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Fisiopatologia UCXX Meningite e encefalite Meningite e encefalite são emergências médicas. Uma vez suspeitadas é preciso confirmar ou excluir esse diagnóstico para iniciar o tratamento imediato A meningite é um processo inflamatório da aracnóide, da pia- máter e do líquido cefalorraquidiano (LCR), estendendo-se pelo espaço subaracnóideo do cérebro e da medula espinhal. Envolve predominantemente o espaço subaracnóideo. Encefalite é a inflamação do parênquima enfefálico. Quando tanto as leptomeninges quanto o parênquima encefálico estão envolvidos, o termo usado é meningoencefalite. Infecciosa Bactérias Vírus Fungos Parasitas Não infecciosa Relacionada a doenças sistêmicas Induzidas por drogas Induzida por outros agentes químicos Neoplasias As meningites causadas por bactérias também são denominadas sépticas, enquanto aquelas meningites que apresentam cultura negativa para bactérias no líquido cefalorraquidiano (virais, fúngicas e não infecciosas) são denominadas assépticas. Meningites infecciosas Bacteriana: Existem três principais agentes etiológicos causadores da meningite bacteriana: Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae. Outros agentes incluem: Estreptococos betahemolíticos do grupo B, Listeria monocytogenes, Staphylococcus, Escherichia coli, Klebsiella, Mycobacteriumm tuberlucosis. Viral: Os principais agentes virais incluem: Enterovírus , Arbovírus , Vírus do sarampo , Vírus da caxumba, HIV, Vírus do grupo Herpes , Varicela zoster, Epstein Barr , Citomegalovírus , Adenovirus Fúngica: Cryptococcus neoformans, Candida albicans, C. tropicalis Parasitária: Toxoplasma gondii, Trypanosoma cruzi, Plasmodium sp Meningites não infecciosas Relacionadas a doenças sistêmicas: lúpus eritematoso sistêmico; Sarcoidose (autoimune); Síndrome de Sjögren; vasculites, esclerose múltipla. Induzidas por drogas: anti-inflamatórios não-esteroides (AINES como ibuprofeno); antibióticos (sulfazotrim, penicilina, amoxicilina, cefalexina); imunoglobulinas intravenosas. Outras drogas incluem: Carbamazepina (anticonvulsivante), Levamisol (anti-helmíntico), alopurinol (usado para gota) Agentes químicos: anestésicos e meios de contraste radiopaco; vacina contra sarampo e caxumba. Câncer (meningite maligna): relacionadas com tumores sólidos, linfomas, leucemias No caso da Meningite maligna, as células neoplásicas podem se disseminar para o espaço subaracnóide por diferentes maneiras: 1. Extensão direta através do parênquima cerebral 2. Disseminação hematogênica via vasos sanguíneos aracnoides 3. Metástases para o plexo coroide 4. Por contiguidade, através de metástases cerebrais, ósseas (vertebrais e cranianas), medulares subdurais ou epidurais 5. Via retrógrada através de nervos periféricos ou cranianos. Fisiopatogênese da meningite bacteriana As bactérias que mais comumente causam meningite, S. pneumoniae e N. meningitides, colonizam primeiro a nasofaringe por aderência às células epiteliais nasofaringeas. As bactérias são então transportadas através das células epiteliais, em vacúolos, para o espaço intravascular ou invadem esse espaço, separando as junções apicais do epitélio. Na corrente sanguínea, as bactérias são capazes de evitar a fagocitose por neutrófilos e a atividade bactericida mediada pelo complemento devido à presença de uma capsula polissacarídica. As bactérias presentes no sangue atingem o plexo coroide intraventricular onde infectam diretamente as células desse plexo e ganham acesso ao Liquido cefalorraquidiano. As bactérias são capazes de multiplicar-se rapidamente dentro do LCS em virtude da ausência de defensas imunes eficazes: o LCS contém poucos leucócitos, e quantidade relativamente pequenas de complemento e imunoglobulinas. A lise das baterias com as consequente liberação de componentes da parede celular, no espaço subaracnídeo, é a etapa inicial de indução de resposta inflamatória e formação de um exsudato purulento no espaço subaracnóideo. Os componentes da parede celular bacteriana como LPS (bactérias Gram-negativas) e peptidoglicanos (S. Pneumoniae) induzem a inflamação meníngea por estimulação da produção de citocinas inflamatórias e quimicinas pela microglia, astrócitos, monócitos, células endoteliais e leucócitos do LCS → morte celular Maria Eduarda Zen Biz | ATM 2025.1 7° fase Medicina | 2022.2 Com o aumento da permeabilidade vascular há um edema vasogênico, inflamação do espaço subaracnóideo e um aumento da resistência ao fluxo liquórico. A reação inflamatória é intensa nos espaços subaracnóides e em torno das cisternas da base do cérebro, podendo se estender ao longo dos espaços perivasculares do tecido cerebral e da medula espinhal, mas raramente invade o parênquima. A pia-aracnóide vai tornando-se mais espessa, podendo formar aderências com a evolução da doença, interferindo no fluxo do LCR e produzindo hidrocefalia. Paralisias eventuais dos nervos cranianos é consequência da reação inflamatória e fibrose das meninges ao longo das raízes dos nervos cranianos. Esses eventos causam aumento da pressão intracraniana, redução do fluxo cerebral e perda da autorregulação cerebrovascular. RESUMINDO: A fisiopatogenia da meningite bacteriana aguda se inicia na nasofaringe após a colonização bacteriana Ocorre a replicação bacteriana no espaço subaracnoideo e há uma liberação de componentes bacterianos que atingem o endotélio cerebral, que vão desencadear um processo inflamatório com liberação de citocinas. Com o aumento da permeabilidade vascular há um edema vasogênico, inflamação do espaço subaracnoideo e um aumento da resistência ao fluxo liquórico. Esses eventos causam aumento da pressão intracraniana, redução do fluxo cerebral e perda da autorregulação cerebrovascular. Boa parte da fisiopatologia da meningite bacteriana é consequência dos nives elevados de citocinas inflamatórias e quimiocinas. IL-1 β e TNF-alfa aumentam a permeabilidade da barreira hematoencefálica. Apresentação clínica da meningite bacteriana A tríade clinica clássica da meningite consiste em: febre, rigidez de nuca, cefaleia A febre é um sinal da síndrome toxêmica. A rigidez de nuca é o sinal patognomônico da irritação meníngea. A cefaleia é um sinal da hipertensão intracraniana. Síndromes que caracterizam a apresentação clínica da meningite bacteriana: Síndrome Toxêmica febre alta, mal-estar geral, prostração e, eventualmente, agitação psicomotora. Síndrome de Irritação meníngea Rigidez de nuca, sinal de kerning, sinal de Brudzinski, sinal de desconforto lombar; fotofobia (aumento da sensibilidade à luz pela irritação meníngea, especialmente na região de diafragma selar o Os sinais de Kernig e de Brudzinski também são sinais clássicos de irritação meníngea. Ambos podem estar ausentes em pacientes muitos jovens, imunocompromeYdos, ou com grave depresssão. o KERNIG: Tentativa de estender passivamente o joelho suscita dor. o BRUDZINSKI: Flexão passiva do pescoço resulta em flexão espontânea dos quadris e joelhos Síndrome de hipertensão intracraniana cefaleia holocraniana intensa; náuseas; vômitos;); confusão mental; pupilas dilatadas e pouco reativas. Crises convulsivas podem aparecer em 20- 40% dos casos Apresentação clínica em RN e crianças < 1 ano Febre ou hipotermia Choro agudo ou gemido Irritabilidade Letargia Recusa alimentar Crises convulsivas Fontanela abaulada Meningite meningocócica A infecção invasiva pela N. meningitidis pode apresentar um amplo espectro clinico, que varia desde febre transitória e bacteremia oculta até formas fulminantes, com a morte do paciente em poucas horas após o início dos sintomas. O meningococo causa meningite (a forma mais comum da doença meningocócica invasiva - 50% dos casos) e a meningococcemia (forma septicêmica). Estassão as formas clinicas mais frequentemente observadas, podendo ocorrer isoladamente ou associadas. Lesões hemorrágicas cutâneas, as petéquias, estão presentes em 28% a 77% dos pacientes com doença meningocócica invasiva. Petequias medem menos de 2 mm e afetam a pele e membranas mucosas. Resultam de áreas de hemorragia na derme. As petéquias são encontradas no tronco, nos membros inferiores, nas mucosas e conjuntivas, bem como às vezes, nas palmas das mãos e plantas dos pés. A meningococemia pode levar à meningococemia fulminante com o disseminação do exantema (rash) petequial, com rápido envolvimento da necrose em toda a espessura da pele e dano muscular profundo. Equimoses em evolução ou púrpura (diâmetro > 10mm) são observados principalmente em pacientes com meningococcemia e coagulação intravascular disseminada. A coagulação intravascular disseminada, é caracterizada por danos específicos nos vasos de pequeno e médio porte da pele, tecido subcutâneo, músculo e ossos. Envolve geração anormal e excessiva de trombina e fibrina no sangue circulante. Durante o processo, ocorre aumento da agregação plaquetária e consumo de fatores de coagulação. Fisiopatogênese da púrpura e CIVD: Púrpura e CIVD são consequências da intensa interação entre o meningococo e as células endoteliais. Esta interação é mediada pelo pilus tipo IV (são finos e flexíveis filamentos encontrados na superfície de uma ampla gama de bactérias Gram-negativas) responsável pela formação de microcolonias na superfície apical do endotélio. Esta interação é seguida pela ativação de vias de sinalização nas células hospedeiras Uma bacteremia baixa favorece a colonização de vasos cerebrais, levando a meningites, enquanto que a colonização de um grande número de vasos por uma alta bacteremia é responsável pela choque séptico. A retração endotelial, observada nos sítios de interação bactéria-endotélio, está associada com a perda de integridade capilar, resultando em aumento de permeabilidade, hemorragia, formação de trombos, e adesão leucocitária. A colonização de uma quantidade de vasos por um elevado número de bactérias, como a observada na purpura fulminante, e as consequências da sinalização correspondente poderiam explicar as extensas lesões purpúricas, a trombose e a perda da integridade vascular. Maria Eduarda Zen Biz | ATM 2025.1 7° fase Medicina | 2022.2 Sequelas da meningite Perda auditiva (4 a 10%) Necrose tecidual: A complicação mais comum da doença consiste em cicatrizes após necrose das lesões cutâneas purpúricas→ necessidade de enxertos Amputações: (2% dos pacientes que sobrevivem à doença) devido a uma perda de viabilidade dos tecidos após isquemia periférica ou síndrome de compartimentos (pressão aumentada do tecido dentro de um compartimento fascial apertado, o que resulta em isquemia do tecido. Outras sequelas neurológicas (7%): distúrbio de linguagem, atraso mental, anormalidade motora Óbito: Cerca de 10% dos pacientes com meninge meningocócica vão a óbito. Meningite viral É a forma mais comum e mais leve da doença e frequentemente acomete crianças pequenas e bebês, especialmente no primeiro ano de vida. Enterovírus não-pólio: vírus Coxsackie e Echovírus) Vírus do grupo Herpes: herpes simples, vírus da varicela zoster, Epstein-Barr (HHV-4), e Citomegalovírus Arbovírus: dengue, zika, chykungunya, febre amarela, e o vírus da febre do Nilo Ocidental Vírus da Caxumba Vírus do Sarampo HIV Adenovírus Manifestações clínicas: Os sintomas iniciais da meningite viral são semelhantes aos da meningite bacteriana. No entanto, a meningite bacteriana é geralmente mais grave. Febre Rigidez no pescoço, Cefaleia Náusea, Vômito, Falta de apetite Irritabilidade, Sonolência ou dificuldade para acordar do sono Letargia (falta de energia) Fotofobia Em recém-nascidos e bebês, alguns dos sintomas descritos acima podem estar ausentes ou difíceis de serem percebidos. O bebê pode ficar irritado, vomitar, alimentar-se mal ou parecer letárgico (falta de energia) ou irresponsivo a estimulos. Outras causas de meningite infecciosa PARASITAS: Uma causa parasitária geralmente é presumida quando há predomínio de eosinófilos no líquor. Os parasitas mais comuns são: Toxoplasma gondii, Trypanosoma cruzi, Plasmodium sp, Angiostrongylus cantonensis e Gnathostoma spinigerum. FUNGOS: infecções fungicas, como as causadas por criptococos e coccidiodomicose são causas raras de meningite. Manifestações clínicas: são parecidos com os causados por outros tipos de agentes etiológicos: febre, cefaleia, rigidez no pescoço, náusea, vômitos fotofobia (sensibilidade à luz) e status mental alterado (confusão). Encefalite A encefalite é um processo inflamatório que afeta o parênquima encefálico, geralmente de forma difusa. Acomete principalmente crianças menores de 1 ano e pacientes idosos acima de 65 anos Etiologia: Viral: Herpes vírus, Rabies vírus, Arbovírus, Citomegalovírus, vírus varicela zoster, Epstein-barr, vírus HV Bacteriana: Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae, leptospira (leptospirose) Parasitaria: Toxoplasma gondii. Outras causas: sarcoidose, leucemia, esclerose múltipla Encefalite também pode ocorrer como reativação tardia de uma infecção viral latente ou subclínica. Os tipos mais conhecidos são 1. Encefalopatia e demência associadas ao HIV 2. Encefalite esclerosante subaguda: ocorre anos após infecção por sarampo que acredita-se representar a reativação da infecção original 3. Leucoencefalopatia multifocal progressiva: causada pela reativação do vírus JC (John Cunningham), sobretudo na aids ou em pacientes imunodeprimidos. 4. Encefalite por herpes simples tipo 1 e herpes-zóster Os vírus neurotrópicos podem penetrar no hospedeiro por diferentes vias: 1. Respiratória (sarampo, VZV) 2. Gastrointestinal (enterovirus) 3. Trato genitourinario (HIV) 4. Via percutânea (arbovirus) 5. Conjuntiva ocular (enterovirus 70), 6. Sangue ou órgãos (HIV; CMV). Fisiopatologia das encefalites Na encefalite aguda, inflamação e edema ocorrem nas áreas infectadas ao longo de todos os hemisférios cerebrais, tronco encefálico, cerebelo e, ocasionalmente, medula. Hemorragias petequiais podem estar presentes em infecções graves. A invasão viral direta do encéfalo costuma danificar os neurônios, às vezes produzindo corpos de inclusão microscopicamente visíveis. Infecção grave, particularmente encefalite por vírus herpes simples (HSV) não tratada, pode causar necrose hemorrágica cerebral. A encefalomielite disseminada aguda caracteriza-se por áreas multifocais de desmielinização perivenosa e ausência do vírus no encéfalo. Manifestações clínicas das encefalites Os achados clínicos em pacientes com encefalite viral aguda começam com um pró-dromo de Febre, mal-estar generalizado, mialgia e sintomas inespecíficos. Náuseas, vômito, diarreia, e tosse podem preceder os sintomas neurológicos. A invasão do sistema nervoso é geralmente acompanhado de cefaleia, fotofobia, e alterações de consciência, com o sintomas evoluindo por um período de vários dias. Convulsões também são sintomas comuns. Disfunção cerebral focal é observada na encefalite por alguns vírus (ex: herpes vírus simples tende a causar déficits neurológicos corticais, incluindo hemiparesia, afasia e convulsões) Infecções pelo vírus herpes simples HSV-1 E HSV-2 Principal causa de encefalite (Mais frequente pelo HSV-1)*. Maria Eduarda Zen Biz | ATM 2025.1 7° fase Medicina | 2022.2 O HSV-2 pode causar meningite Início agudo, com sinais gripais incluindo cefaleia, mal-estar, febre. As manifestações podem progredir rapidamente para convulsões, sinais de deficis focais, coma, com comprometimento do lobo temporal. Morbidade e letalidadeelevadas. O prognóstico depende da introdução precoce da terapia anti- viral (aciclovir) Infecção neonatal pelo vírus herpes simples Incidência de 1: 3.000 – 1:20.000 nascidos. Mais frequente (75%) por HSV-2 A infecção pode ocorrer: intra-útero, no parto (85%) ou pós- parto Formas de infecção: 1. Infecção disseminada: (25%). Acomete cérebro, pulmões, fígado, pele, boca, etc. 2. Encefalite: (35%). Alterações neurológicas (convulsões, irritabilidade, abaulamento da fontanela) 3. Infecção localizada: (40%). Pele, boca e olhos, melhor prognóstico HIV e encefalopatias: HIV cruza a barreira hematocefálica em monócitos. Monócitos são ativados e transformam-se em macrófagos, que ativados liberam vírions no tecido nervoso, próximos aos microvasos no encéfalo. Vírions atraem a microglia e macrófagos perivasculares iniciando uma cascata de sinalização intracelular no endotélio e pode dar origem a danos na própria barreira hematocefálica. Encefalites provavelmente ocorrem ocasionalmente ao longo do curso da AIDS e podem ser precursores da demência associada ao HIV.
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