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JAQUELINE OLIIVEIRA FONSECA Pós-Graduação em Serviço Social, Políticas Públicas ou Pós-Graduação em Assistência Social, Saúde Pública Em uma pequena família da cidade de Nova York, uma criança extraordinária nasce: August Pullman. Auggie, como é chamado, é diagnosticado com uma síndrome genética rara, que deforma todo o seu rosto. Devido a isso, durante sua vida, o menino precisa fazer várias cirurgias de risco. Sua família é muito unida e protetora, principalmente quando se trata do garoto. Por isso, até seus dez anos, ele nunca tinha frequentado a escola, até que seus pais decidem que talvez seja hora de o menino encarar essa nova fase em sua vida. É nessa escola que Auggie se depara com várias situações de bullying, piadas maldosas e olhares estranhos. Mas também é nesse mesmo local que ele faz amizades puras, supera dificuldades e medos, sejam estes dele mesmo ou de sua família; também consegue passar às pessoas lições de compaixão e respeito. Inspirado no livro Extraordinário, por R. J. Palacio, o longa-metragem não trata apenas a história de um garotinho com dificuldades na escola, mas de uma vida completamente exposta ao mundo, que consegue aprender e ensinar. Um garoto que se sente diferente e precisa aprender a lidar com as pessoas e com ele mesmo. Toda a história acompanha uma linha de narração que propõe ao leitor/telespectador ter contato com o ponto de vista de todos os personagens principais da história. Isso porque, a cada capítulo, a narrativa é feita por um personagem diferente, contando a mesma história. Tanto o livro, quanto o filme, conseguem cativar de forma semelhante, sendo indicados para crianças, jovens ou adultos, pois apresentam uma linguagem leve, com um tema bastante cotidiano. Extraordinário ganha relevância também ao ressaltar a individualidade dos jovens a partir de suas angústias pessoais, por mais que a divisão do filme a partir dos personagens soe um tanto quanto esquemática. Ainda assim, tal diversidade amplia o leque emocional retratado em cena, trazendo ao filme camadas necessárias para evitar um foco excessivo (e desgastante) em Auggie. Por outro lado, é importante também ressaltar que nenhuma das subtramas possui um grande aprofundamento, tendo como objetivo maior trazer mais informações acerca da personalidade do retratado. Há ainda Julia Roberts e Owen Wilson, os pais de Auggie. Se ele praticamente reprisa o personagem de Marley & Eu, a partir do já conhecido - e mais uma vez funcional - perfil boa praça, ela é competente ao compor a mãe amorosa e rigorosa, que tenta conciliar aspirações profissionais com a vida em família. Entretanto, o real motivo pela escolha de Julia está em seu marcante sorriso, luminoso sempre que surge em cena. O filme é um bom para se trabalhar várias questões que atravessam os muros de nossas escolas. A escola tem que ser, necessariamente, o local da diversidade, da inclusão, do direito e das ações humanistas. É a partir dessas perspectivas que o filme se torna interessante e rico em abordagens para exibirmos na escola. A chegada de alunos com deficiência à escola regular é uma realidade cada vez mais comum. Dados da pesquisa Conselho de Classe, realizada pela Fundação Lemann, mostram que 22% dos professores brasileiros veem a inclusão como uma das três maiores prioridades para seu trabalho. Um dos receios sobre a entrada desses alunos é a possibilidade de que sofram bullying e intimidação – como acontece com Auggie, no filme. Ensinar as crianças a conviver com outras que reconheçam como diferentes passa pela necessidade de fazê-las pensar que todos são, em alguma medida, diferentes uns dos outros. Uma das características do bullying é que ele acontece justamente longe dos olhos dos adultos, na relação entre as crianças. É o que acontece no filme: por muito tempo, diretor, pais e professores não tomam conhecimento das intimidações a que Auggie é exposto. Uma boa maneira de contornar essa invisibilidade é investir na formação dos próprios alunos para que eles ajudem a resolver a situação na escola. “Quando um adulto trabalha sozinho, as crianças e os jovens tendem a encarar suas falas como ‘ordens’". Não basta dar sermões ou fazer palestras sobre o tema. Quando conhecemos os pais de Julian, o principal agressor de Auggie no filme, parece ficar claro o porquê do comportamento do menino. Prestar atenção: as causas do bullying são múltiplas e, apesar do estilo usado pelos pais na criação dos filhos ser um dos principais fatores que influenciam no comportamento, ele não é o único. Não faz sentido, portanto, culpar unicamente os pais pelo bullying. Mas dá para ampliar as ações para as famílias. Os pais não receberam formação para discutir essas questões. É importante que a escola também ofereça formações para eles. O filme se dedica a retratar não somente a rotina de Auggie, mas também de diversas pessoas com quem o menino se relaciona. Chama atenção a história da irmã mais velha, Via. Ela faz do ingresso no curso de teatro da escola uma válvula de escape para sua rotina. As angústias sofridas pela jovem quase sempre passam despercebidas, tanto pela família quanto pela escola onde ela estuda. Alunos como ela, muitas vezes, passam por situações difíceis sem que os educadores as identifiquem. Para mudar essa situação, apostar em novas metodologias de ensino. Quando os estudantes têm mais chance de se colocar, fica mais claro para os adultos os momentos pelos quais estão passando. Uma dinâmica possível é a realização de rodas de conversa para realizar um balanço sobre o dia. No final da aula, os estudantes podem ser estimulados a falar sobre como participaram das atividades, quais papéis assumiram – foram líderes? Demandaram muita ajuda? Conseguiram apoiar colegas? – e, assim, o professor se aproxima de cada estudante. Muitas vezes, nossos estudantes espalhados pelas diversas escolas, passam por tudo isso, principalmente, se a escola não tiver um olhar inclusivo, um projeto político pedagógico em que todos sejam considerados sujeitos dotados de direitos. Essa questão é, ainda nos dias de hoje, um grande desafio no ambiente escolar e na sociedade em geral. Assim como no filme, a escola, muitas vezes, reproduz as relações opressoras e excludentes construídas historicamente e socialmente no interior da sociedade, principalmente, se não adotarmos uma postura inclusiva e humanista. O filme Extraordinário nos provoca a pensar na possibilidade de construirmos uma outra sociedade, na qual “talvez possamos mudar nosso jeito de ver” o ser humano. Sem essa postura, nossos conteúdos são vazios, sem sentido e destinados ao esquecimento pelos próprios estudantes. Repleto de boas intenções, extraordinário equilibra bem as mensagens edificantes intrínsecas com o carisma de um bom elenco e uma direção cuidadosa, que dosa com competência e sensibilidade os inevitáveis momentos emocionais de sua trajetória. Bom filme, com boas chances de arrancar uma lágrima do espectador. REFERÊRENCIAS CHBOSKY. Stephen. Extraordinário. Estados Unidos, 2017. Disponível: https://www.culturagenial.com/filme-extraordinario/ acesso em: 24/03/2022. CRITELLI, Dulce. O sentido da vida e a história pessoal. Folha de S. Paulo, Caderno Equilíbrio, São Paulo, 21 de abril de 2005. https://www.culturagenial.com/filme-extraordinario/
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