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TCC A REALIDADE PRISIONAL FEMININA NO BRASIL

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A REALIDADE PRISIONAL FEMININA NO BRASIL,
A realidade das mulheres no Sistema Penitenciário Brasileiro
RESUMO: O presente trabalho é proposto visando a discussão da realidade das mulheres que são encontradas nos presídios brasileiros, analisando os diferentes perfis destas mulheres e o modo como o sistema penitenciário as trata, especialmente em relação às peculiaridades do ser mulher, gênero caracterizado pela maternidade, menstruação e marcado pela sua luta contra o machismo e pela igualdade de gênero. Pretende-se discorrer sobre as condições das penitenciárias, destacando-se o perfil das mulheres encarceradas, dentre fatores sociais, familiares e raciais, bem como as particularidades que às levaram ao mundo do crime. Através da analise do perfil destas mulheres, busca-se entender quais as mudanças necessárias no sistema penitenciário brasileiro, se há uma verdadeira aplicação da legislação e respeito aos princípios constitucionais dentro dos presídios, e como o machismo da sociedade ainda se encontra presente até mesmo nos modelos dos presídios brasileiros. Este estudo foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, envolvendo a leitura, fichamento e analise crítica de material bibliográfico bem como diversos dados estatísticos disponíveis na internet
PALAVRAS-CHAVE: Mulheres, Presídios, Sistema Penitenciário Brasileiro, Machismo, Penitenciária
Introdução
No Brasil e no mundo, a maior parte da população é feminina. Entretanto, mulheres do mundo todo continuam sendo objetificadas, comercializadas, escravizadas e abusadas diariamente. A luta contra o machismo, em busca da igualdade de gênero, começou a surtir resultados bem recentemente, e está apenas no começo. Mulheres garantiram seu direito ao voto, ao trabalho, mas ainda lutam para serem reconhecidas, para receberem o salário justo por seu trabalho, para serem respeitadas, entre tantas outras coisas, e grande parte da luta está em discutir e divulgar as diferenças de tratamento e as consequências desta situação.
Um grande exemplo está no sistema prisional brasileiro, que genericamente já possui diversos problemas, mas quando o foco se fecha em torno do tratamento dado às mulheres que se encontram nestes locais, os problemas se agravam.
Mulheres e homens são biologicamente diferentes, e foi com base nestas diferenças que mulheres foram diminuídas e tratadas como inferiores durante tantos séculos. Em uma época onde a força física determinava o poder, ter líderes masculinos até fazia sentido, entretanto, com as mudanças na sociedade, onde fatores como inteligência e habilidades interpessoais formam os grandes líderes, as mulheres estão no mesmo patamar que os homens e tem toda a capacidade de liderar, como têm demonstrado.
Entretanto, as diferenças biológicas continuam presentes e ao fazerem parte da vida de uma mulher, fazem com que elas tenham necessidades diferentes, necessidades essas que não estão sendo respeitadas no sistema carcerário, fazendo com que mulheres percam sua dignidade, sem o básico de higiene ou respeito às suas necessidades básicas. Quando o assunto é maternidade a situação piora ainda mais, afinal, não se trata apenas de uma situação onde mulheres não são respeitadas, mas também muitas vezes terceiros utilizam da maternidade para induzir ao mundo do crime e ameaçar essas mulheres.
Por estes motivos, é extremamente necessário analisar de perto a situação em que essas mulheres se encontram e buscar uma mudança significativa, analisar se há uma verdadeira aplicação dos princípios constitucionais e da legislação que garante diversos direitos às mulheres dentro e fora das prisões. É em busca deste objetivo que este trabalho se constrói, na busca de bibliografia e dados estatísticos, relatos de histórias reais, analisados criticamente para encontrar e divulgar a realidade destas pessoas.
1. Machismo no sistema carcerário feminino do Brasil
O machismo é um tema que está sendo muito debatido e é, ainda, muito presente na nossa sociedade contemporânea. Este elemento não deixa de aparecer no sistema carcerário feminino no Brasil; além disso, pode até ser considerado o lugar em que o machismo mais se faz presente e é mais grave, como veremos a seguir.
Inicialmente, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), em seu artigo 27, § 2º, diz que, em presídios femininos só se permitirá trabalho de pessoal do sexo feminino. No entanto, diversas mulheres que estão presas na prisão do Bom Pastor, em Recife, alegaram, em uma pesquisa feita pelo Human Rights Watch, que foram assediadas verbal ou fisicamente por um agente penitenciário do sexo masculino.
Essa Lei define, também, que homens e mulheres devem estar separados em estabelecimentos carcerários femininos e masculinos. Todavia, não foi sempre assim. A primeira prisão feminina do Brasil, Madre Pelletier, foi construída em 1937, em Porto Alegre. Até este momento, as mulheres eram obrigadas a serem encarceradas juntamente com outros homens. Nestas situações, muitas delas foram estupradas e sujeitas à situação de prostituição.
Segundo os dados de 2014 do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), 75% das prisões no Brasil são exclusivamente masculinas; 17% são mistas e somente 7% são direcionadas puramente à mulheres. Este é um grande problema em dois sentidos: de acordo com o DEPAN, a quantidade de mulheres que foram encarceradas em 10 anos (entre 2000 e 2010) aumentou em 261%, e a quantidade de homens teve aumento de 106%; ou seja, quase o triplo de mulheres em relação aos homens. O outro lado, portanto, é que, com essa superlotação de mulheres no sistema carcerário, faltará espaço para estas nos presídios femininos, e estas serão forçadas a se instalarem nos presídios mistos, onde, como já se sabe, muito provavelmente se tornarão vítimas de abusos sexuais, verbais e morais.
O machismo no sistema penitenciário já se faz presente no momento em que a mulher é presa; em casos de flagrante, a mulher deve ser acompanhada à delegacia por policiais mulheres, e não homens. Isso, muitas vezes, não acontece, e as mulheres são dirigidas até lá acompanhadas somente por homens, o que pode tornar a situação desconfortável e até intimidante. Segundo a pesquisadora Bruna Angotti, muitas mulheres só terão contato com outras mulheres já na penitenciária.
Conforme Irmã Michael Nolan, presidente do Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) e membro da Pastoral Carcerária, não há condições de ser realizada uma ressocialização e reintegração nas condições em que essas mulheres vivem nos presídios; o machismo é um dos grandes desafios do sistema carcerário, e, para a Irmã, a lógica deste é opressora e patriarcal.
1.1 Agressão das mulheres no sistema carcerário
Segundo dados, no Rio de Janeiro, apenas 4,7% das mulheres que chegam à prisão não tem nenhum histórico anterior de violência, agressão ou vitimização. Além disso, 95% dessas mulheres já sofreram violência ou quando era crianças, por parte dos responsáveis; ou quando adultas, por parte dos companheiros; ou, ainda, quando foram presas, por parte dos policiais.
Dentro das prisões, o cenário não se faz diferente. Ainda no estado do Rio de Janeiro, 68% das mulheres mantidas no Presídio Nelson Hungria admitiram ter sofrido maus-tratos por parte dos policiais; entre estes maus-tratos constam: espancamento, choques elétricos, abusos sexuais, ameaças de morte, suborno e até afogamento.
Além das agressões por parte dos policiais e agentes penitenciários, a partir dos conflitos internos entre as presas, muitas já foram violentadas ou violentaram outras mulheres dentro do sistema carcerário. Essas agressões podem ser físicas ou por meio de ameaças.
Infelizmente, apesar de ilícita, essas práticas violentas e agressivas dos policiais ocorrem diariamente, em todos os presídios, delegacias e ocorrências do país.
2. Os problemas enfrentados por mulheres no cárcere
2.1 Higiene
O sistema penitenciário brasileiro, em relação às mulheres, ainda é demasiadamente precário no que diz respeito às condições de higiene, seja pessoalou do local. Assim, não é cumprida a Lei 7.210 de Execução Penal, isto é, a promessa de garantir um tratamento decente e humanizado para os detentos como constado em tal instituto.
Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.
Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
§ 1º (Vetado).§ 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.
§ 3o Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.
Nana Queiroz, jornalista, escreveu o livro “Presos que Menstruam” que, entrando na exceção da mídia, trata do assunto até então comentado de maneira insuficiente pelos jornais, livros e pesquisas, tendo em vista que a maior atenção vai para os presídios voltados para o público masculino. Assim, ela realiza uma análise do sistema carcerário feminino durante quatro anos, revelando a verdade daquilo que pôde observar de perto.
Na obra, a autora diz que as prisões femininas são consideradas verdadeiros tabus, por serem de difícil localização em pesquisas e não constarem nos interesses para discussão da grande maioria das pessoas que possuem uma imagem formada das mulheres em seus ideais. As presas são tratadas como homens e, assim sendo, não levam em consideração as suas necessidades e particularidades do sexo feminino, independente de seus direitos humanos. Como exemplo, durante seu trabalho, Nana, ao falar com as mulheres detidas, vislumbra a falta de cuidado com coisas básicas, como por exemplo, o absorvente. Na falta dele, as detentas, em casos extremos, têm de usar restos de miolo de pão como substituto para o produto primordial que lhes falta. E, em alguns casos, os itens de higiene são pessoais, dependendo dos familiares para providenciar e levar ao presídio.
Contudo, ressalta-se que, ao serem presas, grande parte dos familiares as abandonam e, consequentemente, elas acabam ficando sem esses itens básicos. Isto ocorre de forma diversa aos homens, porque estes contam com as visitas e não o abandono, devido uma visão machista de que mulheres não podem ser presas. Logo, as mulheres devem guardar jornais para usar de papel higiênico, por exemplo, pois não fornecem o necessário às duas idas ao banheiro (diferente dos homens, o sexo feminino precisa de mais papel até mesmo por questões biológicas). Além disso, os utensílios podem ser vistos como moeda de troca nas penitenciárias, pois, não havendo outros meios de consegui-los, realizam-se permutas de acordo com um
“valor” imposto pelas próprias presas. Produtos utilizados para vaidade, como tintas de cabelo e shampoo, tem maior valoração e são trocados por serviços de faxina e de cabelereiro realizados por elas dentro das áreas do presídio.
“O poder público simplesmente ignora o fato de estar lidando com mulher e suas necessidades e oferece o mesmo “pacote” do masculino, sem acesso a saúde e nenhum cuidado com higiene. Tem se discutido muitos sobre o tipo de vida que essas mulheres estão levando, não há cuidado algum com a menstruação (muitas usam miolo de pão como absorvente), com a maternidade, entre outras especificidades femininas.” (1)
E, ainda mais grave, é realizar que o próprio Estado ignora as mulheres nessa realidade, não oferecendo as condições básicas para seu cotidiano. Quanto ao ambiente, os cuidados com o local não são dos mais dignos: são lugares sujos, com problemas nas instalações e falta de alimentação de qualidade mínima para a nutrição completa de um ser humano. Tudo isso acarreta no comprometimento da saúde das pessoas que são obrigadas a viver dentro de tais localizações.
Ainda falando sobre o cotidiano, acabam tendo que dormir no chão, revezando as camas para esticar as pernas devido a superlotação, problema presente na grande maioria dos lugares destinados à reclusão de pessoas do país, tanto masculinos como femininos. Além disso, não possuem privacidade nem na hora de suas intimidades ou necessidades fisiológicas, pois os banheiros não têm portas, ou não são em quantidade adequada para atender as necessidades de todos os que lá estão, e as descargas são falhas, contaminando todo o recinto com o cheiro, somado à falta de limpeza periódica.
No livro Prisioneiras, do médico Dráuzio Varella, é possível contemplar o relato de sua experiência como médico voluntário na penitenciária feminina de segurança máxima do Estado de São Paulo. O médico apresenta comparações entre o feminino e o masculino, com o qual também voluntariou, e, em determinada parte do livro, diz que as mulheres apresentam muito mais problemas relacionados à saúde do que os homens. Utiliza-se, então, esse relato para mostrar como o descaso com a higiene das mulheres presas caminha em total divergência com o que é garantido na lei como direito e fere a fundamental dignidade humana.
“Os problemas de saúde eram muito diferentes daqueles que eu havia enfrentado nas prisões masculinas. Em vez das feridas mal cicatrizadas, sarna, furúnculos, tuberculose, micoses e as infecções respiratórias dos homens, elas se queixavam de cefaleia, dores na coluna, depressão, crises de pânico, afecções ginecológicas, acne, obesidade, irregularidades menstruais, hipertensão arterial, diabetes, suspeita de gravidez. Afastado da ginecologia desde os tempos de estudante, eu não estava à altura daquelas necessidades.” (2)
Tais diferenças entre as enfermidades enfrentadas por homens e mulheres são explicadas pelas desigualdades claras entre o funcionamento dos corpos de ambos, tanto no âmbito físico quanto no psicológico. Elas se evidenciam claramente no texto de relato do Doutor Dráuzio em seu livro, que viu de perto tais discrepâncias.
Portanto, o que é prometido pelas leis e direitos humanos, algo que parece banal para todos, não é vista da mesma forma pelos que vivem a realidade atrás das grades. Assim, deve ser analisada e revista por todos, inclusive o Estado, para que permita melhores condições, e sem luxo, mas humanitária dessas pessoas.
2.2 Maternidade
Quanto ao tratamento relacionado à maternidade, uma situação comum para todas mulheres que sempre tem um hospital a seu alcance, atrás das celas não é bem assim. Relatos e pesquisas afirmam que, nem aposentos e nem médicos estão sempre disponíveis para atender às mães e, mais raros ainda, são os casos em que podem ser levadas à hospitais para serem atendidas. Sendo assim, ocorrem partos em acomodações inadequadas. E os bebês, enquanto no direito da amamentação, dormem com as mães até mesmo no chão, em condições de precariedade.
Tanto as mães como os bebês enfrentam sérias consequências devido às condições da gravidez na prisão. Os altos índices de estresse e os inúmeros casos de depressão afetam a mulher de forma direta e levam para os bebês que ainda se encontram na barriga esses fatores. As mudanças hormonais que acontecem com qualquer gestante tomam uma dimensão ainda maior do ponto de vista negativo entre as detentas, já que são somadas aos problemas antes mencionados e à alimentação carente em nutrientes de suma importância para o desenvolvimento do feto. Isso aumenta de maneira considerável as chances de desenvolvimento de depressão pós-parto, comprovadamente mais frequentes entre mulheres presas do que em mulheres em situação de liberdade.
“[...] o ato de gerar um filho neste período poderá́ acarretar efeitos adversos na gravidez e, consequentemente, à criança que está sendo gerada. Deve-se considerar que a gestação gera diversas alterações biopsicossociais na vida da mulher, aumentando a probabilidade de haver prejuízosem virtude do aprisionamento. Parte-se do pressuposto que a maternidade envolve a gestação, o parto e o vinculo estabelecido entre a mãe e o bebê, e o próprio contexto em que a gestante está vivendo, dentre tantos outros fatores.” (3)
Disposto no art. 41, inciso X, da Lei 7.210, os presos têm o direito à visita íntima. Contudo, na realidade, nem sempre esse direito ocorre da maneira como deveria. São poucos locais que permitem as visitas e, dependendo do presídio, possui de forma divergente do instituto. E isso envolve o psicológico da pessoa, porque as mulheres necessitam dessa exigência para a manutenção dos laços afetivos, seja com o esposo ou como com filhos.
As mulheres grávidas, em sua grande parte, não adquirem essa gravidez como produto dessas visitas íntimas. Segundo dados, no Brasil, as mulheres recebem muito menos visitas desse tipo ou da forma convencional do que os homens. Isso se deve ao fato de elas serem, em várias ocasiões, completamente abandonadas pelos familiares e amigos quando entram em situação de privação de liberdade. A maior parte delas, na realidade, já chega às penitenciárias gestando. Isso se deve ao fato de terem consciência das condições precárias e não desejarem ter filhos dentro da cadeia.
Durante os 9 meses de gestação, as mulheres apresentam o direito garantido por lei de receberem exames pré-natais, assim como o auxílio médico. Contudo, na prática, muitas vezes são fornecidas às gestantes apenas um exame, quando oferecido.
No momento do parto, as parturientes nem sempre são levadas ao hospital. E, em vários casos, devem se manter presas à cama o tempo todo por algemas durante o procedimento. Assim, acabam por ter o filho dentro das celas, ou nos banheiros que, somado a possibilidade de contrair doenças, não é seguro aos dois devido às extremamente precárias condições de higiene. A grande maioria dos presídios não obedece a lei que determina a existência de lugares específicos para as recém tornadas mães e os seus bebês em período de amamentação. As crianças acabam ficam junto das progenitoras alojados dentro das celas superlotadas, no chão sujo.
A maternidade, visto como um grande fato da vida para as mulheres, não pode ser contemplada de tal forma. Devido as circunstâncias precárias e os maus tratos, elas devem apenas aceitar a situação, pois não há outra opção. Entretanto, deveria ser possibilitada uma gravidez saudável (com exames regulares, e tratamento preciso) e permitido aos filhos um crescimento adequado durante o período que as mães possuem o direito de estar com o bebê, para amamentação e estreitamento de laços. Ou seja, não é uma questão de luxo é um atendimento às necessidades humanas.
3. O perfil do cárcere feminino brasileiro
3.1 Quanto aos delitos cometidos
Mulheres no mundo criminoso estão presentes há muito tempo, porém em menor quantidade do cotidiano. Em 15 anos o número das mulheres privadas de liberdade, no Brasil, cresceu assustadoramente 567%, de acordo com os dados da Infopen Mulheres. Mesmo com o crescimento abrupto essas mulheres representam somente 6,4% da população geral carcerária do Brasil. O cárcere feminino dentro da nação com este aumento numeroso começa a ter mais visibilidade, mas mesmo assim não possuindo toda a ajuda necessária.
Não pode negar-se que as mulheres levadas ao cárcere são vulneráveis pelo simples fato de serem do sexo feminino. Adiciona-se a essa questão a vulnerabilidade dada por participarem da população carcerária, assim estão expostas de forma intersecional à reprovação moral, em que as consequências recaem de maneira mais pesada.
Por meio dos dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2014 mais de 60% da população feminina carcerária foi detida por conta dos delitos relacionados ao tráfico. Pesquisas relacionada a esse grande número revelam que não é a somente a situação econômica que leva às mulheres entrarem nessa rede de tráfico, mas também por diversos fatores como relacionamentos afetivos. Desta maneira há grandeza de poder em relação às outras mulheres e equiparam-se aos homens, ou seja, são levadas também pelo poder e status.
Outros delitos são em menores decorrências. O delito do roubo é quase 10%; homicídio é menor de 10%; furto igual os dois anteriores; desarmamento, latrocínio, receptação e quadrilha são todos menores de 5%. Com esses dados a imagem da mulher que cometia somente delitos passionais ou de maternidade (aborto e infanticídio) é quebrada diante dos dados.
3.2 Quanto à faixa etária
Os números, influenciados pela quantidade populacional em cada faixa, são aproximadamente equivalentes e proporcionais a esta influência. As carcerárias se concentram entre 18 a 29 anos (50%), tendo assim mais juventude dentro das prisões brasileiras, mesmo tendo 21% da população brasileira na faixa etária contido dentro da juventude. A idade mais presente nos cárceres femininos se relaciona também com o período mais economicamente ativo da vida.
Há 27% do cárcere feminino brasileiro com idade entre 18 a 24 anos. Os 23% estão presentes nas idades entre 25 a 29 anos; 18% está entre 30 a 34 anos; 21% está dentro dos 35 a 45 (10 anos de amplitude); entre 46 a 60 está 10% (amplitude de 14 anos); com a idade mais avançada está 1% entre 61 a 70; e sem nenhum relato está as idades acima de 71 anos. Os dados são registrados pelo Departamento Penitenciário Nacional/Ministério da Justiça e pelo Infopen, na data de junho de 2014.
3.3 Quanto à raça, etnia e cor
Por meio dos dados encontrados pela Infopen, na mesma data do tópico anterior a raça, etnia e cor possuem um grande destaque ao choque racial, tendo desproporção entre raças e cores gigantesca. Pelos dados pode perceber-se uma predominância da cor negra, com presença de 68% nos cárceres femininos. 31% são as mulheres brancas; amarelas revelam 1% da população; indígenas chegam a quase 1%, mas com grande queda de números.
Os números registrados não mentem que a cada três presidiárias duas são negras, intercepta desta maneira a história da raiz sociocultural brasileira, que mesmo após 120 anos do fim da escravidão a pobreza se concentra da raça negra, e os mesmos buscam meios ilícitos para a vida econômica. A proporção de cada raça muda de acordo com o estado da federação estudado, como por exemplo na Bahia em que 92% do cárcere feminino é negra, e no Ceará, 92%.
3.4 Quanto à escolaridade
Nesta abordagem se torna um choque e uma realidade 50% do cárcere feminino com Ensino Fundamental Incompleto, o que aproxima esse número com o dado masculino que se identifica com 53%. Torna-se inquestionável o baixo grau de escolaridade presente nos cárceres femininos e masculinos. Com o Ensino Fundamental Completo já cai o número para 10%, mas com o Ensino Médio Incompleto sobe para 14%.
11% das presas brasileiras possuem o Ensino Médio Completo; 2% com o Ensino Superior Incompleto; 1% com o Ensino Superior Completo; e 4% são analfabetas. Em comparação aos homens há uma pequena diferença em cada dado, mas muito sensível.
Conclusão
A análise destes dados deixa claro que há uma falha por parte da sociedade em relação à estas mulheres. Sendo a grande maioria mulheres jovens, mães de família, baixa escolaridade. Ademais, estas mulheres não são apenas provenientes de bairros pobres e situações de pobreza, mas também em sua maioria negras, que lidam com o racismo diário de uma sociedade marcada pelo histórico da escravidão, junto ao machismo que perpetua na
sociedade brasileira. O Estado, que deveria promover a igualdade, e outros princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, afinal tem suas ações promovidas por seres humanos, que acabam por impetrar suas pessoalidades em seus trabalhos. Em uma sociedade marcada pelo machismo, pelo racismo e pela desigualdade social, o resultado é um número crescente de mulheres que se encontram em situações degradantes e buscam uma saída no mundo do crime.
Consequentemente, o Estado que deveria agir em prol da ressocialização destas mulheres, acaba por encarcera-las em condições degradantes,tratando-as como meros números ao invés de seres humanos com vidas, famílias e necessidades biológicas.
Fica claro que para fazer com que as normas aplicadas às mulheres que se encontram no sistema penitenciário deixem de ser um meio de criação de um ideal e promovam uma existência que respeite a dignidade da pessoa humana, há uma necessidade de reforma nos presídios femininos para dar efetivo cumprimento aquilo que as normas prescrevem. Entretanto, a reforma não causará grandes resultados se não for aliada a uma busca e reflexão sobre os fatores que levam as mulheres à prisão, afinal “vale a pena investir nestas mulheres porque são seres humanos e é assim que a sociedade democrática deve fazer”(4).
Referências Bibliográficas
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BARCINSK, Mariana. Centralidade de gênero no processo de construção da identidade de mulheres envolvidas na rede do tráfico de drogas. Ciênc. Saúde coletiva, [online], 2009.
BASSANI, Laís; LUCAS, Doglas Cesar. Mulheres no cárcere: uma breve análise da situação brasileira. Disponível em <https://www.publicacoeseventos.unijui.edu.br/index.php/salaoconhecimento/article/viewFile/8362/7086&.... Acesso em: 31/10.
BIANCHINI, Alice. Mulheres, tráfico de drogas e sua maior vulnerabilidade: série mulher e crime. Disponível em: <https://professoraalice.jusbrasil.com.br/artigos/121814131/mulheres-trafico-de-drogasesua-maior-vu.... Acesso em: 31/10.
CANINEU, Maria Laura. As ilegalidades nas Prisões Femininas. Disponível em: <http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/03/06/as-ilegalidades-nas-prisoes-femininas/>. Acesso em: 31/10.
CERNEKA, Heidi Ann. Homens que menstruam: considerações acerca do sistema prisional às especificidades da mulher. Belo Horizonte: Veredas do Direito, v. 6, n. 11, 2009.
COSTA, Elaine Cristina Pimentel. Amor bandido: as teias afetivas que envolvem a mulher ao tráfico de drogas. Maceió, EDUFAL, 2008
DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias: Infopen Mulheres, Junho de 2014. Disponível em: <http://www.justiça.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil.... Acesso em: 31/10.
FERNANDES, Waleiska. População carcerária feminina aumentou 567% em 15 anos no Brasil. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80853-populacao-carceraria-feminina-aumentou-567-em-15-anos-no-br.... Acesso em: 31/10.
MELLO, Daniela Canazaro de. A Prisão Feminina: Gravidez e Maternidade – um estudo da realidade de Porto Alegre – RS/Brasil e Lisboa/Portugal. Tese (Doutorado em Direito). Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Faculdade de Direito. – Porto Alegre, Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2014.
PASTORAL CARCERÁRIA. Sistema Penitenciário. Disponível em: <http://carceraria.org.br>. Acesso em: 31/10.
PELOSI, I.; CARDOSO, T. Sistema Penitenciário Feminino Brasileiro. – ETIC - ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - ISSN 21-76-8498, América do Norte, 1123 12 2015.
PONTE JORNALISMO. Ser mulher em um sistema prisional feito por e para homens. Disponível em: <https://ponte.org/ser-mulher-em-um-sistema-prisional-feito-porepara-homens/>. Acesso em: 31/10.
VARELLA, Dráuzio. Prisioneiras. – São Paulo, Companhia das Letras, 2017.
Citações:
(1) PELOSI, I.; CARDOSO, T. Sistema Penitenciário Feminino Brasileiro. – ETIC - ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - ISSN 21-76-8498, América do Norte, 1123 12 2015.
(2) VARELLA, Dráuzio. Prisioneiras. São Paulo, Companhia das Letras, 2017.
(3) MELLO, Daniela Canazaro de. A Prisão Feminina: Gravidez e Maternidade – um estudo da realidade de Porto Alegre – RS/Brasil e Lisboa/Portugal. Tese (Doutorado em Direito). Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Faculdade de Direito. Porto Alegre: Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2014.
(4) CERNEKA, Heidi Ann. Homens que menstruam: considerações acerca do sistema prisional às especificidades da mulher. Belo Horizonte: Veredas do Direito, v. 6, n. 11, 2009, pp. 61-78.
Um dos assuntos de mais destaque atualmente é a crise do sistema carcerário brasileiro e, mais especificamente, as consequências da falta de investimentos na melhoria desse sistema. Tem sido discutido também as políticas de reinserção no mercado de trabalho para que haja diminuição na reincidência criminal. Porém, falta muitas vezes na discussão política o debate sobre a situação das prisões femininas, que se tornou esquecida pelo poder público.
A SUPERLOTAÇÃO DAS CADEIAS
Atualmente, as prisões femininas do Brasil estão superlotadas. No total, as mulheres representam 6,4% da população carcerária do Brasil, que é de aproximadamente 607 mil detentos. A taxa de mulheres presas no país é superior ao crescimento geral da população carcerária, que teve aumento de 119% no mesmo período. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) lança o levantamento nacional de informações penitenciárias com dados do primeiro semestre de 2020. O número total de presos e monitorados eletronicamente do sistema penitenciário brasileiro é de 759.518.
A REALIDADE DAS PRISÕES FEMININAS
Segundo o livro “Presos que Menstruam”, escrito pela jornalista Nana Queiroz após entrevistar cerca de cem presas, os problemas enfrentados por essas mulheres não se limitam aos mencionados acima. As detentas ainda convivem com falta de produtos básicos de higiene (muitas delas precisam utilizar miolo de pão como absorvente interno); violência de agentes penitenciários, nem mesmo gestantes sendo poupadas; comida estragada no refeitório; dificuldade de conseguir uma visita íntima.
A maioria das mulheres encarceradas enfrenta outra angústia: a preocupação com os filhos. Muitas delas são mães solteiras e perdem a guarda de seus filhos enquanto estão na cadeia, sem qualquer audiência ou conhecimento do processo para a destituição do poder familiar. Além disso, é recorrente a falta de acompanhamento médico das gestantes e, como resultado, algumas mulheres acabam dando à luz no próprio sistema prisional, totalmente sem amparo médico.
Além disso, embora exista legislação que garanta aos bebês o direito ao leite materno e à companhia de suas mães durante os primeiros meses de vida, muitos deles são retirados de suas progenitoras um dia após o parto.
Outro fator de extrema importância nesse cenário é que a maioria das prisões femininas não possui a infraestrutura necessária para atender às necessidades femininas, tais como políticas de atendimento psicológico. É preciso lembrar que esses sistemas penitenciários foram na maior parte projetados para atender aos homens, possuindo apenas algumas modificações para atender às mulheres, mas nada muito significativo.
Além disso, as prisões ficam afastadas, o que dificulta ainda mais a locomoção da família e, em alguns casos as visitas só são permitidas em dias de semana.
A GRANDE PROBLEMA AINDA É O TRÁFICO
A causa de prisão da maioria dessas mulheres é o tráfico de drogas (58%). Geralmente, as mulheres entram no tráfico para complementar a renda familiar, ou seja, são mulheres que possuem emprego, mas não conseguem sustentar seus filhos apenas com o que recebem e por isso recorrem ao tráfico. Normalmente, essas mulheres são responsáveis pela coleta de dinheiro e entrega da droga (baixo clero do tráfico).
AS DIFICULDADES DE REINSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO
É possível notar também que a maioria dessas mulheres não possui escolaridade muito alta, fator que dificulta ainda mais a reinserção no mercado de trabalho e aumenta a probabilidade de reincidência.
Leia também: As mulheres e o mercado de trabalho brasileiro 
Mesmo que, segundo a Lei de Execução Penal, o Estado seja obrigado a disponibilizar assistência educacional a pessoas privadas de liberdade, o número de pessoas que participam desses projetos ainda é muito pequeno. Em junho de 2014 existiam 5.703 mulheres em atividades educacionaisformais e complementares (o que equivale a 25,3% do total de mulheres presas). No caso dos homens, essa proporção era ainda menor, somente 13,5%. Se apenas as atividades formais forem consideradas, as proporções caem para 21,4% e 11,5%, respectivamente.
Resumindo, é necessário discutir sobre as prisões femininas em conjunto com outros problemas sociais. Um deles é a necessidade de promover qualidade de ensino universal e profissionalizante para que essas mulheres tenham condições de ingressar no mercado de trabalho e não recorram ao tráfico para complementar a renda. Outro é o planejamento e a implantação de sistemas prisionais que atendam às especificidades femininas e que possam proporcionar uma experiência digna a essas mulheres. Por fim, uma reformulação do modo como se encara o problema das drogas, para que sejam formuladas políticas públicas que diminuam o tráfico e a violência.

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