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Delirium: Síndrome Cerebral Orgânica

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Delirium
Definido como uma síndrome cerebral orgânica sem etiologia especifica caracterizada pela presença simultânea de perturbações da consciência e da atenção, da percepção, do pensamento, da memoria, do comportamento psicomotor, das emoções e do ritmo sono-vigília. A duração é variável, e a gravidade varia de formas leves a formas muito graves.
Quadro clínico: Tem inicio agudo e curso flutuante. No idoso, o inicio dos sintomas pode ser relativamente insidioso, precedido de alguns dias por manifestações como diminuição da concentração, irritabilidade, insônia, pesadelos ou alucinação transitória. 
Disfunção global da cognição é manifestação essencial: o prejuízo do pensamento encontra-se invariavelmente presente, tornando-se vago e fragmentado; varia de lento ou acelerado (formas leves) a sem lógica ou coerência (formas graves). A memoria está comprometida, diretamente associada ao prejuízo da atenção e nível de consciência. Ilusões e alucinações visuais podem estar presentes em 40 a 75% dos pacientes idosos com delirium. A orientação encontra-se frequentemente comprometida na sua forma temporoespacial. Entre os distúrbios de linguagem, em geral ocorrem disnomias e disgrafias.
Distúrbio de atenção. Há dificuldade em manter a atenção em um determinado estimulo e em muda-lo para um novo estímulo, não se conseguindo manter o fluxo de conversação com o paciente.
Estado de alerta ou vigilância se encontra alterado, estando reduzido ou aumentado. Desorganização do ritmo circadiano do sono, com sonolência diurna e sono noturno reduzido e fragmentado.
Comportamento psicomotor alterado, ocorrendo um estado de hiperatividade ou hipoatividade. Porém, no mesmo paciente, as duas formas podem estar presentes alternadamente. A forma hiperativa é fácil de reconhecer, sendo em geral associada a intoxicação ou abstinência de medicamentos ou álcool. A forma hipoativa tem seu reconhecimento mais difícil e é mais comumente associada a distúrbios metabólicos ou processos infecciosos.
Sintomas como raiva, medo, ansiedade, euforia e manifestações autonômicas (rubor facial, taquicardia, sudorese e HAS) podem estar presentes, em geral no delirium hiperativo.
Etiologia: Tipicamente, delirium é e etiologia multifatorial, podendo ser atribuído virtualmente a qualquer afecção médica, uso ou abstinência de drogas. Entre as causas em idosos, destacam-se os processos infecciosos, particularmente pneumonia e ITU, afecções cardiovasculares, cerebrovasculares e pulmonares que causam hipóxia e distúrbios metabólicos. 
Medicamenteos como antidepressivos tricíclicos, antiparkinsonianos, neurolépticos e o uso ou abstinência de hipnóticos e sedativos estão entre os fármacos mais frequentemente associados ao delirium. Vários grupos de fármacos utilizados, como digitálicos, diuréticos, hipotensores, analgésicos narcóticos, AINES, antimicrobianos, antifúngicos, anti-histamínicos, bloqueadores H2, entre outros, podem contribui para o delirium.
Entre as condições cirúrgicas, os fatores etiológicos põem estar presentes no pré-operatório, como idade avançada e comorbidades; no intraoperatório, pelo tipo de anestesia, duração e tipo da cirurgia, hipotensão e hipóxia; e no pós-operatório, incluindo fatores como dor, infecção, analgesia, sedação, imobilidades.
Fatores de risco: No paciente hospitalizado, é importante a distinção entre fatores predisponentes (fatores já presentes à admissão) e fatores precipitantes (fatores diversos que contribuem para o desenvolvimento de delirium).
· Predisponentes: Déficit cognitivo prévio, doença grave, uremia e déficit cognitivo. Outros fatores importantes são história prévia de delirium, depressão, alcoolismo, história de AVE e idade maior que 75 anos.
· Precipitantes: Restrição física, má nutrição (albumina menor do que 3 g/dl), uso simultâneo de mais de três medicamentos (principalmente substâncias psicoativas), uso de sonda vesical e iatrogenia. Fatores psicossociais como estresse psicológico e perda do suporte social, e fatores ligados a hospitalização, como o ambiente não familiar e a privação de sono, contribuem para o desenvolvimento de delirium.
Pacientes que são vulneráveis (que têm fatores predisponentes), com fatores precipitantes leves, já podem apresentar delirium.
Em pacientes hospitalizados que apresentam delirium, 5 fatores de risco contribuem para manutenção dos sintomas na vigência da alta: demência, déficit visual, alta comorbidade, restrição física e prejuízo funcional.
Fisiopatologia: 
Teoria neuroquímica: Existem evidencias de que a disfunção de neurotransmissores tenha participação na patogênese do delirium. A deficiência relativa de acetilcolina parece ser um dos mecanismos mais importantes . Anormalidades da transmissão colinérgica podem levar, principalmente, à diminuição do nível e consciência e de excitabilidade cem como prejuízo da memoria. Fármacos que atravessam a barreira hematoencefálica podem precipitar o delirium.
Um relativo excesso de dopamina tem sido implicado na causa de delirium e pode explicar por que os bloqueadores dos receptores da dopamina podem auxiliar no tratamento sintomático do delirium.
Hipótese neuroinflamatória: Diversas condições clínicas ou cirúrgicas como trauma, infecção, cirurgia, podem levar ao aumento de mediadores inflamatórios que podem levar ao comprometimento do SNC. O reconhecimento do estimulo inflamatório na barreira hematoencefálica aumenta permeabilidade, seguida por uma cascata de eventos com ativação das células da glia. Forma-se um ambiente inflamatório com expansão da população microglial e produção de citocinas pró-inflamatórias (TNF-alfa, TGF-beta, IGF1 e ERO), acreditando-se que ocorra comprometimento funcional dos neurônios, com disfunção neurquimica, desconexão de algumas áreas do cérebro e geração de sintomas vinculados ao delirium como perda de atenção, distúrbio psicomotor, alteração da consciência, inversão do ritmo sono-vigília.
Critérios para diagnóstico:
· Distúrbio da atenção e consciência;
· Mudança da cognição (déficit de memoria, desorientação, distúrbio da linguagem), que não é melhor explicada por uma demência preexistente ou estabelecida;
· O distúrbio desenvolve-se após curto período de tempo (em geral horas e dias) e tende a flutuar durante o dia;
· Evidência por meio da historia, exame físico ou achados laboratorias de que o distrbio seja causado por consequências fisiológicas diretas de uma condição medica geral, uma substância intoxicante, uso de medicamentos ou mais de uma causa. 
CAM: Formado por 9 critérios, no qual os critérios 1 e 2 associados aos critérios 3 ou 4 já estabelece o diagnostico de delirium. Critérios: Inicio agudo; Distúrbio de atenção; Pensamento desorganizado; Alteração do nível e consciência; Desorientação; Distúrbio da memória; Distúrbio da percepção; Agitação psicomotora ou Retardo psicomotor; Alteração do ciclo sono-vigília.
Diagnóstico: Duas etapas: estabelecer o diagnóstico sindrômico e determinar a sua etiologia. O diagnóstico sindrômico é realizado com base na história, no exame físico e pela aplicação dos critérios diagnósticos específicos (CAM). O diagnóstico etiológico é feito a partir de uma investigação clínica e laboratorial. É essencial listar todos os medicamentos em uso, suspendendo os não essenciais e reduzindo a dose dos essenciais; deve-se também considerar a possibilidade de abstinência a álcool ou benzodiapínicos. O exame clínico deve ser minucioso, procurando doenças aguas crônicas. A seleção laboratorial dependendo do juízo clínico de cada caso, sendo solicitados hemograma, exames bioquímicos, analise de urina, culturas e raios X do tórax.
Diagnóstico diferencial: O principal é a demência. A história é fundamental, pois informações como inicio agudo e curso flutuante dos sintomas, oscilação o nível de consciência e déficit d atenção são características marcantes do delirium. Em determinadas formas de demência, alguns de seus sintomas podem mimetizar características de delirium, como inicio agudo em demências vasculares e distúrbios da percepção e flutuação dossintomas na demência por corpos de Lewy.
A depressão pode lembrar mais sintomas de delirium hipoativo. Comportamento apático, linguagem alentecida, distúrbio do sono são comuns em ambas as condições. Porém, a depressão apresenta-se habitualmente com inicio gradual, sem alterações pronunciadas da cognição ou da atenção, mantendo o estado de alerta normal.
Psicoses funcionais também podem lembrar delirium; no entanto, geralmente têm inicio antes dos 40 anos. Pacientes idosos com psicose funcional habitualmente apresentam historia psiquiátrica anterior, o estado de alerta é mantido, em flutuação dos sintomas, as alucinações são predominantemente auditivas e as ideias delirantes mais organizadas e duradouras. O eletroencefalograma apresenta-se normal nas psicoses funcionais e com alentecimento no delirium.
Doença de Parkinson
Transtorno neurológico complexo, caracterizado pela degeneração, especialmente, das células da camada ventral da parte compacta da substância nigra e do locus ceruleus. 
Etiopatogenia: Sua causa permanece desconhecida. Mecanismos etipatogênicos diferentes estão relacionados com a morte dos neurônios dopaminérgicos da parte compacta da substância nigra. 
Cerca de 20 a 25% dos portadores de DP têm pelo menos um parente de primeiro grau com a doença. A hereditariedade pode contribuir para degeneração celular por mecanismo de suscetibilidade geneticamente a determinadas toxinas ambientais ou defeito genético capaz de gerar toxina endógena, dentre outros mecanismos.
O agente químico MPTP induz parkinsonismo em primatas. A geração de radicais livres e de substâncias oxidantes pelo metabolismo normal da dopamina e da produção de neromelanina pode criar um ambiente de estresse oxidativo que contribui para a produção de lesão celular.
· Teoria do estresse oxidativo (acúmulo de radicais livres na substância nigra)
· Teoria da deficiência e anormalidades das mitocôndrias na substância nigra
· Teoria da excitotoxicidade (atv aumentada dos neurotransmissores excitatórios)
· Presença de fatores gliais e inflamatórios
· Neurotoxinas ambientais (encontradas na agua em zonas rurais, em algumas plantas, herbicidas ou pesticidas)
· Fatores genéticos
É provável que a DP seja determinada pela combinação deles, ou de outros ainda não revelados.
Características clínicas
Os sinais cardinais da DP são: bradcinesia, rigidez, tremor de repouso e instabilidade postural. A bradcinesia é a característica mais comum no idoso. Traduz-se pelo alentecimento ou dificuldade de iniciar o movimento voluntário ou automático. Dependendo da parte do corpo acometida, teremos uma serie de sinais sintomas parkinsonianos: fácies inexpressiva ou hipomimia, fala hipofônica, micrografia, não balançar o membro superior ao caminhar, acúmulo de saliva na cavidade bucal, aumento do tempo para realizar as refeições e dificuldade de realizar AVD.
A rigidez muscular é plástica e representada por uma resistência à movimentação passiva dos membros, pescoço e tronco. Traduz-se pela fragmentação do movimento; este não ocorre de forma continua e sim entrecortada.
O tremor de repouso é geralmente assimétrico, acometendo um ou mais membros. A forma mais característica é a de movimentos rítmicos dos dedos das mãos, semelhante ao ato de contar dinheiro ou de rolar pílulas. O tremor tende a piorar com o estresse e desaparecer durante o sono.
A instabilidade postural é decorrente das alterações dos reflexos posturais, ocasionando maior número de quedas e podendo, com a evolução da doença, não permitir que o idoso possa levantar-se ou manter-se de pé sem assistência.
Podemos encontrar outras manifestações motoras características da DP:
· Postura parkinsoniana: A postura flexionada para frente na fase inicial pode não ser notada, porém, com a evolução, a cabeça e o tronco ficam fletidos ventralmente, os braços estão à frente do corpo; cotovelos e joelhos flexionados acabam por configurar essa postura.
· Marcha parkinsoniana: Caracteriza-se por um deslocamento em bloco, com passos curtos e arrastados, sem a participação dos movimentos dos braços. Pode ocorrer a festinação da marcha, que são passos curtos e rápidos quase sem deslocamento que vão aumentando progressivamente sua amplitude, até conseguir andar.
· Bloqueio motor: Impossibilidade extrema e súbita de iniciar ou continuar um movimento, mais evidente durante a marcha, ao passar por uma porta ou transpor uma linha ou obstáculo no solo.
Os transtornos do humor têm alta prevalência na DP. A depressão maior pode acometer 17%, depressão menor, 22%; e distimia, 13%. São frequentes também os transtornos de ansiedade (55 a 68%). Há comprometimento cognitivo não tão grave inicialmente quanto o observado na DA, porém, cerca de 15 a 25% já apresentam comprometimento cognitivo leve, com alterações de atenção e funções executivas, e até 80% dos pacientes desenvolvem demência, em fases mais tardias e avançadas da doenças.
Sintomas de dor, apatia, queimação, prurido, fadiga e insônia são frequentes. Pele fria, seborria, constipação intestinal, incontinência urinaria, disfunção erétil, diminuição da libido, hipotensão arterial e hipotensão ortostática podem compor quadro clínico da DP.
Diagnóstico: O seu diagnostico não é fácil, pois varias doenças neurodegenerativas e não neurodegenerativas cursam com parkinsonismo. Todo portador de DP tem parkinsonismo, mas nem todo portador de parkinsonismo tem a DP. O diagnóstico é baseado na identificação dos sinais e sintomas que compõem o quadro clínico. A eficácia do diagnóstico está diretamente relacionada com a história clínica detalhada, exame físico e a identificação de bradicinesia e pelo menos mais um dos demais sinais cardinais: rigidez, tremor e instabilidade postural. Os exames laboratorias e a neuroimagem (TC e RM) são uteis para afastar outras doenças.
Depressão e Demência
Depressão e déficit cognitivo: O idoso com depressão frequentemente se queixa de alteração cognitiva, corroborada por testes específicos para avaliação da memoria, mostrando pior performance nos testes de atenção, de função executiva e de habilidade visuoespacial que propriamente nos testes de memoria episódica. Quando apresentam prejuízo na memoria imediata e de evocação, os pacientes com depressão conservam a informação aprendida, ao contrario daqueles com demência, particularmente a DA, que, além de apresentarem prejuízo mais acentuado da memoria recente, esquecem a informação ao longo do tempo. O déficit cognitivo associado à depressão no idoso parece ser predominantemente mediado pelo processamento lento da informação e/ou prejuízo na memoria de trabalho.
· Pseudodemência: Descreve quadros de alteração cognitiva presentes em transtornos psíquicos, especialmente depressão no idos, que realmente simulam um quadro demencial. O paciente não apresenta déficit cognitivo real, uma vez que tais déficits são resolvidos com o tratamento da depressão. Caso isso não aconteça, a depressão pode ser o primeiro sinal da síndrome demencial. 
Depressão em pacientes com demência: A depressão constitui uma importante causa da incapacidade na DA, podendo ocasionar piora na qualidade de vida e na execução de tarefas básicas cotidianas, aumentando o risco de agressão física, de institucionalização e levando a maior sobrecarga para o cuidador. Além disso, relaciona-se a maior taxa de mortalidade e risco de suicídio. 
As dificuldades no diagnostico da depressão nos quadros demenciais se explicam em parte pela coexistência de sintomas similares, particularmente os não relacionados com humor, como apatia, diminuição da energia, alterações do padrão de sono e do apetite, isolamento social e perda gradual do interesse e do prazer.
Diagnóstico diferencial de depressão e demência
Avaliação clínica: O primeiro passo consiste em se obter história clínica e exame físico detalhado. É fundamental caracterizar início, duração e progressão dos sintomas, ocorrência de episódios anteriores, presença de comorbidades e de outros sinais e sintomas, uso de medicações e reposta prévia a antidepressivo. Devem-se incluirna anamnese e no exame físico sintomas e sinais, pesquisando causas reversíveis de demência.
Na demência o humor tende a flutuar, enquanto na depressão é persistentemente baixo. O déficit cognitivo tende a ser mais acentuado na demência do que na depressão, frequentemente manifestado por dificuldades de orientação pessoal e temporoespacial e prejuízo na retenção de números, na memória recente e na abstração. Os deprimidos em geral reportam suas dificuldades cognitivas, enquanto os demenciados comumente são levados ao medico pelos familiares. Pacientes com demência são mais cooperativos em responder as perguntas solicitadas e o fazem muitas vezes com pouco sentido ou mesmo por meio de confabulações. Já pacientes deprimidos podem se recusar a responder as questões, tornar-se irritadiços e hostis. Em quadros demenciais iniciais, ao contrario da depressão, há certa preservação das atv sociais. História pessoal ou familiar de transtorno afetivo é encontrada em muitos pacientes com depressão.
Testes psicométricos: O perfil cognitivo do idoso deprimido, comparado ao daquele com síndrome demencial na fase inicial, tem padrão de déficit que auxilia no diagnóstico diferencial. É documentado que o dano cognitivo do idoso deprimido sem demência pode estar em memoria, atenção, nomeação, fluência verbal, habilidade visuoespacial, velocidade de processamento e função executiva, porém de forma mais leve e parcial. O MEEM é usado largamente para estimar a gravidade do déficit cognitivo, mas é menos sensível para o déficit mais leve que é esperado na depressão devido a baixo “teto”, estreita proporção de habilidades cognitivas acessadas e sensibilidade diferente para idade, nível educacional e etnia.
Exclusão de causas potencialmente reversíveis de déficit cognitivo: Embora não convencional, recomenda-se a realização de exames complementares que incluam um método de neuroimagem e exames laboratoriais séricos (hemograma, íons, função renal, hepática e tireoidiana, glicemia, vit B12, ac fólico, VDRL e anti-HIV).
Eletroencefalograma e potenciais evocados: O eletroencefalograma, em geral, apresenta resultado normal na depressão, enquanto, nas demências, são observados alentecimentos nas frequências básicas em aproximadamente 80% dos casos.
Prova terapêutica com antidepressivos: O uso de antidepressivos quando ainda houve incerteza de diagnóstico. Aqueles portadores de depressão responderão favoravelmente, ao contrário dos portadores de demência.

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