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DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Ivan Álvaro dos Santos Jamile Delagnelo Fagundes da Silva CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Izilene Conceição Amaro Ewald Prof.ª Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Prof. Gilberto Poncio Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2011 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 374 S237d Santos, Ivan Álvaro dos Didática do Educador de EJA / Ivan Álvaro dos Santos e Jamile Delagnelo Fagundes da Silva. Indaial : Uniasselvi, 2011. 119 p. : il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-493-5 1. Educação de Adultos. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci Impresso por: Ivan Álvaro dos Santos Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Regional de Blumenau (FURB); licenciado em Matemática pelo Centro Universitário de Jaraguá do Sul (UNERJ); Especialista em Gestão e Metodologia do Ensino, pela Faculdade Dom Bosco do Paraná e Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Atua como professor em escolas públicas e privadas há dez anos, sete dos quais na modalidade Educação de Jovens e Adultos. Participou da elaboração da “Série Educação para a Nova Indústria – Elevação da Escolaridade na Indústria” - guia de estudos desenvolvido pelo SESI (Serviço Social da Indústria), com o objetivo de orientar a ação de professores no desenvolvimento de currículos de educação básica de jovens e adultos contextualizados a diferentes setores industriais. Também participou com apresentação oral de artigos em renomados eventos nacionais, dentre eles o VI Congresso Internacional de Educação: Educação e Tecnologias: sujeitos (des)conectados? (UNISINOS – São Leopoldo-RS); IX Congresso Nacional de Educação (EDUCERE – Curitiba-PR) e XV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE – Belo Horizonte-MG), tendo como foco a Educação de Jovens e Adultos e os recursos tecnológicos aplicados à educação. Jamile Delagnelo Fagundes da Silva Possui graduação em PEDAGOGIA pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (2002) e MESTRADO pela mesma Universidade (2009). É especialista em Educação de Jovens e Adultos pela Escola Aberta do Brasil e em Pedagogia Gestora com Ênfase em Supervisão, Administração e Orientação Escolar pela Associação Catarinense de Ensino. Atua como Professora na Educação de Jovens e Adultos e desenvolve pesquisas na área da Educação, atuando principalmente nos temas relacionados à Educação de Jovens e Adultos e Formação Docente. Participa do Grupo de Pesquisa Educação e Saúde, com pesquisas e estudos na Linha Educação Intercultural. Também participou, com comunicação oral, de renomados eventos, dentre estes: III Congresso Internacional de Educação: Educação na América Latina nestes Tempos de Império ( São Leopoldo), Oitavo Círculo de Estudos Linguísticos do Sul (Porto Alegre), I Congresso Internacional da Cátedra Unesco de Educação de Jovens e Adultos (Paraíba), VII Congresso Internacional de Educação ( São Leopoldo), socializando pesquisas realizadas na área de Educação de Jovens e Adultos. Participou também da Reunião Anual da Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPED (Natal), no GT de Didática. Sumário APRESENTAÇÃO ..........................................................................07 CAPÍTULO 1 As Relações entre Cultura e Educação .................................. 11 CAPÍTULO 2 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática .........................43 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 O Processo Educativo na EJA ...................................................67 A Docência na Educação de Jovens e Adultos ........................91 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Você já teve a oportunidade, na disciplina de Fundamentos da EJA, de compreender e refletir sobre o que se entende hoje no Brasil por EJA e como essa modalidade educativa se constitui na história da educação brasileira. Relembraremos alguns aspectos históricos dessa trajetória, pois as concepções pedagógicas que marcaram cada período estão intimamente ligadas ao processo de ensino aprendizagem na EJA e à prática docente nessa modalidade. Observa-se que, historicamente, o direcionamento dado à EJA é baseado nos conflitos, nas tendências políticas, sociais e econômicas de cada época, o que faz com que as concepções pedagógicas dessa modalidade sejam resultado desses conflitos e tendências. Por muito tempo a EJA assumiu no Brasil um caráter de suplência, caracterizada pela existência de campanhas imediatistas, não existindo como uma política pública. No Brasil, essa concepção de ensino supletivo foi modificada com a Lei de Diretrizes e Base da Educação- LDBEN, sob o número 9.394, do ano de 1996, que passou a tratar a EJA como uma modalidade da Educação Básica, de caráter permanente (ao longo da vida), a serviço do pleno desenvolvimento do educando. Vale ressaltar que a LDBEN (Lei 9.394/96), apesar de modificar a concepção de EJA, suprimindo a expressão “ensino supletivo”, manteve os termos “cursos” e “exames supletivos”, embora compreendidos dentro dos novos referenciais relatados anteriormente. Nesse sentido, a EJA, passou a ser reconhecida como direito público subjetivo, adquirindo identidade própria dentro do contexto da Educação Básica ao ser compreendida como mais uma modalidade de ensino. Pinto (1982, p. 82) já havia chamado a atenção para essa questão quando afirmou que A educação de adultos não é uma parte complementar, extraordinária do esforço que a sociedade aplica em educação (supondo-se que o dever próprio da sociedade é educar à infância). É parte integrante desse esforço, parte essencial, que tem indispensavelmente que ser executada paralelamente com a outra, pois do contrário esta última não terá o rendimento que dela se espera. Não é um esforço marginal, residual, de educação, mas um setor necessário do desempenho pedagógico geral, ao qual a comunidade se deve lançar. Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais apontadas pelo Parecer CEB nº 11/2000 para a EJA apontam, em consonância com a LDBEN (Lei 9.394/96), três funções como de responsabilidade dessa modalidade de educação: função reparadora, equalizadora e qualificadora. De acordo com a Diretriz (BRASIL, 2000, p. 651), “[..]a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano.” A função equalizadora da EJA diz respeito à oportunidade do restabelecimento da trajetória escolar. Essa função vem [...] dar cobertura a trabalhadores e a tantos outros segmentos sociais como donas de casa, migrantes, aposentados e encarcerados. A reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada, seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação. (BRASIL, 2000, p.653). A função qualificadora da EJA tem a “tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por todaa vida, é a função permanente da EJA [...]. Mais do que uma função, ela é o próprio sentido da EJA.” (BRASIL, 2000, p.655). Diante desse contexto, a EJA adquiriu uma concepção fundamentada nos direitos humanos, possibilitando o reconhecimento das diferenças e a participação de todos os sujeitos envolvidos no processo. Como consequência, emerge a necessidade de que os educadores da EJA acompanhem a modificação de tal concepção repensando e redimensionando constantemente as práticas pedagógicas e nelas inserindo os estudantes como artífices do processo de construção de seus conhecimentos. Cabe salientar que o trabalho docente é uma das atribuições específicas da prática educativa que não pode ser restrita somente ao espaço da sala de aula. Nesse sentido, você deve lembrar que temos uma Ciência que investiga a teoria e prática na Educação: a Pedagogia. Dentre os ramos em que se divide a Pedagogia, encontra-se a Didática, que investiga e estuda os objetivos, os conteúdos, as estratégias e as condições do processo de ensino e aprendizagem. De acordo com Libâneo (2001, p.2), [...] didática é uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Ela ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe segurança profissional. Repensar a Didática como ramo que vai subsidiar as formas de atuação de acordo com a singularidade do público a que essa modalidade de educação se destina passa a ser uma forma de oportunizar a todos os estudantes o acesso aos conhecimentos científicos que são trabalhados na escola. Assim, iniciaremos este Caderno de Estudos, no Capítulo 1, com a discussão sobre como os meios socioculturais influenciam a Educação e a formação integral do indivíduo. Julgamos importante, para não dizer imprescindível, conhecer e reconhecer os processos educativos que se dão para além dos muros da escola, para então poder planejar as melhores maneiras de se trabalhar dentro da escola, valorizando assim as experiências obtidas pelos estudantes em “seu mundo”. Assim, nesse capítulo, faremos uma discussão referente às diferenças entre a Educação informal e a Educação escolar, buscando as convergências e a complementaridade que entre ambas se estabelecem na constituição do indivíduo. Encerramos o capítulo discutindo a questão do analfabetismo, suas causas e implicações na vida do indivíduo e a questão do letramento como nova possibilidade de leitura crítica do mundo. No capítulo 2 nos concentramos nas contribuições que a Pedagogia, por meio de seus pensadores, oferece ao assunto. Inicialmente, dedicamo-nos à Didática em geral e, em um segundo momento, nos concentramos na Didática dirigida à EJA, buscando revisitar as teorias tradicionais, críticas e pós-críticas e compreender suas relações com essa modalidade de educação. O fechamento desse capítulo se dá com a abordagem da importância do desenvolvimento, pelos estudantes da educação de jovens e adultos, da habilidade de converter informação em conhecimento. Para tanto, buscamos diferenciar essas duas entidades psicológicas e oferecer maneiras para que o estudante possa, em sala de aula, selecionar as informações importantes e verdadeiras frente ao mar de informações a que tem acesso no momento atual, e convertê-las em conhecimento. No terceiro capítulo desse caderno de estudos procuramos discutir os componentes fundamentais do processo de ensino e aprendizagem empregado na EJA, buscando as contribuições que a teoria histórico-cultural pode oferecer a essa modalidade de educação. Elementos como os conceitos espontâneos (conhecimentos prévios) e a mediação entre os pares são discutidos a partir do ponto de vista do apoio que podem oferecer aos estudantes na ascensão aos conceitos científicos que são trabalhados na escola. Finalizamos o caderno de estudos, já no capítulo 4, dialogando e repensando especificamente a figura do professor como mediador do processo de ensino e aprendizagem na EJA. Nesse capítulo, discutiremos as competências que o professor da EJA deve observar na relação ensino–aprendizagem, a importância de sua constante formação, assim como a necessidade do planejamento e da clareza nas formas de avaliar a aprendizagem dos estudantes e todo o processo desencadeado na modalidade. Os autores. CAPÍTULO 1 As Relações entre Cultura e Educação A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Compreender e analisar as relações entre sociedade, cultura e as interações socioculturais desenvolvidas entre os sujeitos presentes na EJA. � Refletir sobre a construção do currículo e a prática docente na EJA na relação com os processos educativos formais e informais. � Compreender as implicações da alfabetização na vida do indivíduo e o letramento como possibilidade de acesso à leitura crítica do mundo � Refletir e debater criticamente sobre alfabetização e letramento, na perspectiva de Soares, além de suas implicações na EJA. 12 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA 13 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 Contextualização As finalidades e funções específicas da modalidade de ensino destinada aos jovens e adultos “indicam que em todas as idades e em todas as épocas da vida, é possível se formar, se desenvolver e constituir conhecimentos, habilidades, competências e valores que transcendam os espaços formais da escolaridade e conduzam à realização de si e ao reconhecimento do outro como sujeito” (BRASIL, 2000, p.11). A partir dessa concepção de educação na modalidade EJA, abre- se um novo campo de discussões e reflexões sobre as concepções pedagógicas vigentes na educação brasileira e na formação dos docentes que atuam/atuarão nessa área. São constantes os desafios impostos à prática docente nessa modalidade. Logo, para que possamos identificar e compreender as principais características norteadoras das práticas docentes voltadas para a EJA, nesse capítulo abordaremos as concepções construídas para cultura e educação, enfatizando as relações que entre elas se estabelecem no âmbito das sociedades humanas. Consideramos importante analisar previamente as características que abarcam o termo cultura e que o designam como elemento restrito à espécie humana, para então chegar à educação como mecanismo de transmissão e de perpetuação da cultura entre indivíduos de uma mesma sociedade e entre indivíduos de sociedades distintas no espaço e no tempo. A partir desses pontos, discutiremos os conceitos de educação formal e informal, destacando as suas diferenças, salientando a importância isolada de cada uma delas no desenvolvimento do indivíduo e, sobretudo, buscando identificar as evidências que apontam para a necessidade da convergência e da complementaridade entre elas, de forma a propiciar a formação integral do indivíduo. Por fim, conheceremos as implicações da alfabetização na vida do indivíduo e o letramento como mais uma possibilidade de acesso à leitura crítica do mundo. Mais do que o zelo à necessidade de elucidar os conceitos sobre os quais nos apoiamos, compreendemos a importância de trazê-los ao foco dessas discussões iniciais, para que as reflexões propostas posteriormente possam ser construídas em bases sólidas de argumentações, respaldadas pela teoria científica e por reflexões dela oriundas. 14 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Educação e Educação de Jovens e Adultos: uma Breve Reflexão A Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional - LDBEN - Lei n° 9.394/96 (BRASIL, 2004, p. 40) estabelece, no artigo 37, que “A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”.Ou seja, por meio dessa modalidade de estudos, são possibilitados ao indivíduo jovem ou adulto diferentes caminhos e maneiras de pertencimento ao mundo, além de novas formas de compreender esse mundo e os acontecimentos que dele fazem parte. A docência na Educação de Jovens e Adultos (EJA) surge como um desafio ao professor, no sentido de compartilhar o regresso do indivíduo ao papel de estudante, de fazer parte de um momento histórico em que esse indivíduo reencontra a oportunidade de conhecer o mundo pelos olhos dos conhecimentos que a escola pode lhe oferecer. Estar presente nessa etapa de vida do estudante, como professor, implica não somente em dominar os conteúdos das ciências inerentes às áreas específicas em que se atua profissionalmente. Implica, sobretudo, em desenvolver e se utilizar das habilidades necessárias às formas de trabalhar tais conteúdos com aqueles que possuem uma grande quantidade de conhecimentos prévios, construídos em sua vida social, no convívio com os seus pares em casa, no bairro, no trabalho e nos mais diversos locais que frequentam. São conhecimentos apropriados principalmente a partir de suas experiências cotidianas e, por esse motivo, construídos por vias muitas vezes distintas daquelas utilizadas na educação formal apresentada pela escola. Pinto (1982, p. 84) assevera que [...] não compete ao educador transferir mecanicamente para o educando adulto suas próprias concepções [...]. O que compete ao educador é praticar um método crítico de educação de adultos que dê ao aluno a oportunidade de alcançar a consciência crítica instruída de si e de seu mundo. Nestas condições ele descobrirá as causas de seu atraso cultural e material e as exprimirá segundo o grau de consciência máxima possível em sua situação. [...] Não importa que esta expressão esteja abaixo da compreensão crítica do educador. [...] a ação do educador tem que consistir em encaminhar o educando adulto a criar por si mesmo sua consciência crítica, passando de cada grau ao seguinte, até equiparar-se à consciência do professor e eventualmente superá-la. A docência na Educação de Jovens e Adultos (EJA) surge como um desafio ao professor, no sentido de compartilhar o regresso do indivíduo ao papel de estudante, de fazer parte de um momento histórico em que esse indivíduo reencontra a oportunidade de conhecer o mundo pelos olhos dos conhecimentos que a escola pode lhe oferecer. 15 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 Essas ideias entram em acordo com o que afirma Freire (1996, p. 23) ao salientar que “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Ou seja, é proposto o posicionamento do professor como alguém propenso a ensinar e a aprender, como um articulador dos conhecimentos prévios dos alunos com os conhecimentos científicos, fazendo com que os conteúdos trabalhados tenham um sentido prático e que motivem a aprendizagem dos estudantes. Da mesma forma, é de suma importância que se observe o regresso do indivíduo à escola não unicamente como a busca da conclusão dos estudos como um fim em si mesmo, na conquista do diploma e da legitimação de um título. Muito mais do que isso, o professor pode fazer com que o estudante compreenda a oportunidade, a partir de uma leitura crítica do mundo, de acessar aos conhecimentos científicos, da compreender as formas contemporâneas de linguagem e de desenvolver novas habilidades, para que sejam possíveis a ele a leitura e a inferência no mundo em que vive. Nesse contexto, a inter-relação entre os conhecimentos que o aluno já possui e os conhecimentos científicos adquiridos na escola deve ser o objetivo principal sobre os qual os estudantes devem se debruçar. O diploma vem como consequência dos novos horizontes que se abrem por meio do conhecimento científico, assim vislumbrando oportunidades e conquistas. Sociedade e Cultura Ao compreendermos a sociedade como um grupo de indivíduos que vivem em comum em determinado espaço-tempo, em razão de certas afinidades e consoante algumas regras, podemos facilmente perceber que a sociabilidade não é algo exclusivo à espécie humana. As mais variadas espécies animais se mostram sociáveis a partir de características próprias de convívio entre os seus membros e em relação a membros de outros grupos e de outras espécies, mesmo sendo desprovidas de cultura. No entanto, o homem demonstra que a forma como concebe o mundo, e a convivência social que nele estabelece com os seus pares, assume um nível de complexidade e de profundidade distinto daquele desfrutado por outros grupos de animais, ao emergir a inteligência e a consciência como elementos norteadores dos princípios que regem os seus grupos sociais. Como afirmou Freire (1996), a partir do momento em que a vida, para o ser humano, tornou-se existência, o suporte em que os outros animais continuam converteu-se, para ele, em mundo. No suporte, o comportamento e as relações que se estabelecem entre os indivíduos têm sua explicação muito mais na espécie a que pertencem do que neles mesmos enquanto indivíduos. Por outro lado, com a inteligência e a consciência dos seus 16 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA atos, o homem é capaz de construir e de reconstruir o mundo, agregar história a sua estadia no mundo, que passa assim a ter uma continuidade, um porvir. Os dias isolados vividos por outras espécies são, na vida do ser humano, o dia a dia, o ontem, o hoje e o amanhã que, unidos, constituem sua história particular, que se insere na história da sociedade a qual pertence. Assim, o homem constrói sua história particular e se constrói como indivíduo dentro de uma história social, influenciando e sofrendo influência do meio social em que vive. Freire (1980, p. 108) já abordou tal ideia, afirmando que [...] os homens podem tridimensionar o tempo (passado- presente-futuro) que, contudo, não são departamentos estanques, sua história, em função de suas mesmas criações vai se desenvolvendo em permanente devir, em que se concretizam suas unidades espocais. Estas, como o ontem, o hoje e o amanhã, não são como se fossem seções fechadas e intercomunicáveis do tempo, que ficassem petrificadas e nas quais os homens estivessem enclausurados. Se assim fosse, desapareceria uma condição fundamental da história: sua continuidade. As unidades espocais, pelo contrário, estão em relação umas com as outras na dinâmica da continuidade histórica. Dessa forma, a história pessoal que o indivíduo constrói ao longo do tempo em que participa da história social não morre com ele, como acontece com a história dos animais. Os acontecimentos, as descobertas, os conhecimentos acumulados pelo homem durante sua vida permanecem para aqueles que ficam, como um legado, uma herança, uma parte da cultura que o indivíduo ajudou a construir ao longo do tempo em que participou da história do mundo. Logo, ao mesmo tempo em que o ser humano é tocado e influenciado pelo meio social ao qual pertence, também contribui e aporta características, conhecimentos, formas de pensar e de agir nesse meio. Quanto a isso, Vygotsky (1998, p. 76) assevera que “a internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; e a base do salto quantitativo da psicologia animal para a psicologia humana”. Assim, o ser humano, distintamente de outras espécies animais, é um ser histórico e cultural, pois é capaz de criar e preservar sua história e sua cultura. Assim, o conjunto de criações atribuídas ao homem toma parte de um todo chamado cultura. De acordo com Santos (2011, p. 59), cultura é “a pluralidade de criações do ser humano, concretas (tangíveis) ou não, que conduzem o jeito de ser e de viver de um determinado gruposocial, que norteiam a sua estada e inferência no mundo e indicam as coisas em que acredita”. Logo, a interação social existe independentemente da presença ou não de cultura. A cultura, por sua vez, se faz presente apenas na espécie humana, sendo, assim, uma unidade menor, Os acontecimentos, as descobertas, os conhecimentos acumulados pelo homem durante sua vida permanecem para aqueles que ficam, como um legado, uma herança, uma parte da cultura que o indivíduo ajudou a construir ao longo do tempo em que participou da história do mundo. 17 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 mais restrita, que assume variadas formas e distintas representações dentro de um contexto social bem mais amplo e abrangente. Inserindo-se nessa seara e ao pensar sobre a cultura em relação ao processo de ensino e aprendizagem desencadeado na escola, Pinto (1982, p. 116) afirma que “[...] o saber só se converte em instrumento de cultura quando é ele mesmo fecundo, ou seja, incorpora na consciência daquele que o possui a compreensão de sua origem, e se destina a frutificar em novas obras de cultura”. Dessa forma, fica claro na afirmação de Pinto (1982), bem como na de Vygotsky (1998), que ao mesmo tempo em que o indivíduo recebe a cultura do meio social em que vive, também participa ativamente dessa cultura, oferecendo-lhe outros conhecimentos que poderão se tornar parte do todo cultural. Cultura é “a pluralidade de criações do ser humano, concretas (tangíveis) ou não, que conduzem o jeito de ser e de viver de um determinado grupo social, que norteiam a sua estada e inferência no mundo e indicam as coisas em que acredita”. SANTOS (2011, p. 59). Sirgado (2000), ao discutir as ideias de Vygotsky sobre as diferenças e as relações existentes entre sociedade e cultura, afirma, fazendo um paralelo com as Ciências Biológicas, que o campo do social poderia ser comparado a um gênero e o campo da cultura a uma espécie. Assim, “‘tudo o que é cultural é social’, o que faz do social um gênero e do cultural, uma espécie. Isso quer dizer que o campo do social é bem mais vasto que o da cultura, ou seja, que nem tudo o que é social é cultural, mas tudo o que é cultural é social” (SIRGADO, 2000, p. 53). Nas Ciências Biológicas, as principais categorias taxonômicas, em ordem decrescente de abrangência, são: Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie (FAVARETTO E MERCADANTE; 2003). A origem biológica de um indivíduo influi até certo ponto em sua constituição como sujeito. No entanto, é fundamentalmente dos resultados das experiências sociais vivenciadas por esse sujeito e das características da cultura em que vive que emergirão a sua forma de ser, de pensar e de agir. A Teoria Histórico-Cultural fundamenta essa ideia ao oferecer uma explicação sobre a maneira como a mente humana se constrói. Segundo Vygotsky (1998), cada ser humano se constitui por meio da interação de dois fatores centrais em sua existência: o fator biológico e o fator social. 18 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA O fator biológico é responsável pelo que Vygotsky (1998) chama de funções psicológicas elementares, que expressam as características genéticas do indivíduo, como reações automáticas, instinto sexual e de sobrevivência, para citar algumas. Essas funções elementares são comuns a outras espécies animais e estão presentes no indivíduo humano desde tenra idade. No entanto, o que diferencia substancialmente o homem adulto dos animais de outras espécies é o que Vygotsky (1998) chama de funções psicológicas superiores, de natureza sociocultural, que consistem em funções psicológicas de ordem bem mais complexa e estruturada que as elementares, como a memória consciente e voluntária, as reações programadas, as ações intencionais, o planejamento de tarefas. Essas funções são desenvolvidas pelo indivíduo no decorrer de suas vivências no meio sociocultural do qual faz parte e surgem como resposta às necessidades que são desencadeadas na convivência social. Kluckhohn (1972, p. 30) faz um relato sobre uma experiência sua que demonstra que os fatores culturais se sobressaem sobremaneira aos biológicos e interferem na formação integral de qualquer indivíduo humano: Há alguns anos, conheci em Nova York um jovem que não falava uma palavra de inglês e estava evidentemente perplexo com os costumes americanos. Pelo ‘sangue’, era tão americano como qualquer outro, pois seus pais eram de Indiana e tinham ido para a China como missionários. Órfão desde a infância, fôra criado por uma família chinesa numa aldeia perdida. Todos os que o conheceram o acharam mais chinês do que americano. O fato de ter olhos azuis e cabelos claros impressionava menos que o andar chinês, os movimentos chineses dos braços e das mãos, a expressão facial chinesa, e os modos chineses de pensamento. A herança biológica era americana, mas a formação cultural fôra chinesa. Ele voltou para a China. Esse exemplo do jovem inglês que foi criado na China nos ajuda a refletir sobre as diferenças existentes entre as questões biológicas e as questões socioculturais que compõem a existência de um indivíduo. Assim, a cultura e o meio social, com suas características próprias, influenciam diretamente os indivíduos que dele fazem parte e, da mesma forma, são por eles influenciados e recriados. A educação emerge como forma de compartilhar algumas das características que compõem a cultura de determinado grupo social com os indivíduos mais jovens e com indivíduos de outros grupos. E é à educação que nos dedicaremos no próximo tópico. 19 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 Atividade de Estudos: Vamos refletir um pouco sobre as questões trazidas nesse tópico: 1) Em uma folha de papel, enumere cinco características físicas que você possui e cinco características de sua personalidade (formas de pensar, de agir, de se vestir, crenças, valores, objetivos, etc.). Características Físicas Características da personalidade 1_________________________ 1_________________________ 2_________________________ 2_________________________ 3_________________________ 3_________________________ 4_________________________ 4_________________________ 5_________________________ 5_________________________ 2) Agora, tente imaginar como você seria e como seria sua vida levando em consideração a seguinte situação: você é descendente da mesma família que é a sua agora na vida real, porém, foi criado em outro país (por exemplo, algum país do Oriente Médio), com outra religião e mediante outros valores sociais. Verifique e grife, dentre as 10 características enumeradas na questão 1, aquelas que permaneceriam e aquelas que seriam alteradas na situação imaginada. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Responda: a) Das características enumeradas na questão anterior, quais permaneceriam de forma mais abundante: as físicas ou as de personalidade? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 20 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA b) Por que você acha que essas características permaneceriam e as outras não? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________4) Você acha que as condições socioculturais são decisivas na constituição do jeito de ser, de viver e de pensar das pessoas? Por quê? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 5) O estudante da Educação de Jovens e Adultos possui uma sólida formação cultural que foi oferecida pelo meio social de onde ele veio e pela convivência com as pessoas que fizeram parte de sua vida. De que forma você percebe que essa formação já possuída deve ser levada em consideração no momento em que esse estudante está em sala de aula, em relação aos conhecimentos científicos trabalhados na escola? Escreva uma frase que resuma as suas ideias. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A Educação como Meio de Transmissão Cultural No convívio que se estabelece no interior dos grupos sociais humanos emerge a necessidade de um elemento fundamental à perpetuação da herança cultural: a educação. Ao fazer parte de um Ao fazer parte de um grupo social, o indivíduo está, a todo momento, recebendo os conhecimentos inerentes ao seu grupo de pertença, ou seja, está recebendo educação. 21 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 grupo social, o indivíduo está, a todo momento, recebendo os conhecimentos inerentes ao seu grupo de pertença, ou seja, está recebendo educação. Segundo Brandão (1995, p. 7), [...] ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Nesse sentido, concordamos com Oliveira (1999) quando complementa a ideia acima afirmando que a educação é uma das atividades básicas de todas as sociedades humanas, que se utilizam dos meios que julgam mais apropriados para transmitir aos indivíduos mais jovens as maneiras de ser e de pensar do grupo, suas crenças e seus valores. Logo, adotamos como concepção para educação aquela que Santos (2011, p. 62) nos oferece quando menciona que todas as maneiras utilizadas pelo indivíduo para apropriar-se dos conhecimentos, costumes, crenças, valores, modos de ser, de pensar e de agir, assim como o próprio ato de apropriar-se desses elementos, são considerados educação. Aprender a cantar uma música ou conhecer a história de um lugar, lavrar a terra e plantar sementes, construir uma casa ou portar-se adequadamente num jantar elegante, cumprimentar pessoas ou ler um jornal constituem atos de educação. Desde o conhecimento das normas estabelecidas dentro de uma casa até as regras de trânsito numa grande cidade, os rituais de fé de dada religião ou as leis que compõem a constituição de um país são exemplos de educação. Além disso, é por meio da educação que as peculiaridades de um meio social podem ser sistematizadas e transmitidas às novas gerações. (SANTOS, 2011, p. 62). Dessa forma, ao inserir o indivíduo nas características culturais do grupo social, nas práticas sociais estabelecidas e ao transmitir-lhe os valores e os conhecimentos instituídos no interior da cultura, as pessoas que compõem esse grupo social fazem educação. Assim, a transmissão da cultura existente dentro de um grupo social se dá nos momentos e nos espaços formais ou informais, de forma sistemática ou difusa, de maneira intencional ou despercebida (SANTOS, 2011), fazendo com que muitos conhecimentos da bagagem cultural construída, reconstruída e aperfeiçoada desde os primórdios da humanidade até o momento presente sejam oferecidos às novas gerações. Assim, a educação tornou-se fundamental para o desenvolvimento dos mais diversos grupos sociais a partir da consciência que o ser humano teve da necessidade de transmitir os seus conhecimentos às novas gerações que, por sua vez, consideraram-se capazes de aprendê-los. O despertar dessa consciência favoreceu o desenvolvimento contínuo da espécie humana, que se beneficiou constantemente das conquistas que, a cada contexto histórico, puderam ser utilizadas e aperfeiçoadas. 22 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA A supremacia da espécie humana sobre as demais espécies não se deve simplesmente ao fato de o homem ter inventado a roda, por exemplo, mas principalmente pelo fato de, tendo-a inventado, não ter de reinventá-la a cada nova geração, e sim aperfeiçoá- la e ressignificá-la ao longo dos tempos em novas aplicações. Em decorrência da consciência da capacidade de aprender, o homem se deu conta da possibilidade e da necessidade de ensinar. Segundo Freire (1996, p.23-24), foi no convívio social que, “[...] historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo do tempo mulheres e homens perceberam que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar”. Já Pozo (2005, p. 12) afirma que a capacidade que o ser humano tem de conhecer “é produto das formas específicas a partir das quais aprendemos, que, por sua vez, são resultado de nossa capacidade de conhecermos a nós mesmos e, através de nós, conhecermos o mundo”. CULTURA: CADA UM POSSUI A SUA Há muitos anos, nos Estados Unidos, Virgínia e Maryland assinaram um tratado de paz com os Índios das Seis Nações. Ora, como as promessas e os símbolos da educação sempre foram muito adequados a momentos solenes como aquele, logo depois os seus governantes mandaram cartas aos índios para que enviassem alguns de seus jovens às escolas dos brancos. Os chefes responderam agradecendo e recusando. A carta acabou conhecida porque, alguns anos mais tarde, Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá-la aqui e ali. Eis o trecho que nos interessa: “[...] Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores 23 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa. [...] Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão, oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens”. Fonte: BRANDÃO, C. R. O que é educação. 33. ed. São Paulo: Brasiliense. 1995, p.05. Por meio desse exemplo relatado por Brandão (1995), mais uma vez podemos compreender a importância que o meio social tem para o indivíduo, ao transmitir- lhe a cultura pertinente ao grupo do qual faz parte. É importante, também, a compreensão de que a cultura que faz parte de determinado grupo social pode não ser útil aos demais. Logo, ensinar o seu legado a certos indivíduos pode não ter a mesma utilidade que terá para outros, dependendo de uma sériede fatores relacionados aos modos de vida de tais indivíduos. Assim, os conhecimentos que os índios acumularam ao longo dos tempos e que transmitem às novas gerações são fundamentais àqueles que vivem na tribo, na selva, mas não o são para aqueles que vivem na cidade, onde os modos de vida são distintos. Da mesma maneira, os conhecimentos que os jovens das cidades recebem não teriam muita utilidade caso fossem transmitidos aos jovens índios, que muito pouco poderiam aplicá-los na vida na selva e, logo, são desnecessários àquela realidade. Por outro lado, podemos considerar que a pluralidade cultural não somente é importante como faz parte da realidade das sociedades humanas. O intercâmbio de aspectos culturais, de novas descobertas, de maneiras distintas de tratamento a determinados assuntos e situações enriquece as populações dos mais diversos países. Conhecer e até incorporar à própria cultura certos elementos culturais de localidades distintas não significa abdicar de sua identidade ou menosprezá-la. 24 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Pelo contrário, manter-se leal a sua cultura mesmo conhecendo culturas distintas é prova da força, da riqueza e do valor que um povo exprime às suas raízes. De acordo com as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p.117), O grande desafio da escola é reconhecer a diversidade como parte inseparável da identidade nacional e dar a conhecer a riqueza representada por essa diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, investindo na superação de qualquer tipo de discriminação e valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade. Neste sentido, uma proposta para a educação escolar seria desenvolver processos capazes de respeitar as diferenças e de “integrá- las” em uma unidade que não as anule e que ative o potencial de cada sujeito no envolvimento do processo. Neste sentido, uma proposta para a educação escolar seria desenvolver processos capazes de respeitar as diferenças e de “integrá-las” em uma unidade que não as anule e que ative o potencial de cada sujeito no envolvimento do processo. Atividade de Estudos: Veja alguns fragmentos da letra da música Aquele Abraço, de Gilberto Gil. Por meio dessa música, vamos refletir sobre a importância que a cultura local tem para os indivíduos de determinado meios sociais e que não tem para outros. AQUELE ABRAÇO (Gilberto Gil) O Rio de Janeiro continua lindo O Rio de Janeiro continua sendo O Rio de Janeiro, fevereiro e março Alô, alô, Realengo - aquele abraço! Alô, torcida do Flamengo - aquele abraço! [...] Alô, alô, seu Chacrinha - velho palhaço [...] Todo mundo da Portela - aquele abraço! Todo mês de fevereiro - aquele passo! Alô, Banda de Ipanema - aquele abraço! Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço A Bahia já me deu régua e compasso [...] Todo o povo brasileiro - aquele abraço! Fonte: Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/gilberto-gil/aquele- abraco.html#ixzz1MRxt20IE>. Acesso em: 10 dez. 2011. 25 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 Procure pensar e responder: 1) Na frase Todo mês de fevereiro - aquele passo, o compositor está se referindo ao Samba e ao Carnaval – ritmo e festa extremamente populares na cidade do Rio de Janeiro, cidade- tema central da música. Na região onde você mora, o Samba e o Carnaval possuem a mesma popularidade que no Rio de Janeiro? Por quê? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2 Que festas são populares em sua região e qual o motivo dessa popularidade? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Você conhece alguma música que retrate a cultura e os costumes de sua região? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 26 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA 4) Em relação ao trecho Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço / A Bahia já meu deu régua e compasso, responda: a) qual a mensagem que você acha que o compositor quis passar? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ b) Por que ele se referiu à Bahia se a música fala sobre o Rio de Janeiro? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ c) Você acha possível fazer uma analogia entre o trecho da música e o ditado popular Quem tem boca vai à Roma? Como e por quê? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Por meio dessa atividade, podemos perceber que, em determinada localidade, dentro de um bairro, cidade, estado ou país, pode haver uma diversidade cultural bastante ampla. Essa pluralidade pode ser ainda maior em um país com dimensões territoriais tão vastas como o Brasil e que sofreu influências culturais tão diversas na constituição de seu povo. Por esse motivo, a própria LDBEN – Lei n°9.394/96 (BRASIL, 1996, p. 9), no artigo 26, institui que: Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada 27 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Logo, essa diversidade cultural que pode existir em um mesmo local e entre as diferentes localidades exige conteúdos distintos a serem compartilhados com as novas gerações, assim como maneiras também diversas de compartilhar tais conhecimentos. De igual maneira, dentro de um mesmo grupo social podem existir pessoas que possuem mais acesso aos conhecimentos do que outras, sobretudo acesso aos conhecimentos científicos. De acordo com Vygotsky (1989), os conceitos científicos, são aqueles oriundos de estudos científicos realizados em determinada área do conhecimento,sendo assim reconhecidos pela comunidade científica e possuindo como característica a sistematização e a organização. Além disso, os conceitos científicos são adquiridos de forma consciente pelo indivíduo. Por outro lado, os conceitos espontâneos são aqueles que o sujeito constrói na informalidade dos momentos de sua experiência cotidiana, sem uma sistematização e sem a consciência dessa construção. São baseados nas experiências que o sujeito estabelece no meio social onde vive e com as pessoas e elementos que dele fazem parte. Para aprofundar seus conhecimentos sobre a Teoria Histórico- Cultural proposta por Vygotsky e conhecer suas contribuições para o processo de ensino e aprendizagem na escola, sugerimos dois livros: BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. 4. ed. São Paulo: Scipione, 1997. Vygotsky (1989) complementa essas ideias afirmando que o estudo dos conceitos científicos deve apoiar-se nos conceitos espontâneos para serem apreendidos pelo indivíduo. É preciso que o desenvolvimento de um conhecimento espontâneo tenha alcançado certo nível para que o indivíduo possa absorver um conhecimento científico correlato. É nessa profunda relação que se estabelece 28 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA entre os conceitos científicos e os conceitos espontâneos que reside a importância da valorização daquilo que o estudante já sabe, para que o professor faça a mediação com novos conhecimentos. As vivências cotidianas que todo indivíduo possui servem como ponto de partida para novas aprendizagens. Pinto (1982, p. 109) já havia discutido essa questão ao afirmar que a sociedade deseja ver compendiados e transmitidos regularmente às novas gerações os conhecimentos que lhe são úteis, que expressam seu grau de avanço cultural e de domínio das forças da natureza, dentro de uma determinada ordem de relações produtivas. A educação escolar, da infância ou de adultos é, portanto, a formalização da educação espontânea (dada pela consciência social), enriquecida dos conteúdos de saber que os sábios e os artistas dessa sociedade têm produzido ou adquirido. Deve-se entender como a ordenação do saber e não como passagem a um plano de vida social distinto. Por isso continua a possuir a mesma significação humana e social. Logo, o respeito e a valorização dos conhecimentos que os estudantes da EJA possuem é tão importante quanto os conceitos científicos apresentados na escola, podendo deste modo ser o ponto de partida para a aprendizagem requerida e estimulada na educação escolar. Atividade de Estudos: 1) Vygotsky (1989), nos remete à reflexão sobre a profunda relação que existe entre os conhecimentos espontâneos e os conhecimentos científicos. Você concorda que é a partir de conhecimentos construídos nos momentos informais de seu cotidiano que o sujeito consegue construir os conhecimentos científicos correlatos? Por quê? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Tente imaginar que você trabalha em uma turma de EJA e que nessa turma haja um estudante que seja trabalhador exercendo uma profissão específica, como padeiro, balconista ou mecânico. Eleja um conteúdo de sua disciplina de formação 29 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 e tente imaginar como você poderia trabalhar tal conteúdo a partir de conhecimentos que provavelmente esse estudante- trabalhador tenha adquirido em seu local de trabalho. Faça um relato detalhado dos passos que você adotaria para trabalhar tal conteúdo, estabelecendo os objetivos, a contextualização do assunto e a descrição detalhada das atividades propostas. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Escreva sobre como você percebeu esse planejamento de uma aula em que os conhecimentos espontâneos foram valorizados no trabalho com os conceitos científicos. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Da Educação Informal à Escola No início dos tempos, o intercâmbio de conhecimentos realizados pela educação dava-se de forma assistemática, isto é, o indivíduo os obtinha por meio do aprendizado das tarefas peculiares ao seu grupo social, na convivência com os seus pares e a partir das experiências vivenciadas em seu cotidiano. Não havia um local nem horários específicos para a aprendizagem do que era importante para viver em determinado meio social. Com a evolução das organizações sociais, o homem sentiu a necessidade de determinar uma maneira específica de transmissão de conhecimentos, de 30 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA organização desses conhecimentos em categorias sob alguns critérios que facilitassem o seu aprofundamento e a sua disseminação. Para tanto, foram criadas, também, outras necessidades, como as de instituir um espaço delimitado, um horário específico, um padrão “adequado”, uma sequência “lógica” e pessoas “legitimadas” pela sociedade como encarregadas de promover o conhecimento entre os indivíduos jovens daquele local. Foi o advento da educação formal concretizado por meio da instituição escola. Segundo Oliveira (1999, p. 167), Considerada como uma reunião de indivíduos com objetivos comuns, num processo de interação contínua, a escola é um grupo social. Mas pode também ser vista como uma instituição, ou seja, um conjunto de normas e procedimentos padronizados altamente valorizados pela sociedade, cujo objetivo principal é a socialização do indivíduo, a transmissão de aspectos determinados da cultura. [...] Como grupo social, a escola pode ser vista como um conjunto de alunos, professores e funcionários que desenvolvem um processo contínuo de cooperação, com o objetivo primordial de transmitir cultura. É na escola que, além das características culturais locais, os indivíduos entram em contato com os conhecimentos estabelecidos em âmbito global e legitimados pela comunidade científica. Portanto, a escola é o local que, entre outras funções, prepara formalmente os indivíduos para intervirem no meio social do qual fazem parte. Conforme Leontiev e Luria (apud VYGOTSKY, 1998, p. 174), o processo de educação escolar é qualitativamente distinto do processo educacional como um todo, em sentido geral, já que na escola o indivíduo “[...] está diante de uma tarefa particular: entender as bases dos estudos científicos, ou seja, um sistema de concepções científicas”. Gadotti (2005, p. 25) contribui com essa discussão salientando que “Todos precisamos de escolas. Mas a escola não é um espaço físico. É, acima de tudo, um modo de ser, de ver. Ela se define pelas relações sociais que desenvolve. Educar é estabelecer relações; e não trocar objetos”. É esse mesmo autor que complementa a ideia afirmando que o papel da escola é fazer tanto as crianças quantos os jovens e os adultos passaremda cultura primeira (que fazendo um paralelo com Vygotsky chamaríamos de conceitos espontâneos) à cultura elaborada (conceitos científicos). Logo, da mesma forma que o indivíduo tem a oportunidade de entrar em contato com os conhecimentos que circundam o seu meio social por meio da convivência com os seus pares, na escola ele tem a possibilidade de apropriar- se dos conhecimentos científicos. No entanto, os conhecimentos construídos nos momentos informais, fora da escola, não serão abandonados e sim relacionados aos conhecimentos trazidos pela escola. 31 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 Atividade de Estudos: Observe com atenção as duas charges abaixo: Figura 1 - Aula de Geografia Figura 2 - Evolução 1) Na charge 1, que aspectos sobre cultura e educação que estudamos até agora você consegue perceber? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Na charge 2, é feita uma comparação entre a Teoria da Evolução e a evolução que se pode alcançar por meio do conhecimento. Você concorda com tal comparação? Comente. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Que relações você percebe entre as duas charges? Pense no que estudamos até o momento para fundamentar a sua resposta. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 32 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 4) Crie uma charge que retrate a importância dos conhecimentos prévios para a ascensão aos conhecimentos científicos na EJA. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Alfabetização é Letramento: Compreensões a Partir da Perspectiva de Soares Você já parou para pensar como foi alfabetizado? Foi na escola? O que é ser alfabetizado? O que é ser analfabeto? É possível saber ler e não saber escrever ou vice-versa? Por que aprendemos a ler e escrever? Até pouco tempo na história da humanidade, a arte de ler e escrever era um privilégio da elite, sendo que a grande maioria da população ganhava a vida sem a habilidade da leitura e escrita. Porém, com o desenvolvimento das sociedades, a necessidade dessa habilidade passou a fazer parte das demais classes da 33 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 população, tornando-se requisito fundamental para acessar o conhecimento científico. Vale lembrar que, já no início, esse acesso foi ofertado para uma minoria da população e na maioria das vezes foi limitado a suprir a necessidade imediata de apenas decodificar sinais, escrever e contar. O Brasil ainda possui um número significativo de pessoas que não tiveram acesso à leitura e à escrita como bens sociais, na escola ou fora dela. De acordo com o Parecer CEB nº 11/2000 (BRASIL 2000, p. 649), “ser privado desse acesso é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social contemporânea.” Entretanto, é fundamental ressaltar que a ausência da escolarização não pode e nem deve justificar uma visão preconceituosa do analfabeto, relacionado- os com tarefas e funções desqualificadas no mercado. É preciso considerar a rica cultura que essas pessoas adquirem, baseada na oralidade, nos diversos meios em que vivem. Conforme afirma a autora Magda Soares (2004, p.24), [...] um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva, ..., se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve- se em práticas sociais de leitura e de escrita. Diante desse contexto, a autora ainda ressalta a importância de compreendermos o conceito de analfabeto. Soares (2004, p. 30), chama a atenção para a composição escrita da palavra: a(n) + alfabet + ismo O prefixo a indica negação, já o sufixo ismo indica um modo de proceder. Então, Soares (2004, p.30) afirma que: “Analfabeto é aquele que é privado do alfabeto, a que falta o alfabeto, ou seja, aquele que não conhece o alfabeto, que não sabe ler e escrever”. Sendo assim, Analfabetismo é “um estado, uma condição, o modo de proceder daquele que é analfabeto” (SOARES, 2004, p.30). 34 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Observe com atenção a charge: Figura 3 - Mafalda na sala de aula Fonte: Quino, 1999, p. 54. Atividade de Estudos: 1) Você consegue perceber o que a professora estava querendo ensinar aos alunos? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Por que Mafalda faz este questionamento à professora? Socialize com os colegas a sua opinião. Para isso, você também pode utilizar o ambiente virtual de aprendizagem. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Durante sua trajetória escolar, você já vivenciou alguma situação parecida e em sua atuação docente? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 35 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 Agora que você já concluiu a atividade e socializou fatos do seu processo de escolarização, vamos resgatar a fala de Mafalda para prosseguir com nossas reflexões: - Professora, agora nos ensine coisas importantes. Quando Mafalda afirma que quer aprender coisas importantes, ela aponta a necessidade de aprender algo que seja articulado com suas necessidades e interesses, com o meio em que ela vive. Parece que o esforço da professora em alfabetizar, neste momento, não passa de uma visão restrita da leitura e da escrita, exigindo dos alunos apenas um conjunto de habilidades motoras e técnicas. Mas como sugere Mafalda nas entrelinhas de sua fala, de que adianta esse conhecimento se não soubermosaplicá-lo em nosso dia a dia? Neste sentido Soares (2004, p.39) afirma que um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o individuo letrado (...) não é só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente as demandas sociais de leitura e de escrita. A autora ainda conclui afirmando que “Letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e escrita”. (SOARES, 2004, p. 44). Mas, afinal, onde surgiu o termo Letramento? A palavra letramento deriva de literacy que, etimologicamente, vem do latim littera (letra), com o sufixo cy, que denota qualidade, condição, estado, fato de ser. Ou seja, literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever. “A escrita traz consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprende a usá-la.” (SOARES, 2004, p.17) “Letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e escrita”. (SOARES, 2004, p. 44). 36 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Veremos a seguir um caso bem sucedido de Letramento aplicado por uma educadora de EJA. A situação relatada aconteceu no ano de 2005, em um Programa de Alfabetização da rede Municipal de Ensino de Blumenau, em Santa Catarina. Os nomes são fictícios, a fim de preservar a identidade dos sujeitos envolvidos nesse processo. Práticas na EJA: um relato de experiência A professora Antônia é alfabetizadora e vinha trabalhando com sua turma documentos pessoais, quando percebeu que grande parte de seus alunos eram de cidades interioranas, e que tinham vindo para Blumenau (Santa Catarina) em busca de emprego. Um dia, uma de suas alunas solicitou que ela a auxiliasse a ler uma carta que tinha recebido da família. Então, a professora decidiu trabalhar com cartas. Pediu permissão à aluna e iniciou uma de suas aulas lendo a carta. Ibirama, 22 de julho de 2005. Prezada comadre, Estou escrevendo para comunicar o nascimento do seu afilhado Mario, no dia 10/07/2005. O parto foi normal e o neném nasceu com quase cinco quilos. Todos estão muito bem. Estamos programando o batizado para o final do ano, esperamos você. Um grande abraço, Maria. Fonte: Planejamento professora Alfabetizadora. A carta foi trazida por uma alfabetizanda do Programa de Alfabetização do município de Blumenau no ano de 2005. Após concluir a leitura da carta, a professora colocou no quadro o texto escrito na carta e levantou os seguintes questionamentos: Vocês conhecem alguma das palavras escritas nesta carta? Onde está a data de nascimento do Mario? Quem está escrevendo para quem? O que está sendo comunicado? Sobre que assunto a carta trata? Por que escrevemos cartas? 37 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 Após discutirem essas questões a professora passou a trabalhar o mapa de Santa Catarina, situando a cidade em que Mario nasceu e a cidade em que os alunos moravam. Depois ainda levou os alunos a calcularem quanto tempo fazia que Mario tinha nascido desde a escrita da carta. Após, deu continuidade trabalhando as palavras da carta, explorando a escrita e os sons das letras. A professora continuou explorando esse gênero por alguns encontros até que cada aluno produziu sua carta. Depois de ler sobre uma prática de Letramento na EJA, vamos ESTUDAR um pouco mais sobre Letramento lendo um poema, citado na obra de Soares (2004), que foi criado por Kate M. Chong, estudante norte-americana, de origem asiática. O QUE É LETRAMENTO? Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado, não é treinamento repetitivo de uma habilidade, nem um martelo quebrando blocos de gramática. Letramento é diversão é leitura à luz de vela ou lá fora, à luz do sol. São notícias sobre o presidente, o tempo, os artistas da TV e mesmo Mônica e Cebolinha nos jornais de domingo. É uma receita de biscoito, uma lista de compras, recados colados na geladeira, um bilhete de amor; telegrama de parabéns e cartas de velhos amigos. 38 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA É viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama, é rir e chorar com personagens, heróis e grandes amigos. É um atlas do mundo, sinais de trânsito, caças ao tesouro, manuais, instruções, guias, e orientações em bulas de remédios, para que você não fique perdido. Letramento é, sobretudo, um mapa do coração do homem, um mapa de quem você é, e de tudo o que você pode ser. Fonte: SOARES, Magda. LETRAMENTO: um tema em três gêneros. 2. ed. 8. reimpr. Belo Horizonte: Autêntica, 2004 Diante da leitura do poema convidamos você a refletir sobre as seguintes questões: Registre suas reflexões e organize um debate com os colegas para a socialização destas reflexões: 1) O que você entendeu por Letramento? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) O que é ser analfabeto? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 3) O que significa “alfabetizar”? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 39 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 ______________________________________________________ ______________________________________________________ 4) O que significa “letrar”? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 5) Quais as implicações dessas reflexões na organização e prática da ação docente na EJA? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Letramento, Educação de Jovens e Adultos e Escola: Algumas Reflexões Muitos são os jovens e adultos já alfabetizados ou não que retomam o processo de escolarização, nos diferentes níveis de ensino, por sentirem a mesma necessidade apontada por Mafalda na tirinha acima, ou seja, de transitar em uma sociedade que apresenta a leitura e escrita como mediadoras de uma gama de conhecimentos e serviços produzidos socialmente. Soares (2004, p.36) afirma que “há uma diferença entre o fato de saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição ou estado de quem sabe ler e escrever, ser letrado”. A escola é um dos espaços que pode e deve propiciar ao sujeito a utilização da leitura e da escrita como práticas sociais, de modo que os auxiliem na compreensão do meio em que estão inseridos. Segundo Soares (2004, p.37), “socialmente e culturalmente, a pessoa letrada já não é a mesma que era quando analfabeta ou iletrada, ela passa a ter uma outra condição social e cultural”. Para a autora, a pessoa, A escola é um dos espaços que pode e deve propiciar ao sujeito a utilização da leitura e da escrita como práticas sociais, de modo que os auxiliem na compreensão do meio em que estão inseridos. Segundo Soares (2004,p.37), “socialmente e culturalmente, a pessoa letrada já não é a mesma que era quando analfabeta ou iletrada, ela passa a ter uma outra condição social e cultural”. 40 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA ao adquirir essa condição, não muda necessariamente de nível ou classe social, cultural, mas muda seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura e seu relacionamento com os outros. De acordo com Soares (2004), alguns estudos têm mostrado que o convívio com a língua escrita tem como consequências mudanças no uso da língua oral, nas estruturas linguísticas e no vocabulário. Assim, o nível de letramento de grupos sociais relaciona-se fundamentalmente a suas condições sociais, culturais e econômicas, ou seja, é preciso que haja condições para o letramento. Uma primeira condição abordada pela autora é a de criar a oportunidade de todos os alunos, nos diferentes níveis de ensino, ficarem imersos em um ambiente de letramento, para que entrem no mundo letrado, ou seja, num mundo em que as pessoas tenham acesso a livros, revistas, jornais, tenham acesso a livrarias e bibliotecas. Enfim, que vivam em tais condições sociais, em que a leitura e escrita tenham uma função para elas e torne-se uma necessidade e forma de lazer, bem como propicie uma nova possibilidade de ver e ler o mundo. Nesse contexto, a escola assume um papel fundamental, sendo um espaço propício para o desenvolvimento de práticas sociais de leitura e escrita. Vale lembrar que os adultos que chegam nas salas de EJA são pais, mães de família, jovens que buscam participar desta sociedade que se torna cada vez mais complexa. Essa complexidade se expressa pela multiplicidade e pelo excesso de informações verbais e não-verbais que nos chegam pelos mais variados meios, mídia, trabalho, lazer e outros. Os educadores, devem pautar sua prática numa perspectiva de Letramento, ou seja, considerar que mesmo que os sujeitos não tenham tido a oportunidade de estudar e serem alfabetizados, eles criam estratégias para se inserirem nessa cultura, criam um modo próprio de interpretar essas informações. Assim, todo esse conhecimento prévio deve ser utilizado em sala de aula, explorando a informação apresentadas pelos sujeitos, a fim de que se possam, em conjunto (professor x aluno x aluno), construir outros conhecimentos, ou seja, um novo jeito de ler o mundo. Algumas Considerações Nesse capítulo, procuramos caracterizar e compreender concepções e relações construídas socialmente entre cultura e sociedade. Além disso, discutimos as ideias que perpassam o conceito de educação formal e informal e a importância da complementaridade entre elas, de maneira a propiciar uma formação integral ao sujeito a partir da valorização do processo de ensino e 41 As Relações entre Cultura e Educação Capítulo 1 aprendizagem, partindo do conhecimento que o aluno já possui. Ainda nesse contexto, apresentamos as concepções de alfabetização e letramento, a partir da perspectiva de Soares, e suas implicações na EJA. Como educadores na modalidade de EJA, necessitamos compreender as relações discutidas neste primeiro capítulo, de modo que nosso principal papel seja o de mediar as aprendizagens abordando temas pertinentes à realidade dos estudantes. Nesse processo de mediação, é fundamental propiciar as condições necessárias para que o estudante realize conexões entre o conhecimento que está sendo ensinado na escola e suas relações culturais, econômicas e sociais, ou seja, que relacione os conceitos científicos abordados em sala de aula com os conceitos espontâneos dos quais se apropriou ao longo de sua convivência no meio social em que vive. Por meio do estabelecimento dessas relações, o estudante tem a oportunidade de descobrir na educação uma nova possibilidade de ler o mundo e de transformar sua própria vida. Dessa forma, o estudante jovem ou adulto que chega à escola, mesmo que seja analfabeto, já possui uma participação bastante ativa no meio social onde vive. Assim, o estudante está buscando, de certa forma, “legitimar” e aprofundar os conhecimentos que já possui pela via dos conceitos científicos, que é o aspecto realmente valorizado pela sociedade letrada em que vivemos. E, por fim, ao aprender a ler e a escrever, o estudante tem a oportunidade de ler e reler o mundo em que vive, desvelando questões que antes não estavam claras e que agora passam a estar. Essa leitura de mundo não se dá somente pelo fato de o estudante saber decodificar o que está sobre as linhas, mas principalmente por conseguir compreender o que está implícito nas palavras escritas. No próximo capítulo, abordaremos questões que envolvem o processo educativo e estão estreitamente relacionadas à Didática. Para isto, apresentaremos um contexto histórico das Tendências Pedagógicas no Brasil e do desenvolvimento da Didática na EJA. Referências BRANDÃO, C. R. O que é educação. 33. ed. São Paulo: Brasiliense. 1995. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 8. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. ______, MEC - Ministério de Educação e Cultura. Parecer CNE/CEB 11/2000 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação de jovens e adultos. Brasília, 2000. 42 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA ______, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998. FAVARETTO; J. A; MERCADANTE; C. Biologia. Volume único. 2ª Ed. São Paulo: Moderna. 2003. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 40º Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. ______, P. Pedagogia do oprimido. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. GADOTTI, M. Educação e comunicação: o papel dos meios na formação do aluno e do professor em educação de jovens e adultos. In: Tecendo o saber: livro do professor. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho; Fundação Vale do Rio Doce, 2005. p. 25-29. KLUCKHOHN, C. Antropologia: um espelho para o homem. Belo Horizonte: Itatiaia, 1972. LIBÂNEO, J. C. O essencial da didática e o trabalho de professor – em busca de novos caminhos. Goiana, 2001. 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CAPÍTULO 2 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Apresentar as tendências pedagógicas que influenciaram a Didática na EJA e suas relações com o currículo nessa modalidade de ensino. � Identificar as contribuições dos pensadores da Pedagogia para a Didática na EJA. � Identificar as possibilidades didáticas para a transformação de informações em conhecimentos na EJA. 44 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA 45 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática Capítulo 2 Contextualização De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos (EJA), a modalidade de Educação de Jovens e Adultos se configura como uma estratégiado “esforço da Nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada” (BRASIL,2000, p. 22). As Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA, ao tratar do histórico de suas bases legais, trazem alguns elementos históricos, a fim de “relembrar ordenamentos legais já extintos e possibilitar o apontamento de temas e problemas que sempre estiveram na base das práticas e projetos concernentes à EJA e de suas diferentes formulações no Brasil” (BRASIL, 2000 p.11). Historicamente, observa-se que o direcionamento dado à EJA é baseado nos conflitos, nas tendências políticas, sociais e econômicas de cada época. Entretanto, é possível perceber, no breve histórico da modalidade apresentado nos módulos anteriores, que durante muito tempo a EJA foi tratada como uma ação emergencial com programas temporários. De acordo com Graff (1995, p. 82), “[...] uma das suposições centrais, das muitas de nosso conjunto, herdadas de relações alfabetização/sociedade é a de juntar alfabetização com desenvolvimento econômico e trabalho”. Para o autor, o não reconhecimento geral dos propósitos a que a alfabetização realmente serve, juntamente com as suposições de controle, condiciona o lugar conferido à alfabetização em esquemas de desenvolvimento o que lhe afere um papel vago e superficialmente poderoso. O autor afirma que certamente há uma lógica nessa relação, mas o importante é “questionar se há uma importância além da estatística” (GRAFF, 1995, p. 83). Nesse sentido, quando realizamos uma leitura do contexto histórico desta modalidade no Brasil, percebemos que as práticas educativas que orientaram o trabalho do professor da EJA ao longo da história são fruto das tendências pedagógicas que acompanharam a educação em nosso país. Isso porque a prática educativa é entendida como parte integrante da dinâmica das relações sociais, e “no trabalho docente, sendo manifestação da prática educativa, estão presentes interesses de toda ordem - sociais, políticos, econômicos e culturais - que precisam ser compreendidos pelos professores” (LIBÂNEO, 1994, p.21). O que se pretende neste capítulo é apresentar um breve histórico das principais tendências pedagógicas que influenciaram o desenvolvimento da Didática na EJA em nosso país, bem como identificar as possibilidades didáticas 46 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA para a transformação de informações em conhecimentos na EJA. Entendemos que o processo didático se desenvolve por uma ação recíproca entre os objetivos da educação, as condições e os meios de organização do ensino, os procedimentos, a avaliação, entre outros. Com esse, olhar pretendemos refletir sobre as contribuições da Didática para a formação do professor na EJA. O Desenvolvimento da Didática na EJA e as Tendências Pedagógicas no Brasil De acordo com Libâneo (1994, p.57), “[...] a história da Didática está ligada ao aparecimento do ensino no decorrer do desenvolvimento da sociedade, da produção e das ciências, como atividade planejada e intencional dedicada à instrução”. Nesse sentido, o autor ressalta que, durante toda a nossa história, existem indícios de formas elementares de instrução e aprendizagem. Por exemplo, era comum, nas comunidades primitivas, os jovens passarem por um ritual de iniciação para ingressarem nas atividades do mundo adulto. Pode-se considerar essa uma forma de ação pedagógica, embora aí não esteja presente o “didático” como forma estruturada de ensino. Além disto, Libâneo (1994) ainda lembra que, na Antiguidade, outras civilizações, como gregos e romanos, também desenvolveram outras ações pedagógicas em lugares como igrejas, mosteiros, universidades, entre outros. Porém, o referido autor salienta que, até meados do século XVII, não podemos falar de Didática como teoria do ensino, que sistematize o pensamento didático e o estudo científico das formas de ensinar. De acordo com Libâneo (1994, p.58), O termo “Didática” aparece quando os adultos começam a intervir na atividade de aprendizagem das crianças e jovens através da direção deli-berada e planejada do ensino, ao contrário das formas de intervenção mais ou menos espontâneas de antes. Estabelecendo-se uma intenção propria-mente pedagógica na atividade de ensino, a escola se torna uma instituição, o processo de ensino passa a ser sistematizado conforme níveis, tendo em vista a adecuação às possibilidades das crianças, às idades e ritmo de as-similação dos estudos. (LIBÂNEO, 1994 ,p.58) No século XVII, o primeiro educador a investigar as ligações entre ensino e aprendizagem e suas leis, formando a Teoria da Didática, foi João Amós Comenius (1592-1670), um pastor protestante, professor, escritor e cientista europeu, quando escreve a primeira obra clássica sobre Didática, a Didacta Magna. De acordo com 47 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática Capítulo 2 Marin (2005), a preocupação central de Comenius encontra-se no tema relativo ao método de ensinar. O autor ressalta que Comenius buscou em sua obra “sistematizar um conjunto de conhecimentos, alguns mantidos segundo a tradição, outros modificados segundo a visão do autor, a respeito da atividade de ensinar. Nascia, assim, formalmente, a Didática” (MARIN, 2005, p.18). Assim, Comenius foi o primeiro educador a formular a ideia da difusão dos conhecimentos a todos e criar princípios e regras do ensino. Libâneo (1994) salienta que Comenius desenvolveu ideias avançadas para a prática educativa nas escolas numa época em que surgiam novidades no campo da Filosofia e das Ciências, seguidas de significativas transformações nas técnicas de produção, em contraposição às ideias conservadoras da nobreza e do clero. O sistema de produção capitalista, ainda incipiente, já influenciava a organização da vida social, política, cultural e consequentemente da educação e seus processos. No início de sua obra, Comenius (2006) faz uma saudação aos leitores, deixando bem claro sua concepção do processo pedagógico “Didática significa arte de ensinar” (COMENIUS, 2006, p. 09). E ainda, ressalta que propôs uma Didática cuja essência consistia em “buscar e encontrar um método para que os docentes ensinem menos e os discentes aprendam mais; que nas escolas haja menos conversa, menos enfado e trabalhos inúteis, mais tempo livre, mais alegria e mais proveito (...)” (COMENIUS 2006, p. 12). A seguir, na tabela abaixo, apresentaremos os princípios da Didática de Comenius (apud LIBÂNEO, 1994). No século XVII, o primeiro educador a investigar as ligações entre ensino e aprendizagem e suas leis, formando a Teoria da Didática, foi João Amós Comenius (1592-1670), um pastor protestante, professor, escritor e cientista europeu, quando escreve a primeira obra clássica sobre Didática, a Didacta Magna. OS PRINCÍPIOS DA DIDÁTICA DE COMENIUS • A finalidade da educação é conduzir à felicidade eterna com Deus, pois é uma força poderosa de regeneração da vida humana. Todos os homens merecem a sabedoria, a moralidade e a religião, porque todos, ao realizarem sua própria natureza, realizam os desígnios de Deus. Portanto, a educação é um direito natural de todos. • Por ser parte da natureza, o homem deve ser educado de acordo com o seu desenvolvimento natural, isto é, de acordo com as características de idade e capacidade para o conhecimento. Consequentemente, a tarefa principal da Didática é estudar essas características e os métodos de ensino correspondentes, de acordo com a ordem natural das coisas. 48 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA • A assimilação dos conhecimentos não se dá instantaneamente, como se o aluno registrasse de forma mecânica na sua mente a informação do professor, como o reflexo num espelho. No ensino, ao invés disso, tem um papel decisivo a percepção sensorial das coisas. Os conhecimentos devem ser adquiridos a partir da observação das coisas e dos fenômenos,utilizando e desenvolvendo sistematicamente os órgãos dos sentidos. • O método intuitivo consiste, assim, da observação direta, pelos órgãos dos sentidos, das coisas, para o registro das impressões na mente do aluno. Primeiramente as coisas, depois as palavras. O planejamento de ensino deve obedecer o curso da natureza infantil; por isso as coisas devem ser ensinadas uma de cada vez. Não se deve ensinar nada que a criança não possa compreender. Portanto, deve-se partir do conhecido para o desconhecido. Fonte: LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. Libâneo (1994) ressalta que, quando observamos os princípios didáticos propostos por Comenius, é possível perceber que ele não escapou de algumas crenças usuais da época sobre o Ensino. Partindo da observação e da experiência sensorial, ele mantinha o caráter transmissor do ensino. Embora procurando adaptar o Ensino às fases do desenvolvimento infantil, mantinha um método único e o ensino simultâneo a todos. Entretanto, Libâneo (1994) ressalta que, Comênio desempenhou uma influência considerável; não somente porque se empenhou em desenvolver métodos de instrução mais rápidos e eficientes, mas também porque desejava que todas as pessoas pudessem usufruir dos benefícios do conhecimento. (LIBÂNEO, 1994, p.59), O autor ainda salienta que, na história, as ideias, principalmente quando são muito inovadoras para a época, costumam demorar para ter efeito prático. Ainda é importante lembrar que na época em que viveu Comenius prevaleciam as práticas escolares da Idade Média, “ensino intelectualista, verbalista e dogmático, memorização e repetição mecânica dos ensinamentos do professor”. (LIBÂNEO, 1994,p.59). Nesse cenário, a religião tinha grandes poderes na vida social e o ensino ainda era separado da vida. Ainda sobre o contexto histórico europeu do século XVII, Libâneo (1996, p.59) afirma que as mudanças que ocorreram na forma de produção da sociedade e o desenvolvimento da cultura e da ciência fizeram com que fosse aumentado o 49 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática Capítulo 2 poder da burguesia. Na medida em que a burguesia ia se fortalecendo, também ia “aumentando a necessidade de um ensino ligado às exigências do mundo da produção e dos negócios”, ou seja, um ensino que contemplasse outros interesses, ligado ao desenvolvimento de capacidades. Nesse cenário, outros pensadores da área da Pedagogia contribuíram e influenciaram as tendências pedagógicas, conforme veremos a seguir. As Contribuições dos Pensadores da Pedagogia Iniciaremos apresentando as ideias de um educador que propôs uma concepção de ensino norteada pelas necessidades e interesses das crianças. Libâneo (1996) afirma que esse educador, chamado Jean Jacques Rousseau (1712-1778), não chegou a colocar em prática suas ideias e nem elaborou nenhuma teoria de ensino. Organizamos na tabela abaixo as principais ideias de Rousseau, fundamentados em Libâneo (1994, p.61). PRINCIPAIS IDEIAS ROSSEAU • A preparação da criança para a vida futura deve basear-se no estudo das coisas que correspondem a suas necessidades e interesses atuais. Antes de ensinar ciências para as crianças, elas precisam ser levadas a despertar o gosto pelo seu estudo. Os verdadeiros professores são a natureza, a experiência e o sentimento. O contato da criança com o mundo que a rodeia é que desperta o interesse e suas potencialidades naturais. Em resumo: são os interesses e necessidades imediatas do aluno que determinam a organização do estudo e seu desenvolvimento. • A educação é um processo natural, ela se fundamenta no desenvolvimento interno do aluno. As crianças são boas por natureza, elas têm uma tendência natural para se desenvolverem. Fonte:Baseado em LIBÂNEO, José Carlos.Didática. São Paulo: Cortez, 1994. 50 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Como já afirmamos anteriormente, Rosseau não colocou em prática suas ideias, “esta tarefa coube a outro pedagogo suíço, Henrique Pestalozzi (1766-1841), que viveu e trabalhou até o fim da vida na educação de crianças pobres, em instituições dirigidas por ele próprio” (LIBÂNEO, 1994, p.60). Esse educador atribui grande importância ao método intuitivo, no qual os alunos eram encorajados a desenvolverem o senso da observação, análise dos objetos e fenômenos da natureza e a capacidade da linguagem. A educação intelectual consistia na capacidade dos alunos de expressarem em palavras os resultados das observações. De acordo com Libâneo (1994), as ideias de Comenius, Rousseau e Pestalozzi influenciaram outros pedagogos, sendo que o mais importante deles foi um pedagogo alemão, Friedrich Herbart (1766- 1841). Esse educador exerceu influência relevante na Didática e, suas ideias são presenças constantes nas salas de aula brasileiras. Libâneo (1994, p.61) afirma que Herbart, na busca de um método único de ensino em conformidade com as leis da psicologia do conhecimento, estabeleceu quatro passos didáticos para serem rigorosamente seguidos: clareza (preparação e apresentação da matéria), associação (articulação com as ideias antigas e novas), sistematização dos conhecimentos e por último a aplicação destes, que seria o uso dos conhecimentos adquiridos. Ainda de acordo com Libâneo, esse educador teve seguidores que desenvolveram a proposta dos passos do seu método, ordenando-os em cinco etapas: preparação, apresentação, assimilação, generalização e aplicação. Esses passos podem ser facilmente encontrados em planejamento elaborados por educadores em geral, e em especial da EJA, uma vez que nessa modalidade busca-se constantemente que os alunos apliquem os conhecimentos construídos em seu cotidiano. Herbart trouxe grandes contribuições para o processo educativo, uma vez que ordenou esse processo e buscou um significado educativo da disciplina: a compreensão dos assuntos estudados. Porém, Libâneo (1994, p.61) salienta que, na perspectiva proposta por Herbart, “o ensino é entendido como um repasse de ideias do professor para a cabeça do aluno”, ou seja, o aluno compreende para depois transmitir. De acordo com Libâneo (1994), as ideias de Comenius, Rousseau e Pestalozzi influenciaram outros pedagogos, sendo que o mais importante deles foi um pedagogo alemão, Friedrich Herbart (1766- 1841). Esse educador exerceu influência relevante na Didática e, suas ideias são presenças constantes nas salas de aula brasileiras. 51 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática Capítulo 2 Atividade de Estudos: Para contribuir com a compreensão das ideias desses educadores, propomos o filme “O sorriso de Monalisa”. Apresentamos abaixo uma breve sinopse do filme. Sinopse Katharine Watson (Julia Roberts) é uma recém-graduada professora que consegue emprego no conceituado colégio Wellesley, para lecionar aulas de História da Arte. Incomodada com o conservadorismo da sociedade e do próprio colégio em que trabalha, Katharine decide lutar contra estas normas e acaba inspirando suas alunas a enfrentarem os desafios da vida. Fonte:Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/ sorriso-de-mona-lisa/>. Acesso em: 10 jun. 2011. 1) Objetivando o seu pensar crítico e reflexivo sobre a práxis educativa, reflita a respeito da ação educadora da personagem e construa um texto dissertativo, de no mínimo uma lauda. No texto responda as seguintes questões: quais as Tendências Pedagógicas que você identificou no filme? Que fatos ou cenas retratam características dessas Tendências? Justifique sua resposta. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 52 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA As ideias que permeiam o filme perpassam algumas das contribuições dos educadores que foram apresentados anteriormente. De acordo com Libâneo (1994), essas contribuições - as ideias de Comenius, Rousseau, Pestalozzi, Herbart e demais autores ao longo da história, formaram as bases do pensamento pedagógico europeu, que posteriormente difundiu-se por todo o mundo. Nos séculos seguintes, o desenvolvimento das ciências, em especial da Psicologia, trouxe novos subsídios à Didática. De acordo com o autor, ao longo do tempo, é preciso que se considere e compreenda a influência e a importância que as ciências em geral tiveram sobre a Didática, pelo fato de terem constantemente alterado ou aprofundado o conteúdo dessa área de estudo. Nesse sentido, Marin (2005) salienta que as influências sobre o campo da Didática ocorreram com relação ao passado e apresentam resquícios até o momento presente. Elas parecem estar nos vários contextos em que atuam os profissionais do campo didático: aparecem nos compêndios que tratam da Didática, nos programas de profesores que ministram Didática em instituições de ensino e também nos estudos realizados em instituições de pesquisa. (MARIN, 2005, p.19-20). Marin (2005) chama a atenção para o fato de essa multiplicidade de influências e alterações ter provocado, tanto no Brasil quanto no exterior, a imprecisão do campo de estudo da Didática. No Brasil, o campo didático também padece de outras dificuldades, das mais diversas ordens, como “a escassez de análises e balanços sobre si mesmo” (MARIN, 2005, p.20). Neste cenário, Candau (2010) afirma que a revisão critica do ensino e da pesquisa em Didática, depois de um primeiro momento marcado pela forte consciência dos limites e insuficiências de uma perspectiva meramente instrumental da Didática, vem se concentrando na reconstrução do seu conteúdo, “num enfoque que diferentes autores expressam utilizando vários termos – transformador, dialético, crítico, fundamental, contextualizado etc. – para indicar uma preocupação semelhante.” (CANDAU, 2010, p. 9). Na EJA, vamos perceber essa preocupação de forma mais latente, uma vez que a intencionalidade dessa modalidade está principalmente no fato de ofertar uma escola a que todos tenham acesso e em que todos permaneçam até a conclusão de sua trajetória escolar, uma escola que reconheça o potencial de cada sujeito, que seja capaz de promover a democratização do conhecimento e o desenvolvimento da cidadania consciente e crítica. Mas, como já vimos na contextualização histórica da EJA, em módulos anteriores, nem sempre foi assim, então, para continuarmos a discussão sobre essa Didática fundamental e não apenas instrumental, precisamos entender um pouco mais sobre as concepções pedagógicas que permearam e influenciaram a Educação e, consequentemente, a Didática. Ao longo do tempo, é preciso que se considere e compreenda a influência e a importância que as ciências em geral tiveram sobre a Didática, pelo fato de terem constantemente alterado ou aprofundado o conteúdo dessa área de estudo. 53 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática Capítulo 2 Tendências Pedagógicas da Didática na EJA: das Teorias de Cunho Liberal às Progressistas De acordo com Libâneo (1994), os estudos relacionados às investigações da Didática da EJA no Brasil têm relação direta com as tendências pedagógicas que permearam e permeiam o currículo educacional dessa modalidade ao longo da História. Libâneo (1994) afirma que em geral, os autores classificam as tendências pedagógicas em dois grupos: as de cunho Liberal - Pedagogia Tradicional, Pedagogia Renovada e Tecnicismo Educacional e as de cunho Progressista - Pedagogia Libertadora e Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos. É importante salientar que existem outras correntes vinculadas a uma ou outra dessas tendências, mas essas são as mais conhecidas. Na Pedagogia Tradicional, o ensino é baseado em uma hierarquia em que o professor é o centro, o detentor do saber. De acordo com Freire (2005, p.65), a tarefa do professor é “encher os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade, desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação”. Assim, o professor tem a função de conduzir os sujeitos à memorização mecânica do conteúdo, sendo que a educação se torna um ato de depositar, “ em que os educandos são depositários e o educador depositante”. (FREIRE, 2005, p.66). Nessa concepção de Educação, Freire (2005) salienta que o conhecimento é depositado, transferido e transmitido. Educador e educandos arquivam conhecimentos, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Nesse contexto, na Pedagogia Tradicional, a Didática, que é denominada Didática Tradicional, assume um caráter normativo e prescritivo, na medida em que o professor expõe e interpreta a matéria. De acordo com Libâneo (1994), a Didática, nessa Tendência Tradicional, é uma disciplina normativa, um conjunto de princípios e regras que regulam o Ensino. O professor tende a encaixar os alunos em um modelo ideal e padronizado de homem. Assim, os conteúdos ensinados são desconectados da realidade e dos interesses dos alunos, o método é dado pela lógica e sequência da matéria. O autor ainda ressalta que a Didática Tradicional tem resistido ao tempo, continua prevalecendo na prática escolar. É comum nas escolas brasileiras atribuir-se ao Ensino a tarefa de mera transmissão de conhecimentos; sobrecarregar o aluno de conhecimentos que são decorados sem questionamento; trabalhar com exercícios repetitivos; impor externamente a disciplina e usar castigos. (LIBÂNEO, 1994, p. 65) Os autores classificam as tendências pedagógicas em dois grupos: as de cunho Liberal - Pedagogia Tradicional, Pedagogia Renovada e Tecnicismo Educacional e as de cunho Progressista - Pedagogia Libertadora e Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos. É importante salientar que existem outras correntes vinculadas a uma ou outra dessas tendências, mas essas são as mais conhecidas (LIBÂNEO, 1994). 54 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Na contextualização da EJA, é possível perceber que esta Didática esteve muito presente, uma vez que muitas vezes encontramos experiências pedagógicas que utilizavam materiais didáticos infantis para alfabetizar jovens e adultos, ou seja, os conhecimentos eram tratados de forma estereotipada, descontextualizados, desprovidos de significados sociais, ou seja, privilegiava- se práticas de memorização. Nesse mesmo cenário, de cunho Liberal, Libâneo (1994,p.65), afirma que A Pedagogia Renovada inclui várias correntes: a Progressivista, (que se baseia na teoria educacional de John Dewey), a não diretiva (principalmente inspirada em Carl Rogers), a ativista-espiritualista (de orientação Católica), a Culturalista, a Piagetiana, a Montessoriana, entre outras. Todas, de alguma forma, estão ligadas ao movimento da Pedagogia Ativa que surge no final do século XIX como contraposição à Pedagogia Tradicional. O autor ainda nos lembra que, no Brasil, os conhecimentos e as experiências da Didática, pautaram-se em boa parte no Movimento da Escola Nova, que foi inspirado na corrente progressivista. Nesse movimento, a Didática é entendida como a “direção da aprendizagem, considerando o aluno como sujeito da aprendizagem” (LIBÂNEO, 1994, p.65). O papel do professor nessa perspectiva é colocar o aluno em situações e condições propícias, para que ele possa, a partir de suas necessidades e interesses, buscar os conhecimentos.O aluno assume o papel central, como um sujeito ativo e investigador. Libâneo (1994) ressalta que a Didática ativa dá menos atenção aos conhecimentos e valoriza mais o processo e os meios que possibilitam a aprendizagem, ou seja, a Didática é a orientação da aprendizagem. Nos anos 50 surge a Didática Moderna. Proposta por Luis Alves de Mattos, é inspirada na pedagogia da cultura. Libâneo salienta que Mattos destaca as relações entre o ensino e a aprendizagem, sendo que “o ensino é a atividade direcional sobre o processo de aprendizagem e a aprendizagem é a atividade mental intensiva e propositada do aluno em relação aos dados fornecidos pelos conteúdos culturais” (LIBÂNEO, 1994, p.67). Ainda na década de 50, desenvolve-se no Brasil o tecnicismo educacional, que se constitui nos anos 60 como uma tendência pedagógica. Essa concepção foi inspirada da teoria behaviorista da aprendizagem e na abordagem sistêmica do ensino. Nesse cenário, a Didática assume caráter meramente instrumental e está baseada no uso de técnicas e meios mais eficazes de ensino. Hoje, ainda é possível perceber que boa parte dos livros escolares e programas de EJA articulados com a qualificação profissional são baseados e elaborados na tecnologia da instrução. 55 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática Capítulo 2 De acordo com Libâneo (1994), por volta dos anos 80, as tendências de cunho progressista, teorias críticas da educação, vão adquirindo maior solidez e sistematização. Porém, é importante lembrar que antes desse período já existiam esforços para a formulação de propostas de educação popular. Esse período foi fundamental para EJA, uma vez que “no início dos anos 60 surgiram os movimentos de educação de adultos que geraram ideias e práticas educacionais de educação popular” (Libâneo,1994, p.68). Esse movimento configurou uma tendência que foi denominada Pedagogia Libertadora. O autor ainda salienta que a Pedagogia Libertadora não apresenta uma proposta explícita de Didática. No entanto, há uma Didática implícita na orientação do trabalho escolar, que é centrado na discussão de temas sociais e políticos, em que professores e alunos analisam a realidade tendo em vista uma ação coletiva para transformá-la. O trabalho escolar não prioriza os conteúdos já previamente sistematizados, mas sim no processo de discussão ativa e na intervenção prática na realidade. A Pedagogia Libertadora tem sido muito presente nas propostas pedagógicas para a EJA, uma vez que buscamos, nessa modalidade instigar o protagonismo dos sujeitos nos contextos sociais em que estão inseridos, vivenciando momentos de debates sobre as problemáticas econômicas e sociais, que se tornam essenciais para a transformação dos sujeitos que participam desses processos educativos. Ainda na perspectiva de formular propostas educacionais articuladas com os interesses concretos do povo, temos a tendência Crítico-Social dos Conteúdos. Essa tendência atribui grande importância à Didática, “cujo o objeto de estudo é o processo de ensino e suas relações e ligações com a aprendizagem” (LIBÂNEO, 1994, p.70). Nesse sentido, a Didática tem como objetivo a direção do processo de ensinar, visando finalidades sócio-políticas e pedagógicas, permitindo aos alunos se perceberem como agentes ativos na transformação da sociedade e de si próprios. A Pedagogia Libertadora e Crítico-Social dos Conteúdos se configuram como tendências progressistas que buscam uma educação escolar crítica a serviço das transformações sociais e econômicas da realidade, ou seja, buscam superar a desigualdades sociais decorrentes do capitalismo que organiza nossa sociedade. Entretanto, percebemos que elas diferem quanto aos objetivos imediatos, as estratégias, aos meios utilizados e em relação à configuração da Didática utilizada para atingir essas metas gerais, que são comuns entre elas. Agora que já conhecemos um pouco mais sobre as principais tendências que permearam a Educação, vamos discutir a organização didática do trabalho pedagógico na EJA. A Didática tem como objetivo a direção do processo de ensinar, visando finalidades sócio-políticas e pedagógicas, permitindo aos alunos se perceberem como agentes ativos na transformação da sociedade e de si próprios. 56 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Repensando a Didática na EJA: da Informação ao Conhecimento As últimas décadas estão sendo marcadas pelo surgimento da Sociedade da Informação (SI), caracterizada, segundo Coll e Monereo (2010, p. 20), “pela capacidade de seus membros em obter e compartilhar qualquer quantidade de informação de maneira praticamente instantânea, a partir de qualquer lugar e na forma preferida, e com um custo muito baixo”. Sancho (2006, p. 18) afirma que “a maioria das pessoas que vive no mundo tecnologicamente desenvolvido tem um acesso sem precedentes à informação; isso não significa que disponha de habilidades e do saber necessários para convertê-los em conhecimento”. Já Coll e Martí (2004, p. 422) afirmam que “a informação é o principal protagonista da nova sociedade”. Porém, frisam que [...] o excesso de informação pode conduzir ao caos, ao silêncio. Apenas o estabelecimento de critérios de qualidade e de confiabilidade da informação, por um lado, e a organização e a interpretação dessa informação de acordo com esquemas significativos para cada pessoa, por outro, pode evitar que a sociedade da informação se transforme em uma sociedade caótica. [...] da informação ao conhecimento há um longo caminho. [...] é urgente que as pessoas adquiram os critérios que possam ajudá-las a estabelecer hierarquias de qualidade e de confiabilidade diante das informações e que, ao mesmo tempo, adquiram estratégias conscientes e efetivas de seleção e de busca da informação. Coll e Monereo (2010) complementam expondo que a Sociedade da Informação inaugurou novas formas de organização econômica, social, política e cultural, comportando novas maneiras de trabalhar, de comunicar-se, de relacionar-se, de aprender, de pensar, de viver. Na Sociedade da Informação, o desenvolvimento das redes sem fio e da internet móvel podem tornar possível a velha utopia da conectividade total. Essa sociedade começou a configurar-se a partir do final do século XX, quando a maioria das atividades humanas teve a utilização, pelo menos em parte, quando não passaram a depender totalmente, de algum tipo de ferramenta relativa à telemática. Complementam expondo que a Sociedade da Informação inaugurou novas formas de organização econômica, social, política e cultural, comportando novas maneiras de trabalhar, de comunicar-se, de relacionar-se, de aprender, de pensar, de viver. Na Sociedade da Informação, o desenvolvimento das redes sem fio e da internet móvel podem tornar possível a velha utopia da conectividade total (COLL e MONEREO, 2010). 57 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática Capítulo 2 Telemática é um [...] conjunto de tecnologias de transmissão de dados resultante da junção entre os recursos das telecomunicações (telefonia, satélite, cabo, fibras ópticas etc.) e da informática (computadores, periféricos, softwares e sistemas de redes), que possibilitou o processamento, a compressão, o armazenamento e a comunicação de grandes quantidades de dados (nos formatos texto, imagem e som), em curto prazo de tempo, entre usuários localizados em qualquer ponto do planeta (TELEMÁTICA, 2010). Hoje, o papel das novas tecnologias é tão relevante para a forma como está configurada a sociedade que Goody, Lévy e Havelock (apud PABLOS, 2006, p. 66) atribuem a elas um papel semelhante, e tão importante quanto, ao da oralidade e da escrita como ferramentas culturais fundamentais à evolução do conhecimento humano, enfatizando que A possibilidade de compartilhar o conhecimento por meio da palavra indica um avanço fundamental para o gênero humano. A escritatornou possível a criação do conhecimento científico. Hoje, podemos identificar um terceiro avanço que propicia assombrosas possibilidades para o desenvolvimento e a difusão global do conhecimento: as novas tecnologias de informação e comunicação. Cada um desses três itens apresenta características próprias, assim como diferentes impactos sobre o conhecimento, as tecnologias que utiliza e os saberes que pode produzir. A oralidade propicia uma comunicação de tipo narrativo, baseada na tradição; a escrita, um saber teórico, que se apoia na descrição e na interpretação; as tecnologias da informação possibilitam um saber operacional baseado na velocidade de processamento da informação [...]. No entanto, é importante que saibamos diferenciar informação de conhecimento, ou seja, que tenhamos consciência de que possuir acesso à informação não significa necessariamente que houve construção de conhecimento. Pozo (2005) afirma que o conhecimento apresenta uma verdadeira ruptura em relação a outros níveis psicológicos, como a informação. Segundo esse autor, a informação não tem referenciais, significados ou conteúdos relativos a contextos alheios àqueles em que são apresentados. Porém, quanto mais variável é o ambiente que um organismo enfrenta, maior é sua necessidade de dispor de outros mecanismos generalizáveis para diferentes contextos, É importante que saibamos diferenciar informação de conhecimento, ou seja, que tenhamos consciência de que possuir acesso à informação não significa necessariamente que houve construção de conhecimento. 58 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA que disponham de certa autonomia funcional em relação às propriedades do ambiente. Logo, “o conhecimento é um novo nível representacional no qual podemos resolver os problemas que se nos apresentam” (POZO, 2005, p. 138). No entanto, para que um sistema de conhecimentos se configure é requerida a continuidade ou uma maior elaboração do nível informativo, para então chegar ao nível qualitativamente distinto, que é o do conhecimento. Assim, conhecer é tornar explícitas as próprias representações sobre determinado objeto, ou seja, é a capacidade de representar o mundo, de comunicá-las aos outros e de modificá- las pelos processos de aprendizagem explícita. Dessa forma, a mente humana tem a capacidade de transformar sua própria vida mental. Em consonância com Pozo (2005), podemos afirmar que a informação figura no cenário psicológico como algo efêmero e superficial. Quando essa assume níveis de complexidade e de profundidade no sistema cognitivo e pode ser transferida a diferentes contextos, é convertida em conhecimento. Nesse ponto, assume, igualmente, níveis mais elaborados de representação para o indivíduo, permitindo a esse a sua aplicação na resolução de problemas práticos. Adell (apud PABLOS, 2006, p. 22) explicita que o ato de passar da informação para o conhecimento “envolve informação interiorizada e adequadamente integrada nas estruturas cognitivas do indivíduo”, ou seja, a informação serve como complemento ou explicação para conhecimentos pré-existentes na estrutura cognitiva do indivíduo. Mas essa passagem da informação ao conhecimento nem sempre é uma capacidade obtida de maneira fácil pelos estudantes. Mauri e Onrubia (2010) afirmam que, em uma SI, o que os estudantes precisam obter, na escola, não é, em suma, a informação, mas a capacitação para organizar e atribuir significado e sentido às informações a que têm acesso. Vygotsky distingue dois componentes do significado da palavra: o significado propriamente dito e o “sentido”. O significado propriamente dito refere-se ao sistema de relações objetivas que se formou no processo de desenvolvimento da palavra, consistindo num núcleo relativamente estável de compreensão da palavra, compartilhado por todas as pessoas que a utilizam. O sentido, por sua vez, refere-se ao significado da palavra para cada indivíduo, composto por relações que dizem respeito ao contexto de uso da palavra e às vivências do indivíduo (OLIVEIRA, 1997, p. 50, grifo da autora). 59 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática Capítulo 2 Nessa direção, consideramos imprescindível que a escola ofereça aos estudantes a capacidade de desenvolver conhecimentos e que os prepare “para enfrentar os desafios que a sociedade apresentará a eles, e isso por meio do desenvolvimento e da aquisição de capacidades como procurar, selecionar e interpretar informação para construir conhecimento” (MAURI e ONRUBIA, 2010, p. 118), que poderá, assim, ser utilizado para a inferência do meio social em que vive. A escola, como um local onde o conhecimento científico é trabalhado, possui, como um dos seus papéis, preparar os indivíduos para “sobreviverem” na imensa gama de informações em que estão inseridos. Hargreaves (apud PABLOS 2006, p. 65-66) tem o entendimento de que, na Sociedade do Conhecimento, a tarefa de ensinar exige que o trabalho realizado na escola promova [...] novas capacidades como aprender a resolver problemas de forma autônoma, aplicar a criatividade e a iniciativa, saber trabalhar em equipe e em redes, aprender permanentemente ao longo da vida ou desenvolver habilidades para enfrentar as mudanças. Esse é o conhecimento útil e aplicável, que possui a possibilidade de ser resgatado a qualquer momento em situações em que for “solicitado”, além de poder ser aprofundado e aperfeiçoado ao longo da vida. Pinto (1982) já visitara essa seara ao afirmar que a falta da educação formal ao adulto não o impossibilita de participar ativamente da vida social do meio em que vive. Porém, à medida em que a sociedade vai se desenvolvendo, a necessidade da educação de adultos se torna imprescindível, pois eles já estão atuando como educados, porém de forma não escolarizada. Logo, “a sociedade se apressa em educá-los não para criar uma participação, já existente, mas para permitir que esta se faça em níveis culturais mais altos e mais identificados com os estandartes da área dirigente, cumprindo o que julga um dever moral” (PINTO, 1982, p. 81). Isso possibilita ao adulto estar em sintonia com os avanços da ciência, utilizando-os em benefício próprio e das causas sociais que defende. Por isso, quando nos referimos aos sujeitos atendidos na EJA, devemos prestar atenção às formas características como esses sujeitos aprendem, já que dispõem de uma significativa gama de conhecimentos espontâneos e de diversas experiências do meio social e cultural de onde vêm, que é dotado de informações das mais diversas naturezas e lhes provê conhecimentos muito importantes por estarem diretamente ligados à vida prática. Logo, valorizar os conhecimentos já possuídos pelos estudantes e as informações disponíveis, e utilizá-los Quando nos referimos aos sujeitos atendidos na EJA, devemos prestar atenção às formas características como esses sujeitos aprendem, já que dispõem de uma significativa gama de conhecimentos espontâneos e de diversas experiências do meio social e cultural de onde vêm, que é dotado de informações das mais diversas naturezas e lhes provê conhecimentos muito importantes por estarem diretamente ligados à vida prática. 60 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA como ponto de partida para o trabalho dos conhecimentos científicos que serão abordados na escola, é fundamental para que se obtenha êxito na tarefa educativa com os sujeitos da EJA. Ao sugerir como se deve ensinar o adulto, Pinto (1982, p. 86) afirma que o método “deve partir dos elementos que compõem a realidade autêntica do educando, seu mundo de trabalho, suas relações sociais, suas crenças, valores, gostos artísticos, gíria etc.”, ou seja, partir das informações que circundam a realidade habitada pelo educando e pelos conhecimentos adquiridos em seu meio (conhecimentos espontâneos). Em outro momento, ao diferenciar as formas de atuação na educação de crianças daquela dispensadaa adultos, Pinto (1982, p. 73) também destaca como o ponto de partida do processo formal da instrução não é a ignorância do educando e sim, ao contrário, aquilo que ele sabe, a diferença de procedimento pedagógico se origina na diferença no acervo cultural que possuem a criança e o adulto no momento em que começam a ser instruídos pela escola. A distinção de idades se traduz pela distinção da experiência acumulada, ou seja, de educação informal (pré-escolar) que a sociedade distribui à criança e ao adulto em razão do desigual período de vida que cada um possui. Freire (1996, p. 30) complementa afirmando que não se trata somente de respeitar os saberes que os estudantes trazem na bagagem, mas também “discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos”. O autor conclui a ideia e indaga: há possibilidades de “[...] estabelecer uma ‘intimidade’ entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?” Dessa forma, a escola pode atuar como uma instituição que trabalha com elementos distintos daqueles que a sociedade pode oferecer, utilizando-se das bases científicas e buscando a convergência e a complementaridade entre os conhecimentos espontâneos e científicos. Dessa forma, a escola pode propiciar uma verdadeira apreensão dos conhecimentos que trabalha, ao possibilitar ao jovem e ao adulto vislumbrar a aplicação desses conhecimentos em seu cotidiano. Atividade de Estudos: 1) Freire (1996, p. 139) nos instiga a pensar sobre a forma como devemos “enfrentar o extraordinário poder da mídia, da linguagem da televisão, de sua ‘sintaxe’ que reduz a um mesmo plano o passado e o presente e sugere que o que ainda não há já está feito”. Continuando a ideia, Freire (1996, p. 139) afirma 61 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática Capítulo 2 não ser possível pensar sequer em televisão sem ter em mente a questão da consciência crítica. É que pensar em televisão ou na mídia em geral nos põe o problema da comunicação, processo impossível de ser neutro. Na verdade, toda comunicação é comunicação de algo, feita de certa maneira em favor ou na defesa, sutil ou explícita, de algum ideal contra algo e contra alguém, nem sempre claramente referido. Daí também o papel apurado que joga a ideologia na comunicação, ocultando verdades mas também a própria ideologização no processo comunicativo. Nessa questão, o autor nos lembra que as informações que a mídia nos traz geralmente ocultam interesses, que muitas vezes não se entregam facilmente por meio de uma visão ingênua, despertada por meio de uma bela imagem ou de palavras contundentes e persuasivas. Insere-se aí a possibilidade (e a obrigação) da escola em desvelar o que não está dito, mas que implicitamente está sendo disseminado com certos interesses que não atendem à grande massa. Logo, explorar as informações que os diversos meios de mídia difundem, vinculando-as com os conteúdos curriculares, pode ser uma forma de cumprir com os objetivos da escola sem, com isso, desconectar-se da realidade que está além dos muros da escola. As nove imagens que você verá a seguir abordam temas que podem frequentemente serem vistos por todos nós na televisão, em anúncios de revistas, cartazes, outdoors, folders etc. Escolha uma imagem dessas e descreva como ela poderia ser utilizada em sala de aula. Nesta descrição, escreva os passos da contextualização da imagem com o conteúdo escolhido para ser trabalhado. Figura 4 – Saúde x preservação ambiental Fonte: Disponível em: <http://mmimg. meioemensagem.com.br/galeria/gr_volvo_ sust_maior.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011. Fonte: Disponível em: <http://www.maisenergias. com/wp-content/uploads/green-energy- work.png>. Acesso em: 10 jun. 2011. Figura 5 - Reciclagem 62 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Figura 9 – Escala Farenheit Fonte: Disponível em: <http:// cellphoneforums.net/apps/attach/1/ mzlzocrvoqc480x480-75_1257699408_ thumb.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011. Figura 8 – Diet x Light Fonte: Disponível em: <http:// www.acessa.com/saude/arquivo/ alimentacao/2009/06/30- diet_light/30-diet_light.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011. Figura 7 – Composição nutricional de alimentos Fonte: Disponível em: <http://1.bp.blogspot. com/_Bx9pWE3MOvc/SShxMPcWhLI/ AAAAAAAABXg/6EOGofeAkCs/s400/ tabela+nutricional+iogurte+natural+nestl%C3%A9. jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011. Figura 6 – Cesta básica e inflação Fonte: Disponível em: <http:// www.portalumuarama.com.br/ img/noticias/g/portalumuarama_ noticia_08042011_1037441295. jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011. Figura 11 –Disfunção erétil Fonte: Disponível em: <http://www.cabuloso.xpg. com.br/Anatomia-Humana/Sistema-Reprodutor/ foto/Viagra.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011. Figura 10 – Cubo mágico Fonte: Disponível em: <http:// armarinhodelmar.com.br/wp-content/ uploads/products_img/cubo%20 magico.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011. 63 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática Capítulo 2 Figura 11 - Ergonomia Fonte: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-kZVSz_l7RPQ/TaySTxtVGzI/ AAAAAAAAAqI/PK4kCJtRbNg/s1600/lercerto.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2011. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 64 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Algumas Considerações Neste capítulo, apresentamos as principais tendências pedagógicas que permearam o estudo da Didática na EJA. Além disso, apresentamos as contribuições de alguns dos principais pensadores da Educação, bem como as influências de suas teorias ou descobertas no campo da Didática. Ao refletir sobre o papel da Didática na EJA, o que propomos é que se busque superar a visão instrumental, de ver a Didática apenas como um conjunto de conhecimentos técnicos que prescrevem o como fazer. O desafio está em construir uma Didática fundamental que, de acordo com Candau (2010, p.15), “assume a multidimensionalidade do processo ensino aprendizagem”, articulando as três dimensões essenciais no fazer pedagógico na EJA: a dimensão técnica, humana e política. Acreditamos que a EJA só faz sentido quando trabalha com o contexto social em que os sujeitos estão inseridos, buscando a articulação e a complementaridade entre os conhecimentos espontâneos e científicos, de forma a propiciar ao jovem e ao adulto a aplicação desses conhecimentos em seu cotidiano. Por fim, compreendemos a importância de considerar as contribuições das tendências pedagógicas apresentadas para alicerçar as práticas desencadeadas na EJA. Dessa forma, não nos tornarmos radicais ao ponto de eleger uma tendência como ideal, uma vez que, ao trabalhar com jovens e adultos, o fundamental é buscar conhecer a realidade em que estão inseridos os sujeitos, bem como todo o contexto político, social e econômico, e então traçar as formas ideaisde intervenção por meio da prática pedagógica. Referências BRASIL, MEC - Ministério de Educação e Cultura. Parecer CNE/CEB 11/2000 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação de jovens e adultos. Brasília, 2000. CANDAU, V. M. Rumo a uma nova Didática. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. COLL, C.; M. E. A educação escolar diante das novas tecnologias da informação e da comunicação. In: COLL, C.; MARCHESI, A.; PALACIOS, J. (Coord.) Desenvolvimento psicológico e educação: Psicologia da Educação Escolar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed. 2004. V. 2. 65 A Educação de Jovens e Adultos e a Didática Capítulo 2 COLL, C.; MONEREO, C. Educação e aprendizagem no século XXI: novas ferramentas, novos cenários, novas finalidades. In: COLL, C.; MONEREO, C. e colaboradores. Psicologia da educação virtual: aprender e ensinar com as tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 15-46. COMENIUS. J. A. Didática Magna. São Paulo: Martins Fontes, 2006. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 40º Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. _____. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2005. GRAFF, J. H. Os labirintos da alfabetização: reflexões sobre o passado e presente da alfabetização. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortês, 1994. MARIN, A.J. Didática e Trabalho Docente. São Paulo: Junqueira & MARIN, 2005. MAURI, T.; ONRUBIA, J. O professor em ambientes virtuais: perfil, condições e competências. In: COLL, C.; MONEREO, C. e colaboradores. Psicologia da educação virtual: aprender e ensinar com as tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 118-135. OLIVEIRA, P. S. Introdução à Sociologia. 22. ed. São Paulo: Ática, 1999. PABLOS, J. A visão disciplinar no espaço das tecnologias da informação e comunicação. In: SANCHO, J. M.; HERNÁNDEZ, F. e colaboradores. Tradução Valério Campos. Tecnologias para transformar a educação. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 63-84. PINTO, A. V. Sete Lições sobre Educação de Adultos. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1982. POZO, J. I. Aquisição de conhecimento: quando a carne se faz verbo. Porto Alegre: Artmed, 2005. SANCHO, J. M. De tecnologias da informação e comunicação a recursos educativos. In: SANCHO, J. M.; HERNÁNDEZ, F. e colaboradores. Tradução Valério Campos. Tecnologias para transformar a educação. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 15-42. 66 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA RIBEIRO, V. M. A campanha de 47. In: VÓVIO, L. C.; RIBEIRO, M. V.; MOURA, P. M. Fundamentos da educação de jovens e adultos: contextualização da Educação de Jovens e Adultos. Brasília: SESI Departamento Nacional, 2002. CAPÍTULO 3 O Processo Educativo na EJA A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Entender os fundamentos do ensino e sua correlação com o processo de ensinar e aprender na EJA. � Compreender o processo de ensino aprendizagem na perspectiva histórico- cultural, refletindo sobre a construção do conhecimento feita por sujeitos jovens e adultos. � Refletir sobre a organização e as possibilidades de mediação do trabalho docente e discente na EJA a partir da perspectiva histórico-cultural. 68 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA 69 O Processo Educativo na EJA Capítulo 3 Contextualização Conforme já mencionado no capítulo dois, compreendemos que existem diferenças na forma como devem ser trabalhados os conhecimentos científicos com os adultos e na forma que se utiliza ao se trabalhar com a criança. Essas diferenças se dão, principalmente, pelo momento de vida bastante distinto pelo qual os dois públicos estão passando, envolvendo aí o grau de maturidade e também, bastante relacionado ao primeiro, o nível dos conhecimentos espontâneos que cada um deles possui. Oliveira (1995) aponta que os estudantes jovens e adultos, por terem ficado tanto tempo fora do contato com a escrita, com a escola e com a ciência, possuem formas de pensamento distintas daqueles outros indivíduos já habituados ao universo escolar e todas as suas peculiaridades. Isso não significa que não pensam, significa apenas que utilizam formas distintas de pensamento, não tipicamente escolares. Por estarem os estudantes jovens e adultos em contato direto, na prática, com a educação que a convivência social lhes provê, o tipo de pensamento que prevalece é aquele que Luria (apud Oliveira, 1995, p. 149) chama de “‘gráfico-funcional’, isto é, fortemente influenciado por configurações perceptuais, baseado na experiência pessoal do indivíduo e nas relações concretas entre elementos inseridos em situações práticas de uso”. É distinto do modo de pensamento que Luria (apud Oliveira, 1995, p. 149) chama de “‘categorial’, isto é, que trabalha com categorias abstratas, independentes da experiência vivida e do contexto concreto”, característico às formas de trabalho na escola. Pinto (1982, p. 79) insere-se nessa discussão sobre as formas distintas de trabalho dos conteúdos escolares entre a criança e o adulto, concebendo o adulto como “[...] o membro da sociedade ao qual cabe a produção social, a direção da sociedade e a reprodução da espécie”. Logo, os jovens e os adultos, por já terem passado por vários estágios da vida que ainda não foram vivenciados pela criança, possuem uma participação maior na vida social, já obtiveram inúmeras experiências cotidianas que os instrumentalizaram para reagir diante de certas situações de formas distintas daquelas que seriam utilizadas pelas crianças. Dessa maneira, distintas também devem ser as abordagens a serem empregadas quando se trata com um e com outro público. De forma análoga, é importante destacar que essa diferença que se estabelece entre os dois públicos em relação à faixa etária traz reflexos importantes no método de trabalho com os jovens e adultos. Além disso, é necessário se preservar e se valorizar os conceitos espontâneos que esses sujeitos já possuem ao chegar à escola, sem que se perca o foco do trabalho de que está incumbida essa instituição social. Vygotsky (1998) destaca que o processo de educação escolar é qualitativamente diferente do processo de educação em sentido amplo. Na escola, o indivíduo está diante de uma tarefa particular: entender as bases 70 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA dos estudos científicos, ou seja, um sistema de concepções científicas. Dessa maneira, ensinar a partir de métodos distintos não significa não ensinar o que preconiza a ciência, pelo contrário, a rigorosidade científica continua sendo primordial, porém, sendo trabalhada de acordo com as particularidades do público a que se destina. Paralelamente a essa constatação, surgem também os anseios de muitos educadores em relação ao preparo que não receberam em sua formação inicial para o trabalho com os jovens e adultos. A grande maioria dos cursos de formação é dirigida ao trabalho com a criança, deixando que o trabalho com o jovem e o adulto seja feito a partir da adequação dos métodos utilizados com a criança. Nesse sentido, como forma de fomentarmos soluções para essa situação, abordaremos a seguir algumas possibilidades de mediações a serem realizadas pelos educadores em sua prática docente com os sujeitos da EJA. Para fundamentar nossa abordagem, utilizaremos as ideias preconizadas pela teoria histórico-cultural. Vygotsky e seus colaboradores, apesar de focarem seus estudos no processo de desenvolvimento das crianças, propõem uma teoria de construção da mente. Podemos entender aí a construção de um sujeito universal, englobando, assim, o estudo da cognição de adultos, que são sujeitos que passaram por processos de desenvolvimento desde a sua infância e continuarão a passar até o final da vida. Da mesma forma, as contribuições de outros autores que se dedicaram especialmente a essa modalidade de educação, ou seja, à educaçãode jovens e adultos, serão utilizadas, a seguir, na busca de pontos em que podem colaborar sobremaneira às discussões aqui propostas. Os Componentes Fundamentais da Didática na Educação de Jovens e Adultos Você já parou para pensar sobre quais componentes fundamentais estão envolvidos na prática educativa de um professor na EJA? Vamos discutir isso a partir da seguinte atividade. 71 O Processo Educativo na EJA Capítulo 3 Atividade de Estudos: 1) Imagine que você foi contratado para trabalhar na EJA, lecionar uma determinada disciplina, e em uma semana você terá seu primeiro contato com o grupo e deverá ministrar sua aula. a) Qual seria sua primeira ação? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ b) Registre como você organizaria esse momento. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ c) Quais os componentes que você contemplou/citou na sua organização? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 72 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA d) Reveja os componentes que você registrou e faça uma lista elencando os componentes que você considera fundamentais na ação didática com alunos da EJA. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Tradicionalmente, como vimos no capítulo anterior, se consideram componentes da ação didática a matéria ou conteúdo, o professor e os alunos. Porém, o ensino, por mais simples que pareça, é uma atividade muito complexa que envolve tanto condições internas como condições externas às situações didáticas. De acordo com Libâneo (1994, p.55), “conhecer essas condições e lidar acertadamente com elas é uma das tarefas básicas do professor para a condução do trabalho docente”. As condições internas se referem ao aluno, professor, conteúdo e a matéria, ou seja, a relação entre aluno e conteúdo mediada pelo professor com o objetivo de promover o aprendizado. Assim, ao mesmo tempo em que os componentes fundamentais da didática na EJA envolvem as condições internas, também envolvem condições externas. Compreendemos que professores e alunos são sujeitos situados, inseridos em relações sociais em um determinado contexto sociocultural. Essas relações vinculam-se a determinantes sociais, econômicos e culturais, conforme interesse da cada grupo social. Assim, os componentes fundamentais da ação docente na EJA não se vinculam apenas ao espaço da sala de aula, mas implicam relações bem mais abrangentes. Pinto (1982, p. 29) alerta sobre essas condições externas quando nos chama a atenção aos componentes fundamentais do processo ensino aprendizagem na EJA, que estão atrelados a estas condições externas, dentre as quais destaca: O ensino, por mais simples que pareça, é uma atividade muito complexa que envolve tanto condições internas como condições externas às situações didáticas. 73 O Processo Educativo na EJA Capítulo 3 • Escola, professor e alunos estão inseridos na dinâmica das relações sociais; • As teorias da educação e as práticas pedagógicas, os objetivos educativos da escola e dos professores, os conteúdos escolares, a relação professor-aluno, as modalidades de comunicação docente, nada disso existe isoladamente do contexto econômico, social e cultural mais amplo que afeta as condições reais em que se realizam o ensino e a aprendizagem. • Professor não é apenas professor, ele participa de outros contextos de relações sociais em que é também, por exemplo, aluno, pai, filho, membro de sindicato ou de um grupo religioso. Esses contextos se referem uns aos outros e influeciam a atividade prática do professor. • O aluno da EJA, por sua vez, não existe apenas como aluno. Faz parte de um grupo social, pertence a uma família que vive em determinadas condições de vida e de trabalho. É branco, negro, tem uma determinada idade, possui uma linguagem para expressar-se conforme o meio em que vive, tem valores e aspirações condicionados pela sua prática de vida, entre outros. • A eficácia do trabalho docente depende da filosofia de vida do professor e de suas convicções políticas, do seu preparo profissional, do salário que recebe, da sua personalidade, das características da sua vida familiar, da sua satisfação profissional em trabalhar com alunos etc. Tudo isso, entretanto, não é só uma questão de traços individuais do professor, pois o que acontece com cada pessoa tem relação com o que acontece na sociedade. (PINTO, 1982) Nesta mesma perspectiva, Libâneo (1994, p.56) afirma que [...] o ensino é um processo social, integrante de múltiplos processos sociais, nos quais estão implicadas dimensões políticas, ideológicas, éticas, pedagógicas, frente às quais se formulam objetivos, conteúdos e métodos conforme opções assumidas pelo educador, cuja realização está na dependência de condições, seja aquelas que o educador já encontra seja as que ele precisa transformar ou criar. O processo didático desenvolve-se mediante ação recíproca dos aspectos essenciais do ensino: os objetivos da educação e da instrução, os conteúdos, o ensino, a aprendizagem, os métodos, as formas e meios de organização das condições da situação didática e a avaliação. Esses são, também, os conceitos fundamentais que formam a base dos estudos da Didática. 74 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Neste contexto, Libâneo afirma que o processo didático envolve componentes fundamentais como: os conteúdos, o ensino e a aprendizagem, sendo que o processo didático se explicita pela ação recíproca de três componentes – os conteúdos, o ensino, e a aprendizagem – que operam em referência a objetivos que expressam determinadas exigências sociopolíticas e pedagógicas e sob um conjunto de condições de uma situação didática concreta (fatores sociais circundantes, organização escolar, recursos materiais. (LIBÂNEO, 1994 ,p.91) Na organização da ação docente na EJA, é imprescindível considerarmos esses componentes fundamentais, as condições internas e externasque envolvem o processo ensino aprendizagem e principalmente a bagagem de conhecimentos trazidas pelos alunos da EJA. É importante que “a correspondência entre as exigências do ensino e as condições prévias dos alunos seja prevista no planejamento, de modo que o professor saiba qual dificuldade (desafio, problema) apresentar e como trabalhá-la didaticamente.” (LIBÂNEO, 2008, p.91) O ensino precisa ser organizado de tal maneira que as “dificuldades” (na forma de perguntas, problemas, tarefas etc.) tornem-se problemas subjetivos na mente do aluno, instiguem nele uma vontade superá-las. Libâneo afirma que o processo didático envolve componentes fundamentais como: os conteúdos, o ensino e a aprendizagem. Se você quiser saber um pouco mais sobre Didática, sugerimos as seguintes leituras: CANDAU, Vera Maria. Rumo a uma nova Didática. São Paulo: Vozes, 1997 Maria Conceição Pillon Christofoli e Maria Inês Côrte Vitória et al. EJA: planejamento, metodologia e avaliação. São Paulo: Mediação, 2009. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2008. 75 O Processo Educativo na EJA Capítulo 3 Possibilidades de Mediação na EJA: Relações Professor-Aluno e Aluno- Aluno na Perspectiva Histórico- Cultural. Nesse tópico, discutiremos uma questão primordial que pode e que deveria acontecer de forma bastante acentuada na escola, com a função de aprimorar os níveis de aprendizagem obtidos pelos estudantes na EJA. Estamos falando da mediação, um elemento de suma importância na convivência que se cria entre o professor e o estudante e entre os próprios estudantes, na escola, mas também fora dela. Para entendermos o conceito de mediação que pode se estabelecer entre os sujeitos na escola, recorremos à Vygotsky (1998), que introduz o tema afirmando que o homem desenvolve as suas funções psicológicas superiores a partir das relações que estabelece com o mundo que o rodeia. No entanto, segundo o autor, essas relações não são estabelecidas de maneira direta “sujeito→mundo” ou “sujeito→objetos do mundo”, havendo, sempre, a interposição de um terceiro elemento nessa relação. Esse terceiro elemento foi separado por Vygotsky em duas categorias: instrumentos e signos. Os instrumentos são concebidos por Vygotsky como elementos facilitadores de atividades no trabalho, complementando as possibilidades que cada indivíduo tem de interferir na natureza. Cada instrumento é pensado e criado para um determinado fim. A partir do emprego desse instrumento, o indivíduo atinge os objetivos que possui de forma mais rápida e efetiva, ou seja, vai além do que poderia se não houvesse tal instrumento, como, por exemplo, a utilização de uma trena para medir determinado território. Assim, a função do instrumento é, segundo Vygotsky (1998, p. 72-73, grifo do autor), “servir como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado externamente; deve necessariamente levar a mudanças nos objetos. Constitui, assim, um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio da natureza”. Já os signos são elementos dirigidos para dentro do indivíduo e não atuam no meio material, tangível, ficando limitados ao seu interior. Conforme Vygotsky (1998, p. 73, grifo do autor), “o signo [...] não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado internamente” e serve para auxiliar o indivíduo em uma dada situação psicológica, como, por exemplo, lembrar de alguma coisa ou tomar uma decisão. O autor também informa que “o uso de Mediação, um elemento de suma importância na convivência que se cria entre o professor e o estudante e entre os próprios estudantes, na escola, mas também fora dela. 76 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA signos conduz os seres humanos a uma estrutura específica de comportamento que se destaca do desenvolvimento biológico e cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura” (VYGOTSKY, 1998, p. 54). Em sua etapa mais rudimentar, o signo funciona por meio de um sinal externo, ou seja, um elemento de apoio administrado “do lado de fora” do indivíduo, como quando fazemos um sinal na mão para lembrarmos de realizar alguma tarefa. No entanto, segundo Vygotsky (1998, p. 60), As operações com signos aparecem como o resultado de um processo prolongado e complexo, sujeito a todas as leis básicas da evolução psicológica. Isso significa que a atividade de utilização de signos não é inventada e tampouco ensinada pelos adultos; ao invés disso, ela surge de algo que originalmente não é uma operação com signos, tornando-se uma operação desse tipo somente após uma série de transformações qualitativas. Cada uma dessas transformações cria as condições para o próximo estágio e é, em si mesma, condicionada pelo estágio precedente; dessa forma, as transformações estão ligadas como estágios de um mesmo processo e são, quanto à sua natureza, históricas. (Grifos do autor) Dessa forma, ao longo do desenvolvimento do indivíduo, ocorrerão mudanças qualitativas na utilização dos signos, quando esses deixam de ser sinais externos e passam por um complexo processo em que são internalizados. De acordo com Vygotsky (1998, p. 60), “ocorre o que chamamos de internalização; os signos externos, de que as crianças em idade escolar necessitam, transformam-se em signos internos, produzidos pelo adulto como um meio de memorizar”. Nesse processo, o indivíduo deixa de possuir a necessidade de ver o objeto concreto representante do signo e passa a ter dele uma representação mental. O indivíduo é capaz, assim, de imaginar, de falar e de refletir a respeito de objetos sem que os mesmos estejam presentes, não sendo preciso que existam, necessariamente, no mundo real. Ele pode pensar em coisas possíveis ou pode fantasiar a respeito de coisas que poderiam ou não existir. Da mesma forma, pode pensar e idealizar fatos concretos ocorridos no passado, que leu em algum livro ou que a ele foram narrados, pode visualizar o desfecho de um filme antes que o mesmo aconteça ou projetar a decoração de uma casa “na cabeça”, sem necessariamente ter que fazê-lo no papel ou na própria casa. O signo internamente administrado substitui o real, o concreto e o tangível, simplificando-o em uma imagem, em um ideal que se estabelece no interior do indivíduo. Vygotsky (1998, p. 73) igualmente elucida que o uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediada – muda, fundamentalmente. todas as operações psicológicas, assim como o uso de instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo interior as novas funções psicológicas podem operar. 77 O Processo Educativo na EJA Capítulo 3 O autor ainda relata que, nesse contexto, o termo “função psicológica superior” pode ser designado como a combinação entre o instrumento e o signo na atividade psicológica. (VYGOTSKY, 1998) Porém, a história do comportamento do indivíduo nasce da convergência de duas linhas qualitativamente distintas quanto a sua origem – “de um lado, os processos elementares, que são de origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores, de origem sociocultural” (VYGOTSKY, 1998, p. 61). Tocando nesse ponto, Vygotsky (1998) admite, também, que, além do signo e do instrumento, a intervenção entre o indivíduo e os elementos de seu mundo pode ser feita por outra pessoa, no caso, o outro social. Aliás, segundo Vygotsky (1998, p. 75), “todas as funções psicológicas superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos”. Em relação a isso, Vygotsky (1998) esclarece que, desde os seus primeiros dias do desenvolvimento, as atividades que a criança realiza possuem como base os processos sociais do ambiente em que está inserida. Quando tais atividades se referem a objetos definidos, “o caminho do objeto até a criança e desta até o objetopassa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social” (VYGOTSKY, 1998, p. 40). Dessa forma, a internalização pelo indivíduo das características pertencentes ao seu meio cultural acontece tendo na mediação de outros indivíduos um importante apoio. Lalueza, Crespo e Camps (2010, p. 58), compartilhando dessa opinião, afirmam que “a apropriação dos significados culturais ocorre em contextos de atividade conjunta entre indivíduos que mantêm uma intersubjetividade, ou seja, que compartilham uma definição similar da situação”. Nas experiências dessas relações interpessoais que se estabelecem no interior da cultura, estão presentes os instrumentos, como meios pelos quais o indivíduo modifica o mundo concreto, e os signos, referentes abstratos dos vários elementos desse mundo concreto que assim podem ser internalizados pelo indivíduo. Por meio do signo, o indivíduo pode, por exemplo, pensar em determinada coisa sem que a mesma esteja presente. Pablos (2006, p. 77, grifo do autor) comenta que “a internalização exige do indivíduo o domínio cognitivo do instrumento cultural. Este domínio é gerado pela tensão entre cenários socioculturais e vozes individuais, originadas no desenvolvimento de atividades socialmente significativas”. Pinto (1982) já havia visitado essa seara ao afirmar que o método educativo preconizado pela escola não deve ser imposto ao aluno. Esse autor defende que o método deve emergir a partir das mediações estabelecidas entre o aluno e o professor e deve justificar a proposta do conteúdo a ser trabalhado como “[...] o saber corrente (nos diversos ramos das ciências) pelas possibilidades que oferece de domínio da natureza, de contribuição para melhorar as condições de vida do homem” (PINTO, 1982, p. 87). Dessa forma, a mediação professor-aluno começa 78 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA a se concretizar ao permitir que essa relação deixe de ser unilateral para tornar-se dialógica, no sentido de que nem professor nem aluno tornem-se sujeitos um do outro, e sim companheiros que buscam a cooperação entre si rumo a um objetivo comum. Freire (1996, p. 23), por sua vez, afirma que [...] quem forma se forma e re-forma ao formar, e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. [...] Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Logo, a mediação entre professor e aluno, que se inicia já na busca dos conteúdos a serem trabalhados e na forma como serão trabalhados, tem boas chances de culminar em um nível de aprendizagem significativo ao aluno, pois ele terá a oportunidade de perceber que é participante ativo daquele universo de conhecimento em que está presente. Pinto (1982, p. 116) assevera que “a relação educacional é essencialmente recíproca, é uma troca de experiências, um diálogo”, e complementa afirmando que o aluno [...] sendo reconhecido como sujeito se comporta como tal. Sente sua relação com o professor como de cooperação num ato comum. Não se concebe mais como o participante passivo da operação educacional. Pode dar expansão a seus estímulos interiores de autocriação, ao mesmo tempo em que se sente atuante sobre o processo social [...] (PINTO, 1982, p. 116-117). Nesse processo, para o professor, também podem ficar explícitos os conceitos espontâneos que o aluno já possui, suas formas de interpretar o mundo e de conduzir as situações de aprendizagem. Por isso, cabe ao professor proporcionar essa abertura às negociações dos acordos que serão estabelecidos em sala de aula. Freire (1996, p. 136) afirma que “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História”. Pinto (1982, p. 118), por sua vez, afirma que “[...] no processo de educação não há uma desigualdade essencial entre dois seres, mas um encontro amistoso pelo qual um e outro se educam reciprocamente”. Quando Freire (1996, p. 47, grifo do autor) comenta que “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”, abre precedente para a discussão da importância da mediação que pode se estabelecer não somente entre o professor e o aluno, mas entre os próprios alunos, em sala de aula. O trabalho em equipe possibilita aos alunos o relato de experiências, o confronto de opiniões, a partilha de dúvidas e A mediação professor-aluno começa a se concretizar ao permitir que essa relação deixe de ser unilateral para tornar-se dialógica, no sentido de que nem professor nem aluno tornem-se sujeitos um do outro, e sim companheiros que buscam a cooperação entre si rumo a um objetivo comum. 79 O Processo Educativo na EJA Capítulo 3 a sugestão de soluções em conjunto, favorecendo, e muito, a aprendizagem na educação de jovens e adultos. Esse tipo de trabalho, segundo Gilleran (2006, p. 95), “[...] significa cooperação e, desta maneira, nasce a cultura da colaboração”. Assim, por meio da mediação entre os pares, cada estudante tem a oportunidade de colaborar, assim como os integrantes de seu grupo, com aquilo que sabe e de solicitar ajuda nos seus momentos de dificuldade. Pinto (1982, p. 83) afirma que o professor “[...] tem que considerar o educando como um ser pensante. É um portador de ideias e um produtor de ideias, dotado frequentemente de alta capacidade intelectual, que se revela espontaneamente em sua conversação, em sua crítica aos fatos, em sua literatura oral”. Logo, o aluno deve ter a oportunidade de expressar-se, de trazer à tona suas convicções e incertezas. Fazendo isso em conjunto, pode trazer resultados mais fecundos do ponto de vista do desenvolvimento do senso crítico e do processo de aprendizagem como um todo. Assim, o trabalho em equipe também favorece a socialização dos estudantes mais tímidos, que no grupo menor sentem-se mais à vontade para se expressar. Dessa forma, o professor, ao “visitar” cada grupo, tem a oportunidade de prestar atenção em todos, compreender a forma como pensam e, consequentemente, como aprendem, juntando dados que podem ser utilizados na condução das formas de trabalho. Por meio da mediação entre o professor e os alunos e entre os próprios alunos, vai ocorrendo a internalização, ou seja, como afirma Vygotsky (1998, p. 75), “um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal”. Para Vygotsky (1998), todas as funções do desenvolvimento do indivíduo aparecem inicialmente no nível social, ou seja, entre pessoas (interpsicológico) e, depois, transferem-se para o nível individual, ou seja, em seu interior (intrapsicológico). Dessa forma, todas as funções psicológicas superiores são originárias das relações estabelecidas entre indivíduos. Por meio da mediação entre o professor e os alunos e entre os próprios alunos, vai ocorrendo a internalização, ou seja, como afirma Vygotsky (1998, p. 75), “um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal”. Contribuições da Teoria Histórico- Cultural: Repensando o Processo de Ensino e Aprendizagem na EJA Vygotsky (1998) defende a ideia de que o processo de aprendizagem de qualquer indivíduo inicia-se muito antes de frequentar a escola. O autor salienta que qualquer situação de aprendizagem com a qual o indivíduo se defronta na escola tem sempre uma história prévia, que necessita ser levada em consideração e utilizada como alicerce para novas aprendizagens. São os 80 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA conceitos espontâneos, que o indivíduo constrói a partir da convivência em seu meio social, que servirão como ponto de partida para a aprendizagem dosconceitos científicos que são trabalhados na escola. Essa questão torna-se mais evidente quando nos referimos à EJA que, conforme já mencionado, é constituída por sujeitos que vivem uma relação diferenciada com a escola, distinta daquela vivida pela criança em relação à trajetória escolar. Segundo Pinto (1982, p. 83, grifo do autor), “o educando adulto é antes de tudo um membro atuante da sociedade. Não apenas por ser um trabalhador, e sim pelo conjunto de ações que exerce sobre um círculo de existência”. Logo, não pode ser concebido como um ser desprovido de conhecimentos ou como ser inferior, por não ter tido o acesso necessário aos conceitos científicos na idade própria, de acordo com o que a sociedade estabelece. De acordo com Pinto (1982, p. 87), A concepção ingênua do processo de educação de adultos deriva do que se pode chamar uma “visão regressiva”. Considera o adulto analfabeto como uma criança que cessou de desenvolver-se culturalmente. Por isso, procura aplicar- lhe os mesmos métodos de ensino e até utiliza as mesmas cartilhas que servem para a infância. Supõe que a educação [...] consiste na “retomada do crescimento” mental de um ser humano que, culturalmente, estacionou na fase infantil. O adulto é considerado, assim, um “atrasado”. Pinto (1982) aponta tal concepção como “falsa”, “ingênua” e “inadequada”, ao abordar o fato de que o adulto é um “sabedor”, que o desenvolvimento do homem se faz pelos meios sociais, que o processo de evolução se faz por meio do cérebro e que o adulto, mesmo iletrado, é membro atuante no meio social em que vive. Segundo o autor, Esta concepção conduz aos mais graves erros pedagógicos pela aplicação ao adulto de métodos impróprios e pela recusa em aceitar os métodos de educação integradores do homem em sua comunidade, quer dizer, aqueles que lhe fazem compreendê-la e modificá-la, nos quais o conhecimento da leitura e da escrita se faz pelo alargamento e aprofundamento da consciência crítica do homem frente à sua realidade (PINTO, 1982, p. 88). Vygotsky (1989) complementa tal ideia sinalizando a impossibilidade do ensino direto de conceitos ao indivíduo sem considerar aqueles já estabelecidos na estrutura cognitiva do estudante, ou seja, o querer transmitir-lhe os conceitos científicos sem conhecer ou sem levar em consideração os conceitos espontâneos correspondentes que o estudante já possui, armazenados em sua mente. Afirma, ainda, que “um professor que tenta fazer isso geralmente não obtém qualquer resultado, exceto um verbalismo vazio, uma repetição de palavras [...] que simula um conhecimento dos Vygotsky (1998) defende a ideia de que o processo de aprendizagem de qualquer indivíduo inicia-se muito antes de frequentar a escola. O autor salienta que qualquer situação de aprendizagem com a qual o indivíduo se defronta na escola tem sempre uma história prévia, que necessita ser levada em consideração e utilizada como alicerce para novas aprendizagens. 81 O Processo Educativo na EJA Capítulo 3 conceitos correspondentes, mas que na realidade oculta um vácuo” (VYGOTSKY, 1989, p. 72). O autor indica que, nessa situação, não se estabelecerá relação alguma entre os conceitos científicos que lhe estão sendo ensinados com aspectos de sua realidade, assim como o estudante não perceberá a utilidade desses conhecimentos em sua vida cotidiana. Em outra obra, Vygotsky (2000, p. 269) ratifica essa questão, elucidando que a aprendizagem de conceitos científicos “pressupõe um tecido conceitual já amplamente [...] desenvolvido por meio da atividade espontânea [...]. [...] A assimilação [...] de conhecimentos científicos também não é possível senão através dessa relação mediada com o mundo dos objetos [...]”. Vygotsky (1989) salienta que o trabalho com os conceitos científicos transforma gradativamente a estrutura dos conceitos espontâneos que o indivíduo adquiriu ao longo de sua vida, ajudando a organizar tais conceitos num sistema. É como se os conceitos científicos, além de aprofundar o nível dos conceitos espontâneos, organizasse numa hierarquia, colocando os conhecimentos “cada um seu lugar”, de forma a se tornarem mais acessíveis à consciência, e assim mais facilmente resgatáveis nos momentos em que sua utilização é necessária. Essa reestruturação de conceitos na estrutura cognitiva promove, segundo Vygotsky (1989), a ascensão do indivíduo a níveis mais elevados de desenvolvimento, já que “[...] o aprendizado não se inicia na escola [...], os conceitos espontâneos [...] são um produto do aprendizado pré-escolar, da mesma forma que os conceitos científicos são produto do aprendizado escolar. (VYGOTSKY, 1989, p. 100) Assim, além da sistematização dos conceitos espontâneos e da ascensão destes aos conceitos científicos, o estudante passa a ter a consciência daquilo que conhece, ou seja, consegue “saber que sabe aquilo que sabe”. Vygotsky (1989, p. 92) complementa afirmando que “o domínio de um nível mais elevado na esfera dos conceitos científicos também eleva o nível dos conceitos espontâneos”, já que os conceitos espontâneos não são abandonados pelo indivíduo quando chega à escola e se apropria dos conceitos científicos. O que acontece, segundo o autor, é uma interação dialética entre os dois tipos de conceitos, sendo que eles “se relacionam e se influenciam constantemente”, bem como “fazem parte de um único processo: o desenvolvimento da formação de conceitos, que é afetado por diferentes condições externas e internas, mas que é essencialmente um processo unitário [...]” (VYGOTSKY, 1989, p. 72). Essa interrelação entre os dois tipos de conceitos dá origem ao que Vygotsky chama de conceitos verdadeiros. Dessa forma, os conceitos científicos que são adquiridos por meio da instrução “integram-se” aos conceitos espontâneos, modificando-os e tornando-se, para o sujeito, conceitos verdadeiros, que apresentam três características: “são sistematizados; são adquiridos de maneira consciente e envolvem uma relação especial com o objeto em questão, baseada na interiorização da essência do Os conceitos científicos transforma gradativamente a estrutura dos conceitos espontâneos que o indivíduo adquiriu ao longo de sua vida, ajudando a organizar tais conceitos num sistema. 82 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA conceito” (VYGOTSKY apud POZO, 1998, p. 202). Logo, da interação dialética estabelecida entre os conceitos espontâneos que o indivíduo “carrega” consigo e os conceitos científicos que obtém por meio da instrução é que emergem os conceitos verdadeiros. Luria e Leontiev (apud VYGOTSKY, 1998) resumem essa ideia de conceitos verdadeiros, explicando que durante o processo de educação escolar o indivíduo parte de suas próprias generalizações e significados. Ele não abandona seus conceitos e sim entra em um novo caminho acompanhado deles, buscando o estabelecimento de relações lógicas entre os novos e “velhos” conceitos. Assim, os conceitos iniciais que foram construídos pelo indivíduo ao longo de sua vida no contexto de seu ambiente social são agora deslocados para novo processo, para nova relação especialmente cognitiva com o mundo e, assim, nesse processo, os conceitos dele são transformados e sua estrutura muda. Durante o desenvolvimento da consciência desses conceitos no indivíduo, o entendimento das bases de um sistema científico de conceitos assume agora a direção do processo. Porém, para elaborar as dimensões do aprendizado escolar, Vygotsky nos oferece um conceito de extrema importância: a zona de desenvolvimento proximal. Para chegar a esse elemento, Vygotsky (1998) salienta que o aprendizado, quando adequadamente organizado, faz surgir processos internos de desenvolvimento que ocorrem somente quando o indivíduo interage com pessoas no ambiente em que vive. A partir da internalização de tais processos, esses aprendizados tornam-se parte integrante do desenvolvimento obtido por tal indivíduo.Assim, complementa Vygotsky, “o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas” (1998, p. 117-118). Dessa forma, Vygotsky (1998) enfatiza que se o professor quiser descobrir as relações reais entre o processo de desenvolvimento de um indivíduo e a sua capacidade de aprendizagem, deve interessar-se não somente pelo desenvolvimento já consolidado, mas principalmente pelo desenvolvimento que ainda está por vir. Assim, no processo de desenvolvimento do indivíduo, tem de identificar pelo menos dois níveis: nível de desenvolvimento real e nível de desenvolvimento proximal. O primeiro - nível de desenvolvimento real – é, segundo Vygotsky (1998), o nível de desenvolvimento das funções mentais do indivíduo que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados, ou seja, esse nível de desenvolvimento indica as tarefas que o indivíduo é capaz de realizar sozinho, sem necessitar da ajuda de alguém. É o nível de desenvolvimento real do indivíduo que geralmente é levado em consideração quando pensamos em avaliá-lo na escola. Durante o processo de educação escolar o indivíduo parte de suas próprias generalizações e significados. Ele não abandona seus conceitos e sim entra em um novo caminho acompanhado deles, buscando o estabelecimento de relações lógicas entre os novos e “velhos” conceitos. 83 O Processo Educativo na EJA Capítulo 3 No entanto, Vygotsky (1998) reitera que as tarefas que o indivíduo consegue realizar a partir da colaboração de companheiros mais capazes indicam com maior precisão e fidelidade o seu nível de desenvolvimento mental do que aquelas tarefas que já realiza autonomamente. O fato de ele conseguir realizar determinada tarefa a partir da ajuda de alguém anuncia que a mesma poderá, em breve, ser realizada sem a ajuda do outro. Assim, essa capacidade de aprendizagem está localizada em um plano de desenvolvimento que está prestes a se consolidar. Esse é o segundo nível de desenvolvimento, em que o indivíduo trabalha com a coparticipação de outrem, o que Vygotsky denomina de nível de desenvolvimento potencial. Oliveira (1997) salienta que a possibilidade de provocar mudanças no desempenho de determinada pessoa na realização de uma atividade por meio da interferência de uma segunda pessoa é um ponto fundamental da teoria de Vygotsky, pois se refere a um momento específico do desenvolvimento: “[...] não é qualquer indivíduo que pode, a partir da ajuda de outro, realizar qualquer tarefa. Isto é, a capacidade de se beneficiar de uma colaboração de outra pessoa vai ocorrer num certo nível de desenvolvimento, mas não antes” (OLIVEIRA, 1997, p. 59, grifo da autora). Além disso, Oliveira (1995) salienta a importância do nível de desenvolvimento potencial na obra de Vygotsky, em virtude da relevância que esse teórico atribui à interação social no processo de formação dos indivíduos: “O desenvolvimento individual se dá num ambiente social determinado e a relação com o outro, nas diversas esferas e níveis da atividade humana, é essencial para o processo de construção do ser psicológico individual” (OLIVEIRA, 1997, p. 60). No espaço e no tempo entre esses dois níveis de desenvolvimento – o real e o potencial – situa-se o que Vygotsky (1998, p. 112) nomeia como zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação [...] ou em colaboração com companheiros mais capazes. Para elucidar ainda mais a sua concepção de ZDP, Vygotsky (1998) a compara ao nível de desenvolvimento real. O autor explica que o nível de desenvolvimento real comporta as funções que já amadureceram no indivíduo, que já estão estabelecidas em sua cognição, e que a zona de desenvolvimento proximal indica aquelas funções que estão em vias de maturação, ainda em estado embrionário. A que esse teórico atribui à interação social no processo de formação dos indivíduos: “O desenvolvimento individual se dá num ambiente social determinado e a relação com o outro, nas diversas esferas e níveis da atividade humana, é essencial para o processo de construção do ser psicológico individual. 84 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Utilizando o conceito de ZDP em uma atividade prática, pensemos na situação em que o professor vai trabalhar, na disciplina de matemática, o conteúdo “equação”. Entre o momento em que o estudante não sabe resolver uma equação e aquele momento em que ele passa a saber, um determinado tempo se passou e alguma coisa aconteceu, possibilitando a ele saber resolver tal sentença matemática. Nesse ínterim, que se estabelece entre o “não saber” e o “saber” resolver, o professor utilizou os conhecimentos que o estudante já possuía, como as operações aritméticas básicas, o significado de uma igualdade, a função de uma incógnita etc., ou seja, os conceitos espontâneos e os conceitos escolares já desenvolvidos no estudante. Ao valorizar tais conhecimentos já possuídos pelos estudantes, o professor traz à tona o nível de desenvolvimento real que, segundo Vygotsky (1998), trata das situações que o estudante é capaz de resolver sozinho, nesse caso as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, por exemplo. Nesse estágio, apresentar-lhe uma equação e pedir a ele que a resolva sozinho certamente fará com que ele não consiga realizar o cálculo, pois para isso são necessários outros conceitos que o estudante precisa desenvolver, como a igualdade entre os dois membros de uma equação, a ideia de uma incógnita dentro desta equação etc. Ele possui a capacidade de aprender, mas ainda não aprendeu determinadas questões que são fundamentais à resolução desse tipo de operação. O professor, ao oferecer-lhe as ferramentas cognitivas necessárias, tanto por meio da linguagem matemática quanto por meio de materiais concretos para a resolução da equação, trabalhará na zona de desenvolvimento proximal, que o estudante poderá aplicar naquilo que ainda lhe é desconhecido, como forma de desvelá-lo e passar, assim, a ser algo conhecido. Inicialmente, o professor vai demonstrando as formas de operação, a função de uma incógnita em uma equação, as maneiras de pensamento e de operacionalização que poderão levá-lo à compreensão das formas para que se chegue à solução do problema. Posteriormente, o professor pode contribuir na resolução de um exemplo pelo qual o estudante fica responsável pela conclusão, até o momento em que ele passa a resolver situações semelhantes, com o emprego de equações, de forma autônoma. Dessa forma, o professor “interferiu” na zona de desenvolvimento proximal do estudante e possibilitou que ela se convertesse no nível de desenvolvimento real. Essa afirmação entra em acordo com Vygotsky (1998) quando ele afirma que “a zona de desenvolvimento proximal, hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo que o indivíduo pode fazer com assistência hoje, ele será capaz de fazer sozinho amanhã” (VYGOTSKY, 1998, p. 113). 85 O Processo Educativo na EJA Capítulo 3 A partir das ideias propostas por Vygotsky sobre a ZDP, chegamos ao entendimento de que é nesse ponto, o da zona de desenvolvimento proximal, que o ensino escolar pode alcançar os resultados mais expressivos. Partindo dos conceitos que já estão estabelecidos na estrutura cognitiva do estudante, tendo como objetivo a aprendizagem dos conteúdos curriculares propostos na escola, o professor poderá intervir pedagogicamente para que o estudante faça a ascensão dos “atributos” do seu nível de desenvolvimento potencial ao nível de desenvolvimento real. Dito de outra forma, a zona de desenvolvimento proximal é um fragmentodo desenvolvimento que está acontecendo no momento presente e é o momento em que o professor pode interferir, contribuindo para operar transformações nas funções que estão em vias de desenvolver-se cognitivamente. Dessa forma, o professor pode provocar avanços que o estudante, de forma autônoma e a priori, não conseguiria, mas que, depois, passa a conseguir. Atuando na ZDP do jovem ou do adulto, além de conseguir resultados mais expressivos na aprendizagem, o professor valoriza os conhecimentos já possuídos pelos estudantes que, por sua vez, passam a ver sentido em aprender certos conceitos científicos que compõem o currículo escolar. Muitos conteúdos só apresentam sentido para o estudante jovem e adulto a partir do momento em que possuem relação com o seu meio e que assim podem ser aplicados em seu cotidiano, em seu trabalho e em outras atividades que realiza socialmente. Caso contrário, são por ele percebidos como desnecessários e descartáveis. No entanto, é importante destacar que o conceito da ZDP é abstrato e representa um ponto flexível do processo de aprendizagem. Em uma sala de aula com, por exemplo, trinta alunos, haverá, para cada tópico de um determinado assunto, trinta zonas de desenvolvimento proximal distintas. Além disso, a ZDP é uma região de constante movimento, já que, a cada novo passo do trabalho, ela vai se movimentando, fazendo com que o estudante vá adquirindo autonomia nos processos de solução dos problemas. Mas é possível que o professor se utilize de tal conceito para conseguir compreender o ponto exato de onde deve partir para que consiga a evolução dos conceitos científicos dos estudantes. O professor pode e deve buscar essa compreensão para que as atividades de ensino e aprendizagem realizadas em sala de aula sejam otimizadas, partindo do ponto ideal para os estudantes, em relação àquilo que sabem para àquilo que, naquele momento, podem vir a saber. A ZDP tem como objetivo a aprendizagem dos conteúdos curriculares propostos na escola, o professor poderá intervir pedagogicamente para que o estudante faça a ascensão dos “atributos” do seu nível de desenvolvimento potencial ao nível de desenvolvimento real. Conceito da ZDP é abstrato e representa um ponto flexível do processo de aprendizagem. 86 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Atividade de Estudos: Agora é a sua vez de trabalhar a partir da perspectiva da mediação na zona de desenvolvimento proximal dos estudantes. Você vai planejar uma atividade em que você buscará identificar e compreender o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial dos estudantes acerca de um determinado assunto. Para a realização dessa atividade (itens 1 a 5), procure escrever em forma de planejamento, com tópicos como conteúdo, contextualização, avaliação diagnóstica, procedimentos metodológicos, materiais necessários, avaliação etc 1) Escolha o assunto (conteúdo) que você deseja trabalhar com uma turma da EJA, de preferência dentro de sua área de formação. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Elabore uma atividade diagnóstica sobre esse conteúdo, de forma que você consiga compreender como está o nível dos conhecimentos dos estudantes da turma, ou seja, para buscar conhecer o nível de desenvolvimento real da turma em relação ao conteúdo escolhido. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 87 O Processo Educativo na EJA Capítulo 3 3) Utilizando os dados do item anterior, planeje seus objetivos e defina algumas situações de aprendizagem a serem desenvolvidas. Lembre-se: é uma simulação, procure elaborar o contexto de forma mais detalhada possível. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 4) Agora descreva algumas possibilidades de mediação professor x aluno x aluno que possam ser aplicadas no cotidiano escolar na EJA. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 5) Como você avaliaria a aprendizagem dos estudantes dessa turma em relação ao conteúdo trabalhado? Procure construir uma tabela avaliativa, enumerando tópicos com os respectivos pesos dentro da nota final. Não esqueça de colocar, entre os tópicos de avaliação, pontos objetivos e subjetivos. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 88 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Algumas Considerações Neste capítulo, procuramos caracterizar os componentes fundamentais da Didática na EJA, bem como apresentar uma possibilidade de organização do trabalho docente fundamentada na teoria histórico-cultural. Vimos que os componentes fundamentais para a organização do trabalho docente na EJA são o conteúdo, o ensino e aprendizagem. Nesse sentido, podemos dizer que o processo didático está centrado na relação fundamental entre o ensino e a aprendizagem, orientado para a interação do aluno com o conteúdo, a partir dos conhecimentos espontâneos que possui, sob a mediação do professor. Nessa relação, entendemos que o conceito de mediação perpassa todo o contexto de aprendizagem, dada a importância da interferência do outro social, assim como dos signos e dos instrumentos, servindo como mecanismos de aproximação do sujeito com o objeto a ser apreendido. Buscar o ponto onde devem se inserir as ações inerentes à prática pedagógica é o caminho apontado pela teoria histórico-cultural, por meio do conceito da ZDP, para que se alcancem os resultados mais expressivos no processo de ensino e aprendizagem que se desencadeia em sala de aula. Dessa forma, é possível ao professor, como mediador desse processo, contribuir para que o estudante consiga fazer a ascensão dos conhecimentos espontâneosaos conhecimentos científicos, ampliando as formas de compreender e interferir no mundo. No próximo capítulo, abordaremos aspectos que envolvem as competências necessárias para a docência na EJA, a importância da formação continuada do educador, bem como questões mais específicas da organização do trabalho docente nessa modalidade: o planejamento e avaliação. Referências FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 40º Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GILLERAN, A. Práticas inovadoras em escolas européias. In: SANCHO, J. M.; HERNÁNDEZ, F. e colaboradores. Tradução Valério Campos. Tecnologias para transformar a educação. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 85-110. 89 O Processo Educativo na EJA Capítulo 3 LALUEZA, J. L.; CRESPO, I.; CAMPS, S. As tecnologias da informação e da comunicação e os processos de desenvolvimento e socialização. In: COLL, C.; MONEREO, C. e colaboradores. Psicologia da educação virtual: aprender e ensinar com as tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 47-65. LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. OLIVEIRA, M. K. Letramento, cultura e modalidades de pensamento. In: KLEIMAN, A. B. (org.). Os significados do letramento: Uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras. 1995, p. 147-160. PABLOS, J. A visão disciplinar no espaço das tecnologias da informação e comunicação. In: SANCHO, J. M.; HERNÁNDEZ, F. e colaboradores. Tradução Valério Campos. Tecnologias para transformar a educação. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 63-84. PINTO, Álvaro Vieira. Sete Lições sobre Educação de Adultos. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1982. POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. VYGOTSKY, L. S. A Construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000. _________, L. S. A Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998. _________, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989. _________, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento: um processo sócio- histórico. 4 ed. São Paulo: Scipione, 1997. ______. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. 4. ed. São Paulo: Scipione, 1997. 90 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA CAPÍTULO 4 A Docência na Educação de Jovens e Adultos A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Identificar as competências e os pressupostos teóricos da prática docente na EJA, na perspectiva de Perrenoud. � Identificar as etapas para organização do planejamento na EJA, com base no referencial teórico adotado. � Entender a avaliação na EJA como processo contínuo que subsidia o redimensionamento da prática. � Compreender o processo de formação continuada como necessidade para aprimoramento do fazer docente na EJA. 92 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA 93 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 Contextualização Como já discutimos nos capítulos anteriores, vivemos um movimento de reconhecimento e valorização da modalidade da EJA, que busca construir sua identidade como um espaço de direito e particularidades para os sujeitos jovens e adultos. Ribeiro (1999, p.2) afirma que no momento convivemos com uma problemática mais ampla, que consiste na constituição de um campo pedagógico de EJA, o que “[...] implicaria a existência de um conjunto de práticas e saberes minimamente articulados em torno de princípios, objetivos ou outros elementos”. Historicamente, de acordo com Pereira (2008, p.7), “durante muito tempo, acreditou-se (e pode ser que, ainda hoje, muitos acreditem) que, para ser professor ou professora, não havia necessidade de uma preparação profissional.” Nesse sentido, para ser professor ou professora, bastava ter o dom ou uma predisposição para ensinar. Vale ressaltar que, além de ter “jeito para coisa”, havia a necessidade de dominar o conteúdo a ser ensinado e, por isso, era muito comum engenheiros, médicos, jornalistas e outros serem admitidos como profissionais do ensino nas escolas. O autor ainda destaca que por muito tempo permaneceu a ideia que. para ser professor, “bastava dominar o conteúdo específico a ser ensinado” (PEREIRA, 2008, p.7). Porém, aos poucos esta ideia vem sendo substituída pela necessidade de uma formação, de um domínio também na área pedagógica, centrada na preocupação do como ensinar. Essa preocupação vem sendo trabalhada no âmbito escolar, através dos programas de Formação Continuada ou mesmo as Licenciaturas. Mas ainda é importante ressaltar que nos cursos de Licenciatura “trata-se, todavia, de uma formação muito homogeneizada. Tal formação ainda é ainda bastante voltada para um modelo ideal de escola e alunos” (PEREIRA, 2008, p.8). Ainda de acordo com o autor, apenas muito recentemente chamou-se atenção para a contemplação, nesta formação, das especificidades dos sujeitos educadores e dos sujeitos alunos. As Diretrizes Curriculares Nacionais da EJA, conforme Parecer 11/2000 (BRASIL, 2000), orientam que todos os cursos de Licenciaturas e outras habilitações ligadas aos profissionais de ensino não podem deixar de considerar, em seus cursos, a realidade da EJA, sendo que, “ a formação adequada e a ação integrada implicam a existência de um espaço próprio, para os profissionais da EJA, nos sistemas, nas universidades e em outras instituições” ( BRASIL, 2000, p. 60). 94 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Quando nos referimos à EJA, temos de lembrar que esta não se dá somente pela oferta da escolarização e pela viabilização da apropriação de saberes, mas principalmente porque os sujeitos jovens e adultos encontram nessa escolarização um espaço que lhes é de direito e no qual interagem socialmente, o que consequentemente exige do professor muito mais do que o domínio dos conhecimentos técnicos. Neste contexto, Cunha (2008) ressalta que A docência é uma atividade complexa. Só quando for reconhecida essa complexidade poderemos avançar em processos de qualificação mais efetivos. Exige saberes específicos que têm forte componente de construção na prática. Entretanto é uma prática que não se repete, é sempre única. Como tal, exige capacidades para enfrentar situações não previstas. Essas serão muito mais sábias quando dispusermos da teoria para melhor compreendê-la; uma teoria que não se coloca em justaposição ou se quer generalizadora, mas como possibilidade de fundamentação que pode iluminar os processos de compreensão do vivido. Nesse processo complexo que envolve a docência é importante considerar que os professores, assim como os alunos, são portadores de saberes, valores culturais e políticos, e que também são marcados por uma história de formação que os fazem ser como estão sendo. Neste sentido, Zeichner (1993) ressalta a importância de preparar professores que assumam uma atitude reflexiva em relação ao ensino e às condições sociais que o influenciam. O objetivo deste capítulo é discutir, numa perspectiva reflexiva de formação, alguns dos principais elementos que compõem essa complexidade da docência na EJA: as competências necessárias, o planejamento, a avaliação e a formação continuada. Acreditamos que essa formação reflexiva, assim como afirma Zeichner (1993), se configura como uma estratégia que pode auxiliar o docente a enfrentar a complexidade, as incertezas e os desafios da prática educativa na EJA. Nesse processo complexo que envolve a docência é importante considerar que os professores, assim como os alunos, são portadores de saberes, valores culturais e políticos, e que também são marcados por uma história de formação que os fazem ser como estão sendo. As Competências para Prática Docente na EJA As Diretrizes Nacionais Curriculares da EJA ressaltam que a formação do docente para atuar na modalidade “deve incluir, alémdas exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino.” (BRASIL, 2000, p.56) . 95 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 Neste sentido, podemos dizer que entender a complexidade desta modalidade de ensino requer do professor algumas competências. Mas quais seriam? Antes de elencarmos tais competências, pensamos ser fundamental explicitar o que se entende por competência. Para tanto, encontramos em Perrenoud (1999, p. 7) o conceito de competência como sendo “uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”. Para entender um pouco mais esse conceito, convidamos você a ler a parábola abaixo. Uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles. A parábola do Camelo Uma mãe e um bebê camelos estavam por ali, à toa, quando o bebê camelo perguntou: • Por que camelos têm corcovas? • Bem, meu filhinho, nós somos animais do deserto, precisamos das corcovas para reservar água. • Certo. E por que nossas pernas são tão longas e nossas patas arredondadas? • Filho, certamente, elas são assim para nos permitir caminhar no deserto. Sabe? Com essas pernas eu posso me movimentar pelo deserto melhor do que qualquer um, disse a mãe. • Certo. Então por que nossos cílios são tão longos? De vez em quando eles atrapalham minha visão. Com orgulho a mãe respondeu: • Meu filho, esses cílios longos e grossos são como uma capa protetora para os olhos. Eles ajudam na proteção de seus olhos quando atingidos pela areia e pelo vento do deserto. • Se a corcova é para armazenar água enquanto cruzamos o deserto, as pernas são para caminhar pelo deserto e os cílios são para proteger meus olhos da tempestade de areia, o que é que estamos fazendo aqui no zoológico? (Conto Popular in: SESI METODOLOGIA DO ENSINO MODULARIZADO EM OFICINAS POR BLOCOS DE CONTEÚDO 2008, p. 17) 96 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Apresentamos esse conto popular para estabelecer uma analogia com o desenvolvimento de competências do docente da EJA na escola tradicional e na escola de hoje. Na escola tradicional, a formação do docente da EJA era focada no domínio de conteúdos, ou seja, o professor precisava dominar o conteúdo a ser ensinado e transmiti-lo. Era comum, nessa modalidade de ensino, encontrar professores voluntários que, pelo fato de saberem ler e escrever, ensinavam outros jovens e adultos. Porém, hoje, além do domínio de conteúdo, a formação do professor da EJA tem outras preocupações, que envolvem todo o processo de ensino e aprendizagem, ou seja, não basta apenas saber o conteúdo, é preciso ter a competência de saber utilizá-lo, aplicá-lo em situações cotidianas. Realizando uma analogia com o conto, podemos dizer que, assim como a mãe do camelo, a escola tradicional tinha como preocupação a formação da docência baseada na aquisição de conteúdos selecionados das diferentes ciências, desvinculados das vivências e representações trazidas pelos alunos/ docentes em seu contexto social e político. Os “melhores” docentes eram aqueles que exigiam de seus alunos o acúmulo de conteúdos a serem memorizados com exercícios repetidos e reproduzidos. Na proposta da escola tradicional, era comum docentes que desenvolviam atividades envolvendo a cobrança de nomes, datas, conceitos, fórmulas e outros. Segundo Freire (2005, p.65), nesta educação o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja a tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhados da realidade, desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. A formação do docente objetivava levar o educador a ser responsável por conduzir os sujeitos à memorização mecânica dos conteúdos que, na maioria das vezes, eram descontextualizados da realidade dos alunos. Essa mesma situação é vivenciada na parábola quando a mãe usa sua sabedoria para transmitir seus ensinamentos ao bebê sem levar em conta o contexto em que estão inseridos. No entanto, quando o bebê percebe que aqueles ensinamentos nada têm a ver com o contexto, nesse caso, o jardim zoológico, e questiona a mãe para que servem tais conhecimentos, a mãe sequer responde. Provavelmente, nesse momento ela se dá conta de que tais ensinamentos não servem para nada naquele contexto social em que estão vivendo. Hoje, ao se propor o desenvolvimento de competências para a docência na EJA, o que se pretende não é determinar o que ou quanto se sabe, mas o porquê e para que se sabe. Também o que se quer não é determinar o que ou quanto se faz, mas o porquê e para que se faz. De acordo com Perrenoud ( 1999, p.35), 97 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 toda competência está, fundamentalmente, ligada a uma prática social de certa complexidade. Não a um gesto dado, mas sim a um conjunto de gestos, posturas e palavras inscritos na prática que lhes confere sentido e continuidade. Uma competência não remete, necessariamente, a uma prática profissional e exige ainda menos que quem a ela se dedique seja um profissional completo. Perrenoud (1999) argumenta que a maioria dos conhecimentos adquiridos na escola permanece inútil na vida cotidiana, não porque careça de pertinência, mas porque os alunos não treinaram para utilizá- los em situações concretas. Retomemos ao conto e comparemos esses alunos ao bebê camelo quando se dá conta de que os conhecimentos que a mãe estava lhe ensinando não seriam necessários em sua vida. Assim, quando falamos em competências para a docência na EJA, estamos nos referindo ao exercício diário de tentar garantir uma formação que seja pautada na realidade em que estamos inseridos, que considere as especificidades desta modalidade de ensino, ou seja, que vá além da formação das especificidades técnicas do educador. Perrenoud (2000, p. 23) faz referência ao ofício de professor “propondo um inventário das competências que contribuem para redelinear a atividade docente”, tomando “como guia um referencial de competências, que se inspira no tentar apreender o movimento da profissão” (PERRENOUD, 2000, p. 23). Nesse sentido, Perrenoud (2000, p.14) fundamenta o fazer docente em dez grandes famílias de competências, que são: 1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem. 2. Administrar a progressão das aprendizagens. 3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação. 4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho. 5. Trabalhar em equipe. 6. Participar da administração da escola. 7. Informar e envolver os pais. 8. Utilizar novas tecnologias. 9. Enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão. 10. Administrar sua própria formação contínua. De acordo com o Perrenoud (2000, p.14), cada uma dessas grandes famílias envolve competências mais específicas, que requerem aprimoramento contínuo. Vamos tomar como exemplo a primeira família: organizar e dirigir situações de Quando falamos em competências para a docência na EJA, estamos nos referindo ao exercício diário de tentar garantir uma formação que seja pautada na realidade em que estamos inseridos, que considere as especificidades desta modalidade de ensino, ou seja, que vá além da formação das especificidades técnicas do educador. 98 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA aprendizagem. Essa competência, segundo Perrenoud (2000), envolve outras competências mais específicas, como: conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e a sua tradução em objetivos de aprendizagem; trabalhar a partir das representações dos alunos; trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem; construir e planejar dispositivos e sequências didáticas; envolver os alunos em atividades de pesquisa,em projetos de conhecimento. Dessa forma, a partir de uma competência geral, se desdobram outras competências específicas, que nortearão o fazer docente na EJA no sentido de viabilizar a concretização da competência geral. Dito de outra forma, a partir da realização de pequenas partes, se chega ao todo desejado. Atividade de Estudos: Agora é sua vez 1) Escolha duas das grandes famílias de competências abordadas pelo autor, identifique as competências mais específicas que estão envolvidas e cite ações que podem ser realizadas na prática docente da EJA e que demonstrem essa competência. Para facilitar a atividade, organizamos uma tabela que você pode utilizar para os seus registros. COMPETÊNCIAS COMPETÊNCIAS MAIS ESPECÍFICAS A TRA- BALHAR EM FOR- MAÇÃO CONTÍNUA AÇÃO REALIZADA PELO DOCENTE QUE DEMON- STRA A APROPRIAÇÃO DESTA COMPETÊNCIA 99 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 Para aprofundar seus conhecimentos sobre as Competências da Docência na EJA, sugerimos a leitura de: PERRENOUD, P. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. O Planejamento na EJA Figura 13 - Mafalda na escola Fonte: Quino (1999, p. 29). Com certeza, assim como Mafalda, você já parou para planejar sua vida. É importante salientar que qualquer atividade de nossa vida, de uma forma ou de outra, exige planejamento. Por exemplo, se você vai fazer uma viagem ou um passeio, já planeja para onde, em que condições, com que recursos etc. Os autores Menegolla e Sant Anna (2003, p. 15) ressaltam que “o homem pensa sobre o que fez; o que deixou de fazer; sobre o que está fazendo e o que pretende fazer.” Nesse sentido, o ato de pensar não deixa de ser um verdadeiro ato de planejar. Iniciamos a discussão sobre planejamento com a tirinha da Mafalda porque ela demonstra que a ato de planejar é uma preocupação que envolve toda a possível ação ou objetivo de uma pessoa. O ato de planejar foi uma realidade que acompanhou toda a trajetória histórica da humanidade. Assim, podemos dizer que planejar é uma exigência do ser humano, “pois o homem, hoje e sempre, fez e faz planejamento das suas ações” (MENOGOLLA e SANT ANNA, 2003, p.16). Se planejar é algo tão inerente ao ser humano, surge a seguinte questão: é possível realizar um processo educativo na Educação sem planejar? O homem pensa sobre o que fez; o que deixou de fazer; sobre o que está fazendo e o que pretende fazer.” Nesse sentido, o ato de pensar não deixa de ser um verdadeiro ato de planejar. 100 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Quando entramos em uma sala de aula, sempre temos algum plano, mesmo que não esteja sistematizado e registrado no papel. Porém, muitas vezes, o planejamento escolar ainda é visto como algo apenas burocrático ou como uma ferramenta de controle, “a questão do planejamento no contexto escolar não parece ter a importância que deveria ter.” (MORETTO, 2007, p.100). É importante relembrar, nesse momento, todas as discussões realizadas no decorrer desse curso sobre as diretrizes e objetivo da modalidade de EJA. Diante destas reflexões, afirmamos que é necessário sim planejar o processo educativo. De acordo com Menegolla e Sant Anna (2003, p. 24), “é necessário planejar o processo educativo para que o homem não se limite, mas se liberte, numa perspectiva dinâmica do ser para a vida”. Assim, na EJA, o docente deve planejar não para criar um tipo exclusivo de “homem escolarizado”, mas com o objetivo de criar condições para que nossos jovens e adultos possam determinar as suas escolhas a partir de seus direitos e das suas possibilidades. Neste contexto, Moretto (2007) afirma que o professor precisa planejar suas atividades pedagógica. Para isto, é necessário considerar o motivo (o porquê se planeja), em que condições se pretende realizar a ação pedagógica e com que recursos. Este autor ainda ressalta que Na resposta ao porquê?, focamos a situação complexa a ser compreendida e os objetivos a serem alcançados. Nas condições, procuramos prever estratégias que pretendemos seguir para alcançar os objetivos. Nos recursos, planejamos o que precisamos de elementos de apoio para realizar com sucesso o que foi planejado. (MORETTO, 2007, p.100) Podemos, então, dizer que o planejamento pedagógico na EJA é uma atividade complexa para a qual o professor precisa desenvolver competências. O plano é um roteiro, um guia de trabalho, sempre flexível, para alunos e professores. Assim, esse plano não pode ser reduzido a um instrumento apenas burocrático, realizado para cumprimento de ordens na escola. Menegolla e Sant Anna (2003, p. 46) chamam atenção ao fato de que todo professor deve “planejar para trabalhar com seu plano”. Os autores exemplificam a situação utilizando a construção de uma casa: o que você diria de alguém que faz uma planta para construir uma casa toda sofisticada, mas que, durante a construção, tal planta não é consultada ou examinada pelos construtores/trabalhadores? Em vez de uma mansão, pode se ter um amontoado de tijolos e pedras fadados ao desmoronamento. Na EJA, o docente deve planejar não para criar um tipo exclusivo de “homem escolarizado”, mas com o objetivo de criar condições para que nossos jovens e adultos possam determinar as suas escolhas a partir de seus direitos e das suas possibilidades. 101 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 Assim, na EJA, é importante que o plano seja compartilhado com os alunos, que seja útil e funcional para os alunos e professores, através de uma ação consciente, responsável, que vise à emancipação dos sujeitos. Existem muitos tipos, modelos, esquemas e formas de planejamento, porém não podemos afirmar qual o “melhor”, pois temos situações e realidades de ensino diferenciadas na EJA. Cada situação vivenciada em uma turma de EJA é singular, pois cada turma tem alunos e professores com vivências, valores, especificidades, histórias de vida construídas em um determinado contexto social. De acordo com Menegolla e Sant Anna (2003), o professor deve escolher o modelo que melhor atenda sua realidade e a de seus alunos, que seja possível de realizar e o auxilie no processo e construção do conhecimento. Porém, ao pensar sobre a intencionalidade da EJA, existem questões que devem permear esse processo, que devem ser pensadas e discutidas na elaboração do planejamento, indiferente do modelo escolhido. No quadro abaixo, apresentamos um roteiro com questões que podem nortear o planejamento na EJA. Quadro 1 - Planejamento na EJA PARA QUEM? Quem são os sujeitos envolvidos? Suas trajetórias de vida, o meio em que vivem, uma contextualização com a realidade. Esta etapa envolve uma SONDAGEM da realidade: alunos, professores, escola e comunidade. PARA QUÊ? POR QUÊ? Diz respeito aos Objetivos, Competências e Habilidades, os conhecimentos que se pretende construir. Ou seja, o que se pretende alcançar, qual a intencionalidade do planejamento. O QUÊ? Este questionamento envolve a seleção dos conteúdos, temas, assuntos a serem discutidos pela turma. É importante ressaltar que os conteúdos são meios para atingir os objetivos propos- tos e não um fim. Esses conteúdos devem ser significativos, por isso é necessário que se estabeleça certos critérios e princípios, para que não fique o conteúdo pelo conteúdo. COMO? Este questionamento diz respeito às estratégias para execução do plano, aos procedimentos metodológicos e à avaliação. Fonte: Menegolla e Sant Anna (2003, p. 66) A seguir, abordaremos cada uma das fases apresentadas na tabela. Essa abordagem tem por objetivo auxiliar na compreensão/entendimento de cada uma dessas etapas durante a elaboração do plano de aula especificamente para a EJA. Quando realizamos uma sondagem da realidade em que estamos inseridos, estamos investigando, pesquisando o espaço em que pretendemos atuar. Esse movimento permite “pensar e preparar uma açãoconsciente, realista, organizada 102 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA e apropriada para aquela situação determinada” (MENEGOLLA E SANT ANNA 2003, p. 75). A sondagem oferece dados para que possamos planejar a partir do aluno e para o aluno. É importante que essa etapa seja muito bem estruturada, para que se possa obter dados significativos que reflitam a realidade dos alunos, comunidade, escola, do meio em que pretendemos atuar. Ao realizar a sondagem para conhecer melhor nossos alunos, é fundamental que se investigue, em um primeiro momento, o que pode ser feito por meio de uma entrevista, algumas questões como objetivos, interesses, expectativas que o fizeram retornar aos estudos, tempo que ficou afastado da escola (se ficou), habilidades individuais e coletivas, conhecimentos prévios, entre outros. No decorrer das aulas, o convívio com a turma permitirá o conhecimento mais aprofundado de questões mais amplas, como as carências sociais, culturais, de conhecimento, a vivência social, o domínio que apresenta de determinados conhecimentos, entre outros. O registro dessas informações constitui um material de consulta muito importante na elaboração do planejamento das aulas. Conhecida e analisada a realidade dos alunos, passamos para a segunda etapa: a definição dos objetivos em relação aos conhecimentos que vão ser construídos. De acordo com Menegolla e Sant anna (2003, p. 77), “a definição dos objetivos constitui o momento mais importante e crucial do ato de planejar”. Os objetivos são indicadores para seleção de outros elementos que compõem o plano, como os conteúdos, procedimentos, estratégias e a avaliação. Ainda de acordo com esses autores, “uma boa definição dos objetivos para uma disciplina ou conteúdo deve apresentar algumas características: clareza, simplicidade, validade, operacionalidade e poder ser avaliado.” (MENEGOLLA E SANT ANNA 2003, p. 79) A etapa seguinte é a seleção dos conteúdos. Conforme já explicitado na tabela acima, esses conteúdos devem ser significativos. Para isto, se faz necessário estabelecer alguns critérios e princípios no momento da seleção. Menegolla e Sant Anna (2003, p. 86) sugerem alguns critérios gerais que podem ser utilizados na seleção dos conteúdos, tais como: significação, adequação às necessidades sociais e culturais, interesse, validade, utilidade, possibilidade de reelaboração e flexibilidade. Vale lembrar que na EJA trabalhamos com jovens e adultos que retomam seu processo de escolarização, na maioria das vezes almejando uma colocação ou crescimento profissional. Assim, a questão do trabalho como princípio educativo deve permear todo o planejamento na EJA. Os objetivos são indicadores para seleção de outros elementos que compõem o plano, como os conteúdos, procedimentos, estratégias e a avaliação. 103 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 Definidos os conteúdos, vamos traçar as estratégias, os procedimentos, ou seja, a forma de atuação desencadeada pelos professores e alunos na sala de aula, visando alcançar os objetivos propostos. É importante garantir, nessa etapa, a flexibilidade, pois ao executar as estratégias propostas, outras estratégias, por vezes não pensadas na etapa inicial, podem ser necessárias. Para que esses procedimentos sejam mais eficientes, devemos observar algumas questões na construção dos mesmos, tais como: ter como ponto de referência os objetivos, que devem estar adequados aos conteúdos e ao nível de conhecimento da turma; observar os recursos disponíveis em nossa escola, bem como o tempo proposto para cada estratégia; avaliar se as ações são possíveis de serem aplicadas e se estão relacionadas com outros elementos do plano. Além disto, é importante considerar, na elaboração desse planejamento, o trabalho integrado ao dos professores de outras disciplinas, bem como outras possibilidades de organização curricular, como o trabalho organizado por projetos ou ainda por temas geradores. Considerando todos esses passos, passamos a discutir a questão da avaliação. Pensamos ser importante uma discussão mais ampla acerca da avaliação, pois ela deve permear todo o processo educativo, não se configurando apenas como uma etapa final. Na seção seguinte, apresentaremos esta discussão. Acesse o Portal Coleção Cadernos da EJA: http://eja.sb2. construnet.com.br/ Este portal, além de apresentar e disponibilizar a Coleção Cadernos de EJA, tem como objetivo possibilitar o diálogo entre os professores da modalidade, apoiando o processo de ensino- aprendizagem desenvolvido por eles no cotidiano da escola. O portal é parte de um convênio estabelecido, por meio do FNDE, entre a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade e a Fundação UNITRABALHO. A palavra-chave dessa coleção é flexibilidade. Ela é uma verdadeira ferramenta do trabalho pedagógico, pois dá liberdade ao professor para decidir o que quer ou não utilizar, em que ordem, com que finalidade. Essa flexibilidade permite que o professor, ao elaborar seu planejamento, insira textos e atividades livremente, enriquecendo seu dia-a-dia na sala de aula e a organização do processo de ensino-aprendizagem. 104 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Atividade de Estudos: 1) Agora que você já acessou o Portal da EJA, retire dele algum planejamento que tenha chamado a atenção do grupo. Façam uma análise crítica dele, apontando os pontos positivos, que vocês utilizariam em uma prática em sala de aula, e os pontos negativos, que vocês procurariam mudar ao adaptá-lo à aula. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Avaliação na EJA Quem procura um dentista ou médico vai em busca de pelo menos duas coisas, um diagnóstico e um remédio para sua dor. Imagine sair do consultório segurando nas mãos, em vez da receita, um boletim: estado geral da sua saúde (bucal): nota 6, e ponto final? Doente nenhum se contentaria com isso, certo? Percebemos que, na maioria das nossas escolas, o que acontece é muito parecido com a situação retratada anteriormente. Será que, quando os alunos recebem apenas uma nota no final de um bimestre, eles não se sentem igualmente insatisfeitos? Se a escola existe para educar, de que vale uma avaliação que só confirma “a doença”, sem identificá-la ou mostrar sua cura? Ainda é importante ressaltar que muitos alunos que estão na EJA foram excluídos da escola justamente por não apresentarem esse “padrão” de qualidade. Os alunos que estão nas salas de aula da EJA, na maioria das vezes, já diagnosticaram muitas de suas dificuldades, sabem o que estão buscando na EJA, então de nada adianta somente afirmamos este diagnóstico. 105 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 Assim como o médico, que ouve o relato de sintomas, examina o doente e analisa radiografias, nós, educadores da EJA, também temos à disposição diversos recursos que podem ajudar a diagnosticar problemas e a propor soluções. É preciso, no entanto, ir além, prescrever o remédio. A avaliação escolar na EJA só faz sentido se tiver o intuito de buscar caminhos para a melhor aprendizagem. Atividade de Estudos: Observe a figura abaixo: Figura 14 - Avaliação Fonte: Dispon[ivel em: <http://4.bp.blogspot.com/_NsMcNdgkalw/TQ47jti6EaI/ AAAAAAAAADE/GxUmAKPFhEI/s1600/tonucci.jpg>. Acesso em: 10 jul. 2011. Com basena sua observação, responda as seguintes questões. 1) Qual a concepção de avaliação que está apresentada na figura? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 106 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Você avalia pelo que o aluno sabe/construiu ou pelo que você deseja que ele responda? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Segundo a sua opinião, que aspectos da aprendizagem devem ser levados em consideração no momento da avaliação? Para responder a questão 3, monte uma pequena tabela com alguns tópicos a serem considerados e os respectivos pesos que cada tópico teria no parecer final da avaliação da aprendizagem alcançada pelo aluno da EJA. Esses aspectos devem ter possibilidade de utilização tanto para uma avaliação qualitativa quanto quantitativa. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 107 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 Podemos afirmar que, na abordagem curricular pretendida na Educação de Adultos, deve ser garantida a implementação de processos avaliativos diferenciados da concepção tradicional de avaliação representada na figura acima, ou seja, processos que realmente sejam adequados às especificidades desta modalidade de ensino, portanto, ao público para o qual se destinam. Nesta perspectiva, não basta elencar novos instrumentos para avaliar alunos jovens e adultos, mas sim propor a superação das concepções tradicionais e alicerçar o currículo como um todo num paradigma emancipatório, que permita diálogo e negociação entre professores e alunos acerca dos objetivos e critérios pedagógicos. De acordo com Luckesi ( 2010, p.85), A avaliação da aprendizagem escolar adquire sentido na mediada em que se articula com o projeto pedagógico e com seu consequente projeto de ensino. A avaliação, tanto no geral quanto no caso específico de aprendizagem, não possui uma finalidade em si; ela subsidia um curso de ação que visa construir um resultado previamente definido. A avaliação passa a ser determinante na construção de um movimento curricular permanente, que aponte não só intervenções necessárias para que os alunos façam elaborações mais complexas dos conhecimentos, mas que reoriente cotidianamente a prática pedagógica. Pautando-se nesses princípios, a avaliação supera seu formato arbitrário, quantitativo e meramente descritivo, para ocupar o espaço da reflexão e negociação. Neste sentido, para o aluno da EJA, a avaliação passa a ser reguladora da aprendizagem, ou seja, a avaliação nutre a intervenção intencional frente ao percurso de aprendizagem vivido, em que cada aluno é parâmetro de si mesmo. Desloca-se, portanto, do final das etapas para a condição de reorganizadora do espaço/tempo, consolidando ações que favoreçam a formação permanente individual e também coletiva. Todas as propostas de atividades que pretendem avaliar os alunos precisam ser acompanhadas de critérios que se pautam principalmente na aprendizagem de determinado conhecimento e que podem ser acompanhados de critérios procedimentais e/ou relacionados a atitudes. Esses critérios precisam ser socializados com os alunos adultos, pois como vamos jogar um “jogo” se não nos mostram as regras? Da mesma forma, o aluno da EJA precisa ser atuante nesse processo, saber em que local se quer chegar e como isso será feito. Nesse contexto, como consequência do uso de critérios de avaliação, aparece a autoavaliação. Uma não se sobrepõe à outra, são ações específicas de investigadores envolvidos diferentemente no processo de ensino-aprendizagem. Para o aluno da EJA, a avaliação passa a ser reguladora da aprendizagem, ou seja, a avaliação nutre a intervenção intencional frente ao percurso de aprendizagem vivido, em que cada aluno é parâmetro de si mesmo. 108 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Se, por um lado, o olhar investigativo do professor estabelece relações mais profundas com seus objetivos pedagógicos, por outro lado o aluno tem seu olhar relacionado às suas intenções iniciais, dialogando num processo de conhecimento e autoconhecimento.Como toda dinâmica escolar se reverte intencionalmente na garantia de avanços de aprendizagens individuais e coletivas, podemos utilizar ferramentas como o portifólio. O portifólio como instrumento de avaliação se refere a uma pasta na qual os alunos arquivam evidências do seu percurso de aprendizagem, com trabalhos produzidos (acompanhados de avaliação, autoavaliação, reestruturação), produção textual de análise deste percurso a partir das intervenções docentes, relatos reflexivos de vivências durante o curso etc. Cada grupo/aluno decide o roteiro pertinente ao seu portfólio. Não existe um portfólio igual ao outro, pois ali estão implícitas identidade e experiências do seu autor. De acordo com Villas Boas (2004), a construção do portifólio torna-se uma atividade agradável para o aluno. Em lugar de ter suas produções isoladas umas das outras e apresentadas ao professor quando ele assim o determina, para serem “corrigidas” e devolvidas ou não quando ele quiser, o aluno conserva uma coleção organizada de suas atividades, de modo que possa perceber sua trajetória, assim como suas necessidades iniciais e como as satisfez ao longo do período do trabalho. (VILLAS BOAS, 2004, p.42) O portifólio também permite ao professor avaliar suas práticas pedagógicas. Através dos trabalhos ali organizados, é possível, por exemplo, observar o quanto as áreas do conhecimento estão integradas, como também o desenvolvimento integral do aluno. Outro ponto importante é que o aluno jovem e adulto percebe que o trabalho escolar lhe pertence, não é apenas algo produzido para o professor. Esse sentimento de pertencimento e responsabilidade pelo seu processo de aprendizagem auxilia no desenvolvimento de sua autonomia. Observe abaixo depoimentos de alunos de EJA sobre o portifólio. Esses alunos participam de um PROGRAMA em uma cidade de Santa Catarina, o PROEJA, que utiliza o portifólio como um instrumento de avaliação. “Eu percebi que melhorei muito. Quando vejo meu portifólio e os trabalhos que venho fazendo ao longo desses dias, percebi melhora, mas ainda tenho muita dificuldade em Português e Física.” (R.S., 36 anos) 109 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 “Bom, olhando para o meu portifólio, eu vi que ele oferece a mim uma oportunidade de melhorar o meu desempenho na forma de reestruturação.” (S.S., 45 anos) “Olhando meu portifólio, vejo o quanto eu já aprendi e melhorei durante estesemestre. Eu aprendi a reestruturar, a colocar em ordem e a usar ele como um livro de pesquisa. Porque nele eu encontro todo o conteúdo que eu aprendi até agora, e o que eu ainda tenho para aprender.” (F.S. , 48 anos) “Procuro olhar meu portifólio como se fosse um arquivo, nele consigo reconhecer meus erros, ver se compreendo o conteúdo ou não, e na maioria dos meus textos percebo que posso fazer além.” (V.F.S., 21 anos) “No meu ponto de vista, o portifólio é muito importante para o nosso aprendizado. Através dele, podemos nos autoavaliar, ver os trabalhos que já foram feitos e nem lembrávamos mais. Através dele, posso ver se estou evoluindo nas matérias, nos trabalhos, na escrita.” (R. B. F., 27 anos) Fonte: material levantado pelos autores. Na EJA, também é necessário garantirmos em sala constantes momentos de diálogo sobre os processos educativos. Estes momentos podem ser feitos através de plenárias, assembleias, reuniões, o importante é criar espaços que visem propiciar um diálogo aberto acerca das aprendizagens individuais e coletivas. Espaços em que alunos e professores reflitam, discutam e avaliem os aspectos da prática pedagógica, a fim de traçar novas perspectivas e encaminhamentos para as etapas seguintes. A seguir, apresentamos um material de pesquisa sobre a utilização de alguns instrumentos de avaliação. Esse material foi publicado na Revista Nova Escola em novembro de 2001 (NOVA ESCOLA, 2001). O importante é criar espaços que visem propiciar um diálogo aberto acerca das aprendizagens individuais e coletivas. Espaços em que alunos e professores reflitam, discutam e avaliem os aspectos da prática pedagógica, a fim de traçar novas perspectivas e encaminhamentos para as etapas seguintes. 110 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Algumas estratégias de Avaliação : vantagens e desvantagens Prova objetiva Definição Série de perguntas diretas, para respostas curtas, com ape-nas uma solução possível. Função Avaliar quanto o aluno apreendeu sobre dados singulares e específicos do conteúdo. Vantagens É familiar às crianças, simples de preparar e de responder e pode abranger grande parte do exposto em sala de aula. Atenção Pode ser respondida ao acaso ou de memória e sua análise não permite constatar quanto o aluno adquiriu de conheci- mento. Planejamento Selecione os conteúdos para elaborar as questões e faça as chaves de correção; elabore as instruções sobre a maneira adequada de responder às perguntas. Análise Defina o valor de cada questão e multiplique-o pelo número de respostas corretas. como utilizar as infor- mações Liste os conteúdos que os alunos precisam memorizar; ensine estratégias que facilitem associações, como listas agrupadas por ideias, relações com elementos gráficos e ligações com conteúdos já assimilados. Prova dissertativa Definição Série de perguntas que exijam capacidade de estabelecer relações, resumir, analisar e julgar. Função Verificar a capacidade de analisar o problema central, ab-strair fatos, formular ideias e redigi-las. Vantagens O aluno tem liberdade para expor os pensamentos, mostran-do habilidades de organização, interpretação e expressão. Atenção Não mede o domínio do conhecimento, cobre amostra pequena do conteúdo e não permite amostragem. Planejamento Elabore poucas questões e dê tempo suficiente para que os alunos possam pensar e sistematizar seus pensamentos. Análise Defina o valor de cada pergunta e atribua pesos à clareza das ideias, para a capacidade de argumentação e conclusão e à apresentação da prova. Como utilizar as infor- mações Se o desempenho não for satisfatório, crie experiências e motivações que permitam ao aluno chegar à formação dos conceitos mais importantes. Seminário Definição Exposição oral para um público leigo, utilizando a fala e ma-teriais de apoio adequados ao assunto. Função Possibilitar a transmissão verbal das informações pesquisa-das de forma eficaz. 111 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 Vantagens Contribui para a aprendizagem do ouvinte e do expositor, ex- ige pesquisa, planejamento e organização das informações; desenvolve a oralidade em público. Atenção Conheça as características pessoais de cada aluno para evitar comparações na apresentação de um tímido ou outro desinibido. Planejamento Ajude na delimitação do tema, forneça bibliografia e fontes de pesquisa, esclareça os procedimentos apropriados de apre- sentação, defina a duração e a data da apresentação, solicite relatório individual de todos os alunos. Análise Atribua pesos à abertura, ao desenvolvimento do tema, aos materiais utilizados e à conclusão. Estimule a classe a fazer perguntas e emitir opiniões. Como utilizar as infor- mações Caso a apresentação não tenha sido satisfatória, planeje ativ- idades específicas que possam auxiliar no desenvolvimento dos objetivos não atingidos. Trabalho em grupo Definição Atividades de natureza diversa (escrita, oral, gráfica, corporal etc) realizadas coletivamente. Função Desenvolver o espírito colaborativo e a socialização. Vantagens Possibilita o trabalho organizado em classes numerosas e a abrangência de diversos conteúdos em caso de escassez de tempo. Atenção Conheça as características pessoais de cada aluno para evitar comparações na apresentação de um tímido ou outro desinibido. Planejamento Proponha uma série de atividades relacionadas ao conteúdo a ser trabalhado, forneça fontes de pesquisa, ensine os pro- cedimentos necessários e indique os materiais básicos para a consecução dos objetivos. Análise Observe se houve participação de todos e colaboração entre os colegas, atribua valores às diversas etapas do processo e ao produto final. Como utilizar as infor- mações Em caso de haver problemas de socialização, organize jogos e atividades em que a colaboração seja o elemento principal. Debate Definição Discussão em que os alunos expõem seus pontos de vista a respeito de assunto polêmico. Função Aprender a defender uma opinião fundamentando-a em argu-mentos convincentes. Vantagens Desenvolve a habilidade de argumentação e a oralidade; faz com que o aluno aprenda a escutar com um propósito. Atenção Como mediador, dê chance de participação a todos e não tente apontar vencedores, pois em um debate deve-se pri- orizar o fluxo de informações entre as pessoas. 112 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Planejamento Defina o tema, oriente a pesquisa prévia, combine com os alunos o tempo, as regras e os procedimentos; mostre exemplos de bons debates. No final, peça relatórios que con- tenham os pontos discutidos. Se possível, filme a discussão para análise posterior. Análise Estabeleça pesos para a pertinência da intervenção, a ade- quação do uso da palavra e a obediência às regras combina- das. Como utilizar as infor- mações Crie outros debates em grupos menores; analise o filme e aponte as deficiências e os momentos positivos. Relatório Individual Definição Texto produzido pelo aluno depois de atividades práticas ou projetos temáticos. Função Averiguar se o aluno adquiriu conhecimento e se conhece estruturas de texto. Vantagens É possível avaliar o real nível de apreensão de conteúdos depois de atividades coletivas ou individuais. Atenção Evite julgar a opinião do aluno. Planejamento Defina o tema e oriente a turma sobre a estrutura apropriada (introdução, desenvolvimento, conclusão e outros itens que julgar necessários, dependendo da extensão do trabalho); o melhor modo de apresentação e o tamanho aproximado. Análise Estabeleça pesos para cada item que for avaliado (estrutura do texto, gramática, apresentação). Como utilizar as infor- mações Só se aprende a escrever escrevendo. Caso algum aluno apresente dificuldade em itens essenciais, crie atividades específicas, indique bons livros e solicite mais trabalhos escritos. Autoavaliação Definição Análise oral ou por escrito, em formato livre, que o aluno faz do próprio processode aprendizagem. Função Fazer o aluno adquirir capacidade de analisar suas aptidões e atitudes, pontos fortes e fracos. Vantagens O aluno torna-se sujeito do processo de aprendizagem, adquire responsabilidade sobre ele, aprende a enfrentar limitações e a aperfeiçoar potencialidades. Atenção O aluno só se abrirá se sentir que há um clima de confiança entre o professor e ele e que esse instrumento será usado para ajudá-lo a aprender. Planejamento Forneça ao aluno um roteiro de autoavaliação, definindo as áreas sobre as quais você gostaria que ele discorresse; liste habilidades e comportamentos e peça para ele indicar aquelas em que se considera apto e aquelas em que precisa de reforço. Análise Use esse documento ou depoimento como uma das princi-pais fontes para o planejamento dos próximos conteúdos. 113 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 Como utilizar as infor- mações Ao tomar conhecimento das necessidades do aluno, sugira atividades individuais ou em grupo para ajudá-lo a superar as dificuldades. Observação Definição Análise do desempenho do aluno em fatos do cotidiano esco-lar ou em situações planejadas. Função Seguir o desenvolvimento do aluno e ter informações sobre as áreas afetiva, cognitiva e psicomotora. Vantagens Perceber como o aluno constrói o conhecimento, seguindo de perto todos os passos desse processo. Atenção Faça anotações no momento em que ocorre o fato; evite gen- eralizações e julgamentos subjetivos; considere somente os dados fundamentais no processo de aprendizagem. Planejamento Elabore uma ficha organizada (check-list, escalas de classi- ficação) prevendo atitudes, habilidades e competências que serão observadas. Isso vai auxiliar na percepção global da turma e na interpretação dos dados. Análise Compare as anotações do início do ano com os dados mais recentes para perceber o que o aluno já realiza com autono- mia e o que ainda precisa de acompanhamento. Como utilizar as infor- mações Esse instrumento serve como uma lupa sobre o processo de desenvolvimento do aluno e permite a elaboração de inter- venções específicas para cada caso. Fonte: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/planejamento-e-avaliacao/ avaliacao/avaliacao-nota-10-424569.shtml>. Acesso em: 10 jul. 2011. Atividade de Estudos: Agora que já abordamos todas as etapas do Planejamento, vamos utilizá-las para planejar um dia de aula a partir das seguintes características: Uma turma de EJA composta de 20 alunos, com a qual você iniciará um determinado conteúdo (dentro de sua área de formação), em um dia cuja carga horária é de 4 horas-aula. Procure expor no planejamento, o local, a faixa etária, o nível de ensino e outros aspectos que você achar relevante para definir bem os integrantes da turma. 114 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Procure demonstrar as maneiras que você utilizará para identificar os conceitos espontâneos do grupo. Também explicite como você fará para contextualizar o assunto, quais os objetivos que deseja atingir e quais competências espera que os alunos desenvolvam a partir da aprendizagem de tal conteúdo. Deixe claros os procedimentos metodológicos e recursos que utilizará e de que forma irá avaliar a aprendizagem. 1) A seguir, sugerimos um exemplo de formatação para o seu planejamento, mas você pode criar a sua maneira pessoal de registro. Não esqueça dos pontos a serem contemplados, conforme discutimos nesse capítulo. Turma: ______________________________________________ Nível Ensino: _________________________________________ Professor/Disciplina: ___________________________________ Contextualização: _____________________________________ Contextualização: _____________________________________ Contextualização: Objetivos de ensino Competências que se espera que os alunos alcancem Conteúdo Estratégias/Procedimentos Avaliação Referências Bibliográficas A Formação Continuada do Professor da EJA A formação continuada do professor da EJA vem assumindo posição de destaque nas discussões relativas às políticas públicas. É uma preocupação que 115 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 se evidencia nas reformas que vêm ocorrendo, bem como nas investigações e nas implementações que vêm sendo feitas nas políticas de formação docente, nas publicações da área e nos debates acerca da formação inicial e continuada dos professores. Por exemplo, no ano de 2010, em nosso Estado, duas instituições federais, a Universidade Federal de Santa Catarina e o Instituto Federal de Santa Catarina, em parceria com a Universidade Aberta do Brasil, ofertaram um curso de extensão para professores que atuavam na EJA. Ofertado na modalidade a distância, os cursos apresentavam como objetivos formar professores e profissionais da educação no sentido de compreenderem os saberes e as estratégias metodológicas da EJA, assim como os temas da diversidade, para introduzi-los transversalmente na prática pedagógica na escola. Neste contexto, Perrenoud (2000) propõe uma grande família de competências que está relacionada à capacidade que o docente deve ter de administrar sua própria formação contínua. O autor destaca que essa é uma das competências profissionais a ser desenvolvida como prioridade, uma vez que, “ela condiciona a atualização e o desenvolvimento de todas as outras.” (PERRENOUD, 2000, p. 155) Ainda nesse contexto, o autor destaca que, apesar da educação mudar lentamente, ela demanda uma renovação na ação docente, uma vez que lidamos diariamente com situações inéditas, com sujeitos diferentes, marcados por uma história de vida, por um contexto. Assim, a formação continuada demanda do professor uma “renovação, um desenvolvimento de competências adquiridas em formação inicial e, às vezes, a construção de competências inteiramente novas” (PERRENOUD, 2000, p.158). Na EJA, é importante garantir, na formação contínua, o exercício da retomada das dimensões da formação inicial, pois quando o educador da EJA lida com jovens e adultos que vivenciam diferentes contextos sociais, apresentam diversos níveis intelectuais, que são carregados de conhecimentos empíricos, o que com certeza desenvolve novos paradigmas no fazer pedagógico. Entretanto, Perronoud (2000) salienta que administrar a formação contínua é bem mais do que saber escolher um curso em um catálogo. O autor apresenta cinco componentes principais que envolvem essa competência, que são: • Saber explicitar as próprias práticas. • Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua. Apesar da educação mudar lentamente, ela demanda uma renovação na ação docente, uma vez que lidamos diariamente com situações inéditas, com sujeitos diferentes, marcados por uma história de vida, por um contexto. 116 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA • Negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe, escola, rede). • Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino ou de sistema educativo. • Acolher a formação dos colegas e participar dela. Desse modo, podemos perceber que um dos desafios do professor da EJA em administrar sua formação contínua é estar sempre associando essa formação ao processo de melhoria das práticas pedagógicas desenvolvidas em sua rotina de trabalho, em seu cotidiano escolar com os jovens e adultos. Atividade de Estudos: Você já parou para refletir sobre como tem administrado sua formação? 1) Você se considera preparado para estar em uma sala de aula atuando como Educador? Por quê? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Que ações você tem feito, nos últimos dois anos, para aprimorar sua prática? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 117 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Cite um exemplo de alguma ação nova que você tenha aprendido em sua formação, ou mesmo nesta especialização, e que tenha colocado em prática no seu trabalho como professor. Faça um balanço relatando os pontos positivos e negativos desta experiência. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 4) Você tem planejado a sua formação contínua? De que forma? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 118 DIDÁTICA DO EDUCADOR DA EJA Algumas Considerações Neste capítulo, procuramos caracterizar as competências do Educador da EJA, na perspectiva de Perrenoud, bem como compreender questões relacionadas ao planejamento e avaliação nessa modalidade de ensino. Ainda nesse contexto, discutimos a importância da formação contínua do educador que atua na EJA. Ao discutirmos questões referentes ao planejamento na EJA, vimos que é essencial diagnosticar, levantar dados, conhecer a realidade em que nossos alunos estão inseridos. É importante lembrar que cada sujeito que vem para EJA possui uma motivação intrínseca, que parte do seu propósito pessoal de atingir determinados objetivos. Conhecer essa motivação e garantir um planejamento que a contemple fará muito mais sentido para o aluno da EJA e apresentará maiores possibilidades de ser um processo educativo de sucesso. Nesse mesmo contexto, a avaliação assume um caráter processual, sendo parte do processo que orienta e reorienta cotidianamente nosso planejamento. O planejamento na EJA é uma ação política, cultural, social, desencadeada no direito ao saber, e tem como objetivo garantir que todos os alunos, aprendam e participem do processo. Um grande desafio do educador da EJA é administrar seu processo de formação contínua, buscando desenvolver processos educacionais capazes de respeitar as diferenças de cada sujeito e de “integrá-las” em uma unidade que não as anule, mas que ative o potencial de cada um no seu envolvimento com o processo. Referências BRASIL, MEC - Ministério de Educação e Cultura. Parecer CNE/CEB 11/2000 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação de jovens e adultos. Brasília, 2000. CUNHA, M.I.. A docência como ação complexa. In: CUNHA M.I. (Org.) Trajetórias e lugares de docência universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional. Araraquara, SP: Junqueira & Marin, Brasília DF: CAPES: CNPq, 2008. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. ______, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 119 A Docência na Educação de Jovens e Adultos Capítulo 4 LAFFIN, M.H. 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