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57 2.2 Abordagem sistêmica da família A abordagem sistêmica da família tem como pilares fundamentais a Teoria Geral dos Sistemas postulada por Von Bertalanffy, a Cibernética originária das idéias de Wiener, e a Teoria da Comunicação formulada por Bateson. A primeira analisou as correspondências ou isomorfismos entre os sistemas, ou seja, entre o conjunto de elementos em interação. A segunda ocupou-se dos processos de comunicação e controle destes sistemas (Calil, 1987), e a terceira descreveu a interação familiar como um sistema e estudou os diversos níveis de comunicação (Watzlawick, Beavin & Jackson , 1967/1993). As contribuições de uma epistemologia sistêmico-cibernética para a prática da psicoterapia implicam em duas importantes mudanças conceituais no entendimento do processo saúde-doença. O contexto passa a ser um elemento chave para a compreensão dos problemas do ser humano, e a doença, que tradicionalmente era pensada em termos lineares, de causa e efeito, passa a ser considerada segundo o conceito de causalidade circular. Nesta concepção a relação entre quaisquer dos elementos do sistema é bilateral, o que pressupõe uma interação que manifesta-se como seqüência circular. Assim, cada elemento é, ao mesmo tempo, causa e efeito (Calil, 1987). Os sistemas abertos apresentam algumas propriedades fundamentais para a compreensão da organização e funcionamento de uma família. A primeira delas é a idéia de globalidade, ou seja, as partes de um sistema estão relacionadas de tal modo com as demais que uma mudança numa delas provocará uma mudança nas outras e, conseqüentemente, no sistema total. Assim, o todo não é a soma das partes, mas um conjunto coeso, inseparável e interdependente. Da mesma forma, não existem relações unilaterais entre os elementos (Bertalanffy, 1968/1977). 58 A segunda propriedade é a eqüifinalidade, que considera que o equilíbrio não é determinado pelas condições iniciais, pela natureza do processo ou pelos parâmetros do sistema. Significa que os mesmos resultados podem brotar de diferentes origens, e que diferentes resultados podem surgir da mesma causa. Assim, o sistema familiar é a sua própria e melhor explicação, e o estudo da sua organização atual é a metodologia apropriada (Bertalanffy, 1968/1977). Outra propriedade é o conceito de retroalimentação ou feedback. O comportamento de uma pessoa influencia e é influenciado pelos comportamentos dos demais integrantes do grupo. Dessa forma, a retroalimentação (feedback) se baseia na reciprocidade dos fatores causais, num movimento circular, onde cada produto (output) de um sistema é um novo aporte (input) para esse mesmo sistema, com que, inevitavelmente modifica-o e o transforma. Os feedbacks negativos mantêm a homeostase, ou seja, a estabilidade. Os feedbacks positivos respondem pela morfogênese, que é a capacidade do sistema de absorver inputs do meio e mudar sua organização (Calil, 1987). A relação entre os sistemas humanos, segundo Watzlawick, Beavin e Jackson (1967/1993), acontece através da comunicação. Segundo os autores, todo comportamento é comunicação e toda comunicação afeta o comportamento. Qualquer relação entre duas ou mais pessoas perpassa pela comunicação, e ainda que uma delas tente não comunicar, isso é impossível, posto que não existe um não comportamento. Um outro axioma dessa teoria é que uma mensagem não está vinculada somente a uma questão de conteúdo, mas também, à influência que ela exerce na conduta dos indivíduos em interação. Cada ato comunicativo afeta e é afetado por essa troca com o outro e cada participante tem sua própria percepção sobre essa experiência. A constatação de que as pessoas constantemente enviam e recebem uma multiplicidade de mensagens, através de canais verbais e não verbais, e que essas mensagens 59 necessariamente modificam ou capacitam umas as outras, enfatiza o papel dos padrões de interação na definição do relacionamento entre as pessoas. Dessa forma, para viver em família os homens constroem padrões típicos quanto a regras, reações circulares e redundâncias na utilização da linguagem. Com base nesses postulados a abordagem sistêmica compreende a família como um sistema aberto complexo que funciona no interior de contextos sociais específicos. Tem a capacidade de se autogovernar por meio de regras, e oferece resistência a mudanças, mantendo, tanto quanto possível, os seus padrões de interação. Contudo, precisa se reorganizar estruturalmente para adaptar-se às novas demandas do seu processo evolutivo (Goldbeter-Merinfeld, 1997/ 1/1998). O sistema familiar é composto por subsistemas que podem ser desde os indivíduos que a compõem até grupos formados por geração, sexo, interesse ou função. As regras que definem quem participa e como participa de um subsistema são chamadas de fronteiras. A função das fronteiras é de proteger a autonomia do sistema e dos subsistemas, definindo os níveis de proximidade e hierarquia. Sua nitidez dentro de uma família é um instrumento útil para avaliar o funcionamento do sistema. Os subsistemas devem funcionar com suas fronteiras claramente definidas, sem cruzamento entre elas (Nichols & Schwartz, 1995/1998). Quando um sistema familiar apresenta fronteiras interpessoais difusas — muito permeável — ele é denominado aglutinado (fusionado) ou enredado, por proporcionar um alto nível de coesão familiar. Entende-se por coesão o vínculo emocional entre os membros da família que os mantém unidos e emocionalmente conectados um ao outro (Johnson, Cowan & Cowan, 1999). Um nível baixo de coesão familiar demonstra que há uma exagerada rigidez de fronteiras, que se manifesta na forma de apartação ou desligamento (Minuchin, 1974/1982). Silva (2006) aponta que os estudos com famílias 60 clínicas e não clínicas têm mostrado que famílias psicologicamente estressadas têm uma grande tendência a exibir níveis baixos de coesão familiar. Os membros de famílias aglutinadas chocam-se com várias dificuldades relacionadas à intensificação do sentido de pertencimento e à submissão da autonomia. Suas relações interpessoais se caracterizam por uma superabundância de comunicação e por uma preocupação excessiva com as necessidades do próximo. A diferenciação é difusa, as fronteiras individuais são abaladas e o comportamento de um elemento do sistema afeta de imediato todos os outros e tem rápidas repercussões nos sistemas vizinhos. Nessas famílias a capacidade de adaptação à mudança é freqüentemente deficiente, pois a família responde a toda variação com excessiva rapidez e intensidade (Minuchin, 1974/1982). Boszormenyi-Nagy e Spark (1973) salientam que a exigência extrema da lealdade dos filhos por parte dos pais, pode levar a um sentimento de traição que impede os filhos de se separar, sendo o afeto secundarizado face à lealdade. Na família desligada, os indivíduos podem funcionar de forma autônoma, mas com um desproporcional senso de independência. Os sentimentos de lealdade e pertencimento são tão frágeis a ponto das pessoas serem incapazes de se perceberem como interdependentes e de solicitar ajuda quando necessitam. A função de proteção inerente à família é raramente exercida e a comunicação é deficiente. Estas famílias toleram uma ampla gama de variações individuais entre seus membros e as dificuldades tendem a conservar um caráter individual. Esse sistema relacional tende a não reagir aos acontecimentos internos ou externos da vida familiar, mesmo quando uma reação é necessária (Minuchin, 1974/1982). Para esse autor, a expressão mais comum do medo da mudança é a evitação do conflito. As famílias aglutinadas negam as diferenças ou dão constantesalfinetadas, o que permite o extravasamento das emoções sem pressionar para a resolução do conflito. As famílias desligadas fogem do conflito evitando o contato. 61 Segundo Féres-Carneiro (1992) os conflitos podem atuar de forma benigna quando aparecem de maneira explícita e clara na interação familiar e são valorizados positivamente como estímulos ao crescimento do grupo. Para Ackerman (1958/1986) uma conduta inadequada e autodestrutiva nas relações familiares se deve à incapacidade do sistema de conter os efeitos destrutivos do conflito devido a um baixo nível de adaptação do sistema familiar. Esse desequilíbrio emocional favorece o surgimento de sintomas que, para o autor, são o produto da internalização dos conflitos familiares patológicos persistentes. Satir (1964/1980) descreve os sintomas como representantes do estresse suportado pela família na tentativa de corrigir o desequilíbrio causado por ajustes inadequados de adaptação, que ao invés de restaurar a homeostase contribuem para desequilibrar ainda mais o sistema familiar. A autora descreve uma família saudável como aquela que nutre seus membros, permitindo a demonstração de afeto e a expressão de desapontamentos e realizações. Nessa perspectiva, a negação dos impulsos e a supressão dos sentimentos são a raiz dos problemas familiares. Nas famílias disfuncionais o fluxo do seu comportamento é impedido pela emoção não expressada, o que as fazem ser rigidamente fechadas na autoproteção e na evitação. Whitaker e Bumberry (1988/1990) ressaltam que um clima de morte emocional conduz a sintomas em um ou mais membros da família e que todos os mecanismos considerados patológicos que identificam famílias disfuncionais, são encontrados também naquelas com funcionamento saudável. A diferença está na rigidez, intensidade e no momento de aparecimento destes distúrbios. Ackerman (1958/1986) concorda com os autores, para ele não existe um sistema familiar totalmente sadio. As famílias são predominantemente sadias ou predominantemente enfermas. As famílias enfermas caracterizam-se pelo fracasso progressivo no cumprimento de suas funções essenciais: assegurar sua sobrevivência 62 física e construir a essência do ser humano. Nesse aspecto, o autor salienta que a família é a unidade básica de desenvolvimento e experiência, realização e fracasso, saúde e doença, e que está em constante transformação como produto de um processo evolutivo, moldando-se às condições de vida que predominam em um certo tempo e lugar. Minuchin (1974/1982) acredita que a família se adapta a circunstâncias modificadas, de maneira a manter a continuidade e a intensificar o crescimento psicossocial de cada membro. O sistema familiar é a matriz do desenvolvimento psicossocial do indivíduo, posto que a identidade tem origem ao mesmo tempo no sentimento de pertencimento e no de separação. Bowen (1979/1991) afirma que ao lado da necessidade de pertencimento ao grupo familiar, existe o movimento de individuação, que se resume no esforço de cada indivíduo existir fora do grupo familiar. O ideal é que estas forças estejam em equilíbrio. O desequilíbrio na direção da união é chamado de fusão, aglutinação ou indiferenciação. O autor salienta que a diferenciação do self — capacidade para o funcionamento autônomo — ajuda as pessoas a evitar ficar aprisionadas em polaridades reativas. Um adequado processo de maturidade emocional pode ser avaliado na participação dos indivíduos em suas funções intra e extrafamiliares através de seu grau de diferenciação na sua família de origem. Esse processo de separação-individuação, segundo Andolfi, Angelo, Menghi e Nicolo-Corigliano (1983/1984), só acontece se a família for capaz de tolerar a diferenciação de seus membros. Isto porque esse processo requer que o sistema passe por momentos de desorganização, caracterizadas por confusão e incerteza, na medida em que um estágio é rompido em preparação para um estágio de vida familiar mais adequado. Nesse aspecto, Bowen (1979/1991) ressalta que a ausência de diferenciação na família de origem conduz a um rompimento emocional dos pais, o que, por sua vez, leva à fusão no casamento. Quanto menor a diferenciação do self antes do casamento, 63 maior a fusão entre os cônjuges. Em toda geração, a criança mais envolvida na fusão da família move-se em direção a um nível mais baixo de diferenciação do self, enquanto a criança menos envolvida move-se em direção a um nível mais elevado de diferenciação. Esse processo de transmissão transgeracional conduz à doença emocional não somente do indivíduo para a família, mas também além da família nuclear para várias gerações. Para Carter e McGoldrick (1989/1995) a família funciona como um sistema que se move através do tempo, e difere dos demais sistemas sociais pela sua complexidade e pelo valor dos relacionamentos estabelecidos entre os membros, que ora são incorporados ao grupo e ora o deixam. Dessa forma, a perspectiva do ciclo de vida familiar focaliza-se nos estágios pelos quais a família passa e se desenvolve, tendo um parâmetro do que é esperado e mesmo das interrupções ou deslocamento do ciclo de vida familiar em desdobramento. Portanto, proporciona o conhecimento dos pontos de transição de um estágio para outro no processo desenvolvimental familiar e suas ocorrências. O primeiro estágio é chamado de “Saindo de casa: jovens solteiros”, cuja ênfase está na maneira com que o indivíduo negocia a sua independência com a família de origem, assim como o seu afastamento para, nesse momento, estabelecer objetivos pessoais e assumir responsabilidades. Os problemas, nessa fase, ocorrem quando o sistema não consegue mudar suas relações interpessoais para uma forma menos hierárquica e mais igualitária, posto que, agora, todos são adultos (Carter & McGoldrick, 1989/1995). O segundo estágio “A união de famílias no casamento: o novo casal”, diz respeito à união dos parceiros com um novo sistema e assim o estabelecimento de novas relações. Alguns desafios devem ser ultrapassados nesse período como a formação do sistema marital e o realinhamento dos relacionamentos com as famílias ampliadas para a inclusão do cônjuge (Carter & McGoldrick, 1989/1995). 64 Em seguida “Famílias com filhos pequenos” envolve a chegada de um novo membro e a questão da educação deste paralelamente às demais tarefas do casal. Além disso, a chegada de uma nova geração prescinde um novo realinhamento das relações com as famílias de origem visando a inclusão dos papéis de pais e avós (Carter & McGoldrick, 1989/1995). No quarto estágio “Famílias com adolescentes”, novos valores são estabelecidos pelo adolescente, muitas vezes diferentes daqueles dos pais. Nessa fase, o sistema familiar precisa aumentar a flexibilidade de suas fronteiras para permitir uma maior independência dos filhos e incluir os cuidados com a geração dos avós (Carter & McGoldrick, 1989/1995). “Lançando os filhos e seguindo em frente”, nesse estágio os filhos deixam a casa para tornarem-se independentes, e mais tarde apresentam os cônjuges ao sistema. O casal passa por um momento de renegociação da díade e o sistema precisa se adaptar a aceitar várias entradas e saídas de parentes por afinidade e netos (Carter & McGoldrick, 1989/1995). No último estágio “Famílias no estágio tardio da vida”, os agora avós procuram se adequar à aposentadoria e aceitar suas condições físicas. Precisam lidar com a perda do cônjuge, irmãos e amigos e preparar-se para a própria morte. Nessa etapa ocorre uma mudança nos papéis geracionais: a geração do meio assume os cuidadoscom relação à geração mais velha e por isso precisa abrir espaço para a sabedoria e experiência dos idosos (Carter & McGoldrick, 1989/1995). 2.2.1 Família e transtornos alimentares O estudo de famílias com membros portadores de transtornos alimentares iniciou-se nos anos 70, com os estudos de Palazzoli (1974) na Itália e de Minuchin, DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS RESUMO ABSTRACT ÍNDICE LISTA DE ANEXOS LISTA DE FIGURAS LISTA DE TABELAS Aproximação do tema — A história de monalisa 1. Introdução 2. Referencial Teórico 2.1 Transtornos Alimentares e Obesidade 2.1.1 Anorexia Nervosa 2.1.2 Bulimia Nervosa 2.1.3 Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica 2.1.3.1 O Tratamento do TCAP 2.1.4 Obesidade 2.1.4.1 O tratamento da obesidade 2.2 Abordagem sistêmica da família 2.2.1 Família e transtornos alimentares 2.2.1.1 A dinâmica familiar de indivíduos que apresentam Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica — TCAP 2.2.2 Família e obesidade 3. Objetivos 3.1 Objetivo Geral 3.2 Objetivos Específicos 4 Método 4.1 Participantes 4.2 Instrumentos 4.2.1 Entrevista estruturada 4.2.2 Escala de Compulsão Alimentar Periódica — ECAP 4.2.3 Escala de Avaliação da Adaptabilidade e da Coesão Familiar — FACES-III 4.2.4 Genograma 4.2.5 Ecomapa 4.2.6 Colagem da Família 4.2.7 Tarefa nº 2 da Entrevista Familiar Estruturada de Féres Carneiro (1983) 4.2.8 Tarefa nº 4 da Entrevista Estruturada de Watzlawick – Provérbio (conforme citado por Féres-Carneiro, 1983) 4.3 Procedimentos 4.4 Análise dos dados 5 Resultados 5.1 Etapa 1 – Estudo transversal 5.1.1 Caracterização da amostra 5.1.2 Aspectos relacionados à obesidade 5.1.3 Aspectos relacionados ao TCAP 5.2 Estudo de caso 5.2.1 Família Oliveira – Obesidade Legenda: 5.2.1.1 História familiar 5.2.1.2 Dinâmica familiar 5.2.2 Família Dias – Obesidade e TCAP 5.2.2.1 História familiar 5.2.2.2 Dinâmica familiar 6. Discussão 6.1 Estudo transversal 6.2 Estudo de caso 6.2.1 Família Oliveira – Obesidade 6.2.2 Família Dias – Obesidade e TCAP 7 Considerações finais 8 Referências Bibliográficas 9 anexos Anexo 1: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido — Paciente Anexo 2: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido — Familiar Anexo 3: Entrevista estruturada Anexo 4: Escala de Compulsão Alimentar Periódica — BES Anexo 5: Grade de correção da Escala de Compulsão Alimentar Periódica. Anexo 6: Escala de Avaliação da Adaptabilidade e Coesão Familiar — FACES –III Anexo 7: Roteiro da Técnica de Colagem. Anexo 8: Aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília.
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