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TERAPIA NUTRICIONAL NAS DOENÇAS CRÔNICAS E INFECTOCONTAGIOSAS W BA 07 03 _v 1. 0 22 Fernanda Frasson Londrina Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2019 Terapia nutricional nas doenças crônicas e infectocontagiosas 1ª edição 33 3 2019 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Carolina Yaly Giani Vendramel de Oliveira Juliana Caramigo Gennarini Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Camila Braga de Oliveira Higa Revisor Chirle de Oliveira Raphaelli Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Daniella Fernandes Haruze Manta Hâmila Samai Franco dos Santos Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Frasson, Fernanda F843t Terapia nutricional nas doenças crônicas e infectocontagiosas/ Fernanda Frasson, – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2019. 146 p. ISBN 978-85-522-1618-6 1. Terapia. 2. Nutricional. I. Frasson, Fernanda. Título. CDD 613 Thamiris Mantovani CRB: 8/9491 © 2019 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. 44 SUMÁRIO Apresentação da disciplina 5 Terapia nutricional na obesidade, desnutrição e transtornos alimentares 6 Terapia nutricional em doenças do trato gastrointestinal 36 Terapia nutricional em doenças hepáticas e pancreáticas 64 Terapia nutricional em doenças cardiovasculares, dislipidemias e hipertensão arterial 90 Terapia nutricional em doenças renais e pulmonares 118 Terapia nutricional em doenças endócrinas e câncer 147 Terapia nutricional em doenças infectocontagiosas 176 TERAPIA NUTRICIONAL NAS DOENÇAS CRÔNICAS E INFECTOCONTAGIOSAS 55 5 Apresentação da disciplina Olá, aluno! A disciplina Terapia Nutricional nas Doenças Crônicas e Infectocontagiosas é o espaço ideal para abordar alguns dos temas mais instigantes e contextuais da nutrição. Diante do quadro social brasileiro, em que temos o aumento da expectativa de vida da população, acompanhado do aumento da prevalência das doenças crônicas e infectocontagiosas, estudar as relações entre a alimentação e a promoção da saúde humana é uma ótima oportunidade para honrar o juramento feito ao final da graduação em Nutrição, bem como atualizar conhecimentos para um exercício profissional de qualidade. Durante esta disciplina, você estudará as etapas do atendimento clínico, as recomendações nutricionais vigentes e as orientações nutricionais adequadas que devem compor o plano de atendimento nutricional a pacientes que sofrem com distúrbios como obesidade, desnutrição, transtornos alimentares, gastrointestinais, hepáticos, pancreáticos, cardiovasculares, endócrinos, oncológicos, renais, pulmonares e infectocontagiosos. Selecionamos os principais agravos desses temas para discutir com você. Espero que seja um bom momento de atualização e aprendizado! Bons estudos! 66 Terapia nutricional na obesidade, desnutrição e transtornos alimentares Autora: Fernanda Frasson Objetivos • Discutir a construção de planos de atendimento nutricional a serem implementados no tratamento de pacientes obesos, desnutridos ou com transtornos alimentares. • Relacionar métodos e protocolos que podem ser utilizados na avaliação do estado nutricional dos pacientes com obesidade, desnutrição ou transtornos alimentares. • Descrever aspectos gerais e epidemiológicos da obesidade, da desnutrição e dos transtornos alimentares. 77 7 1. Introdução Em 2018, o IBGE divulgou pesquisa apontando que a expectativa de vida dos brasileiros aumentou 30,5 anos entre 1940 e 2017. Apesar desse dado positivo, é perceptível aos profissionais da saúde, bem como àqueles que trabalham com o desenvolvimento social, a cidadania e a economia, que boas condições de vida e saúde não acompanharam o ritmo de crescimento dessa taxa, de forma que, para muitos indivíduos, tais condições não são alcançadas plenamente durante as diferentes fases do viver. Entre as preocupações que se relacionam com o desenvolvimento de boas condições de saúde, tendo em mente que o cidadão possa usufruir seus dias de vida com qualidade, estão os índices de incidências das Doenças Crônicas Não Transmissíveis e Infectocontagiosas nos seres humanos. Nesta aula, você estudará como a obesidade, a desnutrição e os transtornos alimentares podem prejudicar a qualidade de vida dos brasileiros e terá a oportunidade de pensar alternativas para conduzir o tratamento de pacientes acometidos com tais morbidades, de forma que a terapia nutricional seja uma forte aliada na recuperação de suas condições de saúde. 2. Obesidade Ferreira, Szwarcwald e Damacena (2019) fizeram uma pesquisa sobre a prevalência da obesidade no cenário brasileiro e constataram que a incidência dessa enfermidade, em todas as faixas etárias, é crescente e alarmante. Tal afirmação é congruente com os dados apresentados pela POF 2008-20091 (IBGE, 2011) e Vigitel2 (BRASIL, 2017). 1 Pesquisa de Orçamento familiar 2008-2009. 2 Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. 88 É sabido que a obesidade é uma doença crônica multicausal, na qual aspectos nutricionais, genéticos, patológicos, metabólicos, psicossociais e culturais atuam conjuntamente, gerando um acúmulo excessivo de gordura no organismo (CARVALHO; DUTRA, 2014); contudo, é cada vez maior a atenção dispendida para a associação entre ela, dietas inadequadas e estilos de vida sedentários. Alimentação com base em alimentos ultraprocessados, rica em energia, carboidratos simples e gorduras e ausência de atividade física têm sido apontadas como os grandes vilões responsáveis pelo excesso de peso. Sendo assim, a prevenção e o tratamento da obesidade devem incluir, antes de mais nada, aspectos relacionados à promoção de hábitos alimentares saudáveis e um modo de vida ativo (CARVALHO; DUTRA, 2014). Desde 1999, o governo brasileiro vem, por meio de políticas públicas e programas de saúde pública, incentivando a promoção de práticas alimentares e estilo de vida saudáveis, numa tentativa de conter a elevada prevalência da obesidade e das DCNT a ela associadas (BRASIL, 2007; 2013; 2018; WHO, 2004; 2014). Carvalho, Dutra e Araújo (2009) consideram que, além do desenvolvimento de ações em saúde pública, individualmente, o aconselhamento nutricional e a dietoterapia são abordagens fundamentais para garantir um novo quadro epidemiológico de saúde. Nesse sentido, mudanças no padrão alimentar para controle de qualidade e quantidade das refeições devem ser o suporte do tratamento da obesidade, mesmo quando esse tratamento incluir medicamentos ou cirurgia bariátrica. Complementando as considerações de Carvalho, Dutra e Araújo (2009), a Abeso (2016) acrescenta que o tratamento dietético para obesidade é mais bem-sucedido quando aliado a um programa de modificação comportamental que envolva aumento no gasto energético, promovendo um balanço energético negativo. Dieta, atividade física e modificação comportamental devem ser incluídas em todo tratamento da obesidade. Por isso, é necessário que o paciente obeso seja atendido por uma equipe multidisciplinar. 99 9 Figura 1 – Fatores associadosao tratamento nutricional do paciente com excesso de peso Fonte: demaerre/iStock.com. No próximo tópico, serão apresentadas as diretrizes norteadoras para a construção de um plano de atendimento nutricional que supra as necessidades de pacientes obesos. 2.1 Terapia nutricional na obesidade Segundo Carvalho e Dutra (2014, p. 201), a atenção nutricional ao paciente obeso deve ser composta por cinco etapas: • Avaliação do estado nutricional para determinação do diagnóstico nutricional e das necessidades nutricionais. • Desenvolvimento do plano de ação nutricional. • Implementação da dietoterapia, determinada pelo cálculo da dieta e do conteúdo de macro e micronutrientes. • Aconselhamento nutricional, envolvendo conceitos básicos de saúde e alimentação. • Avaliação da eficiência da intervenção. Seguir as etapas acima citadas facilita o trabalho do nutricionista e garante um cuidado nutricional de qualidade ao paciente. 1010 2.2 Avaliação nutricional Como pontuado no tópico anterior, a atenção ao indivíduo obeso deve ser iniciada com a avaliação do seu estado nutricional. Essa etapa é fundamental para a tomada de decisão do nutricionista quanto ao diagnóstico nutricional e à conduta dietética que será pensada para o paciente. Na prática clínica, emprega-se a análise da história clínica, dietética e social, os dados antropométricos e bioquímicos e a interação entre drogas e nutrientes para estabelecer o planejamento e a orientação dietética (FISBERG; MARCHIONI; VILLAR, 2014). Recordatório de 24 horas, questionário de frequência alimentar, história dietética e diário alimentar são os protocolos mais indicados para a avaliação do consumo alimentar dos pacientes em atendimento nutricional (KAMIMURA et al., 2014). Peso isolado, peso ajustado para altura, índice de massa corporal (IMC), porcentagem de gordura corporal e razão cintura-quadril são os parâmetros mais indicados para a avaliação antropométrica do paciente obeso (HAMMOND; LITCHFORD, 2012; KAMIMURA et al., 2014). Hormônio estimulante da tireoide (TSH), glicemia de jejum, colesterol total sérico, HDL-colesterol, LDL-colesterol, e triglicerídeos são os exames mais adequados para se acompanhar o perfil bioquímico de indivíduos obeso (CALIXTO-LIMA et al., 2012; KAMIMURA et al., 2014). Carvalho, Dutra e Araújo (2009) ressaltaram que muitos nutricionistas não realizam a avaliação nutricional detalhada do paciente obeso, pois consideram que seu estado nutricional seja derivado de um balanço energético positivo, com excessivo consumo alimentar e pouca atividade física. Contudo, essa maneira de conduzir o atendimento nutricional demonstra falta de interesse profissional pela alimentação do paciente e impede que a construção do plano alimentar seja individualizada e planejada de acordo com as práticas e culturas referidas por ele. 1111 11 2.3 Plano de ação nutricional Tendo em mãos os resultados da avaliação nutricional, o nutricionista poderá discutir com o paciente as metas a serem alcançadas por ele durante o tratamento nutricional. Cabe dizer aqui que, muitas vezes, os objetivos do nutricionista e do paciente são discrepantes, principalmente quando este deseja recuperar medidas antropométricas de um passado distante ou padrões estéticos estabelecidos pela mídia. De maneira racional, Carvalho e Dutra (2014) propõem que um objetivo razoável é reduzir a gordura corporal para um nível que seja acompanhado de melhora no estado de saúde (adequação do perfil de glicose, lipídios plasmáticos e pressão arterial) ou de redução dos riscos de complicações associados à obesidade do paciente. Grosso modo, reduzir 5% a 10% do peso inicial, num período de 3 a 6 meses, já resulta em melhora metabólica. O redimensionamento do plano de ação nutricional pode ser feito após esse período de tratamento, se os objetivos iniciais tiverem sido alcançados. Um ponto importante a se considerar no planejamento da intervenção nutricional é que o sucesso do tratamento deve estar mais atrelado à manutenção do emagrecimento alcançado do que a um emagrecimento maciço não sustentável. 2.4 Implementação da dietoterapia Para o tratamento dietoterápico da obesidade, recomenda-se uma prescrição dietética de moderado valor energético. Nesse tipo de prescrição, a alimentação deve fornecer de 500 a 1.000 kcal a menos do que o indivíduo está habituado a consumir. Para realizar esse cálculo, o nutricionista deve mensurar, com base no inquérito alimentar realizado na fase de avaliação nutricional, o consumo energético habitual do paciente. Contudo, a dieta não deve oferecer menos do que 1.000 a 1.200 kcal/dia para mulheres, e 1.200 a 1212 1.400 kcal/dia para homens (ABESO, 2016). Outra maneira de prescrever o aporte energético da dieta é fornecer 20 kcal/kg do peso atual do paciente (CARVALHO; DUTRA; ARAÚJO, 2009). Dietas com esse perfil energético geram um balanço energético negativo, que, associado a um estilo de vida ativo, promove o emagrecimento de 0,45 a 0,90 kg/semana (CARVALHO; DUTRA; ARAÚJO, 2009). Uma vez estabelecido o aporte energético, é hora de planejar a distribuição de macro e micronutrientes que serão fornecidos pela alimentação. Carvalho e Dutra (2014, p. 204) descreveram que a composição ideal da dieta é: • Carboidratos: 55% a 60% (com cerca de 20% de absorção simples). • Proteínas: 15% a 20% (não menos de 0,8 g/kg de peso desejável/dia). • Gorduras: 20% a 25%, com 7% de gorduras saturadas, 10% de gorduras poli-insaturadas e 13% de gorduras monoinsaturadas. • Fibras: 20 a 30 g/dia. • Álcool: não é aconselhável. • Colesterol: não mais que 300 mg/dia. • Vitaminas e minerais: são alcançadas as necessidades totais nos planos de 1.200 kcal ou mais. • Cloreto de sódio: quantidade adequada à situação biológica individual. • Líquidos: 1.500 ml para cada 1.000 kcal. • Distribuição: sugerem-se 6 refeições/dia. 1313 13 As diretrizes da Abeso (2016) propõem, diferentemente de Carvalho e Dutra (2014), que a oferta de gorduras deve ser de 20% a 30% do valor calórico total da dieta. Em termos práticos, na elaboração do cardápio que será proposto, o nutricionista pode se valer das diretrizes descritas no Guia alimentar para a população brasileira (BRASIL, 2014), tais como: fazer dos alimentos in natura ou minimamente processados a base da alimentação do paciente; limitar a indicação de alimentos processados, sendo que eles devem ser sugeridos apenas como ingredientes das preparações culinárias ou como parte das refeições baseadas em alimentos in natura ou minimamente processados; ensinar o paciente a utilizar óleos, gorduras, sal e açúcar de forma que esses ingredientes contribuam para diversificar e tornar mais saborosa a alimentação sem torná-la nutricionalmente desbalanceada; prescrever alimentos de todos os grupos alimentares; incentivar o consumo de alimentos que tenham qualidade sanitária atestada (de preferência orgânicos); e evitar, veementemente, alimentos ultraprocessados. Ao organizar a distribuição dos alimentos no cardápio, o nutricionista pode prescrever: cereais integrais, pelo menos uma vez ao dia; verduras e legumes no almoço e no jantar; frutas como sobremesas e nos intervalos entre as principais refeições; leite ou derivados, três vezes ao dia; leguminosas no almoço ou jantar; carnes, peixes ou ovos, uma ou duas vezes ao dia; troca da gordura animal por vegetal; e consumo de água pura na faixa de 2 litros por dia (BRASIL, 2014). A quantidade a ser ingerida, de cada um desses alimentos, vai depender do valor energético total estimado para o cardápio diário. Carvalho, Dutra e Araújo (2009) consideram que a adesão do paciente à dieta pode ser mais consistente se o nutricionista entregar, junto com um modelo de cardápio básico, uma lista de substituição de alimentos, uma lista de compras dos alimentos que serão necessários para um determinado período de tratamento e um receituário com instruções sobre como preparar os pratosque foram sugeridos. 1414 Apesar de haver muita excitação em torno de novas possibilidades de distribuição de macronutrientes, bem como de inserção de algum alimento específico na dieta para a promoção de uma perda de peso mais rápida e eficiente, Almeida et al. (2009) afirmaram que os melhores resultados são alcançados por pacientes que seguem os padrões dietoterápicos descritos por Carvalho e Dutra (2014) e pelo Guia alimentar para a população brasileira (BRASIL, 2014). Essa afirmação de Almeida et al. (2009) foi construída após eles terem feito uma revisão sistemática de pesquisas que investigaram o papel dos componentes dietéticos em dietas de emagrecimento. Planos alimentares de baixo valor energético (que provêm entre 800 e 1200 kcal/dia ou 10 a 19 kcal/kg de peso desejável/dia) e de muito baixo valor energético (que provêm menos de 800 kcal/dia ou menos de 10 kcal/kg de peso desejável/dia) são indicados para casos especiais, como obesidade recorrente e descompensação diabética, mas não devem ser realizados por mais do que 3 a 4 semanas, pois não suprem todas as necessidades nutricionais do paciente (CARVALHO; DUTRA, 2014). Além disso, pesquisas têm demonstrado que pacientes têm dificuldades em aderir, por um tempo prolongado, a tratamentos tão restritivos (ALMEIDA et al., 2009; ABESO, 2016). Em relação ao tratamento nutricional de crianças obesas, o objetivo principal é promover a alimentação saudável (baseada nas orientações do Guia alimentar para a população brasileira) e a atividade física, sem restrição calórica, de forma que ela mantenha seu peso atual enquanto cresce em estatura. Assim, dietas com restrição de calorias não são indicadas, a não ser que haja complicações secundárias (LYSEN; ISRAEL, 2012; WHO, 2014). 2.5 Aconselhamento nutricional Considerando que, para o paciente desenvolver autonomia na realização de escolhas alimentares saudáveis, a terapia nutricional deve abranger 1515 15 mais do que a prescrição dietética objetiva, Carvalho, Dutra e Araújo (2009) recomendam que um plano de aconselhamento nutricional seja estabelecido por parte do nutricionista. Nesse sentido, as autoras elencaram algumas habilidades e atitudes a serem desenvolvidas junto ao paciente (Quadro 1): Quadro 1 – Habilidades e atitudes que deverão ser desenvolvidas junto ao paciente obeso, ao longo do acompanhamento nutricional Habilidade cognitiva Técnica dietética Comportamento Identificar os riscos associados à obesidade e comorbidades. Identificar ingredientes saudáveis para as preparações cotidianas. Desenvolver padrão de mastigação eficiente. Reconhecer o papel do estilo de vida saudável para o controle do peso e comorbidades. Escolher técnicas e alimentos adequados para o preparo de refeições saudáveis. Fracionar a dieta, de preferência com seis refeições diárias. Conhecer os grupos de alimentos e suas propriedades nutricionais. Limitar o uso de sal, açúcar e gorduras nas preparações. Fazer as refeições à mesa, de preferência com a família. Entender as informações nutricionais contidas nos rótulos de alimentos. Planejar cardápios saborosos, com variedade e equilíbrio. Estar atento aos ajustes necessários em situações especiais, como festas e viagens. Fonte: Carvalho, Dutra e Araújo (2009, p. 111). Tanto as habilidades e atitudes descritas no quadro acima quanto outras que o nutricionista considerar pertinentes podem ser gradativamente discutidas com o paciente durante os retornos que ele fizer ao consultório para o acompanhamento da evolução de seu quadro clínico. Martins (2014) afirma que essa etapa é fundamental para que o indivíduo crie consciência de seu protagonismo no tratamento. O nutricionista deve conduzir as conversas de aconselhamento de forma que os pacientes realizem reflexões de nível intrapessoal e assumam a responsabilidade pela execução do tratamento proposto. 1616 Outra forma de aconselhar o paciente para que ele consiga realizar o tratamento proposto com eficiência é indicar-lhe bons serviços de apoio. Para isso, o nutricionista deve criar uma rede de parceiros: chefs de cozinha que atendam em domicílio, comerciantes de produtos orgânicos, lojas que vendem marmitas saudáveis, restaurantes que oferecem refeições de boa qualidade nutricional, personal trainers, psicólogos etc. 2.6 Avaliação da eficiência da terapia nutricional A última etapa da atenção ao paciente obeso é a avaliação da eficiência do tratamento implementado. O objetivo dessa fase é avaliar a eficiência da terapia nutricional, investigando, principalmente, as dificuldades encontradas pelo paciente para o cumprimento da dieta, dificuldades essas que podem culminar com o abandono do tratamento. Uma vez conhecidos os pontos críticos do tratamento, o nutricionista deve estabelecer novas estratégias de ação (novas orientações ou prescrições) para que as metas traçadas sejam alcançadas pelo paciente. Conforme os objetivos da terapia nutricional forem contemplados, o nutricionista pode encaminhar o paciente para a alta, deixando sempre o espaço aberto para que, se necessário, ele retorne ao consultório. PARA SABER MAIS Em 2013, Zambon defendeu sua tese de doutorado afirmando que, no tratamento de casos de obesidade, o nutricionista deve considerar a colonização bacteriana do intestino de seu paciente. Para corroborar sua hipótese, investigou e constatou que um aumento significativo na 1717 17 presença do receptor toll-like-receptor 4 (TLR4) (parte de uma célula do sistema imune) é observada nos adipócitos de camundongos quando há presença de lipopolissacarídeos (LPS) (produto da degradação da membrana plasmática de bactérias gram negativas intestinais) no tecido adiposo. Essa resposta inflamatória protege o tecido adiposo da infecção pela toxina LPS, mas, em contrapartida, leva a um quadro de resistência à insulina, que é uma das causas fisiopatológicas que promovem a obesidade. É possível que essa situação seja causada por alterações na microbiota e na permeabilidade intestinais dos camundongos, o que faz do intestino e das bactérias que nele habitam alvos de investigação para o tratamento da obesidade. Diante dessa e de outras pesquisas dessa mesma linha de investigação, vale a pena, no atendimento a pacientes obesos ou mesmo com sobrepeso, o nutricionista dedicar parte do plano alimentar para o provimento de alimentos prebióticos, probióticos ou simbióticos. 3. Desnutrição A desnutrição é um agravo a saúde que tem perdido espaço de discussão e atenção frente à alta prevalência dos casos de obesidade e DCNT que se concretiza nas sociedades do século XXI. Contudo, os prejuízos psicossociais que essa condição acarreta nos indivíduos que a carregam e a interferência que ela causa no tratamento e na recuperação de pacientes que apresentam doenças hipercatabólicas tornam necessária sua discussão. Segundo Monteiro (2003, p. 3), desnutrição ou deficiências nutricionais são: 1818 […] doenças que decorrem do aporte alimentar insuficiente em energia e nutrientes ou, ainda, com alguma frequência, do inadequado aproveitamento biológico dos alimentos ingeridos – geralmente motivado pela presença de doenças, em particular doenças infecciosas. Apesar de Monteiro (2003) trazer à luz a questão de a desnutrição ser referente, também, à deficiência no suprimento de qualquer nutriente para o organismo, nesta aula, o foco será mantido na desnutrição enquanto distúrbio energético-proteico. 3.1 Terapia Nutricional na Desnutrição A atenção nutricional ao paciente desnutrido também deve ser organizada em cinco etapas: avaliação do estado nutricional, desenvolvimento do plano de ação, implementação da dietoterapia, aconselhamento nutricional e avaliação da eficiência da intervenção. 3.1.1 Avaliação nutricional Antes de iniciar o planejamento do tratamento que visa reverter o quadro de desnutrição de um paciente, é importante avaliar a causa e a extensão do baixo pesoque ele apresenta. Lysen e Israel (2012) dizem que uma anamnese completa, em que se indague a história clínica, dietética e social, dados antropométricos e bioquímicos, e a interação entre drogas e nutrientes é essencial para o planejamento e a orientação dietética que será proposta ao paciente, bem como para o acompanhamento de sua evolução frente ao tratamento. A investigação sobre a associação de doenças com a desnutrição é fundamental, pois, dependendo do caso, se não houver tratamento médico para a doença de base, o tratamento nutricional não surtirá efeito. Além disso, em alguns casos específicos de doenças, alimentos funcionais podem ser incorporados à dieta. 1919 19 Entre os exames bioquímicos que auxiliam no diagnóstico e na avaliação do tratamento da desnutrição temos: proteína C reativa, creatinina, albumina, pré-albumina, proteína ligadora do retinol, transferrina, entre outros (CALIXTO-LIMA; REIS, 2012). O protocolo de Avaliação Global Subjetiva é um bom instrumento para a avaliação inicial e continuada de pacientes com desnutrição (KAMIMURA et al., 2014). Instruções mais detalhadas para o diagnóstico de desnutrição em crianças podem ser encontradas em Sarni et al. (2011). 3.1.2 Plano de ação nutricional Considerando que a desnutrição pode ter múltiplas causas e também múltiplas consequências, o tratamento do paciente deve ser pensado por uma equipe multidisciplinar, envolvendo médico, nutricionista, psicólogo e assistente social (para casos em que seja necessário encaminhamento do paciente a instituições de apoio a pessoas carentes). Em relação ao plano de ação, o objetivo do tratamento dietoterápico deve ser evitar a perda de peso progressiva em relação ao estado nutricional atual; otimizar a ingestão de nutrientes durante a fase aguda; curar feridas ou úlceras por pressão, caso existam no paciente; melhorar a mobilidade, a fragilidade e a qualidade de vida do paciente; melhorar o balanço nitrogenado; reduzir a proteólise; e melhorar a resposta imune (CARVALHO, 2016). Para alcançar tais metas, Carvalho (2016) orienta que o cálculo energético da prescrição dietética para pacientes adultos deve ser de 30 a 35 kcal/kg/dia, até que o paciente recupere seu estado nutricional. Contudo, se o paciente estiver desnutrido por estar há algum tempo em jejum, e não por alguma doença associada, pode ser mais adequado prescrever uma dieta que tenha um aporte de 500 a 700 kcal a mais do que ele estava consumindo diariamente. O aumento gradativo de 200 a 2020 300 kcal/dia, a cada 24 ou 48 horas, até que se alcance o valor energético total de 30 a 35 kcal/kg/dia, é a melhor forma de manejar a dieta para que o paciente não desenvolva a síndrome da realimentação. A síndrome da realimentação é o quadro clínico que ocorre quando a alimentação de um paciente que estava em um jejum prolongado é reiniciada e o fornecimento de fontes de glicose leva a um aumento acentuado na secreção de insulina e ao desequilíbrio eletrolítico do organismo (hipofosfatemia, hipocalemia e hipomagnesemia). Essa situação pode gerar arritmias, fraqueza muscular, anemia, falências de órgãos e óbito (CARVALHO, 2016). Para pacientes em idade infantil, a indicação é prescrever uma dieta de, no máximo, 100 kcal/kg/dia, sendo que, se o paciente estiver em jejum prolongado, é mais indicado iniciar a alimentação com um plano de 50 a 60 kcal/kg/dia. Em relação a ingestão proteica, é recomendado que se considere um valor de 1 a 1,5 g de proteína/kg/dia. Em casos em que a ingestão alimentar esteja prejudicada, pode ser necessário indicar nutrição enteral. Em relação a reidratação, é indicado um aporte de 130 ml/kg/dia de oferta hídrica (SARTI et al., 2011). 3.1.3 Implementação da dietoterapia Uma vez estabelecido o valor energético total que deve ser ingerido pelo paciente no dia, é hora de pensar na composição de macro e micronutrientes do cardápio. Segundo Lysen e Israel (2012), a distribuição entre carboidratos, proteínas e lipídios na dieta deve ser, respectivamente, de 50-60%, 12-15% e 30% do valor energético total (VET). As necessidades diárias de micronutrientes serão supridas com uma alimentação variada que contemple mais de 1.200 kcal/dia. Em alguns casos, é necessário prescrever um suplemento ou complemento alimentar à base de proteínas de alto valor biológico, para que a recuperação do estado nutricional seja mais rápida. 2121 21 A medida específica de ingestão de proteína para pacientes adultos desnutridos, sem estresse metabólico associado, é de 0,8 a 1 g/kg de peso atual/dia (BRITO; DREYER, 2003). Para pacientes desnutridos com estresse metabólico associado (infecção, doença renal, doença hepática, encefalopatia), os parâmetros de ingestão de proteínas são outros. Waitzberg (2009) propõe valores de distribuição de macronutrientes um pouco diferentes dos propostos por Lysen e Israel (2012) e Brito e Dreyer (2003). Para ele, os carboidratos devem perfazer 50-60% do VET, as proteínas 20-25%, e os lipídios, 30-40%. Em gramas/kg, as proteínas devem ser calculadas na ordem de 1,2 a 1,5 g/kg, e os lipídios, na ordem de 0,5 a 1 g/kg. Para Waitzberg (2009), caso o paciente não consiga ingerir esses valores apenas com a alimentação tradicional, é necessário prescrever uma suplementação oral de 300 a 900 kcal/dia e de 12 g de proteína/dia. Vale ressaltar que as indicações de Waitzberg (2009) têm sido bastante acatadas na realidade brasileira, devido à experiência que esse profissional tem em sua prática, bem como pelas pesquisas desenvolvidas por seu grupo de estudos (Ganep). Ao pensar a construção do cardápio que será proposto ao paciente, o nutricionista deve considerar as diretrizes para alimentação da população brasileira, contidas no Guia alimentar para a população brasileira (BRASIL, 2014), citadas no item 2.4 deste material. A adesão ao tratamento pode ser melhorada se o nutricionista pensar em um programa com alimentos prontamente disponíveis e que satisfaça o paladar do indivíduo. Além das refeições, a atenção aos lanches é necessária para aumentar a ingestão de energia. Lysen e Israel (2012) sugerem que a prescrição de suplementos líquidos no momento dos lanches é uma boa estratégia, tendo em vista que, além de nutritivos, são fáceis de preparar e consumir. Carvalho (2016) defende que a atenção à inclusão de leite e/ou derivados duas a três vezes ao dia, a fim de aumentar o aporte calórico proteico e não aumentar volume final de oferta de alimentos, é razoável. 2222 3.1.4 Aconselhamento nutricional Lysen e Israel (2012) salientam que o indivíduo desnutrido precisa ser constantemente encorajado a comer, mesmo sem fome. Figura 2 – Estímulo e alimentação Fonte: Zinkevych/iStock.com. O planejamento das sessões de aconselhamento nutricional dependerá das causas da desnutrição e também dos pontos críticos de hábitos alimentares que foram diagnosticados na fase de avaliação nutricional. Em cada consulta para acompanhamento da evolução do estado nutricional, o nutricionista pode discutir algum aspecto que precisa ser melhorado no comportamento alimentar do paciente. Caso o nutricionista entenda que a desnutrição do paciente é ocasionada por dificuldade financeira ou por dificuldades em preparar suas próprias refeições, será necessário indicar parceiros (restaurantes populares, instituições de caridade e/ou religiosas, cozinheiras particulares, lojas que vendem marmitas saudáveis etc.) que possam auxiliá-lo no processo de alimentação. https://www.istockphoto.com/br/portfolio/Zinkevych?mediatype=photography 2323 23 3.1.5 Avaliação da eficiência da terapia nutricional A avaliação da eficiência da terapia nutricional deve ser feita periodicamente no paciente desnutrido. Em casos mais graves, a reavaliação antropométrica e o exame clínico devem ser feitos diariamente ou semanalmente, devido aos riscos de morbidade e mortalidade associados à desnutrição. Conforme haja melhora no estado nutricional,as consultas de (re) avaliação podem ser espaçadas e caminharem para o processo de alta. A alta da terapia nutricional só deve ser dada no momento em que o paciente estiver apto a conduzir sua alimentação, autonomamente, de maneira saudável. 4. Transtornos alimentares Os índices de incidência de transtornos alimentares (TA) na vida dos seres humanos têm ganhado relevante atenção dos profissionais da área da saúde e do desenvolvimento social, cidadania e economia ao redor do mundo (NIMH, 2018). Essa atenção se justifica pelos prejuízos pessoais e sociais que a presença dos TA pode gerar para os indivíduos. O Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH, 2018) definiu os TA como doenças médicas graves, biologicamente influenciadas, marcadas por sérias perturbações nos comportamentos alimentares, que resulta no consumo ou na absorção alterada de alimentos, o que compromete significativamente a saúde física ou o funcionamento psicossocial de uma pessoa. Obsessões por comida, peso corporal ou boa forma podem ser sinais de TA (SCAGLIUSI et al., 2005; BORGES, et al., 2011). 2424 Figura 3 – A alimentação e o transtorno alimentar Fonte: Motortion/iStock.com. O último Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM- 5), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA, 2014), revisou edições anteriores e nominou os transtornos alimentares em: pica, transtorno de ruminação, transtorno alimentar restritivo/evitativo, anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar. Essa nova edição do DSM-5 também reformulou os critérios que determinam o diagnóstico de pacientes com TA. Considerando que a anorexia nervosa (AN), a bulimia nervosa (BN) e o transtorno de compulsão alimentar (TCA) são os transtornos alimentares que mais aparecem na prática clínica dos nutricionistas, nesta aula, serão abordadas apenas essas três desordens alimentares. Em termos de definições, a AN é o transtorno alimentar que se caracteriza, principalmente, pela autoinanição voluntária, que resulta em emaciação (redução de massa muscular e de gordura corporal); a BN é o transtorno alimentar que se caracteriza, principalmente, por episódios de compulsão alimentar seguidos de um ou mais comportamentos impróprios de compensação, que visam prevenir o ganho de massa corporal (e.g.: vômito autoinduzido, jejum, uso abusivo de laxantes e diuréticos e exercício físico compulsivo); e o TCA, que em protocolos mais antigos recebia o nome de transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP), é caracterizado por episódios de compulsão https://www.istockphoto.com/br/portfolio/Motortion?mediatype=photography 2525 25 alimentar não seguidos de comportamentos compensatórios impróprios (SCHEBENDACH, 2012). Tendo em vista as diferentes naturezas da AN, da BN e do TCA, a terapia nutricional a ser proposta para o tratamento de pacientes que sofrem com esses males também é diferente. 4.1 Terapia nutricional nos transtornos alimentares A atenção nutricional às pessoas com TA deve seguir a mesma sequência dos demais tratamentos nutricionais, que se resumem em: avaliação nutricional, intervenção e acompanhamento com reavaliações. 4.1.1 Avaliação nutricional Os métodos de avaliação nutricional do paciente com TA incluem: análise de sua história clínica, dietética e social, seus dados antropométricos e bioquímicos e a existência de alguma interação entre drogas e nutrientes. Os principais componentes bioquímicos que se alteram em pacientes com TA são: “densidade óssea, eletrólitos séricos, hemograma, reticulócitos, ferro, ferritina, transferrina, vitamina B12, creatinina, ureia, glicemia, albumina, pré-albumina, colesterol total e frações” (SCAGLIUSI, 2014, p. 461). Para analisar esses indicadores, o nutricionista pode solicitar, principalmente, os seguintes exames laboratoriais: albumina sérica, colesterol total sérico, creatinina urinária, ferritina sérica, ferro sérico, glicose de jejum, hemograma, pré-albumina, proteína ligadora do retinol (PLR), ureia sérica, vitamina B12 sérica, vitamina D sérica, entre outros (CALIXTO-LIMA; et al, 2012). Tendo em mãos os dados da avaliação nutricional, o nutricionista deve articular os resultados e, juntamente com as instruções do DMS-5 (APA, 2014), formar um diagnóstico e estabelecer o tratamento nutricional que proporá ao paciente. 2626 4.1.2 Plano de ação nutricional Em relação à porção terapêutica que cabe ao nutricionista, tem-se que o tratamento da anorexia nervosa e da bulimia nervosa pode ser realizado em regime ambulatorial/consultório ou de internação completa ou parcial (hospital-dia), dependendo da severidade e cronicidade da doença. Já o tratamento do transtorno de compulsão alimentar costuma ser realizado apenas em ambulatório/clínica (SCAGLIUSI, 2014). Alvarenga et al. (2011) descreveram que os objetivos gerais do tratamento alimentar para os pacientes com AN, BN e TCA devem ser: a. Restabelecer um peso corporal saudável. b. Cessar os episódios bulímicos e o uso de métodos compensatórios. c. Cessar os episódios de compulsão alimentar. d. Melhorar a estrutura, o consumo e as atitudes alimentares. e. Ajudar o paciente a perceber os sinais de fome e saciedade. f. Diminuir ou eliminar os distúrbios de imagem corporal. g. Diminuir a restrição alimentar autoimposta. h. Estabelecer práticas alimentares saudáveis. Diante desses objetivos, Scagliusi (2014) considera que procedimentos como prescrição de dietas, contagem de calorias ou pesagem de alimentos não devem ser prioridade na intervenção, sendo que o aconselhamento nutricional é o ponto alto do tratamento. 4.1.3 Aconselhamento nutricional O planejamento das sessões de aconselhamento nutricional deve ser baseado nas atitudes inadequadas do paciente que foram percebidas 2727 27 na fase de avaliação nutricional. Semanalmente ou quinzenalmente, o nutricionista pode se reunir com o paciente para discutir algum aspecto indesejável do seu comportamento alimentar. Alvarenga et al. (2011) validaram protocolos que podem ser usados durante os atendimentos a pacientes com TA. Grosso modo, esses protocolos são padrões de diário alimentar em que os pacientes devem anotar: o horário em que se alimentaram, do que se alimentaram e em que quantidade, qual o tempo destinado à alimentação, se foi um episódio de compulsão, se houve purgação e qual tipo, uma classificação (0 a 10) para a fome no momento da alimentação, uma classificação (0 a 10) para a saciedade depois da alimentação, o local e a companhia durante a alimentação e os sentimentos e pensamentos do paciente durante a alimentação. O objetivo dos protocolos de Alvarenga et al. (2011) é que o paciente preencha esses diários alimentares e os leve para a consulta nutricional. A partir das informações ali descritas, o nutricionista deve mapear, junto com o paciente, quais são os comportamentos que merecem prioridade para mudança (e.g., número de refeições, horários e intervalos entre elas, local ou companhia durante a refeição). Esses diários devem ser preenchidos e discutidos enquanto durar a terapia nutricional. Para o aconselhamento surtir o efeito desejado, é imprescindível que ele seja feito gradativamente. 4.1.4 Intervenção dietoterápica Apesar de a prescrição dietética objetiva não ser a melhor forma de tratar o paciente com TA, nos casos de AN, ela pode ser necessária. Nos casos de BN e TCA, depois do período de apropriação das orientações discutidas no aconselhamento nutricional, um plano alimentar que contemple a promoção da alimentação e do peso saudável também pode ser considerado. 2828 Em casos de pacientes anoréxicos, se for decidido pela implementação de uma dieta, o nutricionista deve, a partir do inquérito alimentar realizado na avaliação nutricional, mensurar a ingestão energética habitual do paciente e somar a esse valor mais 500 a 700 kcal, para obter o valor energético total (VET) da dieta que prescreverá. Se o pacientetiver uma boa adesão ao tratamento, a cada 24 ou 48 horas, a dieta pode ter uma adição de 200 a 300 kcal/dia, até que se alcance um VET de, aproximadamente, 40 kcal/kg/dia (SCAGLIUSI, 2014). Com relação à composição da dieta, a distribuição de macro e micronutrientes pode seguir as recomendações das DRIs3 (FRANCESCHINI et al., 2014), contudo Borges et al. (2011) consideram que a distribuição de macronutrientes não deve ser um dos objetivos iniciais da prescrição dietética para o paciente com TA. Manejos de dietas como esse estão associados a um ganho de peso de: 900 a 1.300 g/semana se o paciente estiver em internação total; 500 a 900 g/semana se o paciente estiver em internação parcial; e de 200 a 450 g/semana se o paciente estiver sendo atendido em ambulatório. Assim como na intervenção dietoterápica do paciente desnutrido, aqui deve-se prestar atenção para identificar se o paciente não desenvolve a síndrome da realimentação, também conhecida como síndrome do roubo celular. Em casos de pacientes bulímicos ou com compulsão alimentar, o plano alimentar deve ser construído sobre a densidade energética estipulada pelos parâmetros das DRIs (FRANCESCHINI et al., 2014), bem como a distribuição dietética entre macro e micronutrientes. 4.1.5 Avaliação da eficiência da terapia nutricional Resultados positivos em pacientes com TA são conquistados em longo prazo. 3 Valores de ingestão dietética de referência. 2929 29 A experiência de profissionais que atendem pacientes anoréxicos, bulímicos e compulsivos por alimentos demonstra que, durante o tratamento, eles passam por muitas recaídas, sendo que alguns desistem, inclusive da vida. Alvarenga et al. (2011) e Scagliusi (2014) asseveram que, para que o paciente se engaje no tratamento, é necessária a criação de vínculo emocional entre ele, o nutricionista e os demais membros da equipe de atendimento. Para isso, a frequência de consultas e a condução dialógica durante elas, pautada no modelo de escuta empática, é muito importante. Ante esse quadro, encontros semanais ou quinzenais com o paciente são essenciais para que o nutricionista possa perceber como está se dando a adesão ao tratamento e à evolução do estado nutricional. ASSIMILE O tratamento dos transtornos alimentares é uma tarefa muito complexa e onerosa. Fairburn e Cooper (2007) afirmaram que, para tratar um paciente de transtorno alimentar, é necessária a atuação conjunta de uma equipe multiprofissional especialista que seja composta, no mínimo, por médico psiquiatra, psicólogo e nutricionista. O objetivo principal do tratamento é a recuperação nutricional dos pacientes, porém o tratamento psicológico, envolvendo as múltiplas causas do transtorno, também é fundamental. Sendo assim, se você estiver propenso a atuar nessa área, busque especializar-se no tema, estude bastante, faça cursos específicos, participe de congressos com essa temática e, principalmente, construa uma rede de profissionais para atuar conjuntamente no atendimento a esses pacientes. Esse é o melhor caminho para o sucesso do tratamento! 3030 Finalizando este tema, podemos inferir que o cuidado nutricional é componente fundamental, embora não único, no tratamento de pessoas com obesidade, desnutrição e TA. O planejamento da terapia nutricional se constitui como desafio ao nutricionista, pois requer habilidades técnicas e emocionais para a condução do tratamento. Além dos conhecimentos científicos necessários para a adequada prescrição dietética e para as sessões de aconselhamento, o profissional precisa ter inteligência emocional para mobilizar o paciente a assumir o protagonismo na promoção ou recuperação da sua saúde. Nesse sentido, o nutricionista pode construir uma terapia nutricional que favoreça a adesão do paciente ao tratamento, mas não deve assumir a responsabilidade pela execução dele. TEORIA EM PRÁTICA Reflita sobre a seguinte situação: você está atendendo um paciente idoso com suspeita de desnutrição proteico- energética, encaminhado por um médico geriatra. De acordo com a carta de encaminhamento do médico e com sua avaliação clínica e nutricional, você percebeu que o paciente tem boa condição socioeconômica, porém, com o falecimento recente da esposa e o distanciamento dos filhos, o paciente encontra-se num processo de isolamento social e início de quadro depressivo. De que maneira você pode conduzir o tratamento nutricional, nesse caso, para que o paciente reverta seu estado nutricional? VERIFICAÇÃO DE LEITURA 1. Durante os 3 a 6 primeiros meses de tratamento nutricional, qual deve ser a meta semanal de 3131 31 redução de peso para o paciente obeso que está em atendimento clínico/ambulatorial? a. 0 a 0,5 kg. b. 0,45 a 0,9 kg. c. 1 a 1,5 kg. d. 1,5 a 2 kg. e. 5 kg. 2. Durante o início do tratamento dietoterápico, o paciente desnutrido deve ser monitorado constantemente para que se observe se ele não entra no quadro da síndrome: a. Da realimentação. b. Metabólica. c. De Dumping. d. Do túnel do carpo. e. Da fadiga crônica. 3. Em fase inicial de intervenção dietoterápica, qual é a meta semanal de ganho de peso para o paciente anoréxico que está em atendimento clínico/ ambulatorial? a. 0,5 a 0,7 kg. b. 0,9 a 1,3 kg. 3232 c. 0,5 a 0,9 kg. d. 0,2 a 0,45 kg. e. 1 a 2 kg. Referências bibliográficas ALVARENGA, M.; SCAGLIUSI, F. B.; PHILIPPI, S. T. 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Para atingir essa meta de redução de peso, a dieta deve fornecer de 500 a 1.000 kcal/dia a menos do que o paciente habitualmente ingere. Esse manejo dietético deve culminar com uma redução de 0,45 a 0,9 kg/semana no peso do paciente. Prescrições dietéticas com baixo valor energético ou com muito baixo valor energético têm sido associadas a altas taxas de abandono do tratamento e reganho de peso. Feedback de reforço: retorne à Leitura Fundamental no tópico “Implementação da dietoterapia” para encontrar a resposta correta e siga em frente. 3535 35 Questão 2 – Resposta A Resolução: o processo de reintrodução alimentar ao paciente desnutrido deve ser cuidadoso, pois o retorno do fornecimento de glicose pode levar ao aumento acentuado da secreção de insulina e ao desequilíbrio eletrolítico do organismo do doente, o que pode acarretar vários agravos agudos à vida do paciente (arritmias, fraqueza muscular, anemia, falências de órgãos e óbito), quadro denominado de síndrome da realimentação. Feedback de reforço: retorne à Leitura Fundamental no tópico “Plano de ação nutricional” para encontrar a resposta correta e siga em frente. Questão 3 – Resposta D Resolução: o ganho de peso semanal tido como meta para o paciente anoréxico pode variar em razão de ele estar internado, parcialmente internado ou em atendimento clínico/ambulatorial. A diferença do objetivo de ganho de peso está relacionada ao cuidado nutricional direto, eficaz e controlado que a internação e a internação parcial podem oferecer ao paciente. Feedback de reforço: retorne à Leitura Fundamental no tópico “Intervenção dietoterápica” para encontrar a resposta correta e siga em frente. 3636 Terapia nutricional em doenças do trato gastrointestinal Autora: Fernanda Frasson Objetivos • Discutir a construção de planos de atendimento nutricional a serem implementados no tratamento de pacientes com doenças no trato gastrointestinal. • Relacionar métodos e protocolos que podem ser utilizados na avaliação do estado nutricional dos pacientes com doenças no trato gastrointestinal. • Descrever aspectos gerais das doenças do trato gastrointestinal. 3737 37 1. Introdução Pacientes apresentando distúrbios do trato gastrointestinal são comuns em serviços de saúde. Entre os principais distúrbios desse sistema orgânico temos: disfagia orofaríngea e esofágica, refluxo gastroesofágico/esofagite, gastrite, úlcera gástrica e duodenal, retocolite ulcerativa, doença de Crohn, constipação funcional, diarreia funcional e diverticulose. A atenção ao paciente com alguma dessas doenças deve ser feita por equipe multidisciplinar, envolvendo médicos e nutricionistas, entre outros, como fonoaudiólogos, fisioterapeutas e enfermeiros, quando necessário. No trabalho dessa equipe, cabe ao nutricionista a avaliação nutricional (tanto para o diagnóstico nutricional inicial quanto para o acompanhamento da evolução do paciente frente ao tratamento), a prescrição dietética e o aconselhamento nutricional. Nesta aula, você estudará os principais aspectos dietoterápicos que devem ser considerados no atendimento clínico nutricional a pacientes com doenças do trato gastrointestinal. 2. Disfagia orofaríngea Disfagia orofaríngea pode ser definida como dificuldade na deglutição dos alimentos sólidos e líquidos, decorrente de interferência na precisão e sincronia dos movimentos dos músculos e estruturas associadas ao ato de engolir, que atinge, principalmente, o controle do movimento do palato, da faringe e do esfíncter esofágico superior. Essas disfunções podem ser de causas mecânicas ou neurológicas. As principais consequências dessa disfagia são a desidratação e o prejuízo ao estado nutricional, por conta da dificuldade de alimentação, e o risco de aspiração de alimentos para o pulmão, o que pode levar ao desenvolvimento de pneumonia (CARUSO, 2014). 3838 2.1 Objetivos da terapia nutricional Os principais objetivos da terapia nutricional no paciente com disfagia orofaríngea são, segundo Caruso (2014, p. 298): • Estabelecer a via de administração nutricional mais segura. • Adaptar a alimentação oral ao grau de disfagia. • Manter o estado nutricional ou promover a recuperação nutricional. Para alcançar tais objetivos, ao planejar a dieta que proporá ao paciente, o nutricionista deve considerar as orientações do fonoaudiólogo, pois este avaliará em que consistência e textura os alimentos deverão ser oferecidos. 2.2 Recomendações nutricionais Devido às dificuldades de deglutição dos alimentos, o maior desafio do nutricionista que atende pacientes com disfagia orofaríngea é a prescrição de dietas que possam ser engolidas e que forneçam aporte energético e de nutrientes adequados. O cálculoda necessidade energética diária e das necessidades nutricionais desses pacientes deve ser baseado nas referências das DRIs (Ingestão Dietética de Referência) (FRANCESCHINI et al., 2014). Em relação à orientação quanto às preparações dos alimentos a serem ingeridos, Caruso (2014, p. 299) destaca que há três níveis de consistência: • Nível I: consiste em purês homogêneos, alimentos coesivos e de baixa adesividade. • Nível II: é composto por alimentos úmidos e de textura macia, como vegetais cozidos, frutas macias e maduras e cereais mais umedecidos, ou seja, alimentos que requerem grau mínimo de mastigação; são excluídos pães, bolo seco, queijo em cubos, milho e ervilha. 3939 39 • Nível III: consiste em alimentos próximos da textura normal, com exceção de alimentos muito duros e crocantes; são permitidos arroz, bolo macio, alface, carnes macias; devem-se evitar frutas e vegetais duros, castanhas e sementes. A categorização de Caruso (2014) deve nos levar a entender que, dependendo do diagnóstico do fonoaudiólogo, a alimentação deve ser iniciada com alimentos categorizados no nível I, seguindo, gradativamente, até alimentos categorizados no nível III. Caruso (2014) afirma ainda que, quando a alimentação não consegue fornecer diariamente o valor energético e de nutrientes necessários, a indicação de complementos nutricionais é necessária para evitar que o paciente fique desnutrido. Esses complementos estão disponíveis no mercado na forma líquida, prontos para o consumo, ou em pó, devendo ser reconstituídos em água. Geralmente, esses produtos fornecem de 1 a 2 kcal/ml e diferentes concentrações proteicas, que podem chegar a 20 g de proteína a cada 200 ml. Uma orientação importante é que pacientes que sofrem com a disfagia orofaríngea não devem ingerir líquidos finos e ralos, sendo que sucos, outras bebidas, ou sopas e caldos devem ser espessados com amido de milho, creme de arroz, gomas feitas a partir de fibras solúveis (goma guar) ou ágar-ágar etc. (CAMPINAS, 2015). Casos graves de disfagia orofaríngea merecem planejamento de dieta enteral, a ser administrada por sonda. 3. Disfagia esofágica A disfagia esofágica é um distúrbio que afeta o esôfago. As duas manifestações dessa disfagia são: dificuldade na propulsão alimentar pelo esôfago e dificuldade na passagem do bolo alimentar pelo 4040 esfíncter esofágico inferior (EEI). Entre as causas dessa desordem temos as obstruções que invadem a luz do esôfago (neoplasias, divertículos etc.), os espasmos difusos e a degeneração crônica dos tecidos (esclerose e escleroderma). As principais consequências da disfagia esofágica são: desnutrição, ocasionada por baixa ingestão alimentar e por vômitos frequentes, e inflamação da mucosa esofágica, ocasionada pela permanência prolongada de alimentos no tubo esofágico (CARUSO, 2014). 3.1 Objetivos da terapia nutricional Segundo Caruso (2014, p. 301), os objetivos do tratamento nutricional em casos de disfagia esofágica são: • Adaptar a dieta ao grau de disfagia. • Promover a recuperação do estado nutricional do paciente. 3.2 Recomendações nutricionais A dieta do paciente com disfagia esofágica deve ter aporte calórico e de nutrientes suficiente para manter seu estado nutricional dentro dos padrões de eutrofia (FRANCESCHINI et al., 2014). Caso o paciente esteja desnutrido, é importante considerar uma prescrição hipercalórica e hiperproteica. Em relação à consistência da dieta, assim como na disfagia orofaríngea, a orientação para as preparações alimentares depende do grau de disfagia do paciente, podendo ser seguidos os níveis de consistência propostos por Caruso (2014). Contudo, diferentemente daquela orientação, aqui é aceita, e às vezes necessária, a prescrição de dieta líquida, até que o paciente consiga evoluir para o nível I da proposição de Caruso. Essa evolução depende da capacidade de o esôfago propulsionar o bolo alimentar para o estômago. 4141 41 Os alimentos mais indicados para a composição da dieta do paciente com disfunção esofágica são: leite, mel, creme de leite, sorvete, sopas, carnes cozidas e em pedaços pequenos, ovos, frutas macias, pães e cereais macios e suplementos em pó ou líquidos. Em casos de inflamação da mucosa esofágica, alimentos ácidos (sucos e frutas ácidas, condimentos e especiarias picantes e irritantes) devem ser evitados (CARUSO, 2014). 4. Refluxo gastroesofágico/esofagite O refluxo gastroesofágico é, atualmente, a desordem gastrointestinal mais prevalente entre os seres humanos. Chinzon et al. (2003) definiram esse mal como uma doença crônica decorrente do fluxo retrógrado do conteúdo gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes a ele, acarretando vários sintomas e/ou sinais esofagianos e/ou extraesofagianos, associados ou não a lesões teciduais. Esse fluxo retrógrado é ocasionado pela diminuição da pressão do esfíncter esofágico inferior (EEI), que não se contrai adequadamente após a passagem dos alimentos do esôfago para o estômago. Caruso (2014) descreve que a pressão do EEI é controlada pelos sistemas nervoso e humoral. A presença de gastrina (hormônio presente na fase gástrica da digestão) é responsável pelo aumento na pressão desse esfíncter, enquanto a presença de colecistocinina e de secretina (hormônios presentes na fase intestinal da digestão) é responsável por sua diminuição. Além desse mecanismo de controle, a presença de algumas substâncias pode diminuir a pressão do EEI, entre elas: cafeína, teobromina, xantinas e álcool. Outras condições que podem alterar a pressão do EEI são a ocorrência de hérnia de hiato e o aumento na pressão intra-abdominal ocasionado por gestação ou obesidade. 4242 Figura 1 – Refluxo gastroesofágico Fonte: normaals/iStock.com. 4.1 Objetivos da terapia nutricional Segundo Caruso (2014, p. 302) os objetivos do tratamento nutricional ao paciente com esofagite são: • Prevenir a irritação da mucosa esofágica na fase aguda. • Auxiliar na prevenção do refluxo gastroesofágico. • Contribuir para o aumento da pressão do EEI. • Corrigir e manter o peso saudável. 4.2 Recomendações nutricionais Em relação ao aporte energético e de nutrientes, a prescrição dietética ao paciente com refluxo gastroesofágico deve ser suficiente para que ele mantenha o peso ideal e a alimentação saudável (FRANCESCHINI et al., 2014); sendo assim, se necessário, deve-se planejar um programa de emagrecimento. 4343 43 Para Chinzon et al. (2003) e Carvalhaes et al. (2012), pacientes com esse quadro clínico devem evitar a ingestão de: • Alimentos gordurosos, pois a colecistocinina (hormônio aumentado durante a digestão de lipídios) diminui a pressão do EEI. • Café, mate, chá preto, bebidas alcóolicas, refrigerantes e chocolates, pois em suas composições há ingredientes que diminuem a pressão do EEI. • Frutas e sucos cítricos (inclusive tomate), pois, com o fluxo retrógrado desses para o esôfago, ocorre a irritação e inflamação da mucosa esofágica. • Doces e pães brancos. Caruso (2014) acrescenta que o nutricionista deve aconselhar o paciente com refluxo gastroesofágico a: • Não comer antes de dormir (a última refeição deve ser feita pelo menos duas horas antes de deitar). • Alimentar-se em posição ereta. • Não se recostar ou deitar após a refeição. • Fazer de 6 a 8 refeições/dia, mantendo horários regulares para alimentação, pois, assim, evita-se a ingestão de grandes volumes de alimentos durante as refeições. • Não usar roupas e acessórios apertados. • Manter a cabeceira da cama elevada. • Reduzir o peso corporal, caso esteja com excesso de peso. • Evitar ingerir líquidos com as refeições. 4444 Todas essas medidas auxiliam na melhoria dos sintomas relatados pelos pacientes com refluxo gastroesofágico. 5. Gastrite e úlceras Pacientes com sintomas de gastrite e úlceras gastrointestinais são bastante frequentes nos consultórios de nutricionistas. Definições e diretrizes completas para o diagnóstico e o tratamentomedicamentoso desses males podem ser encontrados em Coelho (2003). De forma simples e resumida, Caruso (2014) define gastrite como uma inflamação na mucosa gástrica; tal inflamação aparece de repente, tem curta duração e desaparece sem deixar sequelas. De maneira geral, pode ser causada por uso de medicamentos (ácido acetilsalicílico e anti-inflamatórios), ingestão de bebidas alcoólicas, fumo e situações de estresse. Em casos crônicos, a gastrite causa a atrofia da mucosa gástrica, o que prejudica a produção de ácido gástrico e a digestão. A mesma autora define úlcera gastrointestinal ou péptica como uma doença de causas pouco conhecidas, de evolução crônica e com surtos de ativação e remissão. É caracterizada principalmente por perda de tecidos nas áreas do tubo digestório que entram em contato com secreções estomacais e intestinais (CARUSO, 2014). Em comum, esses dois quadros patológicos se caracterizam pelo desequilíbrio entre os fatores que agridem a mucosa e os que a protegem. Além disso, nos dois casos, a etiopatogenia parece estar bastante relacionada com a presença da bactéria Helicobacter pylori. 5.1 Objetivos da terapia nutricional Krenitsky e Decher (2012) trouxeram à tona uma discussão sobre o papel da dieta na causalidade e no tratamento da gastrite e das úlceras 4545 45 gastrintestinais e concluíram que há poucas evidências que fatores dietéticos específicos causem ou exacerbem esses males. Sendo assim, os principais objetivos da terapia nutricional no tratamento desses casos são, segundo Caruso (2014, p. 304): • Recuperar e proteger a mucosa gastrointestinal. • Facilitar a digestão. • Aliviar a dor. • Promover um bom estado nutricional. 5.2 Recomendações nutricionais Diante dos objetivos da terapia nutricional indicada ao tratamento de pacientes com gastrite ou úlceras pépticas, Krenitsky e Decher (2012) e Caruso (2014) recomendaram que a prescrição dietética deve considerar: • Valor energético suficiente para manter ou recuperar o estado nutricional do paciente. • Distribuição de macronutrientes normal (50% a 60% de carboidratos, 10% a 15% de proteínas e 25% a 30% de lipídios). • Fracionamento da alimentação em, no mínimo, 4 a 5 refeições/dia, para evitar períodos longos de jejum. • Alimentação rica em fibras, pois esses nutrientes agem como tampão, reduzindo a concentração de ácidos biliares no estômago, e diminui o tempo de trânsito intestinal, o que leva a menos distensão. • Evitar o consumo de bebidas alcoólicas, café, refrigerantes, chocolates, pimentas, mostarda e chili, pois são irritantes da mucosa gastrintestinal. • Avaliação da tolerância do paciente para a ingestão de frutas cítricas, pois, apesar de o suco gástrico ter pH mais ácido do que qualquer fruta, alguns pacientes relatam dispepsia após ingerir tais alimentos. 4646 Essas recomendações nutricionais não se aplicam a casos de pacientes que relatam sangramento. Nessas situações, o jejum deve ser estabelecido até que a causa do sangramento seja diagnosticada. A retomada da alimentação deve ser pensada pela equipe multidisciplinar de terapia nutricional. PARA SABER MAIS Krenitsky e Decher (2012) relataram que o tratamento medicamentoso é bastante frequente nos agravos do sistema gastrointestinal. Entre os fármacos mais comuns estão os inibidores da bomba de prótons (omeprazol, lansoprazol, esomeprazol, pantoprazol, dexlansoprazol e rabeprazol) e os bloqueadores de H2 (cimetidina, ranitidina, famotidina e nizanitidina). Contudo, estudos têm concluído que o consumo elevado e por longo prazo (mais de três/quatro semanas) desses medicamentos tem sido associado a vários efeitos colaterais. Um desses efeitos é a alteração na absorção de vitaminas e minerais, pois a hipocloridria está relacionada com baixa absorção de vitaminas B12 e C, magnésio, cálcio e ferro (GOMES; SIMÓN, 2017; FRAGOSO, 2019). Considerando as consequências que a deficiência na absorção desses nutrientes pode gerar no estado nutricional dos indivíduos, é importante pensar, junto à equipe multidisciplinar que atende o paciente com desordem no trato gastrointestinal, a necessidade de manter o uso desses medicamentos por longo prazo, bem como orientar o paciente que costuma se automedicar a evitar o uso indiscriminado desses medicamentos. 4747 47 6. Doenças inflamatórias intestinais (DII) As principais formas de DII são doença de Crohn e retocolite ulcerativa. Essas duas morbidades levam o paciente a desenvolver quadros de diarreia, febre, perda de peso, anemia, intolerâncias alimentares, desnutrição, déficit de peso e manifestações extraintestinais (artríticas, dermatológicas e hepáticas). As principais diferenças fisiopatológicas entre a doença de Crohn e a retocolite são: a primeira pode se desenvolver em qualquer parte do trato intestinal e desenvolver vários focos de inflamação ao mesmo tempo; a segunda é limitada ao intestino grosso e reto, e o foco de inflamação ocorre isoladamente (DECHER; KRENITSKY, 2012). Em 2014, o Ministério da Saúde lançou o Protocolo Clínico e as Diretrizes Terapêuticas da Doença de Crohn, a ser implementado nos serviços de saúde do Brasil (BRASIL, 2014). Figura 2 – Retocolite ulcerativa e doença de Crohn Fonte: Lars Neumann/iStock.com. Caruso (2014) relata que não há, oficialmente, um desenho da etiologia para as DII, contudo, o surgimento delas parece estar associado a quatro aspectos, a saber: genéticos, lumiais (relacionados à microbiota intestinal, seus antígenos e produtos metabólicos), os relacionados à barreira intestinal (imunidade inata e permeabilidade intestinal) e os relacionados à imunorregulação (imunidade adaptativa e adquirida). 4848 Apesar de aspectos alimentares não estarem diretamente relacionados à prevenção e ao tratamento primário nas DII, a dietoterapia pode ser utilizada para melhorar as condições de vida dos pacientes que são acometidos por essas morbidades. 6.1 Objetivos da terapia nutricional Caruso (2014, p. 307) pontua que os objetivos da terapia nutricional no tratamento de pacientes com DII são: • Aplicar as recomendações nutricionais adequadas ao tipo de doença e grau de atividade. • Recuperar e/ou manter o estado nutricional. • Manter o crescimento em crianças. • Fornecer aporte adequado de nutrientes. • Contribuir para diminuir a atividade e para aumentar o tempo de remissão da doença. 6.2 Recomendações nutricionais Para que os objetivos da terapia nutricional sejam alcançados pelos pacientes com DII, Decher e Krenitsky (2012) e Caruso (2014) recomendam que: • O valor energético diário seja calculado usando-se 25 a 30 kcal/kg. • O aporte proteico seja calculado usando-se 1 a 1,5 g/kg de peso ideal/dia, sendo que, em casos de desnutrição, esse valor pode ser de 2 g/kg de peso ideal/dia. • A dieta deve ser hipolipídica (<20% das calorias totais), pois a ausência de sais biliares pode levar à diarreia. 4949 49 • Em fases agudas das doenças, a dieta deve ser: isenta de lactose e pobre em mono e dissacarídeos e fibras insolúveis, para evitar quadros de diarreia; e rica em fibras solúveis, pois a ação das bactérias intestinais forma ácidos graxos de cadeia curta, que constituem importante fonte de energia para as células intestinais. • Em fases de remissão das doenças, a dieta deve oferecer, progressivamente, fibras insolúveis. • Deve-se evitar a prescrição de alimentos fermentativos – brócolis, couve-flor, couve, repolho, nabo, cebola crua, pimentão verde, rabanete, pepino, batata-doce, feijão, melão, melancia, ovo cozido ou frito, sementes oleaginosas, refrigerantes, excesso de açúcares etc. • Complementos orais devem ser prescritos em casos de doença de Crohn com inflamação intestinal persistente, oferecendo até 600 kcal/dia. Zaltman et al. (2017) e Damião et al. (2018) acrescentam a essas recomendações a ingestão de probióticos aos casos de retocolite ulcerativa, tendo em vista que pesquisas apontam aumento nas taxas de resposta eremissão clínica dessa doença quando a alimentação fornece esses alimentos funcionais. Contudo, pesquisas demonstram que essa situação não se repete em casos de doença de Crohn, sendo que nela o uso de probióticos não demonstrou benefícios diretos. Com bastante frequência, casos de DII merecem atenção especial da equipe multiprofissional de terapia nutricional e planejamento de dieta enteral e parenteral. 7. Constipação funcional Critérios específicos para diagnosticar um paciente como portador do distúrbio da constipação intestinal funcional são estabelecidos pelo 5050 Consenso Roma III (DROSSMAN, 2006). Contudo, Galvão-Alves (2013) afirmou que, na prática, não existe uma definição de abrangência universal para constipação. Para ele, pacientes que se queixam de fezes endurecidas, esforço excessivo durante a evacuação, evacuações infrequentes (menos de três vezes/semana), sensação de evacuação incompleta e demora excessiva em momentos de evacuação podem ser considerados com distúrbio de constipação intestinal funcional. A constipação intestinal pode ser primária ou secundária. A primária está associada a hábitos alimentares inadequados (baixa ingestão de fibras e água), estilo de vida sedentário e controle sistemático da defecação (não obediência imediata ao reflexo evacuatório). A secundária está associada à presença de doenças endócrinas (diabetes, hipotiroidismo, hiperparatiroidismo, feocromocitoma etc.), neurológicas (neuropatia do intestino grosso, neuropatia diabética, Parkinson, lesão da medula espinhal etc.) ou obstrutivas (neoplasias intestinais etc.) e ao uso inadvertido de substâncias obstipantes (anticonvulsivante, antidepressivo, anticolinérgico, antidiarreico, anti-histamínico (H1), bloqueador do cálcio, corticosteroide, diuréticos, dopaminérgico, inativador do ácido biliar, laxativo, lítio, miorrelaxante, psicotrópico, propanolol, suplemento dietético (Fe e Ca) etc.). A seguir, será abordada a terapia nutricional para o tratamento da constipação intestinal primária. Para o atendimento dos casos de constipação intestinal secundária, o tratamento dietoterápico deve ser pensado, cautelosamente, com a equipe multidisciplinar. Decher e Krenitsky (2012) alertam que, em condições de doença neurológica, doença obstrutiva ou de uso de substâncias obstipantes, um regime específico de medicação laxante é mais indicado. 7.1 Objetivos da terapia nutricional O objetivo da terapia nutricional nos casos de constipação intestinal primária é corrigir o tempo de trânsito intestinal. Para isso é necessária a 5151 51 implementação de um plano alimentar que privilegie a ingestão de fibras alimentares (solúveis e insolúveis) e o consumo de água. Além disso, é importante incentivar o paciente a estabelecer uma rotina de prática de atividade física e de horário e obediência ao reflexo evacuatório, e desestimular o uso de laxantes, pois, em longo prazo, esse costume pode levar à disfunção absortiva das microvilosidades e diminuição fisiológica do peristaltismo. 7.2 Recomendações nutricionais Caruso (2014) defende, pensando na ingestão de fibra alimentar, que a prescrição dietética para o tratamento da constipação intestinal deve seguir as orientações da pirâmide alimentar (PHILLIPI, 2013), a saber: Quadro 1 – Recomendações dietéticas para o tratamento da constipação intestinal Recomendação da pirâmide alimentar Cereais, pães, tubérculos, raízes 6 porções/dia Hortaliças 3 porções/dia Frutas 3 porções/dia Leguminosas 1 porção/dia Fonte: Phillipi (2013). Em relação à prescrição de cereais e pães, Caruso (2014) incentiva que esses alimentos devem ser integrais para que o teor de fibras seja aumentado. Farelo de trigo e de aveia são boas opções. Sobre as frutas, a autora considera que a prescrição específica de ameixa preta ou de seu suco são alternativas relevantes, pois em sua composição química há ácido di-hidroxifinil isotina, que é um estimulante natural da motilidade intestinal. Outra indicação a se considerar é a de prebióticos e probióticos que melhoram o perfil da flora intestinal e aumentam a transferência de água para o lúmen intestinal. O aumento de água no lúmen intestinal pode amolecer as fezes e torná-las mais fáceis de serem eliminadas. 5252 Flesch et al. (2014) recomendam que, para o uso terapêutico dos probióticos, o paciente deve escolher o produto alimentar fonte de uma cepa e ingeri-lo de acordo com as seguintes recomendações: Lactobacillus casei: 1010 ufc – 2x/dia, Lactobacillus acidophilus: 109 a 1010 ufc – 1 a 3x/dia, Lactobacillus rhamnosus: 1010 a 1011 ufc – 2x/dia ou Bifidobacterium lactis: 1010 ufc – 2x/dia. Em relação a dose diária de prebióticos, os autores recomendam: 10 g/dia de FOS, sendo que 4 g/dia de FOS ou inulina é o mínimo necessário para promover crescimento de bifidobactérias. Segundo Decher e Krenitsky (2012), a recomendação para o consumo diário de fibras é de 25 g para mulheres e de 38 g para homens. Sobre a prescrição de água, Galvão-Alves (2013) indica que um valor adequado seria de 30 a 50 ml/kg/dia. Para casos em que o paciente tem dificuldade de aumentar a ingestão de fibra pela alimentação, pode ser recomendado o consumo de suplementos de fibra em pó, que devem ser adicionados a cereais, iogurtes, molhos, sucos ou sopas. 8. Diarreia funcional Segundo os critérios diagnósticos de Roma III para os distúrbios gastrointestinais funcionais, a diarreia funcional é caracterizada pela frequência de fezes moles ou aquosas, sem dor, ocorrendo em pelo menos 75% das evacuações, durante três meses (DROSSMAN, 2006). De maneira geral, essa situação leva à perda excessiva de líquidos e eletrólitos (sobretudo sódio e potássio). Caruso (2014) aconselha que, antes de iniciar o tratamento do paciente com diarreia, é importante investigar a causa do surgimento desse quadro, pois isso auxiliará no planejamento da terapia. 5353 53 8.1 Recomendações nutricionais Segundo Caruso (2014), as principais recomendações nutricionais para o tratamento de pacientes com diarreia funcional são: • Oferecer líquidos e eletrólitos suficientes para reposição das perdas – água de coco e bebidas isotônicas podem ser boas aliadas. • Evitar a indicação de leite e derivados, pois o nível de lactase nos enterócitos pode estar diminuído. • Oferecer fibras solúveis, pois elas aumentam a viscosidade das fezes e possibilitam a produção de ácidos graxos de cadeia curta, importantes na integridade e recuperação da mucosa intestinal. • Evitar a indicação de fibras insolúveis, pois elas aceleram o trânsito intestinal. • Evitar alimentos fermentativos – brócolis, couve-flor, couve, repolho, nabo, cebola crua, pimentão verde, rabanete, pepino, batata-doce, feijão, melão, melancia, ovo cozido ou frito, sementes oleaginosas, refrigerantes, excesso de açúcares etc. • Oferecer, em períodos de remissão dos quadros de diarreia, alimentos probióticos, para recuperação da microbiota intestinal. ASSIMILE Alimentos prebióticos e probióticos devem compor a prescrição dietética de pacientes com algumas das doenças do trato gastrointestinal que abordamos nesta aula. Essa recomendação se faz pois o equilíbrio na microbiota intestinal é fundamental para que, no intestino do doente, haja: produção de agentes antimicrobianos, 5454 ativação de resposta imune e inflamatória, diminuição do pH, transferência de água para o lúmen e fornecimento de energia para os colonócitos (CARUSO, 2014). Todos esses aspectos são importantes para a melhoria nas condições de saúde do paciente. Nesse sentido, nutricionistas devem estar atentos aos diversos produtos prebióticos, probióticos e simbióticos que estão disponíveis no mercado, para orientar o paciente quanto à escolha de produtos adequados. Anselmo (2018) e Oliveira (2018) realizaram pesquisas pelo mestrado em Ciência e Tecnologia do Leite (Unopar/Kroton) e desenvolveram produtos probióticos que foram muito aceitos pelos consumidores. Anselmo
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