Prévia do material em texto
e-Book 4 Flávio Pajanian PESQUISA EM EDUCAÇÃO FÍSICA Sumário INTRODUÇÃO ������������������������������������������������� 3 AVALIAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS EM EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTES: ASPECTOS QUALITATIVOS E QUALITATIVOS ���������������������������������������������� 4 A PESQUISA CIENTÍFICA ������������������������������������������������������ 4 TIPOS DE PESQUISA E ABORDAGEM ���������������������������������� 8 VALOR-NOTÍCIA, AGENDAMENTO E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO ���������������������������������������������������������������������� 41 CONSIDERAÇÕES FINAIS ����������������������������57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS & CONSULTADAS ��������������������������������������������58 3 INTRODUÇÃO Neste módulo, estudaremos as principais diferen- ças entre os métodos qualitativos e quantitativos de pesquisa científica. Com isso, podemos nos aprofundar nas particularidades de cada método e discutir o uso de diferentes instrumentos de coleta de dados utilizados em cada um desses métodos� Em seguida, exploraremos os conceitos de universo e amostra, ao discutir os critérios para a escolha da população a ser estudada, bem como a definição do espaço amostral� Por fim, abordaremos os procedimentos de coleta e tratamento dos dados científicos. Então surge a pergunta: preparado para mais uma viagem pelo maravilhoso mundo do conhecimento? 44 AVALIAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS EM EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTES: ASPECTOS QUALITATIVOS E QUALITATIVOS A PESQUISA CIENTÍFICA A pesquisa está diretamente ligada à produção de conhecimento, ou seja, a pesquisa é a atividade nuclear da Ciência, uma vez que ela [���] possibilita uma aproximação e um entendimento da realidade a investigar� A pesquisa é um proces- so permanentemente inacabado� Processa-se por meio de aproximações sucessivas da realidade, fornecendo-nos subsídios para uma intervenção no real (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p� 31)� Assim, a pesquisa científica compreende a investi- gação de fenômenos originários de uma determina- da realidade, utilizando técnicas e procedimentos sistematizados, com o objetivo de solucionar um problema, descobrir e interpretar fatos relacionados a esses fenômenos� 55 Pesquisa científica em educação física e esportes De acordo com Thomas, Nelson e Silverman (2012), os fenômenos e objetos de estudos podem surgir a partir de fontes distintas e podem visar a solu- cionar dúvidas profundas e questões controversas, testar teorias e conceitos, além de contribuir para a academia e para a prática profissional. E em educação física e esportes não é diferente� A abrangência e as diversas possibilidades de atuação resultam em um campo bastante fértil para a investigação científica. Desse modo, a pesquisa científica na área da educação física e esportes se posiciona em um continuum no qual temos a pesquisa básica de um lado e a pesquisa aplicada de outro� A pesquisa básica e a pesquisa aplicada podem ser pensadas como dois extremos de um continuum� A pesquisa básica aborda problemas teóricos, geral- mente em laboratório, e pode ter aplicação direta limitada� A pesquisa aplicada aborda problemas imediatos, geralmente em situações menos con- troladas do mundo real, e é mais proximamente ligada à aplicação (THOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2012, p� 25)� 66 Nesse sentido, a maioria das pesquisas traz ele- mentos de ambos os tipos, que se complemen- tam, conferindo riqueza de detalhes científicos e aprofundamento conceitual e teórico� Por exemplo, em uma pesquisa genérica, temos os seguintes resultados que podem ser aplicados na prática: y Tema: obesidade e programas de exercícios para perda de peso� y Problema de pesquisa: qual programa de exercícios é o mais eficiente para a redução do percentual de gordura? y Objetivo: investigar qual programa, entre corri- das na esteira e treinamento funcional, apresenta os melhores resultados para a perda de peso� y Sujeitos da pesquisa: frequentadores adultos de uma determinada academia, homens e mulhe- res, com idades entre 29 e 34 anos, divididos em 3 grupos – Grupo corrida (Co); Grupo Treinamento funcional (TF); Grupo controle (C)� y Referências: pesquisa bibliográfica em perió- dicos da área sobre obras que tratem do assunto e tragam resultados de pesquisas anteriores� y Meios e métodos: programa de 8 semanas de aulas de 1h, 5 vezes por semana para os grupos Co e TF e nenhum exercício para o grupo C� Um mesmo professor seria responsável pelas aulas dos dois grupos de exercícios� Não há qualquer 77 acompanhamento nutricional para os três grupos e programas de exercícios adicionais� Seriam fei- tos testes de bioimpedância para determinação do percentual de gordura e outros parâmetros importantes, nos três grupos, no início e no final do período de 8 semanas� y Esatística: de posse dos resultados, seria apli- cado um tratamento estatístico para determinar o grau de confiabilidade e, a partir disso, concluir se houve diferença significativa entre os resultados dos grupos de exercícios e os do grupo controle, e entre o grupo de corrida e o grupo do treinamento funcional� y Limitações da pesquisa: heterogeneidade da amostra; diferenças na motivação entre os grupos de exercícios; dificuldade no controle de dieta e eventuais programas de exercícios adicionais, entre outros� Esse exemplo não abrange o rigor metodológico, tratando-se apenas de uma situação hipotética de pesquisa com o objetivo de ajudar a esclarecer os procedimentos básicos de uma investigação científica. 88 Saiba mais sobre a bioimpedância na determinação do percentual de gordura, consultando Comparação entre diferentes aparelhos de bioimpedância para avaliação do percentual de gordura, de Adilson dos Reis Filho et al� (2011), disponível em: https://portalrevistas�ucb�br/ index�php/RBCM/article/viewFile/2183/1893 TIPOS DE PESQUISA E ABORDAGEM A literatura acadêmica apresenta técnicas diferentes de abordar fenômenos e conduzir investigações cientificas, cada qual com peculiaridades, padrões e procedimentos próprios� Nesse sentido, os tipos de pesquisa científica podem ser agrupados em abordagem, natureza, objetivos e procedimentos� Em relação aos tipos de pesquisa e suas abordagens, na sequência apro- fundaremos os aspectos referentes às pesquisas qualitativa e quantitativa� Pesquisa qualitativa Frequentemente, a pesquisa qualitativa é descrita como interpretativa, pois visa a extrair os signifi- cados atribuídos pelas pessoas às suas próprias experiências e compreensão sobre fenômenos reais� SAIBA MAIS 99 A investigação procura aprofundar a visão de um determinado grupo social sobre os acontecimentos do mundo real, assim como busca respostas para o porquê das coisas� É muito comum nas ciências sociais aplicadas e ciências humanas, ao estudar comportamentos de indivíduos ou grupos sociais� Sendo assim, A pesquisa qualitativa preocupa-se [���] com aspec- tos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais (GERHARDT; SIL- VEIRA, 2009, p� 32)� Na pesquisa qualitativa, o tamanho da amostra tem menor importância quando comparada à profundidade de opiniões e representatividade dos sujeitos investigados� A participação do pesquisa- dor na coleta de informações é essencial, visto que uma eventual superficialidade nas observações, conversas e entrevistas pode vir a comprometer os resultados do estudo� Para Mascarenhas (2012), as principais caracterís- ticas da pesquisa qualitativa são: dados levantados e analisados simultaneamente; estudos descritivos voltados à compreensão do objeto; influência do pesquisador sobre a pesquisa não é evitada, muito pelo contrário, é considerada fundamental� 1010 Os estudos qualitativos têm as seguintes caracte- rísticas, segundo Triviños (1987, p� 131): y A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta dos dados, e o pesquisador como instrumento-chave� y A pesquisa qualitativaé descritiva� y Os pesquisadores qualitativos estão preocu- pados com o processo, não simplesmente com os resultados e o produto� y Os pesquisadores qualitativos tendem a ana- lisar dados indutivamente� y O significado é a preocupação essencial na abordagem qualitativa� “Na abordagem qualitativa, o pesquisador substi- tui as correlações estatísticas pelas descrições, análises permeadas pela cultura, e as conexões causais objetivadas pelas interpretações” (MAR- TINS; BICUDO apud SOUZA et al�, 2019, p� 224)� Centrada na análise dos aspectos da realidade que não podem ser quantificados, a abordagem quali- tativa mantém o foco na análise, compreensão e explicação de razões, motivações, desejos, signifi- cados, crenças, valores, atitudes, comportamentos, opiniões etc� de elementos do comportamento e relações humanos� Em função do envolvimento direto e efetivo do pesquisador no desenvolvimento da pesquisa 1111 qualitativa, sobretudo na coleta de dados, é fun- damental que o método seja seguido com todo o rigor, a fim de se evitar a produção de resultados desejados de antemão, possibilitando que as res- postas (confirmação ou negação) das hipóteses ou proposições tenham as mesmas chances de acontecer� Outros limites e riscos da pesquisa qualitativa são: [a] excessiva confiança no investigador como instrumento de coleta de dados; risco de que a re- flexão exaustiva acerca das notas de campo possa representar uma tentativa de dar conta da totalidade do objeto estudado, além de controlar a influência do observador sobre o objeto de estudo; falta de detalhes sobre os processos através dos quais as conclusões foram alcançadas; falta de observância de aspectos diferentes sob enfoques diferentes; certeza do próprio pesquisador com relação a seus dados; sensação de dominar profundamente seu objeto de estudo; envolvimento do pesquisador na situação pesquisada, ou com os sujeitos pesquisa- dos (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p� 32)� Os integrantes da população de uma pesquisa qualitativa são chamados de “sujeitos”, e a amos- tragem pode variar de um ou poucos indivíduos a grandes grupos, ou mesmo organizações inteiras� 1212 Diferentemente da pesquisa quantitativa, na qual as amostras numerosas são importantes para a generalização dos resultados, na pesquisa quali- tativa, mais importante do que a quantidade é a qualidade da amostra� É essencial que a seleção da amostra seja feita para privilegiar a profundidade das respostas que os sujeitos podem dar aos questionamentos do pesquisador� Sendo assim, devem ser seleciona- dos os indivíduos que tenham maior proximidade e conhecimento com o fenômeno estudado� Segundo Günther (2006), pode-se selecionar a amostra de estudos qualitativos a partir de casos extremos ou desviantes, mas também de casos típicos, críticos (delicados ou politicamente impor- tantes), surgidos em cadeia, por amostra padrão, com casos confirmados e não confirmados de uma hipótese ou por conveniência� Em geral, faz-se a coleta de dados nos estudos qualitativos a partir da análise de textos e obras de outros pesquisadores, documentos, discursos, gravações de áudio e vídeo, observação direta de fatos ou fenômenos e entrevistas� São instrumen- tos de coleta questionários, roteiros de entrevista estruturados ou semiestruturados, fichas de obser- vação, gravadores de áudio e vídeo, entre outros� 1313 Independentemente do instrumento utilizado, são imprescindíveis o desenvolvimento das habilida- des de observação e o treinamento do sujeito que fará a coleta, para extrair a maior quantidade de informações relevantes para o estudo� Atente-se para o fato de que a organização das in- formações coletadas precede a análise dos dados� No geral, são criadas categorias para o agrupamento das respostas, com o intuito de facilitar a análise e a interpretação dos dados� Um dos métodos de análise mais utilizados nos estudos quantitativos é a análise de conteúdo� Uma vez que não conta com dados quantificá- veis e passíveis de tratamentos estatísticos, a confiabilidade dos resultados de uma pesquisa qualitativa reside, portanto, na clareza das ações empreendidas pelo pesquisador, na comunicação clara sobre os critérios de seleção da amostra e sobre os métodos de coleta e análise dos dados� Exemplo de pesquisa qualitativa A seguir, verificaremos um exemplo de pesquisa qualitativa na área da gestão do esporte, organi- zado em formato de relato técnico: Influência da venda de um ídolo na relação de um clube de futebol com sua principal torcida organizada 1414 Introdução O interesse pelo esporte no mundo é alimentado em grande parte pelo surgimento e presença de ídolos� O esporte, como fenômeno de massa, sus- tenta o interesse de seus fãs, do público em geral e da mídia, de forma diretamente proporcional à quantidade e qualidade de atletas considerados estrelas, ídolos ou heróis (HELAL, 1999)� Entretanto, há situações em que, no esporte profissional, uma equipe precisa se desfazer de um ídolo, o que pode ocorrer pelas mais diversas razões, entre elas a obtenção de equilíbrio financeiro. É razoável supor que a decisão de negociar um “craque” afete essa equipe de várias maneiras, porém, talvez não seja possível, de antemão, verificar quais seriam as consequências� A preocupação com as relações entre uma or- ganização e os grupos que podem influenciar sua gestão ou serem influenciados por ela deu origem à Teoria dos Stakeholders, que teve início com o trabalho de Freeman (1984)� A Teoria dos Stakeholders vem ganhando espaço na academia e, por seu potencial de contribuição para abordar organizações não ligadas diretamente à busca pelo lucro – como muitos clubes esportivos –, é oportuno o seu emprego na análise das estratégias das organizações ligadas ao esporte� 1515 A literatura internacional apresenta alguns estudos sobre o tema stakeholders aplicado ao esporte� Anagnostopoulus (2011) realizou a identificação dos principais stakeholders do futebol profissio- nal grego e os classificou segundo os atributos de poder, legitimidade e urgência apresentados por Mitchel et al� (1997)� Von Roenn et al� (2004) investigaram a percepção dos stakeholders sobre o comportamento antiético no esporte contem- porâneo. Outros trabalhos procuraram identificar e avaliar as opiniões, percepções e influência dos stakeholders sobre assuntos ligados à gestão de organizações do esporte (WOLFE, 2000; COVELL, 2004; PARENT, 2008; COOPER & WEIGHT, 2009)� As pesquisas e investigações sobre o tema stake- holders vêm crescendo consideravelmente nos últimos anos (HORNEAUX JUNIOR, 2010), porém, esse tema ainda é objeto de poucos estudos no campo da gestão do futebol, principalmente no contexto brasileiro, o que sugere a existência de uma lacuna na literatura científica relacionada à gestão do esporte� Neste relato, é apresentada a forma como foi feita uma avaliação do impacto sobre um grupo específico de interessados, da decisão da diretoria de um clube esportivo sediado na cidade de São Paulo — que disputou a Série B do Campeonato Brasileiro no ano de 2013 — de negociar um jogador 1616 considerado referência, que, inclusive, integrava as principais campanhas de marketing do clube� Admitiu-se, por esse motivo, que reunia condi- ções para se tornar um futuro ídolo da torcida� O contexto analisado foi o da recente decisão da diretoria executiva da Sociedade Esportiva Palmeiras de negociar os direitos federativos do atacante argentino Hernán Barcos, integrante de seu elenco de futebol profissional, com a equipe do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, e o impacto dessa decisão sobre a relação do clube com um grupo específico de stakeholders: os integrantes da mais numerosa e atuante torcida organizada da equipe� O atleta em questão era considerado a maior estrela do clube na época sendo, inclusive, o artilheiro da equipe na temporada 2012/2013� A justificativa da negociação foi a de saldar compro- missosfinanceiros do clube com o próprio atleta e com o clube de origem do atleta, entre outros� A Teoria dos Stakeholders forneceu o suporte teó- rico para o estudo� O problema a ser resolvido era como avaliar a percepção do grupo de stakeholders selecionado em relação à qualidade da decisão dos gestores do clube, na situação específica da negociação dos direitos federativos de um dos principais jogadores de seu elenco de futebol profissional. Também era importante identificar a opinião desses satkeholders sobre uma possí- 1717 vel influência dessa negociação no desempenho técnico do time� No estudo descrito nesse relato, assumiu-se que o gerenciamento das relações do clube com os diversos grupos de interesse se constitui elemento fundamental para uma boa relação com seus stakeholders� Esse relato técnico possui contribuições teóricas e práticas� Do ponto de vista teórico, a contribuição se dá pela utilização da Teoria dos Stakeholders em um novo contexto, o da gestão esportiva – e, especificamente, o do futebol profissional no Brasil� Do ponto de vista de contribuição prática para a gestão das organizações, o conhecimento de como a decisão estratégica da venda de um jogador repercutiu junto aos membros de uma torcida organizada – ressaltando-se o convívio nem sempre harmonioso entre esses stakeholders e o clube – pode servir de norteador para a tomada de futuras decisões semelhantes e/ou a adminis- tração de sua relação com torcidas organizadas� O presente relato está estruturado da seguinte ma- neira: na primeira parte, é apresentada uma breve introdução sobre o objeto do estudo; a segunda parte contém o referencial teórico envolvendo a teoria dos stakeholders, sob a ótica do esporte; na terceira parte, há a metodologia da produção técnica; a quarta parte apresenta o contexto do projeto, incluindo a situação-problema; a quinta 1818 parte mostra o tipo de intervenção adotada para a solução do problema; a sexta parte apresenta os resultados obtidos e sua análise� Finalmente, a sétima parte discute como as conclusões podem ser úteis a outros clubes e atletas, bem como as limitações do trabalho e sugestões para aprofun- damento do tema por meio de pesquisas futuras� Referencial teórico O conceito de stakeholder foi apresentado pelo filósofo e então professor da Universidade da Vir- ginia R� Edward Freeman, em seu livro denominado Strategic Management: a Stakeholder Approach� O termo stakeholder foi citado pela primeira vez em 1963, em um memorando interno do Stanford Research Institute, que o definiu como “aqueles grupos sem o suporte dos quais a organização cessaria de existir” (FREEMAN, 1984, p� 31)� Outras visões sobre esse conceito podem ser encontradas na literatura: “quem se beneficia ou é prejudicado, cujos direitos são violados ou respeitados, por atividades corporativas” (EVAN & FREEMAN, 1988, p� 79); aquele que “possui interesse nas atividades de uma empresa e a habilidade de influenciá-la” (SAVAGE et al�, 1991, p� 61); aquele que “produz algum tipo de risco, em consequência de ter inves- tido alguma forma de capital, humano ou financeiro em uma empresa ou que está submetido a riscos em consequência das atividades de uma empresa” 1919 (CLARKSON, 1994, p� 5), entre outras� Porém, a definição de Freeman (1984, p. p. 31) para o termo continua sendo a mais conhecida: “stakeholder é qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou ser afetado pelo alcance dos propósitos de uma firma”. Segundo a teoria de Freeman, para que possa ter sucesso, a gestão das empresas deve levar em consideração a influência de suas decisões sobre os grupos de interesse� Nessa proposta de forma de gestão, está implícita uma função-objetivo alter- nativa à encontrada na Teoria da Firma, originária da economia, que propõe, em termos gerais, uma gestão com foco no ganho econômico� A função- -objetivo está relacionada aos principais objetivos das organizações e norteia os gestores para a tomada de decisões (SIQUEIRA, 2012)� Deve-se notar que a mudança na função-objetivo cria um conflito entre a abordagem da Teoria da Firma e da Teoria dos Stakeholders� Nesse aspecto, é pos- sível que a aplicação da Teoria dos Stakeholders em organizações sem fins lucrativos, como é o caso dos clubes associativos no Brasil, seja mais adequada e apresente menos conflitos. A literatura internacional apresenta poucos estudos sobre o tema stakeholders aplicado ao esporte� Entre esses trabalhos, podem ser citados Anag- nostopoulus (2011), que realizou a identificação dos principais stakeholders do futebol profissional 2020 grego e os classificou segundo os atributos de poder, legitimidade e urgência (MITCHEL et al�, 1997; HEINZEN et al� (2013), que na mesma pers- pectiva realizaram a identificação e classificação dos stakeholders de uma organização do terceiro setor, a partir do modelo proposto por Almeida et al� (2000)� Von Roenn et al� (2004) investigaram a percepção dos stakeholders sobre o comporta- mento antiético no esporte contemporâneo� Ou- tros trabalhos procuraram identificar e avaliar as opiniões, percepções e influência dos stakeholders sobre assuntos ligados à gestão de organizações do esporte (WOLFE, 2000; COVELL, 2004; PARENT, 2008; COOPER & WEIGHT, 2009)� As pesquisas e investigações sobre stakeholders vêm crescendo consideravelmente nos últimos anos (HORNEAUX JUNIOR, 2010), porém, o tema ainda é objeto de poucos estudos no campo da gestão do esporte, principalmente sobre a aplica- ção dessa teoria em clubes de futebol no Brasil� Método da produção técnica Este relato técnico deve ser entendido como “o produto final de um trabalho (pesquisa aplicada ou produção técnica) que descreve uma experiência nas organizações” (BIANCOLINO et al�, 2013, p� 297)� A experiência pela qual passou a Sociedade Esportiva Palmeiras foi a necessidade de avaliar 2121 o impacto em uma categoria específica de stake- holder – os membros de torcidas organizadas – da venda de Hernán Barcos e verificar se essa negociação afetou o interesse dos torcedores de comparecer aos jogos. Para essa finalidade, foram realizadas 40 entrevistas com membros da mais numerosa e atuante torcida organizada do clube: a Mancha Alviverde� Havia o entendimento na direção do clube que este tipo de torcedor é o que acompanha com maior proximidade o dia a dia do clube e, consequentemente, as decisões da diretoria� Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, pois, de acordo com Flick (2009), este tipo de entrevista, com um roteiro mais flexível, possibilita uma interpretação mais precisa dos pontos de vista dos sujeitos da pesquisa� As respostas foram categorizadas a fim de que se pudesse analisar a percepção deste grupo de interesse sobre as decisões tomadas pelos dirigentes do clube neste caso específico. Alguns cuidados foram tomados na elaboração do instrumento de coleta de dados, como: considerar as particularidades do grupo para que se pudesse dar qualidade às respostas e direcionar as pergun- tas ao foco da pesquisa evitando-se abrangência desnecessária� Adicionalmente, foram analisados dados oficiais sobre presença de público pagante nos jogos da 2222 Sociedade Esportiva Palmeiras durante os Campe- onatos Paulistas de 2011, 2012 e 2013, disponíveis no site da Federação Paulista de Futebol, a fim de que se pudesse verificar se houve diferenças significativas no interesse dos torcedores em comparecer aos estádios para assistir os jogos do time nos períodos com e sem a atuação do atleta em questão� Desta forma, os anos de 2011, 2012 e 2013 foram escolhidos por se tratar das temporadas disputadas pela equipe da Socieda- de Esportiva Palmeiras antes da contratação do atleta Hernán Barcos, durante sua permanência como jogador da equipe e após sua negociação, respectivamente� O roteiro das entrevistas foi elaborado pelo pesquisador levando em consideração aspectos relacionados à compreensão dos torcedoresquanto ao papel do ídolo de um clube de futebol, à forma como foi conduzida e efetuada a negociação do jogador, a influência dessa negociação para o clube e para o time e, finalmente, a avaliação desses quanto à decisão da diretoria� Para a construção do roteiro de entrevistas, utilizou-se como referência o instrumento utilizado por Mai- nardes, Deschamps e Tontini (1999), que avaliaram a percepção dos stakeholders sobre a qualidade de uma instituição de ensino superior, cuja coleta dos dados foi feita por meio de entrevistas pessoais com um roteiro composto por questões abertas� 2323 Tipo de intervenção e mecanismos adotados A construção do presente trabalho seguiu os pro- cedimentos metodológicos apresentados na seção sobre o método da produção técnica� A intervenção se deu por meio de uma pesquisa de campo, na qual a opinião dos torcedores quanto à situação específica da venda do jogador em questão foi coletada por meio de entrevistas semiestruturadas, cerca de cinco meses após a negociação envol- vendo os direitos federativos do jogador� As entrevistas individuais foram realizadas na sede da torcida organizada escolhida para o es- tudo, gravadas e posteriormente transcritas pelo próprio pesquisador� Para a tabulação dos resul- tados foram criadas categorias de acordo com a essência de cada pergunta, como: maior ídolo e por quê; o que deve fazer um jogador para se tornar um ídolo; se o jogador em questão tinha potencial para ídolo e por quê; o que pensa sobre a saída do jogador e a forma como saiu; impacto para o time e para o clube; e, finalmente, uma avaliação sobre a decisão da diretoria� Em seguida, as respostas foram agrupadas de acordo com a interpretação do pesquisador sobre cada tema. O relatório final foi encaminhado à diretoria executiva do clube para que possa servir de insumo para a análise de casos semelhantes que possam acontecer no futuro� 2424 Resultados e análises A análise do discurso dos torcedores possibilitou evidenciar que 36 dos 40 entrevistados apontaram o ex-goleiro Marcos como o maior ídolo do clube e, nesse aspecto, outros jogadores foram citados com menor frequência, como: os ex-atacantes que foram os maiores destaques na conquista dos títulos de 1993 e 1994, Evair (n=8) e Edmundo (n=5), o ex-meio-campo Ademir da Guia (n=3), e os também ex-jogadores Djalma Santos e César Sampaio (n=1)� Tais resultados mostram que, na opinião deste grupo específico de torcedores, ne- nhum jogador do atual elenco é considerado ídolo� Destacam-se no discurso dos entrevistados, em relação aos motivos pelos quais os jogadores ci- tados são considerados ídolos, o amor, dedicação e fidelidade ao clube, identificação com a torcida e também ao clube, e ainda títulos conquistados e feitos marcantes, o que demonstra que esses torcedores por vezes não diferenciam o jogador considerado ídolo daquele com características de herói� Tal constatação contrasta com a avaliação das atitudes necessárias para que um jogador seja con- siderado ídolo, pois, na opinião dos entrevistados, são apontados em sua grande maioria aspectos atitudinais como: demonstrações de amor ao clube, respeito às tradições do clube, identificação com a torcida, dedicação, comprometimento, respon- 2525 sabilidade e caráter, esforço extra em campo e se mostrar torcedor do clube� Nesse aspecto, os feitos marcantes e a conquista de títulos ficaram em segundo plano� Quanto ao assunto principal da pesquisa, os acon- tecimentos envolvendo o jogador Hernán Barcos, a maioria (n=32) dos entrevistados o apontou como potencial ídolo do clube, indicando a grande identificação com a torcida, a forma como se dedi- cava ao time durante os jogos e os gols marcados como os principais motivos� Dentre aqueles que tiveram opinião contrária, a principal alegação foi justamente o suposto desejo de deixar o clube, sobretudo em função de aspectos financeiros. Em relação à saída do jogador, as opiniões foram divididas (21 concordaram, 17 não concordaram e outros 2 não responderam)� Entre os que concor- daram, as principais razões estão relacionadas ao suposto desejo do jogador de não permanecer no clube e as questões financeiras (saldar dívidas); já para aqueles que não concordaram, o principal motivo foi a situação de destaque que o jogador rapidamente conquistou no time e junto à torcida� Porém, a maioria não concordou com a forma como a negociação aconteceu, principalmente pela falta de informações claras da diretoria do clube sobre o caso� Nota-se ainda a mesma razão naqueles 2626 entrevistados que se recusaram a responder sobre o assunto justamente por falta de informações� A saída do jogador teve consequências negativas para o clube na opinião de 18 entrevistados, prin- cipalmente no aspecto relacionado à perda de um jogador de referência com potencial para alavancar ganhos substanciais para o clube, principalmente em ações de marketing e em uma futura negocia- ção� As consequências positivas foram apontadas principalmente relacionadas às questões financeiras e à vinda de novos e importantes jogadores para a composição do elenco (quatro novos jogadores foram envolvidos na negociação). Especificamente para o time, em sua maioria, os entrevistados apontaram consequências negativas do ponto de vista técnico, sobretudo em função da perda de um jogador de referência, tecnicamente diferenciado e bastante importante para o desempenho geral do time� Por fim, embora boa parte dos entrevistados (n=19) tenha manifestado concordância com a decisão tomada pela diretoria do clube, a maioria eviden- ciou a falta de informações sobre a forma como foi feita a negociação e que a opinião da torcida foi negligenciada no caso, como evidenciado pelo sujeito 7, segundo o qual “[���] foi gerido de uma maneira errada pela diretoria� Que ele (o jogador) deveria sair, eu também concordo� O jogador não 2727 quer, não quer, mas a diretoria deveria ter pensado um pouco mais no Palmeiras e na torcida”� As manifestações de não concordância (n=13) se deram principalmente em razão do aspecto apontado acima e em função da crença de se ter perdido um jogador importante para o time, conforme afirma o sujeito 34: [...] “É, teve o lado ruim, que ficou sem um grande jogador”� Outros 8 entrevistados não se manifestaram sobre o assunto� A análise da presença de público nos jogos rea- lizados na cidade de São Paulo não apresentou diferenças significativas em função da presença ou não do jogador Barcos, o que demonstra não sensibilidade do público frequentador do estádio em relação à participação do jogador em questão nos jogos� Conclusões e limitações Os discursos desse grupo específico de torcedores permitiram identificar opiniões diversas em relação aos desdobramentos da decisão da diretoria do clube no caso específico da negociação do jogador Henán Barcos� Percebe-se que a maioria se mostrou insatisfeita principalmente com a forma como o ne- gócio foi realizado, sobretudo quanto à escassez de informações� Em alguns casos, o discurso indicou uma grande insatisfação inicial, que se converteu em concordância após a avaliação dos desdobramentos 2828 do fato, o que mostra que o acesso às informações relacionadas à situação pode atenuar os efeitos de uma suposta decisão “impopular”� A adequada gestão dos stakeholders pode propor- cionar vantagens competitivas às organizações (VERBEKE; TUNG, 2013)� Sobretudo em organi- zações sem fins lucrativos, a aplicação da teoria dos stakeholders parece fazer mais sentido, já que a função-objetivo tradicional da Teoria da Firma tem um peso muito menor. No caso específico dos clubes de futebol, a relação com as torcidas organizadas é motivo de grande preocupação, já que suas atitudes podem causar problemas diver- sos, inclusive danos físicos e prejuízos financeiros. Portanto, uma adequada gestão desses grupos pode ajudar a evitar situações inconvenientes e de grandes prejuízos� Novamente, valeressaltar que a condução de negócios desse tipo de forma transparente e com a comunicação adequada aos torcedores pode ser uma forma de minimizar eventuais desgastes� Entre as limitações do presente estudo, deve ser mencionado o fato de que não são possíveis ge- neralizações, já que a investigação se limitou a um clube e também a apenas a alguns integrantes de um único tipo de torcedor: o torcedor organizado� Estudos futuros são fundamentais para a amplia- ção dos resultados, principalmente abrangendo 2929 outros grupos de torcedores, como aqueles não pertencentes a torcidas organizadas, bem como a replicação do presente estudo para clubes que passem por situação semelhante� Fonte: Pajanian e Siqueira (2014, p� 31-41)� A pesquisa quantitativa Diferentemente da pesquisa qualitativa, todos os procedimentos afeitos à pesquisa quantitativa levam à quantificação dos dados e resultados. Dito de outra forma, O método quantitativo preocupa-se com represen- tatividade numérica, isto é, com a medição objetiva e a quantificação dos resultados. Tem, portanto, o objetivo de generalizar os dados a respeito de uma população, estudando somente uma pequena parcela dela� Assim, a pesquisa quantitativa utiliza uma amostra representativa da população para mensurar qualidades (ZANELLA, 2006, p� 89)� Dado que, normalmente, as amostras são nume- rosas, espera-se que essas amostras sejam repre- sentativas do universo estudado e que produzam resultados representativos do que se espera para o total da população� 3030 A pesquisa quantitativa se centra na objetividade� Influenciada pelo positivismo, considera que a realidade só pode ser compreendida com base na análise de dados brutos, recolhidos com o auxílio de instrumentos padronizados e neutros� A pesquisa quantitativa recorre à linguagem matemática para descrever as causas de um fenômeno, as relações entre variáveis (FONSECA, 2002, p� 20)� Entre os elementos que compõem a pesquisa quantitativa, destacam-se (SILVA, 2012, p� 53): y Dados: representam as informações coleta- das, ou seja, observação, entrevista, questionário, formulário, medidas de opinião e atitude, testes, sociometria, história de vida, consulta, medida de material, análise, pesquisa de mercado etc�, que se configuram como os possíveis instrumentos de coleta� y Variáveis: representam as características obser- vadas em componentes da amostra selecionada� y População: representa a totalidade de sujeitos com características semelhantes e que foram selecionados para o estudo� y Amostra: no geral, as populações designadas para um determinado estudo são bastante nume- rosas, o que inviabiliza o estudo em sua totalidade� Para que a pesquisa seja viável, apenas uma parcela dessa população é selecionada para a condução 3131 do estudo, utilizando-se para isso procedimentos estatísticos confiáveis, que a tornem representativa do todo� Essa parcela destacada da população chamamos de amostra� A amostra pode ser pro- babilística, quando a escolha é feita por sorteio, sendo que todos os elementos da população têm a mesma chance de seleção; e não probabilística, quando a escolha é intencional, ocorrendo a partir de critérios e julgamento do próprio pesquisador� Exemplo de pesquisa quantitativa A seguir, temos um exemplo de pesquisa qualita- tiva na área da gestão do esporte, organizado em formato de artigo científico: O global e o local no perfil da audiência das TVs por assinatura especializadas em esporte no Brasil Introdução O Brasil, já é do conhecimento de todos, está, atu- almente, inserido no contexto dos grandes eventos esportivos mundiais: a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016� Com isso, e apesar do momento de instabilidade que vive o país, os negócios relacionados ao esporte têm experi- mentado vertiginoso crescimento na pauta dos principais veículos de comunicação em operação no território nacional� 3232 O jornalismo, que tem no esporte um dos seus princi- pais focos de especialização e audiência, não poderia ficar inerte a estes acontecimentos. Os programas esportivos e a veiculação de produtos da indústria do esporte crescem nas grades de programação das emissoras abertas e fechadas do país Somadas, Globo, Band e RedeTV! transmitem cerca de 56 horas semanais de programação esportiva, 27 a mais que as quatro grandes dos EUA (7 horas da ABC, 10 horas da CBS, 10 horas da NBC e 2 horas da Fox, de acordo com a grade da última semana)� A grande diferença está no noticiário esportivo� Quase todas as grandes emissoras brasileiras têm jornais diários, programas de variedades e mesas redondas tratando apenas de esporte� Nos EUA, a TV aberta só abre espaço à programação esportiva nas transmissões de jogos ao vivo� As notícias, discussões e repercussões das partidas da semana são exibidas apenas na TV paga� Nesse segmento, a comparação entre os EUA e o Brasil muda totalmente de figura. Os americanos têm 5.544 horas semanais de esporte nos canais fechados, contra 2�198 horas semanais dos brasileiros� No país onde o negócio da TV paga se desenvolveu, há pelo menos 30 canais especializados em cobertura esportiva, muitos deles com segmentação extrema� O Brasil tem 9 canais fechados que tratam só de esporte (VEJA, 2012)� 3333 A necessidade de os veículos de comunicação de massa ocuparem uma fatia expressiva de seu espaço de programação com assuntos ligados ao esporte permite o surgimento de diversos produ- tos de mídia relacionados ao universo esportivo� Noticiários com fortes conteúdos jornalísticos dividem espaço com transmissões ao vivo e outros programas de entretenimento destinados ao fato, ao esporte em si� A necessidade de veicular conteúdo esportivo 24 horas por dia obrigou os canais por assinatura, ou seja, pagos, a aproximar o entretenimento do esporte, deixando de lado sua função informativa e, até mesmo, educativa� O estudo da notícia, de forma particular, e da programação, de maneira mais ampla, é um dos caminhos para a análise das motivações econômico-ideológicas em atuação neste segmento televisivo particular� Além disso, segundo pesquisa realizada em sete diferentes mercados latino-americano e divulgada no início de 2015, pela IBOPE Media Network, somente no Brasil e no Chile as emissoras de televisão por assinatura líderes no segmento esporte pertencem a grupos de comunicação de seus países, no caso, respectivamente, a SporTV, pertencente à Globo- sat, empresa do Grupo Globo, e o Canal del Fútbol (DCF), controlado pela Asociación Nacional de 3434 Fútbol Profesional de Chile (ANFP), que organiza a principal competição de futebol do país� Nos demais cinco mercados pesquisados (Argen- tina, Colômbia, Peru, América Central e México), as emissoras especializadas em esporte líderes do segmento, no sistema pago, pertenciam a grandes grupos internacionais de comunicação (Fox Sports – Argentina, América Latina e México -, ESPN+ - México -, e, Cable Mágico Deportes – Peru) (IBOPE, 2015)� No Brasil, o SporTV, do Grupo Globo (R$ 16,2 bilhões de receitas em 2014), disputa mercado com seis grandes grupos – 21st Century Fox/News Corpo- ration, ABC Disney, Time Warner, América Móvil, DirecTV Group e Grupo Telefónica - que faturaram juntos 735 bilhões de Reais (cerca de 230 bilhões de dólares) no mesmo período (IBOPE, 2015)� Diante do exposto acima, o presente artigo apresenta tem como objetivo principal analisar os motivos, junto à audiência, que levaram o SporTV (vinculado a uma empresa nacional) ser o canal especializado em esporte mais assistido do Brasil em 2015, em detrimento dos demais players desse mercado, pertencentes a conglomerados de mídia interna- cionais (ESPN, Fox Sports e Esporte Interativo)� Foi nossa intenção, também, levantar as preferências da audiência no que tange à programação e aos 3535 produtos oferecidos pelos canais por assinatura especializados em esporte no Brasil; e, descrever o perfil da audiênciaque consome os produtos oferecidos pelas principais emissoras do segmento (SporTV, ESPN, Fox Sports, Esporte Interativo e BandSports, Canal Off e outras)� Pretendemos mostrar através dos conceitos de “valores-notícia” (news values), agendamento e sociedade do espetáculo, que aspectos como no- toriedade, interesse público e imprevisibilidade têm sido descartados na busca de parte das emissoras pagas do país na busca por audiência a todo custo, nem sempre com a aprovação do seu público� Em função da natureza da proposta do estudo, a pesquisa realizada foi qualitativa, de natureza explicativa e descritiva� Foram entrevistadas 264 pessoas, todas na cidade de São Paulo, entre os dias 1 e 20 de setembro de 2015� As Emissoras por Assinatura, o Esporte e o Mercado Os dados da ABTA (Associação Brasileira de Te- levisão por Assinatura) mostram que nos últimos quinze anos, o acesso à TV por assinatura no país mais que quadruplicou, passando de 3,2 milhões de clientes (2002) para 14,5 milhões (2012)� A ABTA pontua que o crescimento expressivo ocorre devido, “principalmente, ao aumento da renda da 3636 população e à manutenção dos preços dos serviços a níveis competitivos (ABTA, 2012)� No Congresso ABTA 2012, o então presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende projetou um crescimento maior para os próximos anos: “(���) a estimativa da Anatel é que o País alcance até 2018 uma penetração perto de 90% de domicílios com TV por assinatura” (ABTA, 2012)� De olho no cenário próspero, as operadoras passaram a desenvolver preços mais acessíveis� A Classe C6 ainda é um mercado potencial para esse segmento� O serviço ainda é, hoje, mais adquirido pelos consumidores das classes mais abastadas� Estes dados podem levar a uma explicação, entre muitas outras, que justifica o entretenimento, já tão debatido, na cobertura esportiva na televisão aberta: se a TV por assinatura se popularizou, a TV aberta, para sobreviver e falar diretamente para seu público que ainda não aderiu à TV paga, precisou se popularizar ao máximo� É a saga do fazer jornalismo popular com show, entretenimento e algum outro apelo que esteja além da própria cobertura� Já há algum tempo, a Rede Globo chama os 15 minutos entre o primeiro e segundo tempo de cada transmis- são de um jogo de futebol de “Show do Intervalo”� A economia e as relações sociais parecem, cada vez mais, sedimentadas pelo espetáculo do esporte na 3737 TV aberta� Para Cláudio Novaes Pinto Coelho (2006), “o mundo inteiramente dominado pela economia é o mundo espetacularizado: a representação da realidade aparece como realidade separada” (CO- ELHO, 2006, p�16)� Guy Debord (2003) destaca que esse modelo “reafirma o consumo de divertimentos, assim como a publicidade”� Ele, diz o autor, adiciona uma decoração ao mundo real, dimensionando a irrealidade da sociedade real (DEBORD, 2003)� Para Patrick Charaudeau (2009), o espetáculo re- presenta a hierarquia social, tornando a realidade individual dependente desse poderio� Abordar as mídias para tentar analisar o discurso de informação não é uma tarefa fácil� É mesmo mais difícil do que abordar o discurso político� Isso porque, enquanto se admite no mundo político, de maneira geral, que o discurso aí manifestado está intimamente ligado ao poder e, por conseguinte, à manipulação, o mundo das mídias tem a pretensão de se definir contra o poder e contra a manipula- ção da opinião pública – ainda que sejam para o bem-estar do cidadão; as mídias são criticadas por construírem um quarto poder; entretanto, o cidadão aparece com frequência como refém delas, tanto pela maneira como é representado, quanto pelos efeitos passionais provocados, efeitos que se acham muito distantes de qualquer pretensão à informação (CHARAUDEAU, 2009: 17)� 3838 Porém, como mostra Roland Barthes, o conceito de Esporte é muito mais amplo do que a simplificação adotada, em geral, pela imprensa esportiva� Englo- ba uma série de variáveis que vão muito além do entretenimento e da diversão, representando, em sua essência, padrões culturais e de identidade de uma dada sociedade ou comunidade (BARTHES, 2009)� Ao não enxergar tudo isso, a mídia de massa revela seu objetivo central da construção de um discurso único que busca reafirmar a cultura do consumo do esporte, aumentando, assim, sua importância econô- mica� As aproximações do conteúdo esportivo com o entretenimento são evidências desse processo� As emissoras de TV por assinatura pertencem a esse processo, mas, por dedicarem 24 horas diárias de sua programação ao esporte, possuem condições de trazer ao seu público, que paga por sua programação, um olhar diferenciado do produ- to esportivo� Talvez mais informativo, quem sabe mais educativo ao mostrar modalidades pouco acompanhadas pelo seu telespectador na “curta” grade de programação esportiva das emissoras da TV aberta� Um dos objetivos desta pesquisa foi verificar, na opinião do público, se isso de fato ocorre na programação das emissoras por assi- natura que atuam no segmento esporte� 3939 No momento da realização da pesquisa, em se- tembro de 2015, os principais players do mercado de TVs por assinatura que operavam no segmento esportivo eram cinco emissoras: BandSports, ESPN, Esporte Interativo, Fox Sports e SporTV� BandSports é um canal de televisão por assinatura, especializado em esporte, pertencente ao Grupo Bandeirantes de Comunicação� É, portanto, uma emissora brasileira� Foi lançado em 13 de maio de 2002 e apresenta, atualmente, como principais atrações da sua programação a Liga Diamante de Atletismo, a Fórmula Indy no Automobilismo, o Basquete da Liga Universitária norte-americana (NCAA) e a Super Liga de Futebol da China� ESPN Brasil é uma rede de televisão por assinatura brasileira, fundada em 17 de junho de 1995� É a franquia nacional da ESPN norte-americana, sendo a única filial controlada diretamente pela The Walt Disney Company, através da American Broadcas- ting Company� Conta, no seu capital, atualmente, com 20% de participação da Hearst Corporation, outro importante grupo de mídia sediado nos Estados Unidos� Transmite eventos esportivos de várias modalidades, tanto nacionais quanto internacionais, com destaque para as principais ligas profissionais do esporte norte-americano: futebol americano, beisebol, basquete e hóquei� No momento da realização da pesquisa, setembro 4040 de 2015, a emissora acabará de perder os direitos da UEFA Champions League, mais conceituada competição de futebol da Europa� O Esporte Interativo ou EI é outro canal brasileiro de televisão por assinatura pertencente a um importante grupo de mídia estrangeiro, a Turner Broadcasting System� Criado em 20 de janeiro de 2007, o canal passou ao controle do Grupo Turner em junho de 2013� A emissora dedica sua cober- tura a diversas modalidades esportivas, sobretudo o futebol� Em julho de 2015, e empresa adquiriu os direitos de transmissão da UEFA Champions League, até então em poder da ESPN Brasil� Já a Fox Sports Brasil é um canal de televisão por assinatura brasileiro pertencente ao Fox Entertainment Group� A emissora começou a operar no Brasil em 5 de fevereiro de 2012, com programação totalmente voltada para a cobertura esportiva� Antes do Brasil, o Fox Sports já estava presente em quase todos os países da América do Sul, América do Norte, América Central e Caribe, exceto na Guiana, Suri- name e Guiana Francesa� Os principais destaques na programação do canal são a Copa Libertadores (futebol), a Copa Sul-Americana (futebol), diversos campeonatos nacionais de futebol da Europa e eventos de artes marciais mistas� 4141 O SporTV, canal de televisão por assinatura brasileiro pertencente ao Grupo Globo, foi lançado em 19 de outubro de 1991 sob o nome de Top Sport, alterado para o atual em 1995� Em seu gênero, no Brasil, o SporTV foi pioneiro e também um dos primeiros canais do sistema Globosat�Sua programação apresenta como destaque as principais competições do esporte nacional� O canal é dono dos direitos de transmis- são, entre outros, dos Campeonatos Brasileiros de Futebol das Séries A e B, das Superligas Brasileiras Masculina e Feminina de Voleibol, da Liga Futsal e do Novo Brasil Basquete (NBB)� VALOR-NOTÍCIA, AGENDAMENTO E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO As diferentes opções de programação das principais emissoras por assinatura que operam no segmento esporte no Brasil permitem que entre em campo o conceito de “valores-notícia” (news values)� Para Nelson Traquina (2005), os valores-notícia são um elemento básico da cultura jornalística� “Ser- vem de ‘óculos’ para ver o mundo e para construir” (TRAQUINA, 2005, p� 94)� Traquina destaca que foi o acadêmico italiano Mauro Wolf que apontou que os valores-notícia estão presentes em todo o processo de produção editorial� Assim, ele ressalta que foi estabelecida pelo italiano a distinção entre os valo- res-notícia de seleção e valores-notícia construção� 4242 Segundo Wolf, os valores-notícia de seleção refe- rem-se a “critérios que os jornalistas utilizam na seleção dos acontecimentos, isto é, na decisão de escolher um acontecimento como candidato à sua transformação em notícia e esquecer o outro acontecimento” (TRAQUINA, 2005, p� 78)� Esses critérios são divididos em cinco categorias: As categorias substantivas são as mais óbvias, pois se classificam de acordo com o grau de importância dos envolvidos e o grau de interesse público; as categorias relativas ao produto, que estão divididas por critérios de brevidade, atualidade, qualidade e equilíbrio, referem-se especificamente à objetividade; as categorias relativas ao meio de informação, que estão divididas em graus de acessibilidade às fon- tes/locais em possibilidades/ limites de formação referem-se aos veículos� Na TV, por exemplo, há a necessidade de imagem e isso influencia a noticia- bilidade; as categorias relativas ao público, por sua vez, abordam critérios como serviço e protetividade; as categorias relativas à concorrência, cujo acesso exclusivo, conhecido como furo, parece ser o valor supremo, levam em conta o trabalho dos “colegui- nhas” de outros veículos (PENA, 2005, pp� 72-73)� Já os valores-notícias de construção, envolvem ou pressupõem “qualidades da sua construção como notícia e funcionam como linhas-guias para 4343 apresentação do material, sugerindo o que deve ser realçado, o que deve ser omitido, o que deve ser prioritário na construção do acontecimento como notícia” (TRAQUINA, 2005, p� 78)� Para Traquina (2005), a notoriedade do aconteci- mento ou do “ator principal” é valor-notícia funda- mental para o jornalismo� “É fácil visualizar este valor ao ver a cobertura de um congresso partidário e a forma como os membros da tribo jornalística andam atrás das estrelas políticas” (TRAQUINA, 2005, p�79)� A segunda questão crucial diz respeito à relevância do fato para as pessoas, ou seja, o interesse público� Nesse sentido, o autor pontua que este valor corresponde à preocupação de informar o público dos acontecimentos que são importantes porque têm impacto sobre ele� “Este valor-noticia determina que a noticiabilidade tem a ver com a capacidade do acontecimento incidir ou ter impacto sobre as pessoas, sobre o país, sobre a nação” (TRAQUINA, 2005, p� 80)� Todos esses elementos mencionados acima, fun- damentais na definição da pauta jornalística e na programação de um canal de televisão, parecem influenciar no entendimento que as emissoras esportivas por assinatura no Brasil possuem do seu público� Pelos resultados da pesquisa, pode- remos perceber uma nítida segmentação, entre o global e o local, em um mercado já segmentado, 4444 o de esportes, realizado pelos players que atuam no setor� Além disso, desde a década de 1960, com a expan- são da televisão como meio de comunicação de massa, a sociedade, em especial a capitalista, viu surgir aquilo que Guy Debord resumiria, em 1967, como “Sociedade do Espetáculo”� O pensador francês, ao analisar o relacionamento da sociedade com os meios de comunicação de massa, afirma que “tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (DEBORD apud BAHIA, 2012)� Em outras palavras, e como aponta José Aloise Bahia (2012) ao analisar a obra de Debord, é pela mediação das imagens e mensagens dos meios de comunicação de massa que os indivíduos em sociedade abdicam da dura realidade dos acon- tecimentos da vida, e passam a viver num mundo movido pelas aparências e consumo permanente de fatos, notícias, produtos e mercadorias� A sociedade do espetáculo é o próprio espetáculo, a forma mais perversa de ser da sociedade de con- sumo� (���) O espetáculo – diz Debord – consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, 4545 personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia� O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida� É a forma mais elaborada de uma sociedade que desenvolveu ao extremo o ‘fetichismo da mercadoria’ (felicidade identifica-se a consumo). Os meios de comunicação de massa – diz Debord – são apenas ‘a manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de consumidores (ARBEX apud BAHIA, 2012)� O espetáculo, apoiado pelo consumo e pelas ima- gens, substitui o diálogo que deveria existir nas relações sociais� Com isso, a seleção das pautas jornalísticas passou a ser regulada pelos interesses do “leitor-cliente” e não mais pelas demandas de cidadania. Modificaram-se os critérios de noti- ciabilidade, que também podem, atualmente, se segmentarem para o público mais “antenado” com o global e aquele mais preocupado com aquilo que está mais próximo dele� A crescente concorrência entre as empresas de comunicação fez com que o jornalismo passasse a privilegiar assuntos que englobam temas pes- soais de interesse do público, seja ele mundial ou 4646 nacional, e não mais temas de grande relevância social� O hiato entre interesso público e interesse do público parece ruir� A notícia torna-se, portanto, um produto, e como qualquer produto, está à venda para ser consumida com direito a apelos estéticos, emocionais e sensa- cionais� A informação, em um enquadramento geral, “torna-se um produto de comunicação de massa, comunicação de massa como indústria cultural e indústria cultural como fenômeno da sociedade urbana e industrializada� (���) essa necessidade lu- crativa é o que força a mídia, na maioria dos casos, a tentar atrair o público por meio de reportagens indecentes, (���) e, para não ver o índice de sua audiência cair, a mídia continua dando cobertura a esses tipos de casos (ANDRADE, 2012)� A notoriedade, o interesse público, a (busca pela) objetividade, os temas de caráter local-prático, o ineditismo e a imprevisibilidade (ERBOLATO, 2006) contribuem para um melhor entendimen- to das razões que levam jornalistas a incluírem determinadas pautas nos veículos para os quais trabalham� É facilmente observável, hoje em dia, que esta ferramenta dos valores-notícia está cada vez menos dando conta de explicar a opção dos pauteiros� 4747 Uma das maneiras de se entender parte do que está acontecendo talvez seja uma reflexão sobre a importância que a narrativa vem ganhando no jornalismo� O que poderia até ser entendido como um bem em si, desde que esta narrativa dissesse respeito a fatos, situações e circunstâncias de efetiva importância jornalística (SALOMÃO, 2004)� Alguns dos vértices da noção de valores-notícia assumiram, assim, a perspectiva do entretenimentoe do consumo� O conteúdo dos meios jornalísticos torna-se tendenciosamente repetitivo� Além dos critérios já mencionados, é possível citar outros valores-notícia mais comumente: como a proxi- midade e o conflito. (...) A proximidade, sobretudo em termos geográficos, mas também em termos culturais� Um acidente de avião com duas vítimas mortais em Caiscais poderá ser notícia num jornal de Lisboa, e possivelmente, mas com maior dificuldade, num jornal do Porto, mas dificilmente será num país estrangeiro. (TRA- QUINA, 2005, p� 84)� As escolhas de pauta são feitas menos pelo valor do seu conteúdo e mais pela narrativa que podem proporcionar, pelo compromisso que elas têm com o destinatário da informação e pela importância que esta informação terá na vida e na cidadania 4848 dele, o que naturalmente acaba por contemplar o interesse público. Isso ficará bem claro nos resul- tados obtidos na pesquisa� Metodologia e Resultados Em função dos objetivos propostos, a pesquisa realizada foi de natureza quantitativa, classificada como explicativa e descritiva� A investigação ex- plicativa tem como objetivo tornar algo inteligível, justificar os motivos de sua ocorrência. Já a pesquisa descritiva expõe características de determinada população ou de determinado fenômeno� O tamanho da amostra foi definido com base na metodologia proposta por Anderson, Sweeney & Williams (2013)� Para uma população de tamanho desconhecido e índice de confiança de 95%, foi definido que a amostra deveria atingir o número mínimo de 245 respondentes� Com base nisso, 350 questionários foram aplicados a estudantes universitários em diferentes instituições de ensino superior baseadas em cinco regiões da cidade de São Paulo (Zonas Leste, Oeste, Centro, Sul e Leste)� Após a análise das respostas, alguns questionários foram desprezados, e o universo da amostragem foi finalizado com 264 (duzentos e sessenta e quatro) respondentes� A aplicação dos questionários aconteceu entre os dias 01 e 20 de setembro de 2015� 4949 Vários resultados importantes foram obtidos� Aqui, em razão dos objetivos deste trabalho, vamos des- tacar apenas àqueles que julgamos mais relevan- tes� Após a realização da coleta e tabulação dos resultados, observamos os seguintes resultados, que ora passamos a apresentar� Quando perguntados sobre qual é seu canal de TV por assinatura preferido para assistir esporte, 134 entrevistados (50,67%) afirmaram ser o SporTV. Em segundo, com 80 indicações (30,30%) apareceu a ESPN (Figura 2)� Os dados obtidos confirmaram as informações constantes do IBOPE Media Network (2015), que apontaram o SporTV como o canal por assinatu- ra especializado em esportes mais assistido do Brasil� Quando perguntados de forma espontânea sobre as razões pelas quais o SporTV é seu canal preferido, várias respostas apareceram� A atenção dada ao canal brasileiro para uma va- riedade maior de modalidades esportivas aparece como principal motivo para a preferência da audi- ência� Modalidades como voleibol, basquete, judô, futsal, automobilismo e tênis foram mencionadas com destaque nas respostas obtidas� Outro fator que atrai a atenção da preferência dos consumi- dores do SporTV são os produtos oferecidos pela emissora� Campeonatos Brasileiros de Futebol das 5050 Séries A e B, NBB (Nova Liga Brasil de Basquete), Superliga Masculina e Feminina de Vôlei, Torneio de Tênis de Wimbledon, Liga Nacional de Futsal e outras competições foram lembradas pelos respondentes� Além do exposto acima, algumas menções dos respondentes merecem destaque� A equipe de apre- sentadores e jornalistas da emissora foi apontada como importante elemento para a preferência pelo canal� A existência de três canais SporTV (mencio- nada no item Esporte 24 hs) para veiculação dos programas do canal também é visto com bons olhos pelos respondentes� A ampla cobertura, com reportagens fora do eixo RJ-SP, foi mencionada como importante diferencial do canal� O fato de pertencer às Organizações Globo foi mencionado, como motivo para sua preferência, por um único respondente da nossa amostra� Não oferece, assim, relevância na decisão de consumo do canal SporTV pela audiência� Para efeito de comparação, julgamos interessante repetir a pergunta feita sobre as razões pelas quais o SporTV é meu canal de esporte preferido para seu principal concorrente, a ESPN� Os resultados obtidos foram semelhantes� 5151 A audiência prefere a ESPN pela qualidade de sua equipe de apresentadores, jornalistas e comenta- ristas� Chama a atenção, aqui, que boa parte dos respondentes considera a equipe de profissionais da ESPN mais isenta, imparcial e crítica, do que a equipe de profissionais do SporTV. Os produtos oferecidos pela ESPN também funcio- nam como elemento de atração para o consumo do canal� Porém, ao contrário do SporTV, cujos princi- pais produtos lembrados pelos respondentes foram ligas e campeonatos que acontecem no Brasil, os produtos mais lembrados pelos respondentes que preferem os canais do grupo Disney estão ligados ao esporte profissional dos Estados Unidos, como a NFL (futebol americano), NBA (basquete), MLB (beisebol) e NHL (hóquei no gelo)� Considerações Finais Em função dos resultados obtidos é possível afirmar que o SporTV, pertencente ao Grupo Globo, uma empresa brasileira, é realmente o canal especiali- zado em esporte líder em seu segmento� A variedade de modalidades esportivas que com- põem a grade de programação do canal e seu cardápio de produtos composto por competições de caráter nacional são fatores fundamentais para a liderança do SporTV no segmento de canais es- pecializados em esporte� Tal constatação reforça 5252 o que Traquina (2005) afirma quando coloca a proximidade como um dos principais elementos que dão valor a notícia� Competições nacionais, como os Campeonatos Brasileiros de Futebol das Séries A e B, a Nova Liga Nacional de Basquete (NBB), as Superligas Feminina e Masculina de Vôlei e a Liga Nacional de Futsal são os principais produtos do SporTV e fator de decisão do consumidor na hora de escolher um canal especializado em esporte para assistir� A cobertura jornalística do SporTV, com reportagens de diversas modalidades e matérias fora do eixo Rio-São Paulo, também é percebida de forma positiva pelo consumidor� As lentes do SporTV, por ser uma emissora nacional, estão mais voltadas, aos olhos do público, para notícias mais locais, próximas da realidade do seu público (TRAQUINA, 2005)� Porém, e na contramão do exposto acima, o fato de pertencer ao Grupo Globo faz com que a equipe de profissionais do SporTV (apresentadores, jor- nalistas e comentaristas) seja vista como parcial, pouco crítica e comprometida com interesses específicos de pessoas que dirigem o “corrupto” futebol brasileiro� As escolhas das pautas sofrem, assim, influência em função da propriedade do evento (TRAQUINA, 2005)� 5353 A ESPN, por outro lado, apresenta produtos ali- cerçados nos esportes norte-americanos e nos principais campeonatos de futebol da Europa� Por pertencer à uma empresa estrangeira, talvez seus óculos da realidade estejam voltados para uma realidade mais global, mais espetacular, que acaba por atingir um público com maior nível de renda (DEBORD apud� BAHIA, 2012)� A equipe de profissionais da ESPN, mais distanciada de conexões locais, é vista pelo público como mais isenta, mais crítica e com conhecimento melhor do esporte, se comparada com os apresentadores, jornalistas e comentaristas do SporTV� Assim, em função da qualidade dos seus profissionais, os programas jornalísticos e de variedades produzidos e veiculados pela ESPN são considerados pelo público como de qualidade superior aos similares produzidos pelo SporTV� Em suma, o SporTV, empresa brasileira, oferece va- riedade de modalidades e produtos, quantidade de programas e esportes e produtos nacionais, mais próximos do consumidor brasileiro� Já a ESPN, emis- sora global, oferecemenor variedade de programas e modalidades, equipe de profissionais de melhor qualidade e esportes e produtos internacionais, mais próximos de indivíduos que se enxergam globalizados Fonte: Rocco Júnior (2016, p� 1-15)� 5454 Comparando pesquisa qualitativa com pesquisa quantitativa Ao analisar os exemplos de cada tipo de pesquisa, podemos observar diferenças principalmente nos capítulos voltados à apresentação da metodologia, da coleta de dados e da apresentação dos resultados� Fica claro o foco subjetivo da pesquisa qualitativa, voltado à análise e apresentação das opiniões dos torcedores em relação ao objeto de estudo� Já na pesquisa quantitativa, os resultados apresen- tam em enfoque mais objetivo, transformando a opinião dos respondentes em dados quantitativos quantificáveis. Outras diferenças relevantes estão na determinação da amostra e no instrumento de coleta de dados utilizados em cada estudo� Na pesquisa qualita- tiva, a amostra contou com 40 respondentes, e o instrumento utilizado foi um roteiro de entrevista, que permite um maior aprofundamento nas res- postas dos sujeitos entrevistados� Por sua vez, na pesquisa quantitativa foi aplicado um questionário autopreenchível em 350 sujeitos, tendo sido des- cartados 86 respostas em função de incorreções em seus preenchimentos� É importante frisar que tanto a pesquisa qualita- tiva quanto a quantitativa apresentam em seus 5555 procedimentos vantagens e desvantagens uma em relação à outra (Tabelas 1 e 2)� Assim, cada uma tem suas indicações conforme a necessidade do estudo e as intenções do pes- quisador� Vale salientar que, em muitos estudos, são utilizadas ambas as abordagens, evidenciando a relação de complementaridade, havendo tam- bém estudos puramente qualitativos e puramente quantitativos� Tabela 1: Comparativo entre pesquisa qualitativa e quantitativa� Aspecto Pesquisa quantitativa Pesquisa qualitativa Enfoque na interpreta- ção do objeto Menor Maior Importância do contex- to do objeto pesquisado Menor Maior Proximidade do pesqui- sador em relação aos fenômenos estudados Menor Maior Alcance do estudo no tempo Instantâneo Intervalo maior Quantidade de fontes de dados Uma Várias Ponto de vista do pesquisador Externo à organização Interno à organização Quadro teórico e hipóteses Definidas rigorosamente Menos estruturadas Fonte: Fonseca (2002, p� 21)� 5656 Tabela 2: Comparativo entre pesquisa quantitativa e qualitativa� Pesquisa quantitativa Pesquisa qualitativa Focaliza uma quantidade pequena de conceitos Tenta compreender a tota- lidade do fenômeno, mais do que focalizar conceitos específicos Inicia com ideias preconce- bidas do modo pelo qual os conceitos estão relacionados Possui poucas ideias precon- cebidas e salienta a impor- tância das interpretações dos eventos mais do que a interpretação do pesquisador Utiliza procedimentos estrutu- rados e instrumentos formais para coleta de dados Coleta dados sem instrumen- tos formais e estruturados Coleta os dados mediante condições de controle Não tenta controlar o contex- to da pesquisa, e sim captar o contexto na totalidade Enfatiza a objetividade na coleta e análise dos dados Enfatiza o subjetivo como meio de compreender e inter- pretar as experiências Analisa os dados numéricos por meio de procedimentos estatísticos Analisa as informações narra- das de uma forma organizada, mas intuitiva Fonte: Gerhardt e Silveira (2009, p� 34)� 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste módulo, aprofundamos os conhecimentos sobre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quanti- tativa� Analisamos os aspectos característicos de cada tipo de pesquisa em relação à sua abordagem� Ao apresentar as diferenças conceituais entre ambas abordagens, conseguimos trazer à tona as características de cada uma, sobretudo em relação à definição das amostras, o tipo de instrumento de coleta e a forma de coleta, análise e apresentação dos resultados� A escolha entre dois tipos deve ocorrer em função dos objetivos do pesquisador, além das carac- terísticas do estudo, ficando claro que cada um apresenta vantagens e desvantagens em relação ao outro� Conforme já destacado anteriormente, podem ser conduzidas investigações puramente qualitativas, exclusivamente quantitativas ou a partir da com- binação de ambas as abordagens� Portanto, o fundamental é que o pesquisador esteja seguro quanto aos seus objetivos e siga rigorosa- mente os preceitos metodológicos da abordagem escolhida, tendo clareza dos seus os pontos fortes e das suas limitações� Referências Bibliográficas & Consultadas APPOLINÁRIO, F� Metodologia científica� São Paulo: Cengage, 2016 [Minha Biblioteca]� CERVO, A� L�; BERVIAN, P� A�; SILVA, R� Metodologia científica� 6� ed� São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007 [Biblioteca Virtual]� FLICK, U� Introdução à metodologia de pesquisa: um guia para iniciantes� Porto Alegre: Penso, 2012 [Minha Biblioteca]� FONSECA, J� J� S� Metodologia da pesquisa científica� Fortaleza: UEC, 2002� GALLIANO, A� G� O método científico: teoria e prática� São Paulo: Harbra, 1986� GERHARDT, T� E�; SILVEIRA, D� T� (Orgs�)� Métodos de pesquisa� Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS e Curso de Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS (Coords�)� Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009� Disponível em: http://www�ufrgs�br/cursopgdr/ downloadsSerie/derad005�pdf� Acesso em: 05 jan� 2021� GIL, A� C� Como elaborar projetos de pesquisa� 4� ed� São Paulo: Atlas, 2007 Günther H� Pesquisa qualitativa versus pesquisa quantitativa: esta é a questão? Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília (DF), vol� 22, n� 2, maio/ago� 2006� p� 201-210� Disponível em: https://www�scielo�br/pdf/ptp/v22n2/a10v22n2� pdf� Acesso em: 06 jan� 2021� LAKATOS, E� M�; MARCONI, M� A� Metodologia do trabalho científico: projetos de pesquisa / pesquisa bibliográfica/ teses de doutorado, dissertações de mestrado, trabalhos de conclusão de curso� 8� ed� São Paulo: Atlas, 2017 [Biblioteca Virtual]� MASCARENHAS, S� A� Metodologia científica� São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2012� MORROW JR, J� R� et al� 1958–2008: 50 years of youth fitness tests in the United States. Research Quarterly for Exercise and Sport, v� 80, n� 1, p� 1-11, 2009� NASCIMENTO, L� P� Elaboração de projetos de pesquisa: monografia, dissertação, tese e estudo de caso, com base em metodologia científica� São Paulo: Cengage Learning, 2012 [Minha Biblioteca]� PAJANIAN, F., SIQUEIRA, J.P.L. Influência da venda de um ídolo na relação de um clube com sua principal torcida organizada� Anais do II Encontro de Gestão do Esporte e Entretenimento� 2014� p� 31-41� REIS FILHO, A� D�; RAVAGNANI, F� C� P�; OLIVEIRA, M� P� P�; FETT, C� A� et al� Comparação entre diferentes aparelhos de bioimpedância para avaliação do percentual de gordura� Revista Brasileira Ciência & Movimento, v� 19, n� 2, jul�/dez� 2011� p� 5-12� Disponível em: https:// portalrevistas�ucb�br/index�php/RBCM/article/ viewFile/2183/1893� Acesso em: 06 jan� 2021� ROCCO JR, A� J� O global e o local no perfil da audiência das TVs por assinatura especializadas em esporte no Brasil� In Anais do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação� INTERCOM� 2016; 1-15� SANTOS, J� A� Metodologia científica� 2� ed� São Paulo: Cengage Learning, 2011 [Minha Biblioteca]� SHAUGHNESSY, J� J�; ZECHMEISTER, E� B�; ZECHMEISTER, J� S� Metodologia de pesquisa em psicologia� 9� ed� Porto Alegre: AMGH, 2012 [Minha Biblioteca]� SILVA, A� M� Metodologia da Pesquisa� 2� ed� Fortaleza: Universidade Aberta do Brasil, 2015� SOUZA, E� L� et al� (Orgs�)� Metodologia da pesquisa: aplicabilidade em trabalhos científicos na área da saúde� 2� ed� Natal: EdUFRN, 2019� TEIXEIRA, J� S�; FERREIRA, M� E� C� Metanálise de pesquisas sobre qualidade de vida, saúde e bem-estar subjetivo no envelhecimento� HU Revista, Juiz de Fora, v� 41, n� 1 e 2, jan�/ jun� 2015� p�41-53� Disponível em: https:// periodicos�ufjf�br/index�php/hurevista/article/ view/2469/812� Acesso em: 4 jan� 2021� THOMAS, J� R�; NELSON, J� K�; SILVERMAN, S� J� Métodos de pesquisa em atividade física� 6� ed� Porto Alegre: Artmed, 2012� TRIVIÑOS, A� N� S� Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação� São Paulo: Atlas, 1987� ZANELLA, L� C� H� Metodologia da pesquisa� Florianópolis: SEAD/UFSC, 2006� INTRODUÇÃO AVALIAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS EM EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTES: ASPECTOS QUALITATIVOS E QUALITATIVOS A PESQUISA CIENTÍFICA TIPOS DE PESQUISA E ABORDAGEM VALOR-NOTÍCIA, AGENDAMENTO E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO CONSIDERAÇÕES FINAIS Referências Bibliográficas & Consultadas