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Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS TRANSTORNOS ALIMENTARES: ANOREXIA NERVOSA: A anorexia nervosa é uma síndrome caracterizada pela presença de uma psicopatologia (medo de engordar), uma alteração do comportamento (inanição autoprovocada) e uma série de sintomas físicos (resultados diretos da desnutrição). Há associação frequente entre essa doença e distúrbios de autoimagem, porém estes não são patognomônicos ou essenciais para seu diagnóstico. Esse quadro é mais prevalente em mulheres, com início típico ainda durante a adolescência, entre os 14 e 18 anos. Também são afetados indivíduos atuantes em profissões que requerem magreza, como modelos ou atletas. ETIOLOGIA: A anorexia nervosa é um transtorno mental de origem multifatorial, a saber: Fatores biológicos: estudos apontam que pacientes anoréxicos apresenta disfunções no eixo hipotalâmico- hipofisário, além de desequilíbrios na regulação de serotonina, dopamina e norepinefrina, neurotransmissores que ajudam a estabelecer comportamentos alimentares. Alterações fisiológicas também são consequências desse transtorno, como a hipercortilosemia e amenorreia. Principais alterações neuroendócrinas observadas na anorexia nervosa Fatores sociais: atitudes evitativas sobre alimentação são reforçadas pela pressão midiática (e da sociedade) sobre corpos magros e atléticos, especialmente direcionada a indivíduos mais jovens; Em alguns casos, a adoção desses comportamentos é reflexo de relações familiares hostis ou brigas conjugais. Aspectos psicológicos: observa-se que indivíduos com anorexia apresentam baixo senso de autonomia e individualidade, tornando a autoinanição uma medida deturpada para se identificarem como pessoas especiais. Destaca-se também a presença usual de comorbidades em saúde mental em pacientes com anorexia, à exemplo do transtorno depressivo maior, transtorno obsessivo-compulsivo e fobia social. CRITPERIOS DIAGNÓSTICOS E SUBTIPOS CLÍNICOS: O diagnóstico da anorexia nervosa, de acordo com o DSM-V, requer a presença de indícios sugestivos de alterações comportamentais e de autoimagem por um período mínimo de 3 meses: Restrição calórica voluntária para níveis abaixo da necessidade diária, Apesar de comum, a denominação desse transtorno é errônea, uma vez que a perda do apetite é rara na evolução do quadro Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS mantendo perda de peso excessiva em caráter doentio; Medo intenso de engordar OU comportamentos que interfiram no ganho de peso; Perturbações na autopercepção do peso e forma corporal OU ausência de reconhecimento da intensidade da perda de peso. Além dos fatores acima, ressalta-se a ocorrência de sintomas clínicos decorrentes da inanição, como funcionamento anormal de hormônios reprodutivos (geralmente precede a perda de peso aparente), bradicardia e hipotermia. Indícios típicos de carência nutricional, como fadiga, cabelos e unhas frágeis, também são comuns. Esse é um transtorno egosintônico, de modo que os pacientes consideram como normais as atitudes evitativas que apresentam em direção a comida (ex.: evitar refeições junto a outras pessoas). Destaca-se que a anorexia nervosa apresenta dois subtipos clínicos, de restrição alimentar, mais comum (estereótipo), e de purgação, frequente em indivíduos com histórico familiar ou pessoal de sobrepeso/obesidade. A prática exagerada de exercícios e a presença de personalidade perfeccionista são achados comuns às duas categorias. A suspeita clínica desse transtorno deve ser seguida por um exame físico completo, tanto geral quanto neurológico, de forma a identificar possíveis complicações sistêmicas da anorexia. A realização de exames complementares pode revelar leucopenia com linfocitose, baixa glicemia em jejum, aumento do colesterol sérico e alcalose hipocalêmica (no tipo purgativo). A exclusão de diagnósticos diferenciais contempla a investigação sobre neoplasias e outras doenças que causem perda de peso, além de transtornos depressivos e distúrbios endocrinometabólicos. A bulimia nervosa, no entanto, é a principal patologia a ser descartada, podendo ser diferenciada pela manutenção de peso normal entre os pacientes, mesmo com episódios compulsivos esporádicos. TRATAMENTO: O curso da anorexia é bastante diverso, podendo oscilar entre recuperação espontânea sem intervenções, flutuação e a deterioração física progressiva, culminando para óbito decorrente de complicações da inanição. As crenças individuais estabelecidas podem reduzir o interesse ou aumentar a resistência a medidas terapêuticas Características notáveis nesse grupo são o atraso no desenvolvimento psicossocial (em jovens) ou o interesse sexual reduzido (adultos) Alterações no ECG (achatamento de onda T, alargamento do interalo QT e depressão do segmento ST) são comuns no estágio emanciado, podendo também ser fruto da perda de potássio induzida por vômitos Além da forma clínica, o diagnóstico também deve estratificar a gravidade do quadro, definida pelo IMC em leve (≥ 17 kg/m²), moderada (16-16,99 kg/m²), grave (15-15,99 kg/m²) e extrema (< 15 kg/m²) Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS Os principais indicadores de prognóstico favorável são a admissão da fome, redução da negação alimentar e melhora na autoestima. O tratamento da anorexia nervosa deve ser feito de modo abrangente, tento em vista os impactos físicos e psicológicos da doença. Assim, as estratégias mais comumente associadas são: Psicoterapia: a terapia cognitivo- comportamental é empregada de modo a reestruturar a interpretação de pensamentos automáticos e crenças pessoais. A terapia familiar apresenta benefícios, especialmente em pacientes jovens, casos nos quais é possível associar o desenvolvimento do transtorno a conflitos internos. Farmacoterapia: ainda não foram identificados medicamentos específicos para o manejo da anorexia, porém resultados positivos foram observados com o uso de ciproeptadina (anti-histamínico) e a amitriptilina; Hospitalização: o manejo ambulatorial deve ser preferido sempre que houver colaboração do paciente (raro) e orientação adequada da família, sendo o internamento destinado a pacientes que estejam 20% abaixo do peso esperado, tendo como objetivo assegurar a ingesta calórica e corrigir desequilíbrios hidroeletrolíticos. O internamento compulsório deve ser reservado a quadros nos quais a inanição leva a risco de morte. BULIMIA NERVOSA: A bulimia nervosa é definida pela ocorrência de episódios de compulsão alimentar e de rituais inadequados para evitar o ganho de peso. A sensação de culpa ou autodesvalorização após atos compulsivos é comum nesse transtorno. Esse quadro é mais prevalente que a anorexia, e acomete predominantemente mulheres no começo da idade adulta, apresentando ou não histórico prévio de obesidade. As comorbidades psiquiátricas comumente encontradas nesses pacientes são transtornos depressivos e abuso de substâncias. ETIOLOGIA: Os ciclos compulsivos observados na bulimia podem ser associados a neurotransmissores como serotonina (relaciona-se à saciedade), noradrenalina e endorfina (eleva-se após a purgação). Observa-se também, a partir de estudos com imagens por ressonância magnética, que os episódios de compulsão alimentar possam ser fruto da percepção exagerada de sinais de fome na porção insular anterior direita. Assim como na anorexia nervosa, a pressão social estética desempenha grande papel na gênese da bulimia, porém os comportamentos são egodistônicos, ou seja, percebidos como “estranhos” pelo paciente.CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS: Segundo o DSM-V, os critérios definidores da bulimia nervosa são: Episódios frequentes (1x/semana ou mais) de compulsão alimentar por ao menos 3 meses; Prática de comportamentos compensatórios após as compulsões; Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS Com base nesses achados, é possível segmentar a bulimia nervosa em tipo purgativo (engajamento recorrente em uso de laxantes/diuréticos ou indução da êmese) e não purgativo (adoção de dietas rígidas ou exercícios extenuantes). Ausência de redução drástica do peso (DESCARTAR ANOREXIA); Medo da obesidade E/OU desejo incessante pela magreza; Autoavaliação deturpada pela forma corporal. A compulsão envolve o consumo às escondidas de grandes quantidades de alimentos altamente calóricos, que por vezes nem são mastigados. Após esses eventos, a angústia é comum. O vômito é um sintoma comum, geralmente induzido pela inserção de um dedo na garganta, sendo usado para diminuir o desconforto abdominal e também para permitir a continuidade do episódio compulsivo. Com a repetição dessa atitude, observa-se desgaste do esmalte dentário, decorrente do contato com suco gástrico. Comparação entre o quadro clínico da anorexia e bulimia A maioria dos pacientes está com peso normal ou com pequenas variações para cima ou para baixo, havendo grande preocupação com a aparência e aspecto do corpo, especialmente no que tange à atratividade sexual. Cabe ressaltar que é possível haver distúrbios hidroeletrolíticos e graus de inanição em indivíduos com bulimia, de modo que avaliações laboratoriais são mandatórias, assim como na anorexia. TRATAMENTO: A bulimia apresenta melhores índices de recuperação quando comparada à anorexia, porém, na ausência de tratamento há tendência a cronificação do quadro clínico. O manejo é ambulatorial, com a terapia cognitivo-comportamental representando o tratamento de primeira linha. Seus objetivos são a interrupção dos ciclos insustentáveis de comportamento e a alteração das crenças sobre comida. A terapia farmacológica costuma apresentar sucesso em quadros difíceis, especialmente com o uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (fluoxetina) ou IMAO (imipramina). De modo geral, a hospitalização não é necessária, sendo reservada a indivíduos com sintomas suicidas ou na vigência de dependência química. TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR: O transtorno de compulsão alimentar é marcado por episódios recorrentes de A frequência semanal de episódios compensatórios é responsável por definir a gravidade do transtorno, que pode ser leve (1-3), moderada (4-7), grave (8-13) ou extrema (> 14) Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS ingesta de volumes exagerados de comida em pouco tempo, diferindo da bulimia nervosa (principal diagnóstico diferencial) pela ausência de estratégias compensatórias. Esse é o transtorno alimentar de ocorrência mais comum, presente em pelo menos 25% dos indivíduos obesos que buscam atenção médica. Sua etiologia é desconhecida, porém observa-se que personalidades impulsivas e extrovertidas estão associadas ao desenvolvimento do quadro, assim como o engajamento em dietas caloricamente restritivas. Os critérios diagnósticos descritos pelo DSM-V devem estar presentes por pelo menos 3 meses, sendo descritos por: Alimentação mais rápida que o normal até sentir-se desconfortável; Ingesta de grandes quantidades de alimento na ausência de sinais físicos de fome; Comer sozinho; Sensação de culpa ou desgosto após o episódio. A obesidade normalmente se inicia de modo precoce em indivíduos com esse transtorno, que também são mais vulneráveis a oscilação do peso, com períodos de ganho/perda > 10 kg. É possível também observar o desenvolvimento de insônia, menarca precoce, dor muscular crônica e distúrbio metabólicos nesses pacientes. O tratamento também deve ser realizado de modo multidisciplinar, destacando-se a contribuição da terapia cognitivo- comportamental e dos grupos de múltipla ajuda para a reorganização de comportamentos compulsivos. O uso de medicamentos associada à psicoterapia apresenta ótimos resultados, sendo empregados principalmente antidepressivos (os mesmos aplicados à bulimia) e sibutramina.
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