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Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS HIPOTIREOIDISMO: O hipotireoidismo é definido como uma síndrome clínica decorrente da diminuição da concentração ou atividade de hormônios tireoidianos sobre os tecidos, promovendo lentificação generalizada do metabolismo. A ocorrência dessa condição é mais comum em mulheres, com frequência proporcional ao avanço da idade, com pico de prevalência após a 5ª década de vida. As apresentações subclínicas afetam 4 a 8% da população mundial, enquanto o hipotireoidismo clínico tem prevalência de 0,3 a 1%. Fatores de risco associados ao hipotireoidismo É possível classificar o hipotireoidismo conforme o local responsável pelos distúrbios da regulação hormonal, a saber: Hipotireoidismo primário: descreve quadros de falência da tireoide, presentes em mais de 90% dos pacientes, principalmente naqueles > 65 anos; Hipotireoidismo secundário: cursa com deficiência de TSH em decorrência de alterações hipofisárias; Hipotireoidismo terciário: representa processos de deficiência hipotalâmica de TRH. O hipotireoidismo central é aquele decorrente de etiologias secundárias e terciárias, direcionadas ao eixo hipotálamo-hipófise-tireoide. Mecanismo fisiológico de regulação da função tireoidiana por feedback negativo ETIOPATOGENIA: A tireoidite de Hashimoto é a causa mais comum de hipotireoidismo em regiões onde há ingesta suficiente de iodo, sendo descrita como uma doença autoimune que lentamente destrói o parênquima tireoidiano, comprometendo a secreção hormonal. Histologicamente, esse quadro é marcado pela infiltração de linfócitos T CD4 e anticorpos anti- TPO e/ou anti-TG na tireoide. Como segunda etiologia primária mais frequente destaca-se o hipotireoidismo A destruição dos folículos tireoidianos faz com que, em estágios iniciais da doença, o paciente possa apresentar sinais e sintomas de tireotoxicose leve, de modo paradoxal à evolução do quadro Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS iatrogênico, decorrente de intervenções médicas como a tireoidectomia (induz dependência da reposição de levotiroxina), radioterapia com iodo e o uso de medicamentos tireotóxicos (amiodarona e lítio). Cabe ressaltar que essas condições podem estar sobrepostas a quadros subclínicos de tireoidite de Hashimoto. Quando o hipotireoidismo se desenvolve ainda no período neonatal, ele pode ser considerado resultado de malformações congênitas (disgenesia glandular ou disfunções na síntese hormonal), que podem causar déficits neurocognitivos e alterações do crescimento. Para o hipotireoidismo central, por sua vez, as causas mais prevalentes em adultos são os tumores hipofisários e a necrose hipofisária (decorrente de hemorragias pós- parto). Principais etiologias para o hipotireoidismo Na população pediátrica, o craniofaringiomas, um tumor hipofisário caracterizado por calcificações heterogêneas, destaca-se como principal causador de distúrbios centrais. RX de crânio (perfil) com calcificações supraselares associadas a craniofaringioma Independentemente da etiologia, o quadro clínico do hipotireoidismo é modulado por uma série de fatores, como o grau de insuficiência tireoidiana, fase da vida na qual surgiu a deficiência e outros aspectos individuais. No que se refere à fisiologia da tireoide, cabe ressaltar que a atuação do T3 (forma ativa dos produtos tireoidianos, resultante da conversão de T4) se dá a nível genético sobre as células-alvo, estimulando a transcrição de diversas proteínas. Impactos fisiológicos dos hormônios tireoidianos (T3 e T4) sobre o metabolismo sistêmico Dessa forma, os sintomas associados ao hipotireoidismo resultam de mudanças moleculares e genômicas sobre os efeitos orgânicos e sistêmicos desses hormônios, especialmente sobre o consumo Em áreas com baixo aporte de iodo pela alimentação, a principal causa de hipotireoidismo, em todas as idades, é a carência nutricional Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS metabólico da grande maioria dos tecidos corporais. Sinais e sintomas decorrentes de alterações patológicas do funcionamento da tireoide QUADRO CLÍNICO: As manifestações clínicas do hipotireoidismo são bastante características, com desenvolvimento e severidade proporcionais à duração e intensidade da carência hormonal. Assim, destacam-se: Fadiga; Rouquidão; Intolerância ao frio; Ganho de peso discreto (há manutenção do apetite); Pele pálida e fria; Hiperceratose; Cabelos e unhas secos e quebradiços; Mixedema (edema periocular sem cacifo em quadros graves); Bradicardia; Bócio (firme e indolor); Hipertensão arterial sistêmica (pode causar PA convergente); Hipercolesterolemia; Constipação (hipoperistalse); Diminuição da libido; Alterações do fluxo menstrual; Pensamento lentificado. Principais manifestações clínicas do hipotireoidismo A sintomatologia do hipotireoidismo congênito, por sua vez, já pode se desenvolver nos primeiros dias de vida, com hipotermia, dificuldade de alimentação, icterícia, bradicardia, alargamento da fontanela posterior e hérnia umbilical. No entanto, muitas crianças acometidas por esse quadro podem parecer normais ao exame físico, o que justifica sua investigação na triagem neonatal. Características típicas de criança com hipotireoidismo congênito Algumas apresentações atípicas dessa condição são o derrame pericárdico/pleural, alterações do olfato e paladar, coagulopatia (doença de Von Willebrand adquirida) e pseudobstruções intestinais Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS DIAGNÓSTICO: O rastreamento laboratorial específico para hipotireoidismo deve ser indicado sempre que houver suspeita clínica de disfunção tireoidiana ou na presença de fatores de risco para a doença, como: Diabetes melitus tipo 1 E/OU outras doenças autoimunes; Tireoidite pós-parto; Síndromes de Down ou Turner; Uso prévio de medicações tireotóxicas; Antecedentes de radioterapia na cabeça ou pescoço; História de tratamento para tireotoxicose. Nesse contexto, o procedimento inicial para o diagnóstico do hipotireoidismo é a dosagem do TSH sérico, sendo que valores elevados determinam etiologias primárias. Disfunções de origem hipotalâmica- hipofisária levam à depleção de TSH, suprimindo o feedback negativo fora da tireoide. A alteração dos resultados requer que o exame seja repetido, além de indicar a realização da avaliação dos níveis de T4 livre. No hipotireoidismo, a concentração desse hormônio encontra-se baixa (apresentação clínica) ou normal (forma subclínica). Fluxograma para identificação diagnóstica da função tireoidiana A detecção de autoanticorpos tireoidianos é útil para confirmar a origem do hipotireoidismo por tireoidite de Hashimoto, porém nem sempre os níveis circulantes são altos o suficiente para alterar os resultados. Nessas condições, a presença de padrões ultrassonográficos hipoecogênico com destruição tecidual pode ser usada para identificar a tireoidite autoimune. Tireoide difusamente aumentada e hipoecogênica com estrias fibróticas (A), e tireoide saudável (B) Como mencionado anteriormente, o hipotireoidismo também pode induzir a ocorrência de alterações laboratoriais inespecíficas, a saber: Anemia: pode apresentar aspecto normocítico/normocrômico (resultado da hipoproliferação induzida por metabolismo acentuado), macrocítico (quando associada à gastrite atrófica) ou Com a confirmação do hipotireoidismo central, é necessário realizar uma ressonância magnética de forma a identificar lesões ou tumores que justifiquem osachados laboratoriais Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS microcítica/hipocrômica (decorrente da menorragia); Dislipidemia mista: produto da hipercolesterolemia por LDL e da hipertrigliceridemia, uma vez que a produção de receptores e lipases é reduzida; Elevação de transaminases e enzimas musculares; Aumento discreto de paratormônio e vitamina D; Hiperprolactinemia; Diminuição da TFG e hiponatremia. TRATAMENTO: O objetivo terapêutico para o hipotireoidismo é garantir o retorno ao estado eutireoidismo de forma mais rápida possível, fornecendo hormônios endógenos em dose suficiente para manter o TSH entre 0,4 a 4 mcU/mL. Assim, o manejo do hipotireoidismo subclínico é feito com reposição de levotiroxina, variando conforme a idade e a reserva tireoidiana de cada paciente. O uso de T3 não é indicado pois esse composto apresenta meia-vida curta, dificultando a manutenção de concentrações regulares no sangue. Normalmente adultos jovens (< 60 anos) começam o tratamento com dose plena diária de 1,6 a 1,8 μg/kg/dia. Em idosos saudáveis, o ponto de partida é de até 50 μg/dia, aumentando gradualmente posologia a cada 7 dias. Em cardiopatas graves, por sua vez, a progressão deve ser ainda mais lenta, introduzindo apenas 12,5 a 25 μg/dia, com aumento quinzenal (risco de isquemia por aumento do consumo de O2 no miocárdio). Os principais efeitos adversos do tratamento são relacionados ao excesso de hormônios, levando ao desenvolvimento de manifestações de tireotoxicose (palpitações, arritmia, osteoporose). O acompanhamento da função da tireoide deve ser feito com a dosagem de TSH depois de 6 semanas do início da reposição hormonal. Na presença de níveis estáveis, deve ser determinada a dose de manutenção, com reavaliações a cada 6-12 meses. No hipotireoidismo central, o parâmetro para seguimento do paciente é a concentração de T4 livre no sangue. As indicações para tratamento do hipotireoidismo subclínico aceitas atualmente são: TSH ≥ 10 mU/L; Gravidez (ou desejo de engravidar). Esse manejo também pode ser considerado na presença de dislipidemia, sintomas clínicos ou anti- TPO elevado. A administração da levotiroxina deve ser feita em dose única diária e em jejum (30 a 60 minutos antes do café da manhã), de modo a evitar interferências na absorção do fármaco, que se dá no jejuno O hipotireoidismo congênito requer uso de doses elevadas de levotiroxina (10 a 15 μg/kg/dia), pois a depuração hormonal é mais rápida na infância Recomenda-se a repetição da dosagem de TSH de 1 a 3 meses após a avaliação inicial para descartar condições de elevação hormonal transitória, que não requerem tratamento Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS Como esses pacientes apresentam maior função tireoidiana residual, a determinação da dose de levotiroxina se dá com base nos níveis de TSH. Tabela de posologia da levotiroxina no hipotireoidismo subclínico HIPOTIREOIDISMO NA GESTAÇÃO: Durante a gravidez, mulheres passam por diversas mudanças fisiológicas que podem implicar na função da tireoide, tais como: Redução do TSH e aumento do T4 livre por mimetismo do HCG sobre receptores tireotróficos; Aumento do T4 total devido à maior produção de TBG por estrogênios; Aumento da necessidade diária de iodo. Gestantes com hipotireoidismo prévio ou lesões incipientes se tornam incapazes de aumentar a produção hormonal de forma autônoma. Por esse motivo, a presença de TSH > 4 mUI/L já é suficiente para o início da reposição com levotiroxina. Fluxograma terapêutico para hipotireoidismo na gestação
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