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Inserir Título Aqui Inserir Título Aqui Regulação do Comércio Internacional Desenvolvimento da Legislação de Comércio Exterior Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Esp. Renata Cristina Cicaroni Revisão Textual: Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos: • Introdução à Regulamentação de Comércio Internacional; • OMC – Organização Mundial de Comércio; • A OMC e o Brasil. Objetivos • Apresentar a história e evolução da legislação de Comércio Internacional; • Mostrar os órgãos envolvidos nas decisões referentes a essa legislação; • Conhecer os principais princípios e cláusulas impostas ao Comércio Internacional; • Entender a participação do Brasil no Comércio Internacional. Caro Aluno(a)! Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o último momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas. Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns dias e determinar como o seu “momento do estudo”. No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como suges- tões de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpre- tação e auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Bons Estudos! Desenvolvimento da Legislação de Comércio Exterior Fonte: Getty Im ages UNIDADE Desenvolvimento da Legislação de Comércio Exterior Contextualização Imagine que uma empresa brasileira queira iniciar negócios no exterior. Quando pen- samos nas questões operacionais e de custos, essas podem ser facilmente resolvidas com a contratação de um despachante, por exemplo. Porém, quem irá negociar com o fornecedor ou cliente de outro país? Com certeza, deve ser alguém que conheça muito bem o produto alvo. Mas será que isso é o suficiente? Como ter segurança de que posso comercializar essa mercadoria internacionalmente? Será que o país com o qual pretendo trabalhar tem alguma restrição em suas normas e acordos? Quais são as barreiras exis- tentes para comercializar o produto no exterior? É isso o que vamos discutir nessa unidade, incluindo a evolução da legislação para o que está vigente atualmente. Quem define as normas e como devem ser aplicadas, gerando segurança para as empresas, além de facilitar e evitar erros de comunicação entre os envolvidos de cada país. 6 7 Introdução à Regulamentação de Comércio Internacional Olá, vamos iniciar esta unidade definindo o conceito de Comércio Internacional. Comércio Internacional é um conjunto de regras aplicadas a todos os países de for- ma homogênea, visando facilitar as negociações comerciais, já que cada país possui suas próprias características, culturas e políticas. Note que Comércio Internacional e Comércio Exterior não são a mesma coisa. Comércio Exterior é um conjunto de normas específicas de cada país, de acordo com suas próprias características, enquanto o comércio internacional são normas internacionais apli- cadas a todos os países, conforme visto acima. O Comércio Internacional teve seu início já no século XIX, com o desenvolvimen- to do parque industrial inglês, o qual escoava sua produção para a Europa continen- tal e suas colônias. E, no século XX, alguns países começaram a adotar medidas vi- sando a proteção da indústria nacional, uma vez que o produto internacional gerava concorrência com as mercadorias nacionais. Após o término da II Guerra Mundial, os Estados Unidos, temendo um novo quadro de instabilidade econômica e protecionismo comercial, como ocorrido no início do século XX, assumiram uma política externa voltada a liberalização do comércio global, o que os beneficiaria também com novos mercados para seus produtos manufaturados. De acordo com Darc Costa (2012), a supremacia dos Estados Unidos no pós II Guerra Mundial, permitiu que a liderança desse país implantasse uma nova ordem eco- nômica, marcada, justamente, pela sua visão de liberalização do comércio internacional. Para viabilizar essa visão, foram idealizadas três instituições internacionais: • Fundo Monetário Internacional (FMI): cuja função seria manter a estabilidade das taxas de câmbio e auxiliar países com problemas de pagamentos, no intuito de diminuir restrições a esses países no que diz respeito ao comércio internacional; • Banco Mundial ou Banco Internacional para Reconstrução e Desenvol- vimento (BIRD): o intuito desse banco seria o de fornecer capital para que, países atingidos pela guerra, pudessem se reconstruir e, assim, continuar parti- cipando do comércio internacional; • Organização Internacional de Comércio (OIC): essa instituição seria respon- sável por supervisionar as negociações internacionais, criando regras baseadas no princípio do liberalismo e multilateralismo. O FMI e o BIRD foram, realmente, implementados no final da II Guerra Mundial, através do acordo de Bretton Woods. Já a OIC não chegou a ser estabelecida, por decisão do congresso dos Estados Unidos, já que acreditavam que essa instituição poderia restringir, por fim, a soberania desse país. 7 UNIDADE Desenvolvimento da Legislação de Comércio Exterior Com o veto à OIC, ainda seria necessário algo para supervisionar e regulamentar as negociações internacionais. Assim, foi estabelecido, na conferência de Havana em 1947, um acordo chamado General Agreement on Tariffs and Trade (acordo geral sobre tarifas e comércio) ou GATT. Apesar de o GATT não ser legalmente uma instituição internacional e, sim, um acordo, fun- cionou como coordenador e supervisor das regras do Comércio Internacional até a criação da atual OMC (Organização Mundial de Comércio), que conheceremos melhor mais à frente. O GATT tinha como objetivo principal a eliminação de barreiras comerciais entre os países, visando a liberalização do comércio internacional e seguia os seguintes princípios: Gradualismo (liberalização comercial por meio de diversas rodadas de negociações); Progressividade da liberalização comercial e Reciprocidade. Dessa forma, foram feitas diversas reuniões, denominadas “rodadas ” (rounds), en- tre os países signatários, nas quais eram discutidas tarifas e alteração ou inclusão de cláusulas na regulamentação internacional. Ao todo foram oito rodadas, estabelecen- do as regras que regiam o comércio internacional, até que a OMC fosse estabelecida. Vejamos, então, quais foram essas rodadas. Tabela 1 – Negociações Multilaterais de Comércio Ano Local Número de participantes (países) 1947 Genebra – Suíça 23 1949 Annecy – França 13 1951 Torquay – Reino Unido 38 1956 Genebra – Suíça 26 1960-1961 Dillon – Estados Unidos 26 1964-1967 Kennedy – Estados Unidos 62 1973-1979 Tóquio – Japão 102 1986-1994 Uruguai 126 As quatro primeiras rodadas se limitaram a discussões sobre tarifas alfandegárias, procedimentos a serem seguidos em cada rodada e regulamentação para aceitação de novos integrantes ao GATT. Na rodada de Dillon, foram incluídos assuntos como a disparidade no desenvol- vimento entre os países-membros, assunto que deu origem à cláusula sobre o prin- cípio da nação mais favorecida, o qual analisaremos mais à frente. Já na rodada de Kennedy, as negociações abordaram também as barreiras comerciais não tarifárias e medidas antidumping. Note que o número de países-membros foi crescendo a cada rodada, o que impul- sionou a rodada de Tóquio, que se tornou muito mais abrangente, incluindo assuntos como subsídios, valoração aduaneira, licenças de importação, compras governamen- tais, dentre outros. 89 Por fim, a rodada do Uruguai foi a mais ampla, com inúmeros assuntos e que ficou marcada pelo antagonismo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Enquanto os primeiros propunham novos temas, como comércio de serviços, direi- tos a propriedade intelectual e medidas de investimento voltadas para o comércio internacional, os países em desenvolvimento queriam uma melhor estruturação do GATT, visando solucionar assuntos ainda não terminados nas rodadas anteriores, assim como os assuntos sobre produtos agrícolas. Ao final, foi assinado o Acordo de Marrakesh, que engloba todos os itens discuti- dos nessa rodada, incluindo diversos acordos multilaterais, acordos sobre o comércio de serviços e investimentos ligados ao comércio e defesa dos direitos de propriedade intelectual. Segue a relação de assuntos e acordos contidos nesse documento: • Anexo I A: » Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio de Bens de 1994; » Acordo sobre Agricultura; » Acordo sobre têxteis e vestuário; » Acordo sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS); » Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT); » Acordo sobre Medidas de Investimento relacionadas ao comércio (TRIMS); » Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do GATT 1994, o qual fala sobre medidas antidumping; » Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT 1994, que discorre sobre medidas provisórias a serem adotadas para evitar danos ao mercado nacional; » Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque; » Acordo sobre Regras de Origem; » Acordo sobre Procedimento para o Licenciamento de Importações; » Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias; » Acordo sobre Salvaguarda. • Medidas Antidumping: são medidas implementadas contra a ocorrência de dumping, que é uma prática ilegal na qual uma empresa vende uma mercadoria abaixo do seu custo para ganhar mercado em outro país. • Subsídios e Medidas Compensatórias: os países podem oferecer subsídio para a exportação de algum produto, fazendo com que a sua produção e consequente preço de venda fiquem mais baixos, de acordo com o interesse do país. Visando não sofrer danos ao mercado interno, o país importador pode implementar medidas compensatórias. • Salvaguarda: também é uma medida de proteção do mercado nacional, caso a indústria esteja sofrendo prejuízo grave ou ameaça de prejuízo grave decorrente do aumento de importação de certo produto. É uma medida temporária para que a indústria nacional possa se ajustar e se tornar mais competitiva. 9 UNIDADE Desenvolvimento da Legislação de Comércio Exterior • Anexo I B: Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS); • Anexo I C: Acordo sobre Aspectos de Direito de Propriedade Intelectual relacio- nados ao Comércio (TRIPS); • Anexo II: Entendimento relativo às normas e procedimentos sobre solução de controvérsias; • Anexo III: Mecanismos de exame de políticas comerciais; • Anexo IV: Acordos de Comércio Plurilaterais; » Anexo IV A: Acordo sobre comércio de aeronaves civis; » Anexo IV B: Acordo sobre compras governamentais; » Anexo IV C: Acordo internacional de produtos lácteos; » Anexo IV D: Acordo internacional sobre carne bovina. Assim, no dia 1° de janeiro de 1995, logo após o final da rodada no Uruguai, a Organização Mundial de Comércio (OMC) foi instituída. Dessa forma, a regulação de comércio internacional passou a ser organizada por uma estrutura permanente com identidade jurídica, e não mais por um simples acordo. Mas, será que essa é a única diferença entre o acordo e a organização? Não. Existem diversas diferenças entre a OMC e o GATT, conforme abaixo: Tabela 2 GATT OMC Acordo provisório, sem personalidade jurídica Organização permanente, com personalidade jurídica e forte poder sancionatório . Partes Contratantes Membros Órgão de Solução de Controvérsias pouco eficaz Órgão de Solução de Controvérsias mais efetivo e menos sujeito a bloqueios . Normas se restringiam ao comércio de mercadorias Abarca não somente o comércio de mercadorias, mas também o de serviços e o de direitos de propriedade intelectual, e medidas comerciais relacionadas com investimentos . Abrangia acordos plurilaterais Acordos são praticamente todos multilaterais, assinados integralmente por todos os membros (exceto os Acordos sobre Aeronaves Civis e sobre Contratação Pública, que são acordos de adesão voluntária – plurilaterais) . Fonte: BARRAL (2007) Passaremos, agora, à análise da estrutura da OMC. OMC – Organização Mundial de Comércio Formação A OMC é composta por seis principais órgãos: • Conferência Ministerial: órgão máximo da OMC, sendo composto pelos Ministros das relações exteriores ou do Comércio Exterior de cada país-membro. Esse órgão tem autoridade para tomar decisões relacionadas a quaisquer acordos 10 11 multilaterais, além da criação de novos conselhos ou entidades subordinadas que julgar necessários. Essas decisões são tomadas nas conferências que ocorrem a cada dois anos, pelo menos; • Conselho Geral: composto por embaixadores que são representantes permanentes dos países-membro em Genebra ou os delegados de missões em Genebra. É o órgão diretivo da OMC, sendo responsável pela implementação das decisões tomadas nas conferências, além da administração diária. Como parte integrante do órgão de solu- ção de controvérsias, também analisa as disputas entre os diferentes Estados; • Órgão de Solução de Controvérsias: criado para solucionar conflitos que possam ocorrer na área do comércio. Possui regras e procedimentos a serem seguidos visando dirimir controvérsias referentes às regras estabelecidas pela OMC. É composto pelos integrantes do próprio Conselho Geral; • Órgão de Revisão de Política Comercial: responsável por analisar as políticas de cada país-membro da OMC, confrontando-as com as regras dos acordos esta- belecidos e dividindo as informações sobre a política adotada por cada país com os membros da organização, considerando o princípio da transparência; • Conselhos específicos como para o comércio de Bens, para o comércio de Serviços e para o comércio de propriedade Intelectual: compostos por delegados dos membros, residentes em Genebra, ou integrantes de seu governo enviados especificamente para as reuniões dos conselhos; • Secretariado: chefiado por um Diretor Geral, designado pela Conferência Minis- terial, e diversos vice-diretores. Todos os integrantes do secretariado têm respon- sabilidade com as normas internacionais, não podendo ser influenciados ou rece- ber instruções de nenhum governo, somente da OMC. A função do secretariado é auxiliar os membros da OMC para garantir que as negociações avancem e que as regras do comércio internacional sejam cumpridas, dentre outros assuntos. Há, ainda, comitês com grupos de profissionais especializados, subordinados aos conselhos. Conferências da OMC Até o momento, a Conferência Ministerial realizou 11 conferências com seus mais de 160 países-membros. Vejamos os principais assuntos discutidos em cada uma delas: Tabela 3 Ano Nome Temas Abordados 1996 Singapura · Acordo sobre o Comércio de Produtos de Tecnologia da Informação (Plurilateral); · Temas discutidos: I) comércio e investimento; II) comércio e política de concorrência; III) facilitação de comércio; IV) transparência em compras governamentais. 1998 Genebra · Declaração Ministerial sobre Comércio Eletrônico, estabeleceu um programa de trabalho para examinar questões relacionadas a esse tema. 1999 Seattle · Rodada do Milênio : comércio de produtos agrícolas. 11 UNIDADE Desenvolvimento da Legislação de Comércio Exterior Ano Nome Temas Abordados 2001 Doha · Rodada do Desenvolvimento : importância de se promover o desenvolvimento dos países menos favorecidos; · Single undertaken = dificuldades de negociação. 2003 Cancún · Nessa reunião ministerial, os membros da OMC reafirmaram o compromisso de continuar as negociações conforme definido pelo mandato de Doha. 2005 Hong Kong · Continuação da Rodada de Doha, que não foraencerrada; · Acordo sobre compromisso de eliminar todos os subsídios à exportação de produtos agrícolas até o final de 2013. 2009 Genebra · Crise Internacional de 2008/2009; · Estados reconheceram que o comércio e a Rodada de Doha possuiam importância fundamental para a “recuperação econômica e redução da pobreza nos países em desenvolvimento”. 2011 Genebra · Mudanças climáticas e a eliminação de obstáculos ao comércio de bens e serviços ambientais. 2013 Bali · Pacote de Bali : uma série de decisões destinadas à simplificação do comércio, permitindo aos países em desenvolvimento mais opções para garantir segurança alimentar, impulsionando o comércio dos países menos desenvolvidos. 2015 Nairobi · Pacote de Nairobi : uma série de seis decisões ministeriais sobre agricultura, algodão e questões relacionadas aos países menos desenvolvidos. 2017 Buenos Aires · Decisões a respeito de subsídios à pesca e ao comércio eletrônico. Transparência foi um tema importante, porém os países-membros não chegaram a um acordo. Note que na conferência de Doha foi aberta uma rodada de negociação a qual ainda não foi encerrada. Veremos mais sobre a rodada de Doha na próxima unidade. Conferência de Buenos Aires A última conferência, que ocorreu em 2017 em Buenos Aires, pode ser consi- derada a pior das reuniões. Isso ocorreu devido ao fracasso de encontrar consenso entre os países ricos sobre o desenvolvimento de países em crescimento. A conferência acabou sem nenhum acordo substancial assinado. Os negociadores envolvidos tentaram fixar propostas para remover as travas do comércio agrícola, eli- minar os subsídios à pesca, dotar a OMC de mais meios de transparência, fomentar a participação das pequenas e médias empresas no comércio global, definir regula- ções para o comércio eletrônico e o comércio de serviços, todos sem consenso. De fato, o que impulsionou esse resultado foi a postura unilateral, excludente e protecionista dos Estados Unidos, que, naquele momento, eram governados pelo presidente Donald Trump. A conferência terminou com o compromisso de garantir um acordo relacionado ao subsídio à pesca, visando alcançar a meta de desenvolvimento sustentável, além de dar mais transparência aos programas de subsídio à pesca já existentes; extensão da prática de impor direitos aduaneiros nas transmissões eletrônicas por mais dois anos; e a promessa de continuar as discussões para tentar selar acordos. 12 13 Sistema de Solução de Controvérsias Em um comércio que envolve países com diferentes culturas, políticas e costumes, como solucionar um conflito entre eles? Quando ocorrem controvérsias relacionadas às regras da OMC, existe um formato padrão para a solução dos conflitos, o qual se baseia em três princípios: • Abrangência: determina que todos os acordos realizados entre os países estão cobertos pelo sistema de solução de controvérsias; • Automaticidade: indica que o procedimento só pode ser interrompido em comum acordo entre as partes envolvidas; • Exequibilidade: caso descumprida a solução emanada pelo órgão responsável, a parte afetada pode solicitar autorização para retaliação. A solução de controvérsias está regulamentada em um acordo multilateral para esse fim, que é o Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias, contido no Anexo II do Acordo de Marrakesh, conforme visto acima. Embora siga regras complexas, o sistema funciona da seguinte maneira, em resumo, conforme Teixeira (2017): • Sempre que um país-membro percebe que outro membro está violando alguma norma dos acordos da OMC, solicita que sejam feitas consultas na Organização sobre o caso; • Após as consultas, caso seja constatado que possa ter ocorrido uma violação, o país reclamante pede a formação de um Painel, formado por árbitros da OMC que decidirão acerca do caso; • Após a decisão final do Painel (relatório final do grupo especial), tanto o reclamante quanto o reclamado poderão apelar para o Órgão de Apelação da OMC; • Caso a decisão final do Órgão seja de que o reclamado realmente esta- va violando algum acordo da OMC, poderá permitir com que o recla- mante imponha sanções comerciais a ele. Solução de controvérsias na OMC: Andamentos e prazos. Disponível em: https://bit.ly/3eLjgx0 Sanção Comercial é uma ação utilizada como forma de aplicar pressão, incentivando um país a adotar uma postura diferente em relação a alguma ação vista por outros países como inde- vida. Exemplos: implantação de tarifas; limitação de volume de importação ou exportação de determinado produto do país punido; ou implantação de obstáculos administrativos, como a Licença de Importação. 13 UNIDADE Desenvolvimento da Legislação de Comércio Exterior Princípios da OMC Para todo órgão, existem alguns princípios que devem ser seguidos na tomada de decisão. Vejamos quais os princípios básicos que regem as decisões da OMC. • Tratamento Nacional: Esse princípio versa sobre a igualdade de impostos e tributos para produtos nacionais e importados. Ou seja, não é possível para um país oferecer um tratamento diferenciado para um mesmo produto só porque ele é importado. Podemos dizer, então, que é um princípio de não discriminação, já que veda a diferença entre um produto nacional e um produto estrangeiro. Além disso, ele proíbe que os membros da OMC concedam tratamentos mais favo- ráveis aos produtos de seus próprios países frente aos dos outros membros da OMC; • Transparência: Os países-membros da OMC devem divulgar e tornar público todos os seus decretos e leis sobre comércio internacional. Por exemplo: se um país-membro emitir um decreto alterando valores de impostos sobre produtos importados, deve tornar esse ato público para todos os membros. O objetivo é garantir a previsibilidade de normas e acesso aos mercados para que os operadores do comércio internacional possam desenvolver suas atividades. Esse princípio é muito importante nas discussões sobre consolidação de com- promissos tarifários para bens e serviços, além das questões de barreiras ao comércio internacional; • Concorrência Leal: A OMC tenta garantir não só um comércio mais aberto, mas também um comércio justo, coibindo práticas comerciais desleais como o dumping e os subsídios, que distorcem as condições de comércio entre os países; • Proibição de restrições quantitativas: O Art. XI, do GATT 1994, proíbe o uso de restrições quantitativas como, por exemplo, cotas a importações e exportações, como meio de proteção à indústria nacional. Porém, existe exce- ção, que permite a utilização de restrição quantitativa em virtude de desequi- líbrios no balanço de pagamentos (termo da contabilidade que diz respeito ao montante de dinheiro que entra e sai do país) ou como medida de salvaguarda; • Tratamento Especial e Diferenciado para Países em Desenvolvimento: Esse princípio está no artigo XXVIII e na parte IV do GATT e diz que os paí- ses desenvolvidos renunciam à reciprocidade nas negociações tarifárias perante países em desenvolvimento. O objetivo principal é fomentar o crescimento dos países em desenvolvimento. Em 2019, os Estados Unidos emitiram um documento pressionando a OMC para a alteração da classificação de países em desenvolvimento. Isso porque muitos países, autodeclarados subdesenvolvidos, não seguem os padrões definidos pela OMC. Atualmente, quase dois terços dos membros da OMC se beneficiam com esse princípio que garante a flexibilidade de prazos para a implementação de acor- dos e decisões aprovados na OMC e o acesso privilegiado de bens nos mercados dos países desenvolvidos via Sistemas Gerais de Preferência (SGP), dentre outros; 14 15 O SGP foi idealizado no âmbito da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento) para que mercadorias de países em desenvolvimento pudessem ter um acesso privilegiado aos mercados dos países desenvolvidos, em bases não recíprocas. Por meio do SGP, certos produtos, originários e procedentes de países em desenvolvimento,recebem tratamento tarifário preferencial, ou seja, redução da tarifa alfandegária nos mer- cados dos países participantes desse programa, como, por exemplo: União Europeia, Estados Unidos, Suíça, Japão, Turquia, Canadá, Noruega, Nova Zelândia, e Austrália. É importante saber que cada país participante indica quais produtos são elegíveis ao tra- tamento tarifário preferencial, de acordo com a classificação tarifária e por um período de tempo determinado, que pode ser estendido. • Cláusula da Nação mais Favorecida: Podemos dizer que esse é o princípio mais importante da OMC, contido no artigo I do GATT. A Cláusula da Nação Mais Favorecida (CNMF) diz que todas as vantagens e privilégios dados a um membro da OMC devem, imediatamente, ser estendidos a todos os demais mem- bros da organização. Dessa forma, os membros da OMC ficam impedidos de oferecer um tratamento mais vantajoso para alguns em detrimento dos demais, proporcionando a todos uma igualdade de oportunidades visando um comércio internacional justo e com maiores possibilidades de crescimento e liberalização. Qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma parte contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produtor similar, originário do território de cada uma das outras partes contratantes ou ao mesmo destinado. Este dispositivo se refere aos direitos aduaneiros e encar- gos de toda a natureza que gravem a importação ou a exportação, ou a elas se relacionem, aos que recaiam sobre as transferências internacionais de fun- dos para pagamento de importações e exportações, digam respeito ao méto- do de arrecadação desses direitos e encargos ou ao conjunto de regulamentos ou formalidades estabelecidos em conexão com a importação e exportação bem como aos assuntos incluídos nos §§ 1 e 2 do art. III. (GATT, Artigo I) Segundo Schwarzenberger (1966) existem quatro principais funções nessa cláusula: Tabela 4 Funções Conteúdo Descrição Informacional Os Estados signatários de um acordo devem ter um bom conhecimento regulatório e econômi- co de seu país, para que consigam calcular os riscos das negociações comerciais. Obrigação Implícita de maior transparência para diminuir os riscos das transações e permitir o constante monitoramento das relações econô- micas, garantindo maior previsibilidade. Obrigação de Cooperação Obrigação positiva de cooperar, de fomentar as negociações em busca de vantagens recíprocas e interdependência comercial. Promove cooperação entre os países e o princípio de reciprocidade, conferindo mais estabilidade e previsibilidade para as relações econômicas. Obrigação de Vedar Tratamento Discriminatório Exige que os Estados estendam, incondicionada e automaticamente, as condições garantidas aos atuais parceiros. Proíbe o tratamento discriminatório, de acordo com às bases estruturantes do comércio internacional. Exercício constante de Contrapartida Garante uma contrapartida entre benefícios observados e vantagens concedidas. Envolve a acumulação de vantagens. Os direitos e obrigações das partes estão condicionados à mesma proporção dos benefícios concedidos. Fonte: SCHWARZENBERGER (1966) 15 UNIDADE Desenvolvimento da Legislação de Comércio Exterior Todas as funções visam atingir dois principais objetivos: • Garantir que nenhum país tenha vantagem comercial em suas relações com outra parte contratante, o que poderia resultar em tensões e em desvio de comércio. É uma garantia ampla, que engloba qualquer tipo de benefício que possa ser con- cedido por uma parte contratante a outra; • Proteger a estabilidade do sistema. Isso, porque, uma vez que o produtor sabe que irá enfrentar a mesma barreira tarifária ao exportar para um determinado país, independentemente de para onde ele exporte, ele poderá decidir o melhor local para produzir, sem levar em consideração as tarifas aplicadas. Você pode estar se questionando: As uniões aduaneiras, como Mercosul e União Europeia, possuem tarifas específicas, que podem chegar até zero, e que não são esten- didas para os outros países-membros. Isso não representa uma afronta a CNMF? A resposta está no artigo XXIV do GATT. Esse artigo abre uma exceção à cláu- sula, desde que cumpra as regras abaixo: • Parte substancial do comércio entre os países da União Aduaneira, deve ocorrer sem barreiras comerciais (aproximadamente 85% das transações); • As restrições comerciais para países que estão fora dessa união, não podem ser maiores ou mais restritivas do que eram antes da celebração do acordo. Como fica a proliferação dos acordos preferenciais de comércio que ocorrem entre os países no mundo? Esses acordos preferenciais vão contra a cláusula da Nação mais Favorecida, pois não estende os benefícios aos outros membros fora do acordo, porém membros da OMC. Esse assunto tem sido discutido largamente, pois existem divergências de opiniões. A OMC e o Brasil Analisaremos, neste momento, a participação do Brasil nos procedimentos e negociações da OMC. O Brasil iniciou sua participação já nas negociações da fracassada Carta de Havana, que previa a criação da OIC, em 1947, sendo também membro fundador do GATT (1948). Durante a década de 50, era possível perceber que as negociações do GATT favo- reciam as nações mais ricas, o que se pode perceber através das rodadas ocorridas, as quais se davam quase que exclusivamente entre os países desenvolvidos, margina- lizando, ainda mais, os países subdesenvolvidos. Devido a esse contexto, os países subdesenvolvidos, assim como o Brasil, tiveram sua participação limitada nas rodadas Kennedy (1964/1967) e Tóquio (1973/1979), tendo, contudo obtido duas grandes vitórias: a inclusão de uma Parte IV (Comércio e Desenvolvimento) nas negociações da Rodada Kennedy; e a introdução de um regime de concessões sem reciprocidade. 16 17 Na rodada Uruguai, na qual a OMC foi instituída, os países subdesenvolvidos pressionaram os outros membros para a inclusão da agricultura nas discussões de tarifas e subsídios. Para isso, criaram o Cairns Group, do qual o Brasil fazia parte. O grupo assinou um acordo que dizia que nenhum acordo seria firmado por eles, caso o tema da agricultura não entrasse nas pautas de discussões. Assim, somente após a concordância dos países desenvolvidos sobre o tema é que foi possível assinar a constituição da OMC. Em 1995, o Brasil inicia sua participação no sistema de solução de controvérsias na OMC, como reclamante junto à Venezuela contra os Estados Unidos. Atualmente o país já participou de 26 casos como reclamante, 14 como reclamado e ainda 49 como ter- ceira parte e é o quarto país que mais participou do sistema de solução de controvérsias. Devido a suas sucessivas vitórias, principalmente contra os Estados Unidos e a União Europeia, o Brasil ganhou cada vez mais credibilidade e suas opiniões, peso. Os casos mais importantes foram: • Brasil x Canadá (Embraer x Bombardier): no qual o Canadá alegou que o Proex (Programa de Financiamento às Exportações) era um subsídio ilegal segundo o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC, quando da venda de aeronaves pela Embraer. O intuito era manter o monopólio da empresa canadense Bombardier. O programa foi considerado como subsídio ilegal, porém, foi provado que o Canadá também utilizava um subsidio ilegal para a venda de suas aeronaves da Bombardier. Assim, ambos tiveram de se adequar às normas; • Brasil x Estados Unidos (Algodão): neste, o Brasil acusava os Estados Unidos de utilizarem subsídios ilegais (em meio a subsídios legais) na exportação do algodão. Nesse contencioso, o ganho de causa foi dado ao Brasil, condenando os Estados Unidos a retirarem os subsídios de sua mercadoria; • Brasil x União Europeia (Açúcar): junto com a Austrália e a Tailândia, o Brasil reclamou quanto ao subsídio oferecido pela União Europeia aos produtores de açúcar. Novamente, a decisão foi favorável aoBrasil, fazendo com que a União Europeia ficasse proibida de exportar açúcar subsidiado acima da cota estabe- lecida. Esse caso tornou-se muito importante, pois foi através dele que ficou decidida a obrigação final de retirada de subsídios agrícolas, decisão crucial para os países em desenvolvimento. A decisão de retirada dos subsídios agrícolas foi tomada, porém muitos países não a acataram. Após o bom desempenho do Brasil nas soluções de controvérsias, o país ganhou uma posição mais favorável, podendo participar de forma mais intensa nas decisões tomadas pela OMC. Em 2012, o chanceler brasileiro Roberto Azevedo, foi eleito diretor-geral do órgão, com um mandato de 4 anos. 17 UNIDADE Desenvolvimento da Legislação de Comércio Exterior Outro fato que contribuiu para a melhoria da imagem do país foi a entrada dele para os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), grupo composto pelos principais países emergentes do mundo. Na próxima unidade analisaremos os grupos dos quais o Brasil faz parte nas negociações da OMC. 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Acordos Internacionais de Investimentos no Brasil – Análise do tratamento da nação mais favorecida MARSSOLA, J. Acordos Internacionais de Investimentos no Brasil – Análise do tratamento da nação mais favorecida. Editora: Lumen Juris, 2019. Leitura GATT – Acordo Geral Sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio https://bit.ly/2VsWIJB Coluna Futuro Fiscal: 11ª Conferência Ministerial da OMC em Buenos Aires https://bit.ly/2KmxoyA O Brasil no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC: Soft Balancing? https://bit.ly/3bG4AwQ 19 UNIDADE Desenvolvimento da Legislação de Comércio Exterior Referências COSTA, D. América do Sul: Integração e Infraestrutura. São Paulo: Capax Dei, 2011. CROCE, C. D. O fracasso da OMC em Buenos Aires expõe uma crise grave. Dispo- nível em <https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/O-fracasso-da-OMC- -em-Buenos-Aires-expoe-uma-crise-grave/6/38982>. Acesso em : 06 janeiro 2020. DOMINGUES, R. V. A OMC e a disciplina jurídica do comércio internacional. Dis- ponível em <https://jus.com.br/artigos/24777/a-omc-e-a-disciplina-juridica-do-comer- cio-internacional>. Acesso em : 02 janeiro 2020. MARSSOLA, J. Acordos Internacionais de Investimentos no Brasil – Análise do tratamento da nação mais favorecida. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. MDIC. OMC: Princípios. Disponível em <http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio- -exterior/negociacoes-internacionais/1886-omc-principios>. Acesso em : 06 janeiro 2020. PORTOGENTE. Diferença entre Comércio Internacional e Comércio Exterior. Disponível em <https://portogente.com.br/portopedia/102850-diferenca-entre-co- mercio-internacional-e-comercio-exterior>. Acesso em : 20 dezembro 2019. SCHWARZENBERGER, G. The principles and standards of international economic. Leiden: Recueil des Cours, 1966. TEIXEIRA, F. OMC: Como é feita a regulação do Comércio Internacional. Disponível em <https://www.politize.com.br/omc-regulacao-comercio-internacional/>. Acesso em : 02 janeiro 2020. THORSTENSEN, V. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. São Paulo: Aduaneiras, 2001. WIKIPEDIA. Brasil na Organização Mundial do Comércio. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil_na_Organiza%C3%A7%C3%A3o_Mundial_do_ Com%C3%A9rcio>. Acesso em : 06 janeiro 2020. 20
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