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Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS SÍNDROME CONSUMPTIVA: A síndrome consumptiva, denominada também como emagrecimento involuntário, pode ser definida como a perda ≥ 5% do peso corporal em 6 meses, levando a uma deficiência calórico- proteica absoluta ou relativa. Como essa perda de peso ocorre sem a “participação ativa” do indivíduo, ela sugere algum quadro patológico, sendo necessária investigação detalhada. Desequilíbrio metabólico causador da síndrome consumptiva Na compreensão adequada dessa síndrome, ainda é necessário diferenciar alguns conceitos: Caquexia: caracterizada por emagrecimento associado à perda de massa muscular, podendo ou não haver alteração nos níveis de gordura; Desnutrição: é a deficiência nutricional, específica ou ampla, com ou sem emagrecimento; Sarcopenia: distúrbio majoritariamente geriátrico, no qual há diminuição da massa magra, acompanhada por déficits funcionais. No que se refere à epidemiologia, não há diferença significativa de incidência entre os sexos. No entanto, destacam-se como fatores de risco a idade avançada, o tabagismo, e deficiências ou doenças crônicas. ETIOPATOGENIA: A síndrome consumptiva apresenta diversas etiologias, sendo as mais comuns as neoplasias malignas (até 37% dos casos), doenças não malignas do TGI e alterações psiquiátricas (incidência de 10 a 20% cada). Ainda assim, cerca de ¼ dos episódios dessa condição apresentam origem indefinida. Ressalta-se que os mecanismos fisiopatológicos que causam o desequilíbrio entre aporte energético e gasto metabólico são tão variadas quanto as possíveis etiologias. NEOPLASIAS: O emagrecimento em pacientes oncológicos normalmente é secundário a alterações metabólicas, como a lipólise e proteólise necessárias ao crescimento tumoral, que implica em redução da massa muscular. O caráter inflamatório, com secreção constante de citocinas (ex.: IL-1, TNF-α) também é responsável pela pera de peso, uma vez que desencadeia efeito anorexígeno. A localização do tumor também deve ser mencionada, pois neoplasias que afetem a região da cabeça e pescoço podem cursar com anosmia, disfagia ou ageusia. Alguns grupos populacionais possuem parâmetros distintos para a síndrome consumptiva a saber: Idosos: perda > 5% do peso corporal em 6 a 12 meses; Portadores de anorexia nervosa: emagrecimento > 15% em 6 meses. Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS Cânceres do TGI, por sua vez, cursam com náuseas, vômitos e má absorção nutricional. DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL: As principais representantes desse grupo são as doenças inflamatórias intestinais, doença celíaca (lesões ao intestino delgado causadas pelo glúten) e a doença ulcerosa péptica (alterações da mucosa do estômago ou duodeno). Úlcera péptica (A) em endoscopia e lesões associadas à doença de Crohn (C1) numa colonoscopia Nessas condições, o emagrecimento pode ser desencadeado por dor, principalmente durante a alimentação, disfagia, perdas nutricionais pelas fezes ou pelo próprio contexto sistêmico. Como “complemento” ao achado clínico de perda de peso também podem ser observados odinofagia, anorexia, saciedade precoce, sangramentos crônicos do TGI ou alterações no padrão fecal. DOENÇAS NEUROLÓGICAS: As afecções neurológicas que mais comumente resultam em síndrome consumptiva são o acidente vascular cerebral, a esclerose lateral amiotrófica, a demência e a doença de Parkinson. O motivo causador desse emagrecimento, ainda que seja específico de cada patologia, normalmente orbita em torno das sequelas permanentes, principalmente disfagia e distúrbios motores. DISTÚRBIOS ENDOCRINOLÓGICOS: DIABETES MELITUS: De forma paradoxal, ocorre perda de peso mesmo na presença de polifagia, pois a fome celular incentiva a alimentação, mesmo que a sensibilidade celular reduzida ou ausência de insulina impeçam o aproveitamento de glicose. De modo geral, o quadro clínico das diabetes conta com o já citado aumento de apetite, associado a poliúria e polidipsia, decorrentes da perda de água por osmolaridade (excreção urinária de nutrientes). HIPERTIREOIDISMO: Essa condição é marcada por um estado de hipermetabolismo decorrente da produção exacerbada de hormônios tireoidianos e, de forma semelhante a diabetes, resulta em perda de peso mesmo com apetite preservado. A apresentação típica contempla, para além da hiperfagia, palpitações, sudorese quente, tremores, insônia e bócio. Idosos devem ser especialmente avaliados quando apresentam emagrecimento combinado à apatia, pois esses sintomas constituem o hipertireoidismo apatético, com risco de fibrilação atrial aguda. TRANSTORNOS PSIQUIÁTIRICOS: Representando globalmente uma das causas mais prevalentes para a síndrome consumptiva, os distúrbios mais associados a esse desfecho são o transtorno As alterações da deglutição estão associadas ao enfraquecimento geral da musculatura. Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS depressivo maior (TDM) e os transtornos alimentares. No TDM, a perda de peso é multifatorial, a passo que, em doenças como a anorexia nervosa e a bulimia, ela resulta da diminuição relevante do volume de alimentos ingeridos, além da obsessão por exercícios físicos e pelo “expurgo” (vômitos ou laxativos). A identificação desses pacientes pode ser auxiliada pela observação das pontas dos dedos, que podem estar desgastadas pelo contato com o ácido gástrico, devido às tentativas de indução do vômito. Principais características dos quadros de anorexia e bulimia nervosa DOENÇAS INFECCIOSAS: Em pacientes com tuberculose, HIV e hepatite C, o processo de perda de peso involuntária é fruto do já abordado processo de inflamação sistêmica crônica. Pessoas vivendo com HIV ainda podem ter esse quadro agravado pelo emagrecimento mediado por infecções oportunistas. USO DE DROGAS: Diversos compostos podem afetar o centro de saciedade do organismo, como o tabaco, a cocaína e o álcool. Isso leva ao desenvolvimento de anorexia induzida, mantida durante o período de uso (importante principalmente em dependentes de longa data). Pacientes etilistas podem acabar substituindo a maior parte de sua ingesta energética com calorias da bebida alcóolica, levando a um déficit nutricional progressivo. Quanto ao uso de opioides, tais compostos podem promover a redução não só do apetite, como também da motilidade intestinal e da secreção de enzimas. A síndrome consumptiva é, então, fruto da baixa ingesta nutricional e da má absorção dos alimentos. Anfetaminas agem de modo parecido, com a hiporexia sendo acompanhada por aumento do metabolismo basal. Ações de diferentes drogas sobre o processo de perda de peso Fluxograma de investigação etiológica da síndrome consumptiva A abstinência de drogas também pode provocar perda de peso. Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS AVALIAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO: Ao exame clínico é importante abordar três grandes “órbitas” de assuntos, a perda de peso em si (medidas antropométricas, autopercepção), o apetite (identificação de quaisquer alterações), e os sintomas associados, muitas vezes imprescindíveis à exclusão de diagnósticos diferenciais. A observação da percepção individual sobre a imagem corporal também é importante, principalmente na avaliação de possíveis transtornos alimentares. As manifestações clínicas mais comumente associadas à síndrome consumptiva são: Febre: ainda que inespecífica, permite o direcionamento das hipóteses para afecções com inflamação sistêmica, como doenças infecciosas, neoplásicas ou reumatológicas; Atrofia muscular:é um sinal importante para a sarcoidose em idosos, podendo ser acompanhada por fragilidade da pele e fâneros; Idoso com intenso quadro de atrofia muscular Fadiga; Diarreia ou esteatorreia. Principais sintomas associados à perda de peso involuntária Após essa avaliação inicial, exames complementares devem ser solicitados, tomando como base as hipóteses diagnósticas propostas. No entanto, caso não tenham sido obtidos indícios suficientes para elucidar o quadro, a investigação laboratorial pode se dividir em duas fases, a saber: Busca por marcadores inflamatórios: recomenda-se a realização de hemograma, PCR e VHS. Alterações sugerem a necessidade de avaliação secundária para neoplasias ou doenças crônicas; Exames para etiologias específicas: principais exames solicitados, além dos marcadores de inflamação (etapa anterior), são bioquímica sérica, sumário de urina, TSH, albumina e função hepática. Técnicas de rastreamento de cânceres (PSA, mamografia, colonoscopia, etc.) também podem ser indicados. OS 10 D’S DO EMAGREC IMENTO EM IDOSOS: Dada a importância clínica, anteriormente descrita, da síndrome consumptiva em idosos, é necessário destacar etiologias comuns, que devem ser avaliadas no momento do exame: 1. Dentição (próteses mal ajustadas ou doenças odontológicas); 2. Disgeusia e demais alterações sensoriais; 3. Disfagia; 4. Diarreia; 5. Doenças crônicas; 6. Depressão; 7. Demência (alterações nos instintos de sede e fome); Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS 8. Disfunção (dependência socioeconômica ou funcional); 9. Drogas; 10. Don’t know (emagrecimento sem causa definida). O manejo da síndrome consumptiva deve sempre se iniciar pelo tratamento da etiologia de base, para em seguida contemplar avaliações psicológicas, odontológicas e nutricionais.
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