide de baixa ou média potência na face e áreas de flexão. Em lesões mais hipertróficas, está indicado corticoide alta potência associado ao ácido salicílico para obtenção de efeito ceratolítico. As lesões agudas geralmente respondem ao tratamento indicado para outras manifestações do LES, como corticoide e imunossupressores. O uso de antimaláricos isolados ou em combinação com prednisona é eficaz para tratar a lesão do lúpus cutâneo subagudo. Nos casos refratários, o uso de talidomida na dose de 100-200 mg/dia mostrou-se eficaz em 75% dos pacientes, mas deve ser indicada somente para indivíduos do sexo masculino ou para mulheres sem qualquer risco de gravidez, na pós menopausa ou com anticoncepção definitiva, pois tem efeito teratogênico. • Manifestação hematológica: O tratamento de escolha da anemia hemolítica autoimune é feito com prednisona em dose alta (1mg/kg/dia), por 4 a 6 semanas com posterior redução. Também pode ser utilizada a pulsoterapia venosa com uso de metilprednisolona por 3 dias seguidos. Cerca de 65% dos casos respondem a esta terapêutica de maneira satisfatória. A pulsoterapia com metilprednisolona deve ser indicada para casos graves, em que se requer resposta mais rápida, e a manutenção é feita com prednisona por via oral em dose baixa. Nos casos refratários à corticoterapia, ou se forem necessárias altas dose de manutenção, pode-se associar imunossupressores, com azatioprina, micofenolato de mofetil, ciclosfamida ou danazol. Para a leucopenia, o tratamento com prednisona deve ser instituído quando a contagem de leucócitos for < 2.000/ mL. Em situação de grave neutropenia, pode ser indicada a pulsoterapia com metilprednisolona associada a fator estimulador de colônia de granulócitos. As plaquetopenias leves (< 50.000) não requerem tratamento específico. A prednisona em dose alta é o tratamento de escolha para plaquetopenia sintomática. A pulsoterapia pode ser utilizada para plaquetopenia grave, quando se requer resposta mais rápida. Nos casos graves e refratários de anemia hemolítica autoimune ou plaquetopenia pode haver benefício do uso de rituximabe. Imunoglobulina intravenosa mostrou ser eficaz em pacientes com anêmica hemolítica autoimune e pode ser indicada em pacientes com contraindicação ou toxicidade a outras terapias. Pacientes que estão em uso de prednisona 5 mg por pelo menos 3 meses tem indicação para profilaxia de osteoporose induzida por glicocorticoide. A profilaxia é feita com suplementação de vitamina D, ingesta diária de cálcio pela dieta, preferencialmente, e exercício físico com carga. • Manifestação articular: As artrites agudas, quando não acompanhadas de comprometimento sistêmico, podem ser tratadas com anti-inflamatórios não esteroidais (AINES), desde que não sejam contraindicados. Caso não haja melhora, pode-se substituir ou associar prednisona em dose baixa. Nas artrites com evolução crônica ou com recidivas frequentes, está indicado o uso de antimalárico. Nos casos não responsivos ou em que os antimaláricos sejam contraindicados, pode-se associar metotrexato. TRATAMENTO Medidas Gerais EDUCAÇÃO PROTEÇÃO CESSAR TABAGISMO DIETA ATIVIDADE FÍSICA APOIO PSICOLÓGICO TRAMENTOS ESPECÍFICOS A DEPENDER DO ACOMETIMENTO MANIFESTAÇÃO CUTÂNEA MANIFESTAÇÃO HEMATOLÓGICA MANIFESTAÇÃO ARTICULAR DEMAIS MANIFESTAÇÕES MEDICAMENTOSO ANTIMALÁRICOS Difosfato de cloroquina Sulfato de hidroxicloroquina IMUNOSSUPRESSORES Azatioprina Micofenolato Ciclofosfamida CORTICOIDES Prednisona Metilprednisolona IMUNOBIOLÓGICOS (LES REFRATÁRIO) Belimumabe Rituximabe GESTAÇÃO E ANTICONCEPÇÃO A gestação nas pacientes com LES deve ser considerada de alto risco, necessitando acompanhamento multidisciplinar, até o puerpério, devido à possibilidade de exarcebação da doença. Na gravidez, podem ocorrer eritemas palmar e facial, artralgias e elevação da VHS, 10 Felipe Altimari dificultando o diagnóstico diferencial com a atividade inflamatória do lúpus. A presença do anti-dsDNA e/ou elevação dos seus títulos e consumo do complemento podem auxiliar na diferenciação entre atividade de doença e pré-eclâmpsia. A pesquisa dos anticorpos antifosfolípides, anti- Ro/SS-A e anti-La/SSB é importante devido à possibilidade da ocorrência da síndrome antifosfolípide e do lúpus neonatal, respectivamente. Há maior incidência de retardo de crescimento intrauterino, prematuridade, hipertensão induzida pela gravidez e diabetes. O aleitamento materno pode determinar riscos para a criança se houver uso de prednisona em doses > 20 mg/dia. Por isso, é recomendado um intervalo de 4 horas entre o uso dessa medicação e a amamentação. Quando inviável o uso de imunossupressores, a opção é azatioprina em doses baixas (100 mg/dia). O tratamento da atividade do LES será feito com corticoide na dose indicada segundo a manifestação, associado à hidroxicloroquina. Ciclofosfamida e metotrexato são contraindicados. A contracepção em mulheres com LES é um desafio. Os contraceptivos orais são raramente prescritos, por causa da preocupação com potenciais efeitos negativos do estrógeno nas pacientes. A anticoncepção pode ser feita com progesterona e métodos de barreira ou com associação de ambos. Os progestágenos podem ser utilizados uma vez que não induzem piora da doença. GESTAÇÃO ALTO RISCO ACOMPANHAMENTO MULTIDISCIPLINAR REPERCUSÕES DO LES Síndrome antifosdolípide Lúpus neonatal Retardo do crescimento intrauterino Hipertensão CONTRACEPÇÃO PROGESTERONA MÉTODOS DE BARREIRA VACINAÇÃO Portadores de LES possuem o risco aumentado de infecção quando comparados com indivíduos normais. Esse risco mais elevado está relacionado com condições próprias da doença de base e também com a terapêutica imunossupressora empregada no tratamento. Além disso, podem ocorrer suscetibilidades específicas, como asplenia funcional observada em alguns pacientes que resulta em maior risco de infecções por bactérias encapsuladas, como pneumococos, meningococos e Haemophilus influenzae tipo B. A vacina contra o pneumococo, influenza e HPV são seguras e têm eficácia quase semelhante à da população geral. No entanto, não devem ser administradas nos períodos de atividade da doença. A imunização contra a hepatite B está indicada apenas nos pacientes expostos ao risco de infecção. VACINAÇÃO ANTIPNEUMOCÓCICA HPV INFLUENZA HEPATITE B NÃO ADM EM PERÍODOS DE EXACERBAÇÃO DO LES Vacinas com vírus vivos, como sarampo, caxumba e rubéola não devem ser prescritas a pacientes com LES. ACOMPANHAMENTO DO LES Periodicamente, os pacientes com lúpus precisam ser monitorados quanto a atividade da doença. Nesse sentido, marcadores imunológicos como anti-DNA e complemento se mostram úteis. Para a avaliação de toxicidade medicamentosa da terapêutica podem ser solicitados hemograma, função hepática e função renal. Também é importante o perfil osteometabólico devido ao uso recorrente de corticoides no tratamento do LES. A albumina pode ajudar a reconhecer danos renais (proteinúria). O VHS e o PCR, apesar de não serem marcadores a atividade de LES, são importantes para acompanhar a intercorrências infecciosas. Ademais, Urina I com pesquisa para dismorfismo eritrocitário é uma importante ferramenta de rastreio para a nefrite lúpica. Também é solicitado junto ao sumário de urina (Urina I) a relação proteína/creatinina. EXAMES SOLOCITADOS PARA O ACOMPANHAMENTO DO LES Anti-DNA e complemento Hemograma, função hepática e função renal Perfil osteometabólico Albumina VHS e o PCR Urina I com pesquisa para dismorfismo eritrocitário Relação proteína/creatinina NEFRITE LÚPICA A nefrite lúpica é frequente no LES, uma vez que 74% dos pacientes serão acometidos em algum momento na evolução da doença, sendo um indicado de pior prognóstico. Essa patologia renal ocorre por depósito de imunocomplexos circulantes ou formação local desses complexos nos glomérulos levando à ativação do complemento e subsequentemente recrutamento de células inflamatórias. Além do processo inflamatório, da necrose e da formação de cicatrizes nos glomérulos, a patologia renal se caracteriza por lesões vasculares como microangiopatia trombótica e vasculite extraglomerular, além de acometimento tubulointersticial com atrofia tubular e fibrose intersticial. CLASSIFICAÇÃO A nefropatia lúpica pode ser classificada de acordo com elementos primariamente acometidos, ou seja, os glomérulos, os túbulos e/ou interstício e os vasos sanguíneos. Na realidade, o envolvimento de um desses componentes acaba por lesar os demais. A classificação é feita mediante a biópsia renal que é indicada quando: Houver elevação da creatinina sérica sem causa aparente e potencialmente associada ao LES (Piora da função renal). Proteinúria isolada ≥ 1 g/24h Proteinúria ≥ 0,5 g/24 associada à hematúria dismórfica glomerular e/ou cilindros celulares. Segundo a International Society of Nephrology/ Renal Pathology (2003), as desordens glomerulares podem ser divididas em 6 diferentes classes a partir de características histológicas encontradas na biópsia renal. 11 Felipe Altimari CLASSIFICAÇÃO DA NEFRITE LÚPICA SEGUNDO A INTERNATIONAL SOCIETY OF NEPHROLOGY/RENAL PATHOLOGY SOCIETY 2003 CLASSE DESCRIÇÃO I • Glomerulonefrite Mesangial Mínima (CLASSE I) Essa classe é raramente diagnosticada porque os pacientes com esse tipo de acometimento renal frequentemente têm um exame de urina normal, proteinúria ausente ou mínima e creatinina sérica normal. Nesses casos a biópsia renal não é solicitada. Pacientes com doença classe I apresentam depósitos imunes mesangiais identificados pela técnica de imunofluorescência e microscopia eletrônica. II • Glomerulonefrite Mesangial Proliferativa (CLASSE II): A microscopia óptica caracteriza-se por hipercelularidade mesangial discreta ou moderada ou por extensão da matriz mesangial. São visualizados poucos depósitos isolados subendoteliais ou subepiteliais de imunoglobulinas e complemento pelas técnicas de imunofluorescência e microscopia eletrônica. Clinicamente, manifesta-se como hematúria e/ou proteinúria discreta, geralmente, aparecendo de forma intermitente. Hipertensão é incomum e os pacientes raramente evoluem para síndrome nefrótica e insuficiência renal. Em geral, a evolução é benigna. III • Glomerulonefrite Focal (CLASSE III): É definida histologicamente pelo acometimento de pelo menos 50% dos glomérulos pela microscopia óptica, com envolvimento quase sempre segmentar (acomete menos de 50% do tofo glomerular). O quadro clínico é caracterizado por hematúria recorrente e proteinúria leve a moderada. A evolução é habitualmente favorável, sem sequelas importantes. Porém, há pacientes que apresentam evolução desfavorável em consequência de surtos repetidos de inflamação aguda ou de comprometimento glomerular progressivo ou que evoluem para forma mais grave de envolvimento renal, como a glomerulonefrite difusa. IV • Glomerulonefrite Difusa (CLASSE IV): É a forma mais comum e mais grave de acometimento renal em pacientes com LES. É definida histologicamente pelo acometimento de mais de 50% dos glomérulos pela microscopia óptica. As lesões podem ser segmentar (menos de 50% do tofo glomerular acometido) ou global (mais de 50% do tofo glomerular acometido). Os pacientes apresentam hematúria macro ou microscópica, proteinúria, além de cilindrúria hemática e celular. A maioria dos pacientes evoluem com hipertensão arterial e insuficiência renal (quando não tratados em tempo hábil). Todas essas características clínicas denotam a vigência de uma síndrome nefrítica, que é tão típica nesse estágio. Os pacientes com insuficiência renal, geralmente, ainda apresentam hipocomplementemia significativa (redução de C3 principalmente) e níveis séricos elevados do anticorpo anti-DNA, especialmente durante a doença ativa. V • Glomerulonefrite Membranosa (CLASSE V): É definida histologicamente por espessamento difuso da parede capilar glomerular à microscopia óptica e pela presença de depósitos imunes subepiteliais tando global quanto segmentar à microscopia eletrônica e imunofluorescência. A principal manifestação clínica é a presença de proteinúria nefrótica (>3,5 g/24 h), hipoproteinemia, especialmente hipoalbuminemia (albumina <3 g/24 h), edema e hiperlipidemia. Todos esses achados levam ao diagnóstico de síndrome nefrótica, que é característica nesse estágio. Na apresentação do quadro também podem ser vistas hematúria microscópica e hipertensão arterial, e a função renal, geralmente é normal ou levemente alterada. VI • Glomerulonefrite Esclerosante Avançada (CLASSE VI): É definida histologicamente por esclerose global de mais de 90% dos glomérulos. Representa o estágio avançado das glomerulonefrites classe III, IV ou V crônicas. Os pacientes evoluem com insuficiência renal progressiva em associação com proteinúria, e o sedimento urinário apresenta poucas alterações. Nesse estágio a terapia imunossupressora não apresenta mais benefícios. Pacientes com lesão renal classe III ou IV podem apresentar síndrome nefrítica, característica de hipertensão, anti-DNA positivo, hipocomplementemia e proteinúria. LESÕES RENAIS NO LES A. TIPO MESANGIAL B. TIPO PROLIFERATIVA FOCAL C. TIPO PROLIFERATIVA DIFUSA D. TIPO MEMBRANOSA PAS: Glomérulos mostrando aumento da matriz mesangial H & E: Glomérulos mostrando proliferação focal e adesão de tufos glomerulares H & E: Glomérulos apresentando modificações proliferativas, necrose e corpos de hematoxilina (seta) PAS: Espessamento difuso da membrana basal Imunofluorescência: Depósito mesangial de imunocomplexos imunofluorescência Imunofluorescência: Depósitos granulares de imunocomplexos nas paredes dos capilares Imunofluorescência: Depósitos maciços de imunocomplexos Imunofluorescência: Depósito granular e homogêneo difuso nas paredes capilares Diagrama: Depósito subendotelial maciço de imunocomplexos Diagrama: Depósitos subendoteliais difusos 12 Felipe Altimari DIAGNÓSTICO Na prática clínica, nem sempre é possível fazer a biópsia renal, embora esse seja um procedimento relativamente simples quando feito por profissionais experientes. A biópsia permite o reconhecimento de marcadores diagnósticos e prognósticos que podem influenciar a escolha terapêutica. Para os pacientes não submetidos à biópsia renal, e para todos ao longo da evolução, usam-se marcadores clínicos e laboratoriais que auxiliam a caracterizar a gravidade e atividade da glomerulonefrite e orientam o uso dos agentes imunomoduladores e/ou imunossupressores. TRATAMENTO O tratamento da nefrite lúpica é divido em fases de indução e manutenção. Ele é direcionado a pacientes que apresentem lesão renal classe III, IV ou V. Para indivíduos que tenham lesão renal classe I ou II a conduta é expectante na maioria das vezes, salvo se houver proteinúria persistente ≥ 1 g/24. Nessa condição, considera-se indução e manutenção com uso de azatioprina ou micofenolato de mofetila. A lesão renal classe VI é sequelar e não benefício de terapêutica medicamentosa. A fase de indução do tratamento tem duração variável, sendo habitual 3 meses a 1 ano, mas em média apresenta duração de cerca de 6 meses. Em pacientes com doença renal ativa grave envoluindo com insuficiência renal aguda e manifestações extrarrenais importantes, está indicado o tratamento inicial com pulsoterapia de metilprednisolona 0,5 a 1g por 3 dias para induzir um rápida melhora. Em pacientes com função renal normal, recomenda-se o tratamento com prednisona 0,5 a 1 mg/kg/dia por um período de 6 a 8 semanas, seguindo-se sua redução progressiva até 0,25 mg/kg/dia. As diretrizes americana e europeia ainda recomendam a associação dos corticosteroides com a ciclofosfamida ou micofenolato mofetil durante o tratamento de indução. INDUÇÃO PULSOTERAPIA Metilprednisolona: EV - 1 grama ao dia por 3 dias Após: Prednisona VO - 0,5 a 1 mg/kg/dia PULSOTERAPIA Ciclofosfamida EV - 500 a 1 g/m² por mês Ou Micofenolato mofetil 3 g/dia Na fase de manutenção os pacientes devem receber, por um período prolongado, o tratamento de manutenção com imunossupressores menos tóxicos, com o objetivo de reduzir a frequência das recidivas. Estudos evidenciaram que o tratamento de manutenção com micofenolato de mofetil ou azatioprina é seguro e mais efetivo que o tratamento com ciclofosfamida endovenosa e que, possivelmente, o micofenolato está associado a menor número de recaídas. Recomenda-se que o tratamento de manutenção seja realizado por pelo menos 18 a 24 meses. MANUTENÇÃO (3 a 5 anos) Micofenolato motefil 2 g/dia Azatioprina: 2 a 3 mg/kg/dia Dose de prednisona: 10 mg em desmame .
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