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PEDIATRIA Problema 5 Jordana Lopes de Lucena METABOLISMO DA BILIRRUBINA As hemácias circulam por 120 dias e são destruídas, porque sua membrana vai ficando mais frágil, e muitas delas se autodestroem no baço, porque lá os espaços entre as trabéculas medem apenas 3µm, sendo que as hemácias possuem 8µm de diâmetro. A ruptura das hemácias libera a hemoglobina, que é fagocitada pelos macrófagos em muitas partes do organismo, principalmente pelas células de Kupffer no fígado e pelos macrófagos do baço e da medula óssea. Dentro do macrófago, a hemoglobina é quebrada em 2 compostos: a heme e a globina. A globina será convertida em aminoácidos, que serão reutilizados pra formar novas proteínas, e a heme libera o Fe+ e se liga à enzima heme-oxigenase, dando origem à biliverdina. A biliverdina-redutase converte a biliverdina em bilirrubina livre (indireta), que é vai sendo liberada dos macrófagos para o plasma. *a taxa de conversão da biliverdina em bilirrubina livre é de 4mg/kg/dia. Essa bilirrubina livre é lipossolúvel então tem que se ligar à albumina, e pode atravessar a barreira hematoencefálica (é tóxica pro tecido nervoso!) Quando a bilirrubina livre chega ao fígado, ela é recolhida pelos hepatócitos por meio de proteínas transportadoras de membrana (“captação”), sendo que a principal é a ligandina, entrando nos hepatócitos e chegando ao retículo endoplasmático liso, onde se junta a uma ou duas moléculas de ácido glicurônico através de enzimas microssomais, formando assim a bilirrubina conjugada. A bilirrubina conjugada é excretada dos hepatócitos e vai para o intestino pelo ducto biliar, e lá ela é desconjugada e reduzida no cólon pelas glicuronidases bacterianas, formando assim urobilinogênio pela retirada do ácido glicurônico por hidrólise. O urobilinogênio pode seguir 2 caminhos: (1) cair na corrente sanguínea (10%), chegando aos rins e se convertendo em urobilina, excretada na urina e (2) seguir pelo intestino grosso (90%), onde é convertido em estercobilina e vai para as fezes. No feto No feto, as hemácias começam a ser encontradas a partir da 2ª-3ª semana, e sua meia-vida é bem menor (45-90dias). A bilirrubina é encontrada no líquido amniótico norma após 12 semanas de gestação, mas desaparece em torno de 36 e 37 semanas. Nesse período, a capacidade do fígado fetal de remover a bilirrubina da circulação e conjugá-la é muito pequena, aí depois do nascimento essa atividade aumenta muito, atingindo os níveis normais em 6 a 14 semanas. A quantidade de hemoglobina a ser transformada em biliverdina é muito grande e induz um aumento grande da heme- oxigenase em relação aos níveis do adulto. Por conta disso, a bilirrubina a ser excretada é 2,5 vezes maior do que no adulto. O intestino fetal é órgão não muito eficaz do ponto de vista excretório, então é incapaz de se desfazer dessa carga de bilirrubina. Então, a bilirrubina tem que passar pela barreira placentária e chegar à circulação materna, onde se liga à albumina e é excretada pela mãe. ICTERÍCIA NEONATAL É a coloração amarelada da pele/conjuntiva com concentração sérica de bilirrubina indireta > 1,5mg/dL ou de bilirrubina direta > 1,5mg/dL. Começa a ter manifestação clínica quando a bilirrubina total (BT) é >5mg/dL. Não há muita concordância entre a avaliação clínica da icterícia (cor amarelada) e os valores de BI sérica, porque alguns fatores interferem, como a cor da pele do RN, a luz do ambiente etc, então deve-se fazer acompanhamento com dosagem rotineira da bilirrubina sérica. Os níveis de BT refletem a bilirrubina indireta, então a bilirrubina direta deve ser avaliada se houver suspeita de colestase neonatal. Icterícia fisiológica Há icterícia em 60% dos RN a termo e em 80% dos recém-nascidos pré-termo, e a maioria é por aumento da bilirrubina indireta. 6% possuem BT >12,9mg/dL. Reflete uma adaptação neonatal ao metabolismo da bilirrubina. A hiperbilirrubinemia indireta dá à pele a cor amarelo-brilhante. *a hiperilirrubinemia direta dá a cor amarelo-esverdeada. A hiperbilirrubinemia fisiológica é o nível de BT sérica com pico médio por volta de 6mg/dL entre o 3º e o 4º dia de vida, e aí vai diminuindo em 1 semana com um valor máximo de 12,9mg/dL A icterícia fisiológica possui várias causas: o RN produz 2 a 3 vezes mais bilirrubina do que o adulto, porque as hemácias tem menor tempo de meia vida (70-90 dias) -> 1g de hemoglobina fornece 34mg de bilirrubina, e a produção DIÁRIA de bilirrubina no neonato é de 6 a 10mg/kg (75% como resultado da hemólise das hemácias e 25% das proteínas hepáticas, do heme livre e da destruição de eritrócitos imaturos). Com essa sobrecarga de bilirrubina, o hepatócito não consegue captar todas, então não há conjugação nem excreção hepática da bilirrubina. Além disso, o RN possui poucas bactérias intestinais e maior atividade da enzima ß-glicorunidase na mucosa intestinal -> assim, há pouca conversão da bilirrubina em urobilinogênio, então ela fica mais suscetível à desconjugação pela ß- glicuronidase, e aí a bilirrubina volta a ser livre e é reabsorvida pela mucosa intestinal, entrando na circulação entero- hepática, sobrecarregando ainda mais o hepatócito. Outro fator é que o RN possui captação hepática limitada de bilirrubina nos primeiros 3 ou 4 dias porque tem deficiência de ligandina, que é a principal proteína carreadora da bilirrubina dentro do hepatócito. Além disso, a conjugação hepática também é prejudicada porque a glicuronil-transferase tem atividade diminuída (ela começa a agir mesmo após 6 a 14 semanas de vida). *a glicuronil-transferase também pode ter sua ação diminuída por fatores como hipóxia, infecção, hipotireoidismo e hipotermia. A excreção hepática de bilirrubina também é muito limitada porque ela ocorre contra o gradiente de concentração, e o nível biliar é muito mais alto do que dentro do citoplasma do hepatócito. Assim, o RN possui várias limitações no metabolismo da bilirrubina que resultam na bilirrubinemia aumentada. E, como não há mais placenta como via de eliminação, a bilirrubina fica presa. Algumas publicações dizem que a bilirrubina em níveis fisiológicos pode ter efeito protetor sobre as células, como principal antioxidante desse período da vida, semelhante ao que acontece nas reações bioquímicas, o que poderia explicar a presença de icterícia fisiológica na maioria dos RN e também aquela icterícia prolongada que acompanha o aleitamento materno. Porém, a icterícia também é um dos sintomas mais importante de algumas doenças que precisam de tratamento imediato. Complicações O período neonatal é mais vulnerável à lesão neurológica mediada pela bilirrubina indireta por esses fatores: 1. Hipoproteinemia: há uma menor concentração de albumina, então há maior teor de bilirrubina livre. *somente a fração livre consegue atravessar a barreira hematoencefálica 2. Deslocamento, pelo uso de algumas drogas, da bilirrubina de seus sítios de ligação na albumina. 3. Deslocamento da bilirrubina de seus sítios de ligação na albumina por causa de acidose, aumento de ácidos graxos livres (por causa de hipoglicemia, hipotermia etc) 4. Aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica por imaturidade (principalmente nos prematuros), asfixia e infecção. Icterícia patológica Na maioria das vezes a icterícia é fisiológica, mas algumas escondem um distúrbio patológico. Investigar quando: Icterícia de início nas primeiras 24 horas de vida Icterícia em RN aparentemente doente Sinais de hemólise: palidez e hepatoesplenomegalia Icterícia evidente até metade do abdome Incompatibilidade Rh ou ABO Irmão que tenha necessitado de fototerapia Céfalo-hematoma ou sangramento significativo. Hiperbilirrubinemia direta: sempre será patológica. O período de aparecimento também é importante: Antes de 24 horas (sempre patológica): eritroblastose fetal, hemorragia oculta, sepse, doença de inclusão citomegálica, rubéola, toxoplasmose congênita, secundária a hematomase equimoses extensas 2º-3º dia: fisiológica, síndrome de Crigler-Najjar, do aleitamento materno 3º-7º dia: sepse, doença de inclusão citomegálica, sífilis, toxoplasmose e infecção urinária. Após a primeira semana: leite materno, sepse, atresia congênita dos ductos biliares, hepatite, galactosemia, hipotireoidismo, esferocitose hereditária e deficiências enzimáticas levando à hemólise (G6PD), fibrose cística Persistência após 1 mês: icterícia fisiológica associada a um hipotireoidismo ou estenose pilórica, síndrome da bile espessa (geralmente sucede uma doença hemolítica perinatal), galactosemia, atresia congênita dos ductos biliares, infecções congênitas, uso de parenteral, síndrome de Crigler-Najjar. Se existem sinais clínicos evidentes de colestase ou se apenas a dosagem de bilirrubinas séricas revela que a bilirrubina direta possui nível ≥ 20% da bilirrubina total, é um evento patológico, devendo-se investigar (em caso de aumento da BILIRRUBINA DIRETA) doença hepatobiliar, encaminhando pra um centro de referência. Principais causas: Incompatibilidade Rh: ocorre hemólise quando as hemácias do RN possuem o antígeno D e são destruídas por anticorpos maternos IgG anti- D. Essas mães são sensibilizadas em gestações anteriores, e possuem teste de Coombs indireto positivo.. A intensidade da hemólise influencia na gravidade da icterícia, sendo que pode haver icterícia tratável no máximo por fototerapia e anemia por 1/3 meses, mas outras precisam de fototerapia por vários dias e podem precisar de transfusão sanguínea, e as formas mais graves geram hidropisia fetal. Incompatibilidade ABO: quando o RN é A ou B e a mãe O, independentemente do fator Rh. A icterícia costuma aparecer nas primeiras 24/36 horas de vida, e a hemólise pode ocorrer por até 2 semanas. O nível de BT pode chegar a 20mg/dL, e é menos grave do que a incompatibilidade Rh. Geralmente é tratada por fototerapia, e em alguns casos transfusão sanguínea. Teste de Coombs positivo em 20% dos casos. Prematuridade: IG entre 35 e 36 semanas é outro fator de risco por causa da baixa capacidade de conjugação hepática e da dificuldade de sucção e deglutição pra manter uma oferta adequada de leite materno. O risco de RN com 36 semanas desenvolver BT > 20mg/dL é 8x maior do que os de RN com 41 semanas. Aleitamento materno: O aleitamento materno também é um fator pra icterícia na 1ª semana de vida (4-7 dia de vida; aparece quando a icterícia fisiológica desaparece, podendo persistir por vários meses) por causa da dificuldade da amamentação e da pouca oferta láctea com a perda de peso, às vezes acompanhada de desidratação, o que propicia o aumento da circulação entero-hepática da bilirrubina e a sobrecarga de bilirrubina no hepatócito. Acredita-se que há níveis elevados da enzima ß-glucuronidase no leite materno, e essa enzima causa uma maior absorção e bilirrubina intestinal no RN, bloqueando a excreção de bilirrubina. Um nível de bilirrubina sérica que diminui 24 a 48 horas após cessar a amamentação confirma o diagnóstico. Síndrome da icterícia do pelo leite materno: o leite materno influencia na deficiência na captação e na conjugação da bilirrubina, elevando o risco 22x de BT > 20mg/dL, se iniciando entre 3 e 5 dias de vida e atingindo o pico após 2 semanas e desaparecendo entre 3 e 12 semanas após o nascimento. A causa não é muito conhecida (pode ter algum fator presente no leite que aumenta a reabsorção intestinal de bilirrubina; não precisa de tratamento). *a icterícia prolongada às vezes pode ser a única manifestação do hipotireoidismo congênito, porque o hormônio tireoidiano é um indutor da atividade da glicuronil transferase. Falta de enzimas: a descendência asiática e antecedentes familiares são associados à BT > 20mg/dL, por causa de polimorfismo genético que resulta na diminuição da atividade da glicuronil-transferase, então há menor conjugação. Além disso, a deficiência de glicose-6-fosfatodesidrogenase (G-6-PD) também deve ser pesquisada em todo RN com icterícia não fisiológica, mesmo que já tenha achado uma outra causa; essa deficiência é uma doença genética associada ao cromossomo X, mas afeta igualmente os 2 sexos, e é mais incidente em pessoas do Mediterrâneo, como Itália e Oriente Médio, África Equatorial e algumas regiões do Sudeste Asiático. Jejum prolongado: o jejum prolongado favorece a absorção da bilirrubina no intestino, que aí volta pro fígado. Abordagem O nomograma de Bhutani classifica os riscos do valor de BT, com predomínio da BI, em RN com 35 semanas ou mais, conforme a idade pós-natal em horas. A zona de alto risco é perto do percentil 95, a intermediária é subdividida em zonas de risco superior e inferior pelo canal de percentil 75, e a zona de baixo risco é no percentil 40. Essa classificação é pra orientar o pediatra se deve ou não liberar a alta hospitalar e elaborar o plano de investigação e tratamento da icterícia. Se a bilirrubina aparecer antes de 24 horas de vida, deve-se pedir os seguintes exames pra investigar: bilirrubina total e frações, tipagem sanguínea + teste de Coombs, hemoglobina e hematócrito, reticulócitos e G6PD. Deve-se realizar a alta hospitalar somente após 48 horas de vida e o retorno ambulatorial em 48 a 72 horas pra acompanhamento da icterícia, aleitamento materno, entre outras intercorrências. Na Europa há uma campanha chamada Alerta Amarelo: icterícia que persiste além de 2 semanas após o nascimento em RN a termo e 3 semanas em RN pré-termo pode ser sinal de doença hepática e deve ser investigada (ex: colestase neonatal). Complicações A maior complicação é a encefalopatia bilirrubínica (kernicterus). No começo (primeiros dias e dura semanas) há letargia, hipotonia e dificuldade pra engolir. Se não for tratada, aparece hipertonia (retroarqueamento do pescoço e tronco) com hipertermia e choro agudo de alta intensidade, podendo evoluir pra apneia, coma, convulsões e morte. As crianças sobreviventes possuem a forma crônica da doença, com neuropatia auditiva, paresia vertical do olhar, displasia dentária e deficiência mental. Tratamento Fototerapia: a fototerapia com proteção ocular é o método mais utilizado. Depende do comprimento de onda da luz, irradiância espectral e a superfície corpórea exposta. Se a bilirrubinemia for superior ao percentil 95, deve-se usar fototerapia de alta intensidade, com lâmpadas azuis especiais, e não deve nem haver interrupção pra mamar. A fototerapia gera mudanças na configuração das moléculas de bilirrubina (isomerização), tornando-as mais solúveis, podendo assim ser excretadas na urina. Transfusão sanguínea: mais indicada pra doença hemolítica grave por incompatibilidade de Rh, e deve ser feita logo após o nascimento, quando BI > 4mg/dL e/ou hemoglobina < 12g/dL no sangue de cordão. Deve-se medir a BT a cada 6/8 horas, e a transfusão é indicada se houver aumento igual ou maior que 0,5 a 1mg/dL/hora nas primeiras 36 horas de vida. Alimentação precoce e administração de glicose: a alimentação precoce é importante porque aumento o peristaltismo no trato GI e acelera a excreção de bilirrubina conjugada presente no lúmen, diminuindo sua reabsorção do ciclo enterohepático. Hiperbilirrubinemia direta O aumento da bilirrubina direta é causado por distúrbios hepáticos ou doenças sistêmicas. Geralmente dá à pele um tom esverdeado ou amarelo-acastanhado opaco. Considerar obstrução, sepse, doença do trato biliar (ex: colestase neonatal), toxinas, inflamação e doenças metabólicas/genéticas. A hiperbilirrubinemia grave é quando a BD > 1mg/dL se a BT < 5mg/dL ou quando a BD > 20% da BT se a BT > 5mg/ dL. A icterícia colestática é caracterizada pelo aumento prolongado da bilirrubina conjugada e é o reflexo da redução da excreção pelos hepatócitos ou por doença no trato biliar. Hepatite neonatal: é uma doença de causa desconhecida e é caracterizada pelo aumento prolongado da bilirrubina direta com células gigantes em biópsiahepática. Sepse neonatal: é causada por microrganismos Gram-positivos ou negativos e está associada a colestase. Nos casos de infecção do trato urinário por E.coli, a icterícia pode ser o único sinal presente. Erros inatos do metabolismo: geram aumento da bilirrubina direta. Ex: galactosemia, tirosinemia. COLESTASE NEONATAL A colestase neonatal é um sintoma e não uma doença, e é definida como a diminuição na formação ou no fluxo da bile pro intestino delgado, por causa de anormalidades na estrutura do fígado ou das vias biliares. Como consequência há retenção de bilirrubina direta, sais biliares, colesterol e outros componentes da bile. Laboratorialmente, há colestase quando: A bilirrubina direta for maior que 1mg/dL (se a bilirrubina total for menor que 5mg/dL) Ou se a bilirrubina direta for superior a 20% da bilirrubina total (se a bilirrubina total for maior que 5mg/dL) Possui incidência de 1 a cada 2.500 nascidos vivos, sendo mais incidente ainda em prematuros. No ser humano, a síntese dos ácidos biliares tem início na 12ª semana de gestação, a secreção biliar no 4º mês e a bile está presente no intestino no 5º mês de gestação. Os recém-nascidos tem predisposição por causa da imaturidade hepática. Até os 4 a 6 meses, a criança tem naturalmente o nível sérico de ácidos biliares mais alto, mas vai havendo amadurecimento hepático gradativamente, e com 1 ano a criança já tem o padrão de secreção biliar parecido com do adulto. Etiologia Há várias causas, intra e extra-hepáticas, e é importante diferenciá-las, porque as causas extra-hepáticas podem ter tratamento hepático precoce pra prevenir lesão permanente do fígado e melhorar a sobrevida da criança. A colestase neonatal do lactente é um dos maiores desafios diagnósticos da Hepatologia pediátrica. 70 a 80% são causadas por hepatite neonatal idiopática e pela atresia biliar extrahepática. Além disso, apenas 15 a 20% das colestases possuem causa determinada. As causas da colestase variam conforme o local: nas crianças hospitalizadas em centros de referência, predominam as doenças cirúrgicas, enquanto as causas clínicas são avaliadas no nível ambulatorial. Em todas as causas, a bile não está agindo bem no intestino, então haverá menor absorção de nutrientes, principalmente os lipossolúveis. Causas extra-hepáticas As causas obstrutivas, por exemplo, em que há alguma coisa fisicamente bloqueando o fluxo da bile. Atresia biliar extra-hepática: os ductos biliares vão se fechando e se fibrosando por causa de um processo inflamatório perinatal sem causa conhecida, podendo evoluir pra cirrose biliar. É responsável por 90% dos casos de colestase obstrutiva. Nesse caso, a bile vai estar se acumulando no fígado, e aí vai aumentar a pressão e ir pro espaço intersticial, resultando em em aumento de bilirrubina direta no sangue. Possui 3 tipos: (1) atresia restrita ao ducto biliar comum, (2) atresia do ducto hepático comum e (3) atresia dos ductos hepáticos direito e esquerdo -> mais comum. As crianças nascem à termo com peso normal. A correção é feita pela cirurgia de Kasai antes dos 60 dias de vida; 15 a 20% das crianças que fazem a cirurgia não precisarão de transplante de fígado, e em todos os casos a cirurgia prorrogará a necessidade do transplante, pra uma época mais favorável, permitindo o crescimento adequado e o desenvolvimento de imunidade às infecções virais. Cisto de colédoco: mais freqüente no orientais e nas meninas. Possui 5 tipos: (1) dilatação vascular ou fusiforme do ducto biliar comum (colédoco) -> 90% dos casos, (2) forma de divertículo, (3) representado por uma coledococele (dilatação da parte de dentro do duodeno no ducto biliar comum), (4) dilatações múltiplas dos ductos biliares intra e extra-hepáticos e (5) doença de Caroli, que á dilatação isolada ou múltipla dos ductos biliares intra-hepáticos de grande calibre. A clínica é igual à da atresia extra-hepática, e o diagnóstico é feito por ultrassom abdominal, e a cirurgia é a realização da hepaticojejunostomia. Causas intra-hepáticas Nesse caso, o fígado não está formando bile suficiente (BILE: ácidos biliares + bilirrubina etc). O estrogeno pode estar envolvido, porque inibe a secreção de ácidos biliares. Hepatite neonatal idiopática: é uma afecção que não tem indicação de tratamento, só acompanhamento clínico e laboratorial do paciente, e o prognóstico depende do caso (60% se recuperam, 10% têm inflamação ou fibrose e 30% morrem) Hipoplasia dos ductos biliares interlobulares: possui 2 formas -> síndrômica (síndrome de Alagille, com melhor prognóstico) e não-síndrômica. Nesse caso, o curso da colestase é variável, e mais exacerbado durante uma infecção viral. O prurido, os xantomas e os sintomas neuromusculares decorrentes da deficiência de vitamina E são responsáveis pela morbidade. Tirosinemia: é um erro inato do metabolismo (deficiência da enzima fumaril-acetoacetato hidrolase), e é comum no Quebec (Canadá). Evolui com cirrose, raquitismo resistente à vitamina D etc. O tratamento é a restrição dietética de fenilanina e tirosina. Galactosemia: é a deficiência de galactose 1-fosfato-uridiltransferase. Apresenta diarréia e vômitos se tomar leite, e na forma grave ocorre insuficiência hepática aguda grave. A suspeita indica a necessidade imediata de uma triagem, pesquisando substâncias redutoras na urina não reativas à glicose-oxidase. Toda mãe que possui filho com essa doença deve ter pouca galactose na dieta nas gestações próximas. Intolerância hereditária à frutose: é resultado da deficiência da atividade da aldolase B, e as manifestações clínicas dependem da época de introdução de frutose na alimentação -> quanto mais jovem e quanto maior a quantidade de açúcar ingerido, mais grave será a doença. Manifestações Clínica O quadro clínico é parecido em praticamente todas as causas: icterícia, colúria, hipocolia ou acolita fecal, hepatomegalia com ou sem esplenomegalia. A colestase gera o acúmulo, no sangue, de substâncias geralmente excretadas pela bile. Então, há icterícia com colúria (urina escura) e hipocolia (fezes brancas) ou acolia fecal. Porém, a icterícia nem sempre aparece, e em algumas condições pode haver apenas prurido (a causa não é muito conhecida, mas deve ser porque os sais biliares se acumulam na pele, tornando-a irritada) Geralmente todos os os pacientes com colestase possuem desnutrição, prurido e osteopenia. Xantomas: depósitos de colesterol nas dobras e áreas de atrito da pele Laboratorial Aumento no sangue do nível de ácidos biliares e de bilirrubina direta (≥ 20% da bilirrubina total). *a quantidade de bilirrubina direta não está muito relacionada com a intensidade da colestase (ex: na colestase prolongada, há a formação de um complexo de ligação covalente da bilirrubina direta com a albumina, que possui meia-vida de 12 a 14 dias ao invés de 4 horas, expressando-se assim com icterícia persistente sem colúria). Atividade aumentada das aminotransferases, fosfatase alcalina e gama-glutamiltransferase Hipercolesterolemia Histopatológica Há pigmento biliar no citoplasma dos hepatócitos, na luz dos canalículos, dos ductúlos e dos ductos biliares. Diagnóstico Pode-se suspeitar na gravidez quando há uma imagem cística sub-hepática ou quando a vesícula biliar não é visível no ultrassom. Além disso, a atividade baixa da gama-glutamiltransferase no líquido amnéstico na 18ª semana ou uma gama- glutamiltransferase muito alta no sangue do feto podem apontar pra atresia biliar extra-hepática. Apesar de a maioria das icterícia do período neonatal serem por causa da bilirrubina indireta, o pediatra deve estar alerta pra possibilidade de colestase em todo RN com icterícia persistente por mais de 14 dias, observando assim a dosagem das bilirrubinas fracionadas e a observação da cor da urina (a icterícia fisiológica - bilirrubina indireta - raramente dura mais que 2 semanas, exceto nos prematuros e nos RN com icteríciapor leite materno). Como o quadro clínico é parecido em todas as causas, deve-se ter alguns critérios pra diferenciar as causas intra e extra- hepáticas: -> pra avaliar a cor das fezes é importante que a criança não esteja comendo alimentos coloridos. -> fezes acólicas o tempo todo e com hepatomegalia firme é mais provável que seja atresia biliar extra-hepática. -> o prurido só começa a se manifestar clinicamente após 4 ou 6 meses de vida Na anamnese de uma criança com suspeita de colestase neonatal, deve-se questionar: consangüinidade dos pais; pai e/ou mãe pertencentes a grupos de risco (usuário de drogas injetáveis, homossexualidade, vida sexual promíscua, tratamento em hemodiálise, transfusão de sangue ou de hemoderivados, profissional de saúde); história pré-natal de infecção ou uso de medicamentos e doença hepática em parentes. Exames complementares Há 2 objetivos: ver se a doença colestática precisa de tratamento cirúrgico (causa extra-hepática) ou clínico (causa intra- hepática), além de ver se é uma doença intra-hepática que precisa de um tratamento específico. Pra isso, deve pedir uma avaliação bioquímica: “perfil hepático”, glicemia, função renal, hemograma com estudo da coagulação, sorologia pra determinadas doenças e usar recursos pra ver a existência ou não-existência de fluxo biliar. Bioquímica: a bilirrubina direta ≥ 20% da bilirrubina total ou quando está acima de 2mg/dl é uma das principais formas de diagnosticar a colestase. Na atresia biliar extra-hepática ocorre um aumento moderado e flutuante no nível sérico de bilirrubina, então uma redução da bilirrubina em 2 dosagens sucessivas não não significa que não tem atresia. Ultra-som abdominal: importantíssimo pra diagnosticar a colestase. Deve vir antes da biópsia hepática, até pra ver se pode mesmo fazer a biópsia. Porém, o principal objetivo do ultrassom é ver se há o cisto do colédoco, que precisa de cirurgia. Dá pra ver também a dilatação das vias biliares (pra excluir atresia biliar). Deve haver jejum de 4 a 6 horas antes, pra que a vesícula biliar fique cheia de bile. Tubagem duodenal: introdução de uma sonda na 2ª ou 3ª porção do duodeno, pra coletar o suco duodenal e ver se há bile. Biópsia hepática: ótima pra distinguir colestase intra e extra-hepática, e até mesmo ver se é atresia biliar extra-hepática ou hepatite neonatal idiopática (possuem características histológicas diferentes) Cintilografia hepatobiliar: o radiofármaco Tc-99m-DISIDA é captado pelo fígado e excretado pelas vias biliares no duodeno, então a cintilografia desse radiofármaco é boa pra estabelecer o diagnóstico entre colestase parcial e completa. A colestase neonatal ainda representa um grande desafio para pediatras, hepatologistas e cirurgiões pediátricos. Do pediatra, habituado com a icterícia fisiológica do recém nascido e com a maior freqüência da hiperbilirrubinemia indireta, é exigido o reconhecimento precoce da hiperbilirrubinemia direta do recém-nascido e o seu encaminhamento urgente para um centro hospitalar de referência terciária. A partir daí, cabe ao hepatologista o desafio diagnóstico frente às diversas causas de colestase intra e extra-hepáticas; num esforço conjunto com o ultra-sonografista e com o patologista, tem o compromisso de discriminar as afecções cirúrgicas das não-cirúrgicas em tempo hábil; dentre as causas clínicas, é indispensável definir o diagnóstico das doenças que requerem um tratamento específico, como a galactosemia, intolerância hereditária à frutose, tirosinemia, sepse etc. Na atualidade, o ultra-som abdominal e a histopatologia hepática constituem os métodos diagnósticos mais acurados para a distinção entre as colestase intra e extra-hepáticas; a tubagem duodenal e a cintilografia hepatobiliar foram abandonadas por não proporcionarem boa especificidade e acurácia diagnóstica, além da morosidade inerente ao primeiro método. Ao cirurgião são encaminhados essencialmente os lactentes acometidos de atresia biliar extra-hepática ou de cisto de colédoco; portanto, a equipe cirúrgica deve trabalhar em sintonia com a clínica para que a correção cirúrgica se processe com rapidez. O sucesso da cirurgia vai depender também da experiência e da habilidade do cirurgião, que ainda enfrenta as complicações pós-operatórias. A equipe responsável pelo acompanhamento clínico dos pacientes submetidos à cirurgia de Kasai convive diuturnamente com as conseqüências de uma cirurgia malsucedida: desnutrição protéico-energética, hipovitaminoses, prurido, infecções, complicações decorrentes da hipertensão porta (hemorragia digestiva alta, ascite, peritonite bacteriana espontânea). Ademais, diante do paciente que desenvolve insuficiência hepática grave, a equipe médica precisa administrar com habilidade as dificuldades financeiras do paciente, a desestruturação da família e a perspectiva da “solução mágica” do transplante hepático. Tratamento Cirurgia É indicada nas causas extra-hepáticas -> cisto de colédoco e atresia de vias biliares. Os melhores resultados são obtidos quando a cirurgia é feita em até 60 dias de vida. Tratamento clínico Suporte nutricional: deve haver mais calorias do que o normal, e aleitamento materno exclusivo, além de suplementação se a criança não estiver ganhando peso (ex: hidrolisado proteico -> por ser proteína hidrolisada, possui triglicerídeos de cadeia média na formulação, então há mais calorias). Vitamina A: 5.000 a 15.000 UI/dia; aplicar 50.000UI/mês intramuscular, a cada 2 ou 3 meses. Realizar avaliação oftalmológica a cada 6 meses e monitorar níveis séricos a cada 3 meses, que devem estar de 400 a 500mg/l. Se houver hipovitaminose A mesmo com a dose correta, acrescentar zinco (1mg/kg) Vitamina E: 25-50UI/dia. Manter níveis séricos > 5mg/l. Monitorar os reflexos a cada consulta e fazer lipidograma e cada 3 meses. Vitamina D: 0,05-0,2µg/kg/dia. Vitamina K: pra prevenir a hemorragia intracraniana por causa da má-absorção de vitamina K no intestino. ZONAS DE KRAMER São zonas dérmicas que relacionam a alteração de cor gerada pela icterícia em RN ao nível sérico de bilirrubina. Essas zonas são apenas uma estimativa grosseira, então deve haver mesmo assim colhimento de sangue. Teste de Coombs: é um teste pra identificar a presença de anticorpos fixados nas hemácias. Teste de Coombs direto (RN): coleta-se sangue direto do cordão umbilical Teste de Coombs indireto (mãe): entre 35 e 37 semanas de gestação pra ver incompatibilidade de Rh.