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HISTÓRIA DO DIREITO Débora Cristina Holenbach Grivot Revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna Bacharel em Direito Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional e em Direito Público Mestre em Direito Professor de Curso de Graduação e Pós-graduação em Direito Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB-10/2147 A139h Abel, Henrique. História do direito [ recurso eletrônico ] / Henrique Abel, Marjorie de Almeida Araujo, Débora Cristina Holenbach Grivot ; revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna. – Porto Alegre: SAGAH, 2017. ISBN ISBN 978-85-9502-171-6 1. Direito – História. I. Araujo, Marjorie de Almeida. II.Grivot, Débora Cristina Holenbach. III.Título. CDU 34(091) Direito consuetudinário Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Conceituar Direito consuetudinário. Identi� car as hipóteses de aplicação do Direito consuetudinário no Direito atual. De� nir os casos de Direito costumeiro como solução de con� itos. Introdução Os costumes são muito importantes no ordenamento jurídico de uma sociedade, tendo mais ou menos relevância de acordo com o desenvol- vimento e as formas de Estado e Governo pelas quais determinado povo optou por se organizar. Portanto, o Direito não se expressa apenas por meio das leis, mas também pelos costumes. Neste capítulo, você lerá a respeito da definição de Direito consuetu- dinário, identificando a sua aplicação na atualidade e como os costumes podem auxiliar na resolução de conflitos. Definição de Direito consuetudinário O Direito consuetudinário, também conhecido como costumeiro, é o conjunto de regulamentações em torno dos costumes, com a sua história e tudo que se encontra a ele relacionado. Ainda durante a pré-história, o início do Direito e a sua transmissão para as gerações futuras se deu por meio dos costumes. Na antiguidade, a socie- dade percebeu a necessidade de organizar de forma escrita as primeiras leis. Seguindo essa linha evolutiva, na Idade Média, deu-se o início da era do Direito codificado, mas os costumes nunca foram totalmente abandonados, mesmo com a evolução do Direito. De acordo com Sussekind (2003, p. 165), o costume “consiste no fato de um determinado núcleo social adotar e observar, constantemente e espontane- amente, um certo modo de agir de conteúdo jurídico”. O costume é um padrão de conduta ditado de forma espontânea pelos indivíduos de uma sociedade, de acordo com aquilo que lhes traz paz e felicidade, podendo variar de acordo com local, clima, cultura, religião, entre tantos outros fatores. Na verdade, a população mostra o modelo ideal de sociedade em que gostaria de viver, tentando alcançar os seus objetivos mesmo que instintivamente. As normas costumeiras são uma espécie de contrato que as pessoas se obrigam moralmente a cumprir. Isso porque, apesar de não emanar do Estado, possui um poder natural de coerção entre a população, uma vez que a maior parte dos indivíduos deseja viver em harmonia e sentir-se aceita pelo grupo social em que vive. Os costumes são uma fonte autônoma do Direito, uma vez não possui a intervenção estatal, podendo ser dividido em: secundum legem — reconhecido pela lei, a qual indica o momento e meio de utilização; praeter legem — quando não existe lei que regulamente determinada questão e o costume age na lacuna legal; contra legem — a lei não pode ser revogada pelo costume, mas, quando ela cai em desuso por não se adequar mais à realidade atual, poderá o costume prevalecer sobre ela. Na verdade, a evolução da sociedade se expressa nos seus costumes, que, por sua vez, vão refletir a necessidade da criação, alteração ou extinção das leis. Portanto, os costumes auxiliam, requerem e inspiram o poder legislativo. Os costumes fazem parte das fontes formais do Direito, segundo a teoria pluralista, que admite a possibilidade de as normas jurídicas emanarem de poderes não constituídos para esse fim. Entretanto, a teoria monista não admite que os costumes sejam tratados como fontes do Direito, pois advêm da sociedade, não de poderes constituídos pelo Estado. Entende-se, ainda, que os costumes fazem parte das fontes formais me- diatas, pois, por terem sido criadas pela sociedade, não possuem uma obriga- toriedade imediata. Já as fontes formais imediatas, por emanarem do Estado, Direito consuetudinário38 são obrigatórias, prevendo penalidades específicas, de conhecimento geral, a todos que não as observarem. Acesse o link a seguir e leia o artigo A lei, o costume, o Direito, elaborado pelo juiz Oton Lutosa, para entender melhor a relação entre a lei, o costume e o Direito: https://goo.gl/mHcjTe Evolução do Direito consuetudinário Na verdade, o Direito Positivo é produto dos esforços colaborativos entre Estado, por intermédio do seu poder legislativo, os costumes que refl etem as necessidades da sociedade e o judiciário, que mostra na prática o poder coercitivo das normas ao aplicar as sanções previstas na legislação. O Direito foi se modificando ao longo da evolução da sociedade, tendo o Direito Natural evoluído para o Direito consuetudinário, que um dia foi a forma de expressão das únicas normas de condutas vigentes, para hoje dar espaço ao Direito Positivo. Dentro do Direito, as normas possuem escalas de valorização diferentes, havendo distinção entre elas. Por isso, Hans Kelsen estabeleceu uma distri- buição hierárquica, que se expressa da seguinte forma. Os costumes se encontram no fim da hierarquia das normas — porém, isso se deu não para desmerecê-la, mas para uma melhor organização, manutenção da ordem jurídica e resolução de casos concretos. A legislação brasileira estabeleceu que, primeiramente, devem ser observadas pela sociedade os dispositivos colocados acima, uma vez que são válidos em todo o território nacional e aplicados a brasileiros e estrangeiros que aqui se encontram. Já os costumes, ainda segundo a nossa legislação, podem variar em diferentes regiões, bem como por divergências culturais, religiosas e comportamentais, o que pode gerar confusão no momento da resolução de um conflito. To- davia, os costumes devem ser observados e respeitados, dentro dos limites legalmente estabelecidos. 39Direito consuetudinário Cada país possui características jurídicas próprias, dando ao Direito costumeiro diferen- tes graus de importância. Atualmente, ainda existem países que utilizam integralmente o Direito consuetudinário, como é o caso da Mongólia e do Siri Lanka. Ainda há outros que, apesar de terem distintas fontes normativas, valorizam extremamente os costumes, como é o caso de Andorra e Angola. Os Estados Unidos, a Grécia e o Canadá também concedem destaque especial aos costumes em comparação ao Brasil. Ao se analisar a evolução da legislação brasileira, pode-se perceber com clareza muitas leis que foram resultado de hábitos costumeiros, praticados pela população já há algum tempo. Geralmente, quando as leis versam sobre temas polêmicos, elas nascem muito depois de já estarem sendo praticadas espontaneamente pela socie- dade. Isso porque existe uma insegurança quanto à aceitação da população e se de fato ela seria adequada para o momento histórico que o povo está atravessando. A antiga Constituição Federal brasileira considerava o casamento indissolúvel. Por isso, sendo a Constituição Federal soberana, não podendo outra norma contrapô-la, as pessoas só podiam pedir o desquite, que depois veio a ser chamado de separação judicial, a qual dissolvia apenas a convivência, mas não extinguia o vínculo conjugal. Com isso, caso a pessoa se unisse a outra e constituísse com ela família, a divisão patrimonial se complicava, tornando-se difícil para a nova família conseguir não ser desamparada depois da morte do seu cônjuge. Em 1977, houve emenda constitucional permitindo o divórcio, mas ele só poderia ser concedido se comprovados 2 anos de separação judicial. O divórcio direto só foipossível a partir de 2011, não sendo mais preciso comprovar a separação para pôr fim ao vinculo. Atualmente, as pessoas podem se divorciar até mesmo extrajudicialmente, uma forma rápida e barata, sendo possível desde que os cônjuges sejam capazes civilmente, não tenham filhos menores ou incapazes e haja consenso entre as partes, devendo para tanto constituir um advogado. Direito consuetudinário40 Aplicabilidade do Direito consuetudinário O judiciário brasileiro utiliza, além do Direito Positivo, o Direito consuetu- dinário e a jurisprudência para dirimir os confl itos que lhes são impostos à apreciação. A própria legislação brasileira admite e oferece subsídios para a utilização dos costumes como base para as decisões judiciais. Inicialmente, o art. 4º da Lei de Introdução às Normas Brasileiras (LINDB) expõe que os costumes podem ser utilizados pelo juiz para decidir um caso diante de uma omissão legal. O art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sancionada em 1943, mostra que o juiz deve utilizar, na ausência de disposições legais, os costumes, bem como outros instrumentos, para solucionar o caso concreto, tendo o cuidado para que direito individual não seja colocado acima do direito da coletividade. Art. 8º As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurispru- dência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público (BRASIL, 1943). Perceba que, pela CLT, na resolução de conflitos advindos das relações trabalhistas, a lei, os contratos, e a jurisprudência estão acima dos costumes. O código de defesa do consumidor de 1990 mostra que o rol de normas contidas na lei que protege as relações consumeristas não é taxativo, motivo pelo qual deverão ser considerados também os costumes no momento da avaliação do que é considerado certo ou errado nessa seara. Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade (BRASIL, 1990). O Código Civil de 2002 nos remete ao entendimento de que é considerado lícito tudo aquilo que não for contrário à lei, à ordem pública ou aos costumes, demonstrando que deve a sociedade observá-los em seu modo de agir. “Art. 41Direito consuetudinário 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes” (BRASIL, 2002). Comprovando que a valorização dos costumes não é algo que marcava apenas as leis criadas no passado, o mais recente Código de Processo Civil, promulgado em 2015, diz que o Direito consuetudinário pode ser utilizado por autor ou réu dentro de um processo (para defesa ou acusação), devendo comprovar, a parte que o alega, a existência deste, já que o Direito costumeiro pode variar de uma região para outra ou até mesmo de uma classe social para outra, de forma que o juiz pode não ter o conhecimento da existência do referido costume: “Art. 376 do CPC A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determina” (BRASIL, 2015). Note que o Direito consuetudinário foi colocado em mesmo patamar que o Direito municipal, estadual e estrangeiro, tendo o juiz a obrigatoriedade de conhecimento apenas de lei federal. O Código Comercial, apesar de ter sido revogado em sua primeira parte pelo atual Código Civil, também trazia a previsão da utilização dos costumes nos artigos 154, 169 e 173. Em contrário senso, não se admite o costume como fonte do Direito Penal, pela observação obrigatória do princípio da reserva legal, que determina a impossibilidade da configuração de crime ou aplicação de pena sem a existência de lei anterior que a defina. Direito consuetudinário42 As leis brasileiras têm validade nacional, aplicando-se a todos que se encontram no território brasileiro, ainda que sejam estrangeiros. Contudo, no Brasil, as pessoas são livres para preservarem os seus costumes, podendo praticar atos inerentes a eles desde que não sejam contrários às leis brasileiras. Exemplos seriam a poligamia, admitida em algumas culturas, mas não no nosso País, e o casamento com crianças, que também não é permitido pela lei brasileira. Portanto, mesmo que um estrangeiro fixe residência no Brasil, só poderá pedir o reconhecimento do casamento com uma mulher e, se for casado com criança, esse casamento não poderá ser reconhecido no Brasil. Vale ressaltar, que como o Direito consuetudinário pode variar de uma região para outra dentro do território nacional, o costume local sempre prevalecerá em detrimento do que não pertence àquela localidade. Pela jurisprudência, que é o conjunto de decisões reiteradas e semelhantes dos juízes e tribunais, percebe-se como são utilizadas, na prática, as normas jurídicas existentes, sejam leis ou costumes, aplicadas à resolução de conflitos, tendo os magistrados de adequá-las, equilibrando-as e inovando em situações inéditas. A esse respeito Misael Montenegro, assim disse: Diante da omissão ou da imprecisão legislativa, que força o magistrado a julgar com base nos costumes, na doutrina, e/ou na jurisprudência, o princípio da motivação assume maior importância, exigindo do magistrado que fundamente de forma qualificada a decisão proferida (MONTENEGRO FILHO, 2015, p.13). 43Direito consuetudinário Veja o exemplo de uma decisão judicial baseada nos costumes: TJ-RS - Apelação Cível AC 70057771719 RS (TJ-RS) Data de publicação: 02/10/2015 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS AGRÁRIOS. AÇÃO ORDINÁRIA ANULATÓRIA DE CONTRATO DE ARRENDA- MENTO RURAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E DESPEJO. INSTRUMENTO CONTRATUAL FOR- JADO. INDICATIVOS DE QUE ELABORAÇÃO DECORREU DE FRAUDE. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DOS PRETENSOS ARRENDANTES. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. PROVA INDICIÁRIA CONVERGENTE DE QUE O RÉU FORJOU O INSTRUMENTO CONTRATUAL ESGRIMIDO NO PROCESSO. FRAUDE VISANDO PREJUDICAR OS AUTORES E MANTER-SE EXPLORANDO O IMÓVEL SEM QUALQUER CON- TRAPRESTAÇÃO. VALORAÇÃO DO MANANCIAL PROBATÓRIO. USOS E COSTUMES DO LUGAR. Conforme elementos indiciários convergentes, afiguram-se implausíveis as condições estipuladas no instrumento contratual apresentado pelo réu, não apenas quanto ao preço e prazo de duração do pretenso contrato de arrendamento rural, em flagrante descompasso com os usos e costumes locais, mas também quanto às circunstâncias em que o negócio ter-se-ia implementado. Sentença de improcedência da ação reformada. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70057771719, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 30/09/2015). Nessa ementa, percebe-se que, apesar de existir um contrato entre as partes, ele foi considerado fraudulento, visto que se encontrava com cláusulas incoerentes com as pactuadas naquela localidade. Por isso, o juiz, na evidência do costume local divergente do apresentado contratualmente, fundamentou a sua decisão, desconsiderando as cláusulas contratuais ali contidas. Direito consuetudinário44 BRASIL. Senado Federal. Código de processo civil e normas correlatas. 7. ed. 2015. Dispo- nível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422/001041135. pdf?sequence=1>. Acesso em: 26 out. 2017. BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>.Acesso em: 26 out. 2017. BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/L8078.htm>. Acesso em: 26 out. 2017. BRASIL. Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ Del5452.htm>. Acesso em: 26 out. 2017. MONTENEGRO FILHO, M. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. SUSSEKIND, A. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo: LTR, 2003. Leituras recomendadas CAPPELLETTI, M. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sergio Fabris Editores, 1999. CASSAR, V. B. Direito do Trabalho. 20. ed. rev. ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2008. DIREITO CONSUETUDINÁRIO. In: Wikipédia. 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia. org/wiki/Direito_consuetudin%C3%A1rio>. Acesso em: 26 out. 2017. MAYNEZ, E. G. Introducción al estúdio del Derecho. México: Porrua, 1968. PINTO, L. de T. et al. Vade Mecum. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.tjrs.gov.br>. Acesso em: 26 out. 2017. WOLKMER, A. C. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 45Direito consuetudinário Conteúdo:
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